O ato de aprender carrega singularidades e desafios que devem ser considerados no processo de formação, aspectos econômicos, sociais, culturais e geográficos são alguns dos elementos que podem estar diretamente associados ao nível de escolaridade alçado e à valorização da formação acadêmica como estratégia de superação da realidade. Fica a pergunta: como se formar em meio a tantos desafios?
Em prol dessa escuta e da compreensão da realidade atual, o (En)Cena convidou diferentes estudantes, da rede pública e privada para falarem sobre os desafios da formação acadêmica no Brasil. Nesta série de entrevistas eles falam sobre trajetória acadêmica, os aprendizados e os desafios que ainda precisam ser superados. As narrativas nos mostram o cenário atual de precarização não só das estruturas de formação, mas também do baixo índice de criticidade e autonomia dos alunos sobre seu processo de formação. Precisamos (re)aprender a aprender.
Visando preservar a identidade de nossos convidados e pensando na potência do ato de aprender livre de pressões institucionais, optamos por manter em sigilo o nome de todos os entrevistados e das instituições de ensino. Entendemos que suas falas alcançam, contemplam e priorizam, ainda que de modo particular, estudantes da rede pública e privada de nosso país.
O entrevistado de hoje é um aluno de Doutorado da Rede Pública. Ao longo da entrevista o aluno expõe sua percepção sobre o modelo vigente de ensino atual e como se deu seu processo de formação até o Doutorado, além de nos levar a conhecer sua percepção pessoal a respeito do modelo inclusivo de ensino e como sua experiência o leva a refletir sobre a saúde mental dos estudantes.
Segue a entrevista na íntegra abaixo:
(En)Cena: Qual a importância da graduação na sua vida?
Estudante: Não consigo mensurar em níveis de importância, porque desde que me entendo como pessoa, sou estudante e ser estudante constitui uma parte muito importante da minha vida. Nesse sentido, a graduação foi mais um passo nesse processo em busca do conhecimento e da construção de mim mesma. Na minha visão, a graduação também me qualificou para atuar na área que eu escolhi, e isso também me dá a possibilidade de receber melhor em determinadas oportunidades de emprego. e agora sigo com mais respaldo teórico para o mercado com o doutorado, além das experiências vivenciadas nessa fase.
(En)Cena: Como você acha que a universidade te auxilia para alcançar seus objetivos de vida?
Estudante: A universidade me abriu um leque de oportunidades, via o conhecimento por ela ofertado, pude traçar metas atingíveis e realizáveis. Então, a universidade me auxiliou e continua me auxiliando nessa trajetória de realização pessoal e profissional, pois me viabiliza inúmeras experiências, além de continuar dando oportunidade de me qualificar na minha área. É um lugar de oportunidades.
.(En)Cena: O que você acha do modelo de ensino vigente?
Estudante: Penso que o modelo de ensino vigente não atende às demandas dos estudantes da atualidade, e isso por inúmeros motivos e deficiências no sistema educacional, desde o primeiro passo, ainda lá nas séries iniciais, até o momento em que esse aluno é “preparado” para que seja inserido nesse contexto universitário há muitas falhas, pouco olhar ao indivíduo, além disso há muitos desafios que esse aluno passa nesse processo de formação. Penso que o que conhecemos como modelo educacional precisa de reestruturação, buscar novos modelos e questionar estruturas mantidas ao longo do tempo, mas é o que conhecemos e temos, e quando se pensa no novo ele assusta, e talvez por isso percebo certa resistência a mudanças.
(En)Cena: Você enxerga o contexto acadêmico como inclusivo?
Estudante: Já melhorou muito e paulatinamente tem se tornado mais inclusivo, mas é visível que a academia ainda exclui muitas pessoas, porque culturalmente é um ambiente elitizado, seletivo. Existe sim uma pretensão, e até um discurso romantizado acerca de ser um ambiente acolhedor e acessível, mas isso não é a realidade dos fatos. Por isso, é importante abrir possibilidades na academia para quem deseja estar nela, garantir uma base de ensino que viabilize esse acesso e permanência desses estudantes, por exemplo, muitos estudantes foram e são negligenciados na construção desse percurso escolar, por diversos motivos, o que penso que torna esse um espaço, um lugar para alguns.
(En)Cena: Você acha que a universidade pode afetar a saúde mental dos estudantes?
Estudante: Viver, afeta a saúde mental e a universidade como parte desse viver acaba afetando também, porque exige processos e caminhos que por muitas vezes serão solitários e incompreendidos. Muitas vezes ainda não percebem o estudar como trabalho e isso acaba adoecendo os estudantes, porque é um trabalho invisível e que além desse trabalho invisível, existe o visível com suas demandas, prazos, pressões, nossas expectativas e de outros também. De algum modo, é sim um ambiente que possibilita muitas experiências interessantes, mas dentre essas experiências está também essa desordem emocional.
(En)Cena: Como foi seu trajeto até chegar no Doutorado?
Estudante: Eu falo de um lugar privilegiado, meu trajeto até o doutorado foi marcado por muitas possibilidades e uma rede de apoio maravilhosa. Tive acesso a bons colégios, ótimos professores, fiz meu mestrado pela instituição na qual eu trabalho, no doutorado fui acolhida por uma professora querida. Sendo assim, só tenho a agradecer por todo esse passado que me permitiu viver esse sonho presente, que é cursar o doutorado.
(En)Cena: Há algum ensinamento que você aprendeu em sala de aula e que leva para vida?
Estudante: Falar de ensinamento é muito difícil, porque utilizo minha régua e cada pessoa tem uma vida e uma régua diferente, mas se eu puder compartilhar algo, seria sobre a importância de buscar o conhecimento, de não se contentar com a inércia, o movimento em busca do aprendizado torna a vida mais potente e interessante.