Heloysa Dantas Martins (Acadêmica de Psicologia) – lolo@rede.ulbra.br
Em 2016 foi lançada a série “This is Us” que tem como enfoque contar a história geracional da família Pearson. A história da família inicia com o casamento de Jack e Rebecca que posteriormente engravidaram de trigêmeos. Após perderem um dos filhos durante o trabalho de parto, acabam adotando um bebê que coincidentemente foi abandonado na porta do hospital no mesmo dia.
A série vai mostrar a vida da família, seus desafios e conquistas e a realidade dos três filhos que são carinhosamente apelidados de “The Big Tree” por seus pais. Por ser uma história conectada através das três linhas de tempo (passado, presente e futuro), conseguimos enxergar os impactos dos diferentes eventos em cada um dos personagens. Essas vivências geram uma conexão emocional entre a série e os telespectadores, causando muitas emoções naqueles que já assistiram.
Dentro da trama, existe um evento que acaba sendo central para o desenvolvimento de diversas outras partes da história, que é a morte de Jack, o pai. O seu falecimento e todo o desenrolar da história a partir desse evento acabam trazendo diversos ensinamentos, um deles é a análise que podemos fazer sobre o mito da perfeição.
Durante a vida de Jack podemos ver o esforço que ele empenhou para ser um bom esposo. Desde o início da relação lutou para dar um estilo de vida que condizesse com o que Rebeca possuía, trabalhando para dar o melhor para ela, fazendo presente na relação deles o amor, respeito e companheirismo. Com o decorrer da história, também conseguimos perceber o grande esforço que ele fez para quebrar os padrões que vivenciou dentro de casa da sua infância até a sua juventude, como o alcoolismo e as práticas violentas de seu pai com ele, sua mãe e irmão.
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Todo esse histórico de esforço e superação fez com que sua família o colocasse em um pedestal após sua morte, pintando uma imagem de homem perfeito. Fez-se muito presente nos filhos a ânsia em ser como o pai, o que gerava diversas frustrações quando algum deles se via errando em coisas que o pai supostamente não erraria. Ao invés de se ajudarem quando o outro errava, muitas vezes havia mais críticas e julgamentos por não conseguirem alcançar o que deveria ser a sua suposta obrigação : ser como o pai.
Assim como a série passa a mostrar adiante, essa situação acaba por se tornar adoecedora para a família, pois esse mito de alcançar e/ou ser como as pessoas que admiramos é injusto. É impossível ser como alguém, mesmo que esse alguém seja uma figura parental central na criação, afinal todos nós somos diferentes. Essas diferenças não estão necessariamente relacionadas às vivências que possuímos e sim a como as enxergamos.
Nichols (2007) afirma “as experiências são ambíguas”, ou seja, uma mesma vivência pode causar diferentes impactos sobre as pessoas. Muitas vezes não é sobre o que vivemos e sim sobre as histórias que contamos a nós mesmos a partir dessas vivências. Assim, buscar ser como outra pessoa seria partir da ideia de que os pensamentos sobre os eventos da vida são os mesmos para todos; e não vão ser.
Pensamos diferente, logo, possuímos pontos de vista e construções de opinião diferentes. Se apegar à ideia de ser exatamente como outra pessoa também incorre em abrir mão da própria autenticidade, fazendo com que passemos a desvalorizar os nossos acertos e supervalorizar os erros.
Além disso, é importante pontuar que Jack não era perfeito, na verdade ele estava muito longe disso. O personagem se esforçava sim em ser alguém melhor a cada dia, no entanto, a narrativa apresenta diversas ocasiões em que ele não conseguiu superar suas dificuldades, como quando ele se encontra em episódios de alcoolismo, ou como quando não conseguiu resolver suas questões com seu irmão e preferiu esconder esse problema. Esses eventos acabaram sendo esquecidos por seus filhos, que se cobravam tanto por algo que nem o próprio pai conseguia dominar. McGoldrick (1995) enfatiza que os problemas da vida familiar não devem ser controlados e sim ajustados, e esses ajustes não são lineares, isso significa que as mudanças que queremos realizar não vão caminhar de forma crescente o tempo inteiro, e a falta de entendimento dessa premissa fez com que por muitas vezes os personagens da série se colocassem em um lugar de grande culpa, e nisso podemos refletir que a mesma coisa acontece conosco quando acreditamos não existir altos e baixos nos processos que vivenciamos na vida. Ao acreditar que um processo de mudança será sempre crescente, ao vivenciarmos um regresso, desanimamos e fortalecemos crenças erradas ao nosso respeito.
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Talvez ao ouvir “seja você mesmo”, já não levemos com tanta seriedade assim, por achar algo batido de se falar e ouvir. No entanto, nesse contexto podemos encaixar perfeitamente. Ao invés de gastar nossas forças imitando um outro alguém, podemos nos esforçar para melhorar quem já somos para enfim chegar a quem queremos nos tornar.
As informações apresentadas até aqui não tem o intuito de afirmar que não devemos ter pessoas nas quais nos inspirar. Ter alguém em quem se inspirar não é algo ruim. Muito pelo contrário, significa que temos respeito e admiração por essa pessoa e esses sentimentos com certeza nos agregam. Porém, inspiração não precisa ser imitação, podemos admirar e nos inspirar em alguém sem deixar de sermos quem somos ou desejamos ser. Talvez seja essa uma das lições mais importantes que a família Pearson possa nos ensinar.
Referências:
NICHOLS, Michael. Terapia Familiar: Conceitos e Métodos. Porto Alegre : Artmed, 2007.
CARTER, Betty; MCGOLDRICK, Monica. As Mudanças no Ciclo de Vida Familiar: Uma estrutura para a terapia familiar. Artmed. Março de 1995.