Eu sinceramente me surpreendi de forma positiva com o conjunto da obra do III Fórum Internacional de Novas Abordagens em Saúde Mental, evento que ocorreu neste começo de junho, em parceria com a UFRJ, na capital carioca. Em que pese eventuais problemas, de longe a programação e, sobretudo, o carisma dos conferencistas internacionais – com destaque para o psicólogo norte-americano Oryx Cohen – foram de uma enorme riqueza.
Pois bem, minha jornada pelo Fórum começou com o contato com uma nova – e instigante – maneira de intervenção usada com alguma frequência nos Estados Unidos no que concerne ao tratamento/lida com pessoas que ouvem vozes. Normalmente trata-se de pessoas que são diagnosticadas como sendo psicóticas ou, em casos mais extremos, como esquizofrênicas. Para mim foi surpresa conhecer tão de perto grupos que nos Estados Unidos e em alguns países da Europa – como a Holanda, por exemplo – já se utilizam de estruturas de intervenção onde o profissional de saúde deve se despir de tratamentos concebidos a priori e, como foco principal, ater-se á escuta ativa. Aliás, mais do que uma escuta ativa, o profissional de saúde e/ou psicólogo deve compreender que há uma dimensão da existência para além da normalidade ou da patologização. Esta perspectiva favorece a criação de vínculos de confiança entre os coordenadores de grupos – que são conhecidos como Grupos de Ouvidores de Vozes – e os usuários.
Não se trata – pelo que percebi – de uma tentativa de desqualificar os saberes técnico/acadêmicos ou profissionais, mas, antes, de inverter a lógica do processo terapêutico, onde de fato a centralidade se encontra em cada sujeito, e não no conjunto de técnicas interventivas. É algo radical, num primeiro momento, mas que vem demonstrando resultados surpreendentes, de acordo com os dados apresentados por Oryx. Um destes dados se refere a um estudo longitudinal realizado nos EUA onde se observou dois grupos de pessoas reconhecidas como necessitadas de tratamento psiquiátrico. Um dos grupos recebeu a intervenção num hospital psiquiátrico e o segundo grupo, no mesmo período de tempo, foi cuidado por estudantes universitários – ainda sem discursos que presumem um suposto saber – em casas privadas. Ao final da pesquisa, observou-se uma significativa melhora do segundo grupo em relação ao primeiro.
Chamou-me a atenção o fato de Oryx destacar que, com isso, não quer dizer que todo o saber acumulado e a própria medicalização devem ser rechaçados. No entanto, no mínimo é importante repensar as práticas de intervenção que vem sendo executadas nestes últimos 30 anos. Haveria, portanto, uma tendência a despatologizar os fenômenos – no caso em específico, tornar normal o fato de alguém ouvir vozes – e, com isso, adentrar-se ao universo das pessoas. Literalmente, é preciso ouvir mais para só então o profissional de psicologia ter condições de ser eficaz em sua relação com o outro.
Oryx citou as teses de Carl Jung em uma de suas intervenções, notadamente dentro do conceito do arquétipo do ‘curador ferido’. Parte do pressuposto de que, por um lado, o curador é também um igual ao sujeito adoecido, na medida em que todos compartilham um mal-estar existencial comum á espécie; por outro lado, este curador precisa entender os seus próprios processos internos para, então, com menos resistências, colaborar com os outros. Pareceu-me um exemplo clássico de alteridade, algo preconizado insistentemente na Psicologia e que, dada a sua importância, deve ocupar lugar central na prática.
No mais, para além das palestras proferidas por professores e profissionais do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, me chamou a atenção o perfil dos psiquiatras presentes ao evento. Todos foram unanimes em dizer que uma das formas de se estabelecer uma saúde mental pública de qualidade é optando pela não horizontalização dos saberes, evitando assim que o saber médico funcione como gestor, subjugando as demais especialidades.
Juventude e saúde mental
Senti-me extremamente gratificado em ter apresentado um trabalho como parte de meu mestrado interdisciplinar – na UFT – e em consonância com os temas abordados no portal (En)Cena. Com o tema ‘Impacto da Pós-Modernidade na Saúde Mental de Jovens’, pude contribuir com um olhar filosófico, sociológico e psicanalista sobre as eventuais causas de adoecimento dos jovens na atualidade.
Para tanto, me utilizei de autores como Birman, Freire Costa, Bauman, Lipovetsky, Hall, Han, dentre outros tantos. A minha apresentação ocorreu nas dependências do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro e foi acompanhada predominantemente por psicólogos do Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul.
Ao final da apresentação abrimos o espaço para uma rodada de conversa, onde puder perceber o interesse dos profissionais da psicologia em se envolver cada vez mais na interdisciplinaridade, sobretudo no que se refere á ampliação do olhar sobre o fenômeno humano, que comporta uma explicação cada vez mais ampla e desafiadora.
Por fim, gostaria de registrar que esta é a segunda vez que viajo com a equipe do (En)Cena e, como já era de se esperar, tudo ocorreu numa enorme harmonia. O portal conseguiu apresentar de forma significativa os serviços que são produzidos pela comunidade acadêmica do Ceulp/Ulbra, foi alvo de muitos elogios e iniciou futuras parcerias, sobretudo com associações de apoiadores e/ou amigos dos usuários do sistema de saúde mental.
Em súmula, a viagem rendeu um enorme crescimento pessoal e profissional. Além da expectativa de, no futuro, montarmos um grupo de Apoio aos Ouvidores de Vozes em Palmas. Um desafio e tanto, mas a altura de qualquer profissional que queira, ao se espelhar na vida de Jung, ser um curador ferido de almas.