Um Senhor Estagiário – Uma visão a partir da Saúde Mental e do Trabalho

O filme “um senhor estagiário”, dirigido por Nancy Meyers, estrelado por Anne Hathaway (Jules) e Robert De Niro (Ben), trabalha temáticas como, comunicação, tecnologia, criatividade, mulher no mercado de trabalho, gerações, liderança, empreendedorismo e relacionamento de uma forma cômica, romântica e cativante.Um filme leve, carismático, reflexivo e divertido, que sem dúvida agradará da juventude à senescência. Jules, uma jovem que com um start up que rapidamente explodiu na internet, agora é dona de uma empresa, que está crescendo a um ritmo inimaginável.

Além de atrair atenção dos consumidores, atraiu também investidores. Porém, lidar com o crescimento dessa empresa, ser mãe de família e manter um casamento, não é tarefa fácil para essa jovem, carismática, moderna, atraente e gestora. Em paralelo com essa história, aparece o personagem Ben, com 70 anos, viúvo e já se entediando com a vida, a fim de sair do tédio e vazio que sente, busca voltar à ativa se candidatando para ser estagiário nessa empresa. Ben havia sido administrador de uma empresa de lista telefônicas por 40 anos, com vasto conhecimento e experiência na bagagem, passa então a trabalhar como estagiário diretamente com Jules.

Este trabalho tem como objetivo analisar, a partir da teoria, os aspectos relacionados à Saúde Mental e do Trabalho presentes no filme. A fim de se ser elucidativo foi dividido a temática da Saúde Mental e do Trabalho em oito eixos:

  1. Espaço Físico
  2. Autonomia no Trabalho
  3. Estruturação do Tempo
  4. Pressão e responsabilidades
  5. Reconhecimento
  6. Relacionamentos interpessoais
  7. Lidar e Solucionar Problemas
  8. Bem-Estar dos Trabalhadores

No texto que segue, será explicitado o os quatro primeiros aspecto (Espaço Físico, Autonomia no Trabalho, Estruturação do Tempo e Pressão e Responsabilidades) do ponto de vista teórico e contrastado com o filme. No trabalho seguinte será apresentado outros quatro restantes.

ESPAÇO FÍSICO

Em 2010 a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou a cartilha “ambientes de trabalho favoráveis: um modelo para ação”, no qual postula aspectos fundamentais para a promoção da saúde do trabalhador. Ao se tratar do espaço físico, a OMS diz que

o ambiente físico de trabalho se refere à estrutura, ar, maquinário, móveis, produtos, substâncias químicas, materiais e processos de produção no local de trabalho. Estes fatores podem afetar a segurança e saúde física dos trabalhadores, bem como sua saúde mental e seu bem-estar (OMS, 2010, p.09).

 A começar a análise da saúde mental dos trabalhadores da empresa principal do filme, o site de moda, pontua-se o espaço físico. Apesar de ser um site de moda, vendas e divulgação, a empresa se concretiza em uma antiga fábrica de listas telefônica, o lugar é amplo, bem iluminado. As mesas e pessoas estão dispostas lado a lado, aspecto este que privilegia as relações e a comunicação na empresa. A empresa disponibiliza ainda para seus funcionários um espaço de descanso com massagista, ressaltando a importância do trabalho tranquilo, produtivo e saudável.

O filme é romantizado e com teor cômico, logo vê-se no local de trabalho um espaço ideal, porém, existe aspectos que podem ser considerados como fatores de risco para o adoecimento dos trabalhadores. Listando tais fatores, tem-se a início uma poluição sonora, que a longo prazo é um aspecto a se considerar para desencadear estresse dos trabalhadores. Ficou explícito ainda a falta de um lugar para colocar materiais inutilizados, que resultou na “mesa da bagunça” tão incômoda para Jules, gestora da empresa. Apesar do local amplo, nem todos se privilegiaram com isso, exemplo claro de Becky, secretária de Jules que desfrutava de um pequeno espaço.

AUTONOMIA DO TRABALHO

Segundo Cecílio (1999), as questões ligadas ao poder e ao controle estão inevitavelmente presentes na vida das organizações. Amitai Etzioni afirma que o êxito de uma organização depende, em grande parte, de sua capacidade para manter o controle dos participantes (1989). Ainda para o mesmo autor, raramente as organizações podem confiar que a maioria dos participantes interiorize suas obrigações e, sem outros incentivos, cumpra voluntariamente seus compromissos. Desta forma, subentende-se que o poder e o conflito são partes das organizações.

Neste âmbito, nota-se que a presença exacerbada do poder e autoritarismo nas organizações configuram um ambiente altamente estressor, e a longo prazo, adoecedor. A ideia de autonomia remete, numa primeira aproximação, a um plano macro, como visão de projeto de sociedade, autonomia da sociedade entendida como poder latente e possibilidade real que a sociedade possui de governar e organizar a si mesma (MOTTA, 1981 apud CECÍLIO, 1999). É visível a autonomia dos trabalhadores da empresa de Jules, uma vez que estes são cientes de seus deveres e o exercem sem que haja cobranças.

A autonomia existente nessa organização possibilita um ambiente harmônico e contribui para que, à longo prazo, não haja um adoecimento dos colaboradores. O filme contrasta essa perspectiva, uma vez que aborda a autonomia dos colaboradores, com liberdade de criação dos conteúdos da revista, embora, seja necessária a aprovação final de Jules. Esta liberdade promove aos trabalhadores o sentimento de pertencimento à organização, numa função colaborativa.

ESTRUTURAÇÃO DO TEMPO

Nos dias atuais a estruturação do tempo no mercado de trabalho tem sido cada vez mais intensa, devido à busca pela maior produtividade, competitividade, para isso o trabalhador deve trabalhar cada vez mais e acaba “correndo contra o tempo”. Visto que isso, não é bom para a sua saúde mental, pois afeta a qualidade de vida desses indivíduos. Sendo assim, Barreto (2009, p. 5) afirma que

a nova forma de organizar e administrar o trabalho, alterou a relação tempo-espaço, pois os trabalhadores vivem-e-fazem seu trabalho em fluxo continuo, sem tempo para desenvolver vínculos afetivos, para pensar ou descansar. Até mesmo as necessidades biológicas, devem ser consentidas. É uma vida-viva-vivida limitada, disciplinada e intensificada pela fragmentação do processo e especialização das tarefas, pelo uso integral do tempo e ativação do ritmo sob rígida disciplina hierarquizada do corpo que produz.

Dessa forma, pode ser percebido em cenas do filme em que Jules tem várias responsabilidades e todo o seu tempo dedicado ao trabalho, assim não tendo tempo para ficar com a família. E tudo isso refletia na sua secretaria Becky, pois ela tinha que seguir o ritmo da mesma, marcar as reuniões de Jules de cinco minutos para não perder tempo, assim tendo que passar do seu horário de trabalho para cumprir as demandas de Jules. Tais aspectos é adoecedor para duas, pois Jules com elevado número de afazeres passava pouco com a família , afetando a suas relações sociais e interpessoais e Becky sentia-se pressionada em correr contra para não decepcionar Jules.

Em paralelo, temos o personagem Ben, que por ser um senhor com anos de experiência de trabalho, não deixava que o trabalho o adoecesse, e a correria de Jules o afetasse, pelo contrário ele agia de uma forma calma, pacífica e tentava transmitir isso para todos que estava a seu redor. Desse modo Mendes (1995, s/p) ressalta que

o trabalho pode ser considerado como o lugar de satisfação sublimatória, quando o trabalhador transfere sua energia pulsional, que inicialmente é dirigida para as figuras parentais com objetivo de satisfação imediata, para as relações sociais com satisfação mais altruísta.

PRESSÃO E RESPONSABILIDADES

Assim Ben se sentia satisfeito com o trabalho, ele não deixa que o estresse permaneça, sempre buscava formas de relaxar e esse seu equilíbrio psicológico acaba passando para cada um da empresa, até mesmo Jules, e não afetava a sua saúde mental. Mendes (2009), diz que a saúde mental não é a ausência de transtornos, obter essa saúde é uma forma de desenvolver uma existência com uma sensação não apenas portador dela, mas também criador de valores e instaurador de normas vitais.

O equilíbrio seria o resultado de uma regulação que requer estratégias defensivas especiais, elaboradas pelos próprios trabalhadores; porém, a normalidade conquistada e conservada pela força é trespassada pelo sofrimento (DEJOURS, 1994, apud, RODRIGUES et al, 2006.). Assim tendo uma qualidade de vida dentro do que se diz normal e não sofrimento e não adoece por causa do trabalho.

Nos dias que correm, pode-se perceber a frequente pressão por produtividade crescente, em um ambiente extremamente competitivo, na qual os indivíduos enfrentam, sem se importarem com a qualidade de vida desses sujeitos. Isto é, com a saúde mental deles. Visto que, o estresse está cada vez mais preocupante no âmbito mundial. Uma vez que, é uma das principais causas para ocorrência de doenças. Dessa forma, causando sobrecarga, exaustão e pressão devido ao trabalho.

Sendo assim, Costa (2010, p. 2) afirma que

o estresse está intimamente relacionado com a carga mental associada normalmente ao trabalho e é causado por um desajuste entre um indivíduo e o trabalho, pelos diferentes papéis que o indivíduo, tem de desempenhar e pela falta de encontro sobre a vida e sobre o trabalho […]. O termo Stress muitas vezes é utilizado para descrever os sintomas produzidos pelo organismo com resposta à tensão provocada pelas pressões e situações que as pessoas enfrentam.

Dessa forma, pode ser observado na cena, no qual, Jules uma jovem empresária, que agora tem muitos funcionários, um sonho tornado realidade, e muita responsabilidade, expectativa e pressões para suas decisões. A empresa estava funcionando a partir de um sistema centralizador do poder, que todas as decisões deviam passar por ela. Somado isso a sua rotina exaustiva, a jovem empreendedora apresenta alguns comportamentos obsessivos, entre eles o de manter o ambiente sempre organizado, caso não estivesse, apresentava estresse e descontração e o de sempre piscar os olhos, quando alguém conversava com ela . Jules estava distanciando da sua família, e mantendo
dedicação total na empresa, fato que colabora para o adoecimento mental.

Concomitante, temos a personagem Becky, secretária de Jules, que tinha atribuições diárias em excesso. Pois, trabalhava horas a mais do seu expediente com intuito de terminar todas as atividades que foram estabelecidas, para não ocorre reclamações posteriormente. Assim, se sente pressionada e sobrecarregada, acarretando desanimo e tristeza devido à grande quantidade de trabalhos para realizar. Deste modo, a situação de Becky, é configurada como um trabalho adoecedor, ela dorme pouco, alta cobrança e infelicidade pelo cargo inferior que ocupa. Garcia e Silva (2014, p. 26) ressaltam que

no mercado de trabalho, a forma como nos relacionamos com as pessoas é um dos fatores mais importantes para manter um bom clima organizacional. A maneira de ser, pensar e agir influencia diretamente os relacionamentos nas empresas. O trabalho requer a convivência com colegas e superiores, onde é necessário conciliar os interesses pessoais com os interesses e objetivos da organização.

Assim esses mesmos autores, declaram que pode-se considerar o sentido do trabalho em várias dimensões e sentidos diferentes para cada indivíduo e apontar sentimentos e afetos envolvidos dos trabalhadores, tais como o amor, a amizade, o respeito. Assim, aumentando a motivação dos envolvidos, facilita o alcance dos resultados da empresa, além de intensificar o crescimento pessoal e profissional dos trabalhadores. Visto que, o relacionamento interpessoal é uma ferramenta essencial para obter sucesso dentro das empresas é algo primordial nas relações humanas (GARCIA e SILVA, 2014).

No filme, a realidade descrita acima é retratada quando um jovem funcionário ajudou o Ben a ligar o notebook, uma vez que ele era novo no emprego e também não se dava bem com tecnologias. Depois, em outra, Jules estava enviando algumas mensagens pelo seu laptop, e sem perceber enviou uma mensagem por engano para sua mãe, na qual descrevia uma personalidade errônea da mesma.

Então, Jules comunicou a Ben, e o mesmo chamou seus outros colegas, posto que tiveram uma ótima ideia. O qual seria invadir a casa da mãe de Jules, abrir o notebook e apagar a mensagem antes que a mãe dela chegasse em casa. Porém, houve um contratempo, porque o alarme disparou e eles saíram todos correndo para o carro que haviam ido e foram embora. Ainda bem que conseguiram apagar o recado. Jules então, ficou feliz pelo trabalho em equipe que tiveram.

REFERÊNCIAS:

BARRETO, M. Saúde mental e trabalho: a necessidade da “escuta” e olhar atentos. São Paulo: Caderno Brasileiro Saúde Mental, vol.1, n. 1, 2009.

CECÍLIO, L C. O. Autonomia versus controle dos trabalhadores: a gestão do poder no hospital. Ciência & Saúde Coletiva, v. 4, n. 2, p. 315-329, 1999.

COSTA, P. C.. Gestão do Stress Ocupacional. 2010.  Disponível em: <https://pt.slideshare.net/RafaCunegundes/gesto-do-estresse>. Acesso em: 1 de abril de 2017.

MENDES, A. M. B. Aspectos psicodinâmicos da relação homem-trabalho: as contribuições de C. Dejours. Brasília: Psicologia: Ciência e Profissão, vol.15, 1995. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98931995000100009>. Acesso em: 02 de abril de 2017.

OMS – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Ambientes de trabalho saudáveis: Um modelo para ação. Brasília: SESI/DN, 2010. 26 p. Disponível em: <http://www.who.int/occupational_health/ambientes_de_trabalho.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2017.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

UM SENHOR ESTAGIÁRIO

Diretor: Nancy Meyers
Elenco: Robert De Niro, Anne Hathaway, Rene Russo, Andrew Rannells;
País: EUA
Ano: 2015
Classificação: 10