“Welcome to the Machine” é a segunda música do álbum “Wish you were here” de 1975, da banda Pink Floyd. Segue abaixo letra e tradução:
Welcome my son, welcome to the machine.
Bem-vindo meu filho, bem-vindo à máquina.
Where have you been?
Por onde você tem andado?
It’s alright we know where you’ve been.
Está tudo bem, nós sabemos onde você esteve.
You’ve been in the pipeline, filling in time,
Você esteve nos encanamentos, passando o tempo,
Provided with toys and ‘Scouting for Boys’.
Provido de brinquedos e de ‘Scouting for Boys’
You brought a guitar to punish your ma,
Você comprou uma guitarra para punir sua mãe
And you didn’t like school, and you
E você não gostava da escola
know you’re nobody’s fool,
E você sabe que não pode ser enganado por ninguém.
So welcome to the machine.
Então, bem-vindo à máquina.
Welcome my son, welcome to the machine.
Bem-vindo meu filho, bem-vindo à máquina.
What did you dream?
O que você sonhou?
It’s alright we told you what to dream.
Está tudo bem, nós lhe falamos com o quê sonhar.
You dreamed of a big star,
Sonhou com um grande astro,
He played a mean guitar,
Ele tocava a guitarra principal,
He always ate in the Steak Bar.
Mas ele sempre comia na lanchonete.
He loved to drive in his Jaguar.
E ele adorava dirigir seu Jaguar.
So welcome to the Machine.
Então, bem-vindo à máquina.
Segundo informações do blog “co(MUSIC)ador” essa canção está centrada em um músico aspirante sendo contratado por um ganancioso empresário da indústria musical. De modo geral, explora a visão negativa que a banda tinha da indústria musical (como sendo uma máquina de fazer dinheiro ao invés de servir de debate da arte) e também de toda a sociedade industrializada.
Contudo, pode-se vislumbrar outro sentido nesta música – ainda que muito próximo do que se apresenta na interpretação do blog – sendo “A Máquina” o sistema capitalista, e o músico aspirante enquanto o indivíduo comum inserido em tal sistema.
A música parece se tratar da imposição que o espírito do Capitalismo coloca ao homem a fim de integrá-lo nesse sistema que o usa como peça/ferramenta, e faz outro homem girar suas engrenagens. Diz ainda, sobre o modo em que o homem está predestinado a viver de determinada maneira, manipulado e controlado.
Imagem de Max Cooper
Ademais, pode-se dizer com apoio em Guattari e Rolnik (1996), que em tal sistema os indivíduos se reduzem em engrenagens concentradas, nos quais seus atos respondem ao mercado capitalista, são “espécies de robôs solitários e angustiados, absorvendo cada vez mais as drogas que o poder lhes proporciona […]” (p. 40)
Logo no início da música supõe-se que estão sendo dadas ao indivíduo as boas vindas ao sistema “Bem-vindo meu filho, bem-vindo à máquina” e é questionado por onde ele esteve, e na sequência já vemos que há a resposta, o que parece demonstrar que o indivíduo nasce fadado a este controle. “Está tudo bem, nós sabemos onde esteve“. Muitas vezes já se está, grosso modo, determinado – a ordem determina onde você deve estar.
Remetendo à visão de uma sociedade de controle, oriunda desse sistema, Maciel (2007) aborda que no mundo atual, estamos cada vez mais impossibilitados de agenciar nosso desejo e estamos com o tempo cada vez mais restrito, nos afastando de experimentações, e controlados pelos mecanismos do poder que se exercem tanto em nossa subjetividade, como em nossa própria condição vivente. “É bem verdade que o controle do tempo sempre foi uma das preocupações do poder”. Então, é presumível que a partir do tempo, que se faz rotina, que se volve em desgaste, que se torna cíclico, repetitivo, ordenado, culmina nessas engrenagens girando, girando, girando…
É como se nos tornássemos servos. E para discorrer sobre isso, pode-se aludir ao conceito de servidão maquínica utilizado por Lazzarato (2010) para dizer sobre a servidão no Capitalismo contemporâneo. Segundo este autor, o indivíduo já não é mais instituído como sujeito, mas como peça, engrenagem, componente da empresa, do sistema financeiro, que funciona do mesmo modo que as peças de máquinas técnicas.
A servidão maquínica não se embaraça com as distinções entre os objetos e os sujeitos, entre as palavras e as coisas, entre a “natureza” e a “cultura”. Na servidão maquínica, o sujeito individuado não se opõe às máquinas, é adjacente a elas. Juntos constituem um dispositivo “homens–máquinas” onde os homens e as máquinas são tão somente peças recorrentes e reversíveis do processo de produção, de comunicação, de consumo etc. Na servidão maquínica, o abismo ontológico entre o humano e o não humano, entre os sujeitos e os objetos, entre as palavras e as coisas é constantemente transposto por técnicas, procedimentos, protocolos que mobilizam semióticas assignificantes (diagramas, planos, equações, gráficos, esquemas, etc.) (LAZZARATO, 2010, p.169)
É possível enxergar na música algumas outras questões que remetem a esta crítica da ordem, por exemplo, nos trechos “Você comprou uma guitarra para punir sua mãe/E você não gostava da escola/E você sabe que não pode ser enganado por ninguém/Então, bem-vindo à máquina”. Dá para se pensar nos padrões de uma família tradicional, uma mãe que se sente infernizada porque o filho toca guitarra, filho este, que de alguma forma tentava se rebelar e resistir, não gostava de ir à escola, que hipoteticamente, era também uma forma de controle, porém, o eu lírico sarcástico da letra ao dizer que o indivíduo sabe que não pode ser enganado por ninguém, é como se dissesse ironicamente ao mesmo tempo sobre a certeza da predominância do poder da Máquina, como se fosse uma pressão, uma imposição, uma sujeição ao indivíduo, uma vez que já lhe são dadas novamente as boas vindas, ou talvez a tentativa de demonstrar que “A máquina” é aquilo que o sujeito necessita para não ser bobo de ninguém, quando na verdade, é isso que o faz.
Arte de ~yathish
Esse humor sarcástico e cínico apresentado na música remete ao poder que a ordem do capital exerce no sujeito, o poder de demonstrar humanizar e desumanizar. O poder de reificar sua vida.
O capitalismo exerce um duplo cinismo: cinismo “humanista” de nos atribuir uma individualidade e papéis pré–estabelecidos (trabalhador, consumidor, desempregado, homem/mulher, artista, etc.) nos quais os indivíduos devem se alienar; e cinismo “desumanizante” de nos incluir em um agenciamento que não distingue mais humano e não humano, sujeito e objeto, as palavras e as coisas. (LAZZARATO, 2010, p.170)
Na estrofe que diz “Bem-vindo meu filho, bem-vindo à máquina/O que você sonhou?/Está tudo bem, nós lhe falamos com o quê sonhar”, podemos pensar diretamente na maneira em que a ordem capitalista se instaura na subjetivdade humana. Guattari e Rolnik (1996) abordam que tal ordem é projetada na realidade do mundo e na realidade psíquica, incidindo em diversos esquemas, como os de conduta, ação, afetos, etc. Incide também na percepção, memorização, modelização das instâncias intra-subjetivas “instancias que a psicanálise reifica nas categorias de Ego, Superego, Ideal do Ego, enfim, naquela parafernália toda” (p.42).
Portanto, não é de se estranhar que saibam até sobre nossos sonhos, vista tamanha apropriação que a ordem tem sobre o sujeito.
A ordem capitalística produz os modos das relações humanas até em suas representações inconscientes: os modos como se trabalha, como se é ensinado, como se ama, como se trepa, como se fala etc. Ela fabrica a relação com a produção, com a natureza, com os fatos, com o movimento, com o corpo, com a alimentação, com o presente, com o passado e com o futuro – em suma, ela fabrica a relação do homem com o mundo e consigo mesmo. Aceitamos tudo isso porque partimos do pressuposto de que esta e a ordem do mundo, ordem que não pode ser tocada sem que se comprometa a própria ideia de vida social organizada. (GUATTARI & ROLNIK, 1996, p.42)
As últimas estrofes da letra – “Sonhou com um grande astro/Ele tocava a guitarra principal/Mas ele sempre comia na lanchonete/E ele adorava dirigir seu Jaguar/Então, bem-vindo à máquina” – parecem expressar que a produção da ordem capitalista se dá nos mais distintos modos de vida e ressalta também os valores e produtos da máquina enquanto forma de vida desejada. Independentemente de você ser um trabalhador de fábrica ou um astro, você está sujeito à máquina e trabalha nela/para ela, o que diferencia é o tanto de poder que você acredita ter conquistado.
Para provocar outros sentidos e interpretações, segue o clipe da música:http://www.youtube.com/watch?v=9qEsTCTuajE
Referências:
GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografias do Desejo. 4ª ed. Petrópolis: VOZES, 1996.
LAZZARATO, M. Sujeição e servidão no capitalismo contemporâneo. In: Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subjetividade, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP – Cadernos de Subjetividade,2010, p. 168-176 Disponível em:http://nucleodesubjetividade.net/tag/cadernos
MACIEL, A. Clínica, indeterminação e biopoder, 2007. Disponível em:http://bibliotecanomade.blogspot.com.br/2010/09/arquivo-para-download-clinica.html