Quando falamos em democracia pensamos em conceitos como voto, direito de votar, direito de expressão, de ir e vir etc., enfim, são os mais variados conceitos e ideias que nos causa dúvida sobre seu real significado.
Na teoria contemporânea da Democracia, afirma Bobbio (1998), confluem três grandes tradições do pensamento político: a) clássica, segundo a qual a Democracia figura como o Governo do povo, de todos os cidadãos, se distingue da monarquia, como Governo de um só, e da aristocracia, como Governo de poucos; b) medieval, na base da qual há a contraposição de uma concepção ascendente a uma concepção descendente da soberania conforme o poder supremo deriva do povo e se torna representativo ou deriva do príncipe e se transmite por delegação do superior para o inferior; c) moderna, segundo a qual as formas históricas de Governo são essencialmente duas: a monarquia e a república, e a antiga Democracia nada mais é que uma forma de república, onde se origina o intercâmbio característico do período pré-revolucionário entre ideais democráticos e ideais republicanos e o Governo genuinamente popular é chamado, em vez de Democracia, de república.
Por sua vez, a ideia de representação começa a ganhar forma na modernidade onde, de acordo com Vieira (apud MEDEIROS, 2017, s/p), tem origem a passagem do princípio da soberania monárquica para a soberania popular, protagonizada pela luta da burguesia contra o poder dos reis visando obter privilégios que só poderiam ser conseguidos interferindo na ação do Estado absolutista. “É, neste contexto, que um novo significado de representação adquire um papel essencial no esboço de reestruturação do espaço do político, devidamente adequado às novas exigências imposta pela forma de reprodução social da modernidade”.
Uma vez instituída a soberania popular em oposição à soberania monárquica e diante da impossibilidade de uma democracia direta, “a opção pelo sistema representativo moderno apresentar-se-ia como uma solução para esta dificuldade [do ideal de uma democracia direta]” (id., ibidem, s/p). Nesta perspectiva ainda Bonavides (2006, p. 294) destaca que “A soberania popular, o sufrágio universal, a observância constitucional, o princípio da separação dos poderes, a igualdade de todos perante a lei, a manifesta adesão ao princípio da fraternidade social”.
Para Manfredini (2008) o que tem se vivenciado no Brasil é a crise desse modelo representativo. Os representantes já não representam o povo; este, por sua vez, já não se interessa pelos assuntos políticos. O número de partidos cresce, mas as ideologias continuam as mesmas, e, o poder legislativo ainda não logrou sua independência, continua a operar com preponderância do executivo.
Ao dialogar sobre o seu livro “A Era do imprevisto: a grande transição do século XXI”, Sérgio Abranches (2017), sociólogo, cientista político e escritor, discute o distanciamento entre a sociedade e a política e consequentemente a crise deste modelo representativo. Para o pensador, esse distanciamento e crise tem relação com as grandes mudanças que ocorreram na sociedade (tecnologia de comunicação) e na economia (globalização e mercado financeiro hegemônico), de maneira muito mais rápida do que na política. Segundo o autor, as pessoas não se sentem representadas no campo político, por figuras que ainda representam uma face/vertente tradicional e conservadora (analógica) do modo de ser e viver a política.
Abranches (2017) destaca também na entrevista, que esse tensionamento/crise/descolamento entre sociedade e política tem consequências severas e as apresenta em duas vertentes: de um lado uma alienação, com um total desinteresse das pessoas pela política e suas dimensões; por outra lado, a radicalização, com a ideia de que o modelo vigente está completamente errado e o caminho é encontrar novas formas, o que geralmente leva à todos pela estrema direita.
A perda de confiança da população no modelo representativo tem sido motivada por vários fatores, segundo Vieira (2006) e eles pairam entre o descrédito nos partidos, as inúmeras denúncias sobre corrupção, o mau uso dos recursos públicos, além da falta de soluções para resolver os problemas públicos que atingem direta e indiretamente a sociedade.
De acordo ainda com Moura (2016, p. 209), “A crise das instituições políticas encarregadas de processar as decisões coletivas na sociedade atual, é, ao mesmo tempo, causa e efeito dos deslocamentos de poder provocados pelo impacto das novas tecnologias e das transformações por elas geradas”. Atualmente, essas estruturas políticas não cumprem suas funções e o dinheiro público se perde na burocracia e na corrupção, o tipo de liderança baseada no poder burocrático tornou-se inadequado à nova realidade e as instituições políticas também refletem uma forma obsoleta de lidar com o conhecimento.
Mas há, segundo Abranches (2018), um caminho, alternativas que podem representar uma “democracia melhor”. Um deles seria, dentro do próprio jogo democrático, publicizando as demandas e valores no espaço público (ruas), o que poderia fomentar o surgimento de novos partidos, com o viés de representação de fato. De qualquer modo, assevera o pensador (2018), “o caminho da democracia é se digitalizar; ter mais participação das pessoas, via redes sociais, e, formando tipo uma poliesfera digital, na qual as pessoas possam conversar democraticamente […], inclusive fazer escolhas e transmitir isso para o sistema político.
Referências
ABRANCHES, Sérgio. A Crise da Democracia Representativa. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_5Fy4FaxE7s>. Publicado em 18 de maio de 2017. Acessado em 06 de outubro de 2018.
BOBBIO, Norberto. Dicionário de política I. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.
_______________. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
MANFREDINI, Karla M. Democracia Representativa Brasileira: O Voto Distrital Puro Em Questão. Florianópolis, 2008.
MEDEIROS, Alexsandro M. Democracia Representativa. Disponível em: <https://www.sabedoriapolitica.com.br/ciber-democracia/democracia-representativa/>. Acessado em 06 de outubro de 2018. 2017.
MOURA, Paulo G. M. de. Organizações e Participação Política e Social no Mundo Contemporâneo. In: Sociedade e Contemporaneidade. Canoas: RS. Universidade Luterana do Brasil, 2016.
SELL, Carlos Eduardo. Introdução à sociologia política: política e sociedade na modernidade tardia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.