Um Senhor Estagiário: inserção da mulher no mercado de trabalho e os novos modelos familiares

Um Senhor Estagiário “The Intern”, longa metragem lançado em 2015, dirigido e roteirizado por Nancy Meyers, seu enredo é ambientado numa sucedida “loja” de vendas online, contudo tal ambiência é apenas pano de fundo para temáticas que estão intrínsecas aos modos de ser e viver contemporâneo que suscitam discussões. Dentre os quais se destaca a inserção da mulher no mercado de trabalho, este que é objeto de estudo deste trabalho.

Contudo, para que a imersão ao tema seja agradável se faz necessário mergulhar na história de Bem Whitaker, viúvo, 70 anos, aposentado, e que trabalhava em uma gráfica de lista telefônicas. Após a aposentadoria o personagem embarcou em diversas “aventuras”, contudo os momentos felizes se tornam fugasses, e a cada partida ele volta ainda mais vazio. E  justamente com o intuito de vivenciar novos horizontes, novas oportunidades que o faça se sentir ativo/vivo acaba encontrando essa oportunidade em um panfleto que informa vaga de estagiário sênior em um site de vendas de roupas online.

Jules Ostin, criadora de um site conseguiu expandir e destacar seus negócios obtendo um grande sucesso rapidamente, por ser a autora de tamanho resultado, ela faz parte de todos os setores da empresa e evidentemente encontra-se sobrecarregada. No processo seletivo, Ben consegue preencher uma das vagas e se torna o estagiário pessoal de Jules. Ao longo do enredo foi possível notar a importância dos laços afetivos que foram estabelecidos entre estes personagens, onde a experiência profissional e pessoal do sênior estagiário pode agregar inúmeros valores positivos na evolução da gestora.

O contexto histórico da inserção da mulher no mercado de trabalho

O filme destaca a mulher como papel central na organização, contudo este lugar que a personagem ocupa foi anos lugar comum do gênero masculino. Neste interim, se faz relevante diferenciar sexo e gênero, já que estes são frequentemente confundidos. Nas palavras de Cabral e Diaz (1998) sexo refere-se às diferenças biológicas entre homem e mulher, seus aparelhos reprodutores, suas funções diferenciadas decorrentes de seus hormônios. Gênero refere-se às relações sociais desiguais de poder entre homens e mulheres que são o resultado de uma construção social do papel do homem e da mulher a partir das diferenças sexuais.

O papel do homem e da mulher é culturalmente constituído e muda conforme a evolução da sociedade. As relações de gênero são efeito de um processo que se inicia no berço e continua ao longo de toda a vida, sendo reforçadas diariamente pela desigualdade existente entre homem e mulher, principalmente em torno a quatro eixos: a sexualidade, a reprodução, o âmbito público/cidadania e a divisão sexual do trabalho, sendo esse último o mais aprofundado aqui. No Artigo 113, inciso 1 da Constituição Federal, “todos são iguais perante a lei”. Contudo, desde o século XVII, período em que o movimento feminista começou a crescer, as mulheres vêm tentando colocar em prática essa lei.

Segundo Querino, Domingues e Luz (2013), a inserção da mulher ao mercado de trabalho, consolidou-se durante as I e II Guerras Mundiais (1914 – 1918 e 1939 – 1945, respectivamente), quando os homens se deslocavam para as frentes de batalha e as mulheres assumiam os negócios da família e a posição dos homens no mercado de trabalho. Ao retornarem, muitos deles encontravam-se impossibilitados de retornar ao trabalho, com isso, as mulheres sentiam-se na obrigação de deixar a casa e os filhos para levar adiante os projetos e o trabalho que eram realizados pelos seus maridos.

No século XIX, conforme denota Schlickmann e Pizarro (2013), com o desenvolvimento tecnológico e o intenso crescimento das maquinas, boa parte da mão-de-obra feminina foi transferida para as fábricas. Desde então, algumas leis passaram a beneficiar as mulheres. Ficou estabelecido na Constituição de 32 benefícios como a não distinção dos sexos em relação ao valor salarial, ficava vedado o trabalho feminino das 22 horas às 5 da manhã, além da proibição do trabalho da mulher grávida durante o período de quatro semanas antes do parto e quatro semanas depois.

De acordo com Probst (2005), embora tenha tido conquistas, algumas formas de exploração continuaram durante muito tempo. Jornadas entre 14 e 18 horas e diferenças salariais acentuadas eram comuns. A justificativa desse ato estava centrada no fato de o homem trabalhar e sustentar a mulher. Desse modo, não havia necessidade de a mulher ganhar um salário equivalente ou superior ao do homem.

Pelo fator biológico que a mulher é quem engravida e dá de mamar, foi atribuído a ela a totalidade do trabalho reprodutivo, bem como ficar em casa, cuidar dos filhos e realizar o trabalho doméstico. A situação nos últimos tempos tem mudado e cada vez mais um número maior de mulheres está saindo do lar e estão ingressando no mercado de trabalho, no entanto, as desigualdades ainda permanecem.

Probst (2005) descreve que no Brasil, 41% da força de trabalho é exercida por mulheres, no entanto apenas 24% dos cargos de gerência são ocupados por elas. A parcela de mulheres nos cargos executivos das 300 maiores empresas brasileiras subiu de 8%, em 1990, para 13%, em 2000. De forma geral, as mulheres brasileiras recebem, em média, o correspondente a 71% do salário dos homens, ou seja, ganham cerca de 30% a menos mesmo exercendo a mesma função. E entre os que recebem mais de vinte salários, apenas 19,3% são mulheres.

Sob a ótica do contexto histórico, observa-se que o trabalho da mulher sempre foi menos remunerado do que o do homem. Seja por produzirem menos no início da industrialização, por trabalharem com bens de menor valor no mercado, por trabalharem em empregos que exigem menor qualificação ou por terem uma menor jornada de trabalho. O fato é que tais diferenças salariais ainda persistem até hoje.

Essa busca pela superação empreendida pelas mulheres tem se refletido em taxas de atividade, ocupação escolaridade crescentes e, muitas vezes, com aceleração superior às masculinas, apesar dos homens ainda serem superiores quantitativamente e apresentarem menores índices de desemprego. As mulheres têm marcado as últimas décadas mostrando autoridade no trabalho desenvolvido e força para encarar os desafios apresentados por um mercado de trabalho tradicionalmente dominado e direcionado por homens, transmitindo essa mudança de hábitos com a clareza e sensibilidade necessárias e explicitando o erro de descriminar e diminuir o sexo feminino privando-o as tarefas, primordialmente domésticas.

A mulher na organização e os novos moldes familiares

Viver uma vida familiar harmoniosa na contemporaneidade não é uma tarefa fácil e quando se trata de educar os filhos fica mais complexa ainda para os pais. Embora isso não signifique que tais responsabilidades sejam compartilhadas de forma igualitária entre o casal. Diversas pesquisas apontam que as mães têm a tendência a envolver-se mais do que os pais na rotina da criança e, geralmente, estão à frente do planejamento educacional de seus filhos (Gauvin & Huard, 1999; Stright & Bales, 2003).

Porém, observa-se um número crescente de pais que também compartilham com a esposa ou até mesmo assumem as tarefas educativas e a responsabilidade de educar os filhos, buscando adequarem-se às demandas da realidade atual. Essas situações parecem refletir aspectos do processo histórico que se sucedeu no decorrer do século XX provocando transformações no exercício da tarefa educativa nas famílias. Durante a década de 1930 até meados da década de 1980, os pais, geralmente, desempenhavam suas tarefas educativas baseados na tradicional divisão de papéis segundo o gênero (Biasoli-Alves, Caldana & Dias da Silva, 1997).

Principalmente, a partir da década de 1980 os papéis parentais passaram por transformações mais consistentes, apesar de suas representações ainda estarem relativamente marcadas por modelos tradicionais de parentalidade e paternidade (Trindade, Andrade & Souza, 1997). Importantes fenômenos e movimentos sociais, tais como, a entrada das mulheres no mercado de trabalho e sua maior participação no sistema financeiro familiar acabaram por imprimir um novo perfil à família contemporânea.

Tem-se visto que a estrutura familiar tradicional, com o pai como único provedor e a mãe como única responsável pelas tarefas domésticas e cuidado dos filhos, o que vêm ocorrendo na maioria das famílias brasileiras de nível sócio-econômico médio é um processo de transição. Atualmente, em muitas famílias já se percebe uma relativa divisão de tarefas, na qual pais e mães compartilham aspectos referentes às tarefas educativas e organização do dia-a-dia da família.

Diante deste recorte histórico, o longa aborda bem esta transição para novas concepções do modelo familiar contemporâneo, onde o esposo se torna pai em tempo integral, responsável pelas atividades domésticas e a esposa que trabalha fora, no caso é empreendedora, tem seu próprio negócio. O casal possui uma filha de 6 anos, e por falta de ajustes na relação, entra em crise. Por um lado, a esposa que é bem-sucedida na profissão, torna-se workaholic, esquecendo-se, muitas vezes, de seus outros papeis. Do outro lado, está o esposo acomodado ao papel de pai integral e insatisfeito com o casamento, trai a esposa.

Neste contexto, por meio da observação, o estagiário sênior, faz a leitura exata do prejuízo que está ocorrendo com a família de sua chefe. Escuta, reflete, opina e a ajuda a tomar algumas decisões importantes. Ela ao perceber que está sendo traída, resolve buscar alternativa de contratar um CEO, que é um supervisor que ficará à frente da empresa, contudo no fundo não é o seu desejo, pois ela gosta de estar próxima aos seus funcionários, afinal foi por meio do esforço e dedicação dela e da equipe que a empresa cresceu tão rápido.

No final do terceiro ato, o casal se entende, por meio do pedido de perdão do marido e reconhecimento dele da importância da empresa para a esposa e entram em um consenso, percebem que através do equilíbrio e da parceria, podem ser felizes. Percebe-se então, que independente do modelo familiar escolhido, o segredo para o sucesso familiar chama-se ajustes na relação, por meio do diálogo, conforme se vê no filme citado. Além disto, o fato de ambos quererem ver o projeto familiar dar certo, se esforçam mutuamente para que esta parceria perdure por muito tempo.

A duplicação da mulher para harmonizar-se sua dupla/ tripla jornada de trabalho é um trabalho laboriosa, por que além de trabalhar fora, ainda necessita exercer sua função de esposa, mãe e dona de casa. Consequentemente, as dinâmicas familiares intervêm na vida profissional, contudo, o que se observa é que a acontece intercessão da vida familiar por cauda do emprego. Portanto, o bem estar da família arrisca-se estar mais prejudicado do que a capacidade do desempenho profissional, segundo Simões (2010) segundo Faria e Barham (2004).

O modo de vivenciar o trabalho influência as relações familiares, e isso ficou muito nítido no longa-metragem, o quanto Jules Ostin tem seus momentos absorvidos no trabalho e sua dinâmica familiar tem se tornado insignificante. Atualmente, isso é um assunto que aflige especialmente as mulheres, as mães, que quando são bem resolvidas e sucessivamente bem sucedidas em relação ao trabalho, causando uma má interpretação da sociedade, que ainda tem resistências em conformar-se que as mulheres tornaram-se responsáveis por sua escolha e podem conciliar a vida com mãe, esposa e ser uma boa profissional.

REFERÊNCIAS:

FRANÇA, A. L. de; SCHIMANSKI, É. Mulher, trabalho e família: uma análise da dupla jornada de trabalho feminina e seus reflexos no âmbito familiar. Ponta Grossa: Emancipação, 2009.

SIMÕES, F. I. W; HASHIMOTO, F. Mulher, mercado de trabalho e as configurações familiares do século XX. Revista Vozes dos Vales: Publicações Acadêmicas: Universidade Federal dos Vales dos Jequitinhonha e Mucuri, Minas Gerais, ano 1, n. 2, Outubro. 2012.

PROBST, E. R. A evolução da mulher no mercado de trabalho. Instituto Catarinense de Pós-Graduação. Santa Catarina: 2005 Disponíveis em: http://www.posuniasselvi.com.br/artigos/rev02-05.pdf.

 QUERINO, L. C. S; DOMINGUES, M. D. S; LUZ, R. C, A evolução da mulher no mercado de trabalho. Revista E-FACEQ:, Ano 2, número 2, agosto de 2013. Disponível em: http://e-faceq.blogspot.com.br/.

 CABRAL, F.; DÍAZ, M. Relações de gênero. In: Secretaria municipal de educação de belo horizonte; fundação Odebrecht. Cadernos afetividade e sexualidade na educação: um novo olhar. Belo Horizonte: Gráfica e Editora Rona Ltda, 1998. p. 142-150.

SCHLICKMANN, E; PIZARRO, D. A evolução da mulher no trabalho: uma abordagem sob a ótica da liderança Revista Borges, ISSN 2179-4308, Vol. 03, N. 01, 2013.

WAGNER, A.  et al, Compartilhar tarefas? papéis e funções de pai e mãe na família contemporânea. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Mai-Ago 2005, Vol. 21 n. 2, pp. 181-186.

FICHA TÉCNICA DO FILME: 

UM SENHOR ESTAGIÁRIO

Diretor: Nancy Meyers
Elenco: Robert De Niro, Anne Hathaway, Rene Russo, Andrew Rannells;
País: EUA
Ano: 2015
Classificação: 10