Eu não sou discriminada porque eu sou diferente, eu me torno diferente através da discriminação – Grada Kilomba
Esta obra prima do cinema de Bollywood, a maior indústria de cinema indiana, nos traz à tona um assunto que deve ser insistentemente debatido, que é a efetividade do aprendizado e seus modelos arcaicos e a intolerância dos pais em relação às dificuldades de aprendizagem dos filhos. Podemos, através do filme, sentir e chorar junto à realidade que nos é mostrada com tanta primazia, o quão excludente estas práticas podem se tornar.
Com grande frequência as crianças que se apresentam com dislexia são denominadas de “Ineptos, tolos, lesos”. Os rótulos são diversos: “Isso é só preguiça, vive com a cabeça nas nuvens, isso é pirraça não faz porque não quer”. Isso gera na criança um grande desestímulo e uma grande vontade de desistir de tudo.
E é sobre esta exclusão e a solidão que recai sobre o sujeito, que vamos tratar neste presente texto, é sobre este processo em que o indivíduo vai se afastando do mundo e das pessoas e fazendo rupturas com as mesmas e consigo mesmo, trazendo grandes prejuízos para a autoestima e de socialização. Junto a estes sentimentos, são característicos também a ansiedade e o medo, que são reações fisiológicas que acompanham os indivíduos frente a situações adversas, situações as quais eles não sabem compreender, e consequentemente eles se isolam. O pior é que estes sentimentos podem acompanhar os indivíduos ao longo de suas vidas, trazendo enormes sequelas tanto em sua vida pessoal quanto social.
No caso do jovem Ishaan (Darsheel Safary), protagonista do filme, ele tem grande dificuldade em absorver os conteúdos ofertados no núcleo escolar, não consegue escrever e tampouco compreender o alfabeto. Após várias reclamações dos professores, o pai tem a crença de que Ishaan não faz as tarefas por falta de vontade e por falta de compromisso. Decide levá-lo a um internato, o que faz o menino a entrar em um estado letárgico de depressão. Ele se sente excluído, abandonado e tem indícios de ideações suicidas, deixados implícitos durante a trama.
O quanto de exclusão e solidão um sujeito pode aguentar, qual o limite de não compreender o que ocorre ao seu redor uma pessoa pode suportar, quantos socorros são gritados sem eco?
Segundo estudiosos, as características mais comuns em famílias com pessoas que encontram obstáculos para empreender suas aprendizagens, está no fato de que não sabem ou não tem o manejo de lidar com o que é diferente do usual, e passam a ver o filho (a) como um empecilho na harmonização diária, uma ameaça ao sossego.
As escolas, por sua vez, se isentam da responsabilidade. Sem profissionais capacitados, se apresentam mais como um prejuízo ao indivíduo, do que uma mão estendida; logo, acionam os pais despreparados para uma possível tomada de caminhos, um diagnóstico neste sentido, acalmaria os ânimos e deixaria ambas as partes eximidas de culpa, responsabilidade e agravos. Assim, os consultórios e clínicas escolas somam longas filas de espera, e os laboratórios lucram com a ignorância sobre o assunto.
É um problema complexo e que necessita ter um olhar mais atento, dizer que pais sem recursos e que lutam de sol a sol para garantir o mínimo para sobreviver, teriam como manejar esta situação, seria um “viver num mundo de Alice”, mas as escolas sim, tem como ofertar um ensino inclusivo de qualidade e uma conscientização maior a estes pais, com palestras educativas, panfletos, reuniões, isso não é um mundo irreal, é uma necessidade urgente.
Nosso sistema educacional é muito falho para se conscientizar que cada aluno é um caso, que os sujeitos têm em si particularidades diferentes. Temos que despertar, enquanto sujeitos sociais, se cada um fizer sua parte, assim como uma lição de casa, podemos falar sobre isso, trazer estes assuntos à tona, e através desses pequenos movimentos levar as pessoas (pais, educadores ou não) a ter um olhar mais terno e de acolhimento em direção as nossas crianças que se encontram em dificuldades.
Somos educados para enaltecer as qualidades e rechaçar quem se encontra com problemas, não paramos e olhamos para trás para observar os agravos que causamos com esta prática. Vamos ser mais solidários com as dificuldades, um olhar mais atento ao outro, para que a partir daí possamos observar transformações. Mestres como Papalia e Feldman (2013) nos conscientizam de que a aprendizagem é o resultado das interações entre crianças e adultos. “Este tipo de aprendizagem ajuda crianças a cruzarem a zona de desenvolvimento proximal, ou seja, a capacidade de interação entre aquilo que já são capazes de fazer e aquilo que ainda não estão aptas a realizarem sozinhas”.
Ainda segundo Davis:
O disléxico processa o pensamento e a consciência fonológica de forma desorientada ele reitera que “ele deve ser visto como uma criança com limitações, mas não impossibilidades, e que com as adaptações e modificações necessárias ele poderá ser tão genial quanto alguém não disléxico”. (DAVIS 2004, P. 43).
Sobre ser genial, vamos acompanhar a citação de Davis e rememorar nossos ícones, não podemos deixar de lembrar em nossa história homens notáveis que sofreram com a dislexia e que se mostraram verdadeiros vencedores em sua adultez. Foram eles:
Leonardo Da Vinci (1452-1519); Vincent Van Gogh (1853-1890); Albert Einstein (1879-1955); Pablo Picasso (1881-1973); Whoopi Goldberg (n. 1955); Steven Spielberg (n. 1946); Agatha Christie (1890-1976), Charles Darwin (1809-1882), entre tantos outros. Com certeza estes indivíduos antes de superarem e se mostrarem além de um diagnóstico, sofreram dos males que advém desta dificuldade e sentiram-se também não inclusas em seus meios familiares e sociais.
Segundo Sartre (1943/2011, “l. 2”), o fenômeno de ser visto pelo outro assume importância capital na constituição de uma pessoa, pois sem o olhar do outro ela não se sentiria objetivada e situada em um determinado espaço, existindo concretamente como corpo físico e com possibilidade de refletir sobre quem se é.
Enfim, no filme o jovem Ishaan encontra em seu professor o apoio e a mão que ele necessitava para ser finalmente compreendido, e nossos Ishaans pelo mundo afora, podem contar com quem?
FICHA TÉCNICA
Como Estrelas Na Terra (Taare Zameen Par) – Índia, 2007Direção: Aamir Khan
Roteiro: Amole Gupte
Elenco: Darsheel Safary, Aamir Khan, Vipin Sharma, Tisca Chopra, Sachet Engineer, Tanay Chheda, Girija Oak, Meghna Malik, Sonali Sachdev, Rajgopal Iyer, M.K. Raina
Duração: 165 Minutos
REFERÊNCIAS
Associação Portuguesa de dislexia.. Famosos com dislexia. Disponívem em: https://www.dislex.co.pt/famosos-com-dislexia.html. Acesso em 08/08
CARDOSO, Marcélia Amorim; FREITAS, Ana Carolina Abi-Chacra de Campos. Dislexia: apontamentos e reflexões. Revista Educação Pública, v. 19, nº 29, 12 de novembro de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/29/dislexia-apontamentos-e-reflexoes. Acesso em 08/08/2022
NAUFEL, Georgia Denani et al . PERCEPÇÃO DA FAMÍLIA FRENTE AO DIAGNÓSTICO DE TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM. Revista Educação Inclusiva – REIN, Campina Grande, PB, v.5, n.01, jan/dez. – 2021, PUBLICAÇÃO CONTÍNUA – 2021
GARCIA, Wallisten Passos; Pereira Ana Paula Almeida. A pessoa com deficiência intelectual e a compreensão de sua existência. Rev. abordagem gestalt. vol.27 no.2 Goiânia maio/ago. 2021.http://dx.doi.org/10.18065/2021v27n2.5.