O presente trabalho tem por objetivo discorrer sobre o tema “Uma Estética para Corpos Mutantes”, trazendo as concepções de Zygmunt Bauman e Guy Debord para tecer as reflexões acerca do tema. Cabe destacar, o enfoque para novas subjetividades construídas na contemporaneidade que supervaloriza o corpo, haja vista este ter se tornado o principal objeto de consumo. Observa-se, então, uma sociedade cujo satisfação dos impulsos são cada vez mais acelerada e qualquer descontentamento com o corpo, torna-se urgente a necessidade de correção, reelaborando e transformando em modelos idealizados, subjugando-os, ao espaço do espetacular.
A sociedade de consumo tem promovido na contemporaneidade o culto a beleza, cada vez mais observa-se pessoas em uma corrida desesperada atrás de corpos perfeitos, buscando a correção numa verdadeira metamorfose física do padrão ideal. Interpeladas por esses discursos, tem se buscado cada vez mais atingir esse ideal, através de cirurgias e implantes, utilizando a evolução das tecnologias médica como recursos que viabilizam essa forma de ser, na qual, segundo Couto (2007, p. 44) tem se fabricado o homem biônico, ou seja, verdadeiros robôs turbinados. Para Debord (1997), o espetacular define as características da sociedade atual, no qual tem se construído indivíduos impotentes, consumidos pelo ideal de consumo correndo atrás de garantir a satisfação da felicidade plena, no então, são frustrados pela impossibilidade de realizar seus desejos.
De acordo com Couto (2007), todos os aspectos da vida, na contemporaneidade, têm passado por uma “metamorfose”, a regra passa a ser tudo aquilo que é instantâneo e pronto para o uso imediato. A mídia, tem se mostrado o principal meio de propagação para a produzir esse estilo de vida, influenciando as pessoas a se render aos seus impulsos a qualquer custo e beneficiar dessas tecnologias que estão disponíveis para satisfazer os desejos de todos. Dessa forma, tem se fabricado hoje, uma sociedade que superestima tudo aquilo que é passageiro e instantâneo, haja vista a rapidez em que esses padrões são elaborados.
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Em contrapartida, o corpo, não se limita apenas na aparência e a espetacularização, como esclarece Couto (2007), mas no desejo de aperfeiçoar e aumentar a potência de cada indivíduo por meio dessas tecnologias, promovendo dessa forma, “intensas confusões corporais entre orgânico e inorgânico, o natural e o artificio” (COUTO, 2007, p.45). O belo como condição para ser aceito e feliz vem a cada dia se reforçando na sociedade contemporânea. Tudo que é feio, frágil e deficiente é relegado ao campo da rejeição, haja vista a idealização ser um dos sintoma da atual sociedade que cultua a imagem corporal acima de qualquer outro valor, como citado nos poemas de Vinicius de Moraes, quando escreveu: “As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental” (VINICIUS DE MORAES, 1959 p. 21).
Nas últimas décadas, as novas descobertas científicas tem reforçado a ideia do sonho da perfeição com promessas de correções cirúrgicas, cura de muitas doenças e a manutenção do vigor jovem. Em meio a tantas promessas e recursos, constrói-se então um imaginário que segundo Couto (2007), assegura de que só é feio e fora de forma quem quiser. Nesse sentido, tem se formado um novo modelo hegemônico para o estilo de vida contemporâneo que segundo Couto (2007, p. 42), é a “vida tecnocientífica”.
O autor afirma que através desse modelo no qual a saúde, juventude e beleza são os únicos meios para que o indivíduo conquiste o padrão adequado de ser, vem produzindo uma insatisfação no cotidiano das pessoas. As redes sociais e a mídia transmitem esses discursos que são incorporados pela massa, transformando a subjetividade e percepção das pessoas em um ideal nunca alcançado. Esses corpos inacabados sempre disponíveis a reforma, tendem a aumentar seus níveis de performance e padrões de eficiência, o corpo deve ser turbinado para acompanhar e atender as novas demandas de prazer e liberdade própria da atualidade, então, dessa forma, não cessa de crescer o investimento numa vida supostamente mais saudável, cada pessoa se torna vigilante em tempo integral do seu próprio corpo (COUTO, 2007).
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Há portanto, um superinvestimento nos cuidados com o corpo e estilo de vida saudável e em contrapartida, não se calcula os riscos para atingir esse alvo, desejando-o a qualquer preço, colocando dessa forma, a vida em risco pelo sacrifício do ideal de beleza. Relacionando as ideias de Couto (2007) com os pressupostos de Bauman (2001), percebe-se que esse ideal preconizado pela sociedade de consumo contribui para o surgimento de sujeitos individualistas em busca de uma suposta liberdade e autonomia como característica central dessas novas subjetividades que vem sendo formadas.
Dantas (2005), também contribui com essa ideia, enfatizando que atualmente, as reações com o corpo são influenciadas por fatores socioculturais. Esses fatores, segundo Dantas (2005), na medida em que a mídia determina o modelo de corpo perfeito como a magreza para mulheres e para os homens um corpo forte e volumoso, conduzem as pessoas a apresentarem preocupações e insatisfação com a imagem corporal. Couto (2007), traz outra reflexão acerca dessa temática destacando que a integração entre tecnologia e o humano além de criar modelos idealizados proporciona a fabricação não mais do “homem artificial, mas a produção artificial do homem” (COUTO 2007, p. 47).
Dessa maneira, a fabricação artificial do homem, saiu da ficção literária e cinematográfica para ser popularizada com os laboratórios de Engenharia de Tecidos a partir do final de 1980, período que compreende fundamentalmente a engenharia de materiais e ciências biomédicas na produção de órgãos para substituição daqueles danificados. Acredita-se que em um futuro próximo, órgãos como fígado, rins, pulmão e coração, seja possível serem adquiridos com certificado de garantia – em perfeito estado de funcionamento (COUTO, 2007).
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De acordo com Matos (2014), atualmente, a preocupação não é somente com a revitalização da aparência física e do processo de envelhecimento natural, Couto (2007), enfatiza que os cuidados com os órgãos internos, protegidos pela pele estão no rol de preocupação do sujeito contemporâneo, visto que “não adianta ter uma pele lisa e bem hidratada se por dentro os órgãos não funcionam como se gostaria […]” (COUTO, 2007, p.47).
Com o avanço biotecnológico, segundo Couto (2007), a medicina vai se dispor de várias alternativas, utilizando-se de tecidos e órgãos do próprio corpo do paciente, para reconstruir uma parte perdida ou sem funcionalidade, sem a apreensão da escassez de doadores e ainda sem riscos de rejeição de acordo com o experimento realizado no Brasil e com resultados satisfatórios.
[…] com o objetivo de ajudar um auxiliar de escritório de 37 anos, a recuperar os movimentos e a sensibilidade da mão direita comprometidos depois de um acidente doméstico. Com a ruptura dos nervos, o envio de estímulos nervosos para o cérebro foi bloqueado. A técnica utilizada consistiu na extração de células tronco da medula óssea do paciente, especialmente da bacia, que depois foram separadas em laboratório. Em seguida, com um tubo de silicone, os médicos ligaram as duas extremidades do nervo dividido. E injetaram as células tronco nesse tubo. O objetivo é que as células-tronco, em contato cm o nervo cortado, transformem-se em células nervosas e regenerem o nervo. (REIS, 2005 apud COUTO, 2007, p. 49)
Nesse sentido, percebe-se que essas novas conquistas por um lado permitem a sobrevivência de muitas pessoas, por outro produz subjetividades que segundo Couto (2007, p. 49) “tornou o lugar ideal para todo tipo de experimento”, o corpo visto não apenas como objeto do consumismo, mas o lugar da autorrealização onde o sujeito exterioriza seus desejos e direciona seus investimentos.
A relação do corpo com a construção da identidade traz em seu bojo uma concepção que historicamente vem sendo entendido conforme a cultura, época e lugar em que os sujeitos se inserem. Influenciados pela arte, costume, crenças e valores o corpo tem mudado as formas de expressão e de valor por toda a humanidade durante muito tempo. Há um forte comercio por trás de todo esse trabalho que existe em torno da beleza e saúde corporal pregado pelas redes de comunicação de massa e que dão suporte a esse status do corpo ideal. “De um lado industrias, empresas, clínicas, laboratórios profissionais de diversas áreas, publicidade e muita mídia não cessam de exaltar a mutabilidade corporal como característica primordial na cibercultura” (COUTO, 2007, p. 49).
Manter o corpo em forma e a aparência jovem são características primordiais para o fortalecimento do eu nos dias atuais, mesmo que para alcançar esse desejo a carne seja remodelada com próteses naturais ou artificiais que permitem mudanças imediatas para correção das partes indesejadas ou defeituosas. Cabe, dessa forma, refletir quais são os principais beneficiadores desse tipo de subjetividade e indagar as imbricações desses aspectos da contemporaneidade trazendo questionamentos como, a quem estão atendendo as necessidades por manter um corpo perfeito? Entender que assim como qualquer outro tipo de mercadoria, o corpo também foi condicionado ao consumo baseado no paradigma do capitalismo.
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Compreender que o corpo além de uma mercadoria de consumo, tornou uma obsessão que atinge cada vez mais pessoas em buscas desses padrões veiculados pela mídia que desperta o anseio pelo perfeito. Sendo, dessa forma, o corpo mais que o meio para alcançar a felicidade, ter um bom relacionamento, mas através dele permitir o sentimento de contentamento e afirmação de sua identidade.
Bauman (2001), destaca o surgimento de patologias como a depressão, solidão e sentimento de desamparo próprios do estilo de vida contemporâneo, haja vista a desumanização e o individualismo em que as pessoas vivem na atualidade. Bauman (2001), aponta ainda caminhos para que não apenas os modelos sejam descritos e constatados, mas através do pensar sociológico sejam criadas melhores alternativas que atendam às necessidades do indivíduo contemporâneo.
REFERÊNCIAS:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
COUTO, Evaldo Sousa, Silvana Vilodre Goellner. Corpos Mutantes: Ensaios sobre novas(D) eficiências corporais. 1ª ed Rio Grande do Sul: Editora UFRGS, 2007.
DANTAS, Estélio H. M. Dantas. Pensando o Corpo e o movimento: 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora SHAPE, 2005.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro:Contraponto, 1997.
MATOS, C. L. A. A juvenilização do idoso na cultura de consumo: construção de identidades e culto ao corpo. 18º REDOR. Univ. Fed. Rural de Pernambuco: Recife, 2014.http://www.ufpb.br/evento/lti/ocs/index.php Acessado em 24/08/2016.
MORAES, Vinícios. Novos Poemas II 1949 – 1956. Livraria São José. Rio de Janeiro:1959. Disponível em: ftp://ftp.arcoiris-web.com. Acessado em: 09/09/2016.