O bom é entender que não escolhemos nossos pais, que eles não são perfeitos e nem temos como determinar como deveriam agir conosco. Eles fazem suas escolhas, com as ferramentas que possuem e vão até onde estão autorizados a ir
Suponho que não haja nada mais idealizado que a maternidade. Idealizamos e também naturalizamos, como se ela fosse resultante de uma maravilhosidade própria da mulher e não algo que muitas vezes é imposto como via régia do feminino. Como se uma mulher que não se torna mãe fosse incompleta e imperfeita.
As mães exaltadas nutrem, cuidam, se dedicam, amam incondicionalmente, acalentam, e são até mesmo capazes de abdicar de si mesmas e de suas próprias vidas em prol do filho. Tanto que um abandono de pai é aceito e até esperado, mas abandono de mãe revolta, é algo realmente inaceitável.
No meu campo de trabalho lido cotidianamente com as mães de pessoas com problemas mentais de toda ordem. Na infinita maioria dos casos, são elas que se responsabilizam pelo cuidado do filho, enquanto que o número de pais que abandonam a família com o aparecimento da doença é enorme.
Vendo essas mães, muitas delas solitárias e completamente anuladas na vida pela condição de cuidadoras, sempre me pergunto:
Será que elas não teriam escapado da maternidade se tal saída fosse mais acessível e aceitável? Será que o que chamamos de amor incondicional de mãe – esse que faz a mulher anular a si mesma pelos filhos – não é apenas efeito de um ideal de maternidade por meio do qual valorizamos a mulher, mas também a aprisionamos? Será quantas vezes essas mães também já tiveram vontade de abandonar tudo para viver uma vida própria, que não fosse a dos filhos? Será que elas não cederam a tal desejo, simplesmente, porque seria considerado um pecado imperdoável para elas? Será mesmo as mães seriam tão boas, dedicadas e perfeitas se a sociedade não fosse tão dura e cruel em cobrar isso delas?
Questões aos filhos:
Você acha mesmo que é tão especial e maravilhoso a ponto de pensar que ser sua mãe seria suficiente para satisfaze-la, e que faria ela não desejar mais nada além disso? Você acha mesmo que sua mãe não seria capaz, e até gostaria muito, de se ausentar mais vezes das suas responsabilidades como mãe se isso não fosse tão interditado para ela? Você acredita que não houve nenhum momento em que sua mãe se assustou com a maternidade, se sentiu impotente ou odiou ter que cuidar de você, e sentiu vontade de abandonar tudo? Você acha que ela não teria partido se a culpa não fosse tão pesada para ela?
Você acha mesmo que sua mãe prefere cuidar de você e das responsabilidades maternais ao invés de se ocupar das coisas que realmente gosta de fazer sozinha ou com outras pessoas que não você? Você acha que ela não seria um pouco mais “egoísta” caso fosse autorizada a ser?
Questões a nós mulheres:
Quem sabe nós mulheres não recuaríamos tanto quanto os homens quando o assunto é criar filhos, caso tivéssemos mais autorizadas a isso?
Quem sabe nosso sucesso como mulher esteja ligado à uma certa queda no ideal da maternidade?
Quem sabe teremos filhos mais maduros e responsáveis se estivermos mais dispostas a recuar e sem medo de errar como mães?
E quem sabe se nos autorizássemos mais a vacilar como mães teríamos mais pais se sentindo obrigados a sustentar sua função?
Eu tenho mais perguntas do que respostas para este tema, mas tendo a não comprar a ideia de que idealizar a maternidade seja boa uma estratégia para valorizar a mulher ou o feminino. Tendo a pensar que isso só tem nos aprisionado numa perfeição que não é natural, mas imposta. Há quem defenda que os homens devam ser como as mulheres no quesito cuidar da prole, eu proporia exatamente o contrário: que nós mulheres fôssemos mais autorizadas a fracassar, tal como os homens.
Ao que parece, estou fazendo um textão anti-mães para o dia das mães, O fato é que não é fácil ser pai e mãe, e que todos fracassamos em alguma medida, e a diferença pode ter sido apenas essa: SEU PAI FOI AUTORIZADO A FRACASSAR E SUA MÃE NÃO.
O bom é entender que não escolhemos nossos pais, que eles não são perfeitos e nem temos como determinar como deveriam agir conosco. Eles fazem suas escolhas, com as ferramentas que possuem e vão até onde estão autorizados a ir, cabe a nós como filhos, apenas decidir se vamos amá-los mesmo assim, ou não.
E o melhor de tudo é saber que amar não tem nada a ver com sucesso ou fracasso.