A solidão afetiva da mulher negra é uma realidade dolorosa e frequentemente invisibilizada, impactando suas conexões íntimas e amorosas.
Vitória Cardoso Figueira – vitoriacardoso@rede.ulbra.br
“Mais que qualquer grupo de mulheres nesta sociedade, as negras têm sido consideradas “só corpo, sem mente”
Iniciando-se falando sobre a solidão, podemos dizer que a solidão é um estado emocional e subjetivo caracterizado pela sensação de estar sozinho, isolado e ausente de cuidado de conexões com outras pessoas. É uma experiência comum que pode afetar qualquer indivíduo, independentemente de estar fisicamente sozinho ou cercado por outras pessoas. A solidão é frequentemente descrita como uma sensação de vazio, tristeza e desconexão.
A solidão pode surgir por diversos motivos, como a falta de relacionamentos íntimos, a ausência de apoio social, a perda de entes queridos, a separação de um parceiro, a mudança para um novo local ou até mesmo a sensação de não ser compreendido pelos outros .
É importante destacar que a solidão não está diretamente relacionada com a quantidade de pensamentos sociais que uma pessoa possui, mas sim com a qualidade dessas. Uma pessoa pode estar cercada de outras pessoas e ainda assim sentir-se solitária se essas conexões não forem expressivas, autônomas e satisfatórias.
A solidão, segundo Weiss (1973), pode ser entendida como uma resposta à falta de um tipo específico de relacionamento ou à ausência de um determinado provimento relacional. Em muitos casos, é uma resposta à falta de uma conexão íntima e pessoalmente próxima, mas também pode ser uma resposta à falta de amizades, relacionamentos colegiais ou outros vínculos com uma comunidade coesa. Com base nessas situações, o autor mencionado sugere que a solidão é uma resposta à deficiência relacional e, apesar das diferenças em cada experiência de solidão , existem sintomas comuns, o que permite considerar a solidão como uma condição singular.
Dentro do contexto da solidão,como foi dito, ela pode estar presente em diferentes âmbitos da nossa vida, então é válido falar sobre a solidão afetiva, sendo essa um tipo de solidão que pode estar relacionada a ausência ou a não completude nos aspectos emocionais e afetivos de um sujeito. Elas podem vir como sentimento de vazio, desconexão emocional e a falta de intimidade em relacionamentos pessoais, ou até mesmo a falta dessas relações.
Pontuando que a solidão é um fenômeno de caráter subjetivo e perpetua em vários aspectos do sujeito, faz-se necessário falar sobre suas dimensões dentro da vivência das mulheres negras, principalmente no que diz respeito à solidão afetiva das mesmas. As mulheres negras muitas vezes enfrentam desafios adicionais em relação à solidão afetiva devido às interseções de opressão racial e de gênero. Elas podem enfrentar estereótipos negativos, detectar raciais e dificuldades em encontrar relacionamentos íntimos e experimentar que levem em conta sua identidade racial e experiências específicas
Fonte: Alex Green/Pexels
No trabalho de Pacheco (2013), são discutidos os fatores presentes na sociedade, que foram historicamente moldados pela construção sociocultural decorrente do colonialismo no Brasil. Esses fatores incluem o racismo, sexismo e cisheteropatriarcado, que atuam como sistemas reguladores na sociedade, influenciando não apenas as relações sociais, mas também as subjetividades individuais e a expressão da afetividade sexual.
Durante o período colonial no Brasil, os senhores de escravos tinham o direito de propriedade sobre o corpo de suas escravas. Devido às restrições morais da época, que proibiam os senhores de sanar seus desejos sexuais com suas esposas brancas, eles escolhiam as mulheres negras para realizar seus desejos sexuais. Na literatura da época, as personagens negras eram frequentemente retratadas de forma estereotipada como anti-heroínas, e representadas de forma sensual, exibicionistas, moralmente depravadas, corpulentas e voluptuosas. Esses estereótipos racistas construídos de forma estrutural, foram capazes de criar uma imagem coletiva da mulher negra como sendo um objeto apenas para prazer e satisfação, despertando pouca confiança e, portanto, não sendo consideradas para o casamento, pois eram vistas como infiéis e estavam fora dos padrões de beleza certos pela branquitude (OLIVEIRA & SANTOS, 2018).
No trabalho de Pacheco (2013), são discutidos os fatores estruturais presentes na sociedade, que têm sido historicamente moldados pela construção sociocultural baseada no histórico colonialismo brasileiro. Esses fatores estruturais, como o racismo, sexismo e cisheteropatriarcado, atuam como reguladores na sociedade, influenciando não apenas as relações sociais, mas também as subjetividades individuais e a expressão afetiva. Essas estruturas se manifestam de forma tangível nas preferências afetivas dos indivíduos, resultando em repercussões em relação às preferências afetivas e ao acesso ao afeto. Isso indica quem tem o direito de fazer escolhas afetivas e quem é privado desse direito com base na questão da raça (VIEIRA, 2020.).
Nesse aspecto, a exclusão de certos grupos de mulheres como potenciais parceiras afetivo-sexuais é construída por meio da racialização da negritude em contraste com a não-racialização da branquitude. Essa diferença surge na vivência interseccional de raça e gênero em outros grupos femininos nesse contexto, destacando como as mulheres brancas são predominantemente preferidas nesses relacionamentos, o que contribui para a solidão das mulheres negras (PACHECO, 2013).
Fonte: Olayinka Babalola/Unsplash
A nossa sociedade é estruturada a partir de uma história escravocrata, sendo assim o racismo estrutural é presente e conceitua-se no sentido relacional e com isso, a sociedade julga quem é digo ou não de amor. Embora as escolhas afetivas parecem ser feitas apenas por preferências pessoais, a estrutura social também contribui para essas escolhas (OLIVEIRA & SANTOS, 2018). Então, a afetividade é como se fosse direito apenas às pessoas brancas, já que ela é bastante vivenciada, enquanto pessoas negras estão existindo dentro de uma negação por conta da opressão racista dentro do campo afetivo-relacional, e assim podendo ser fator adoecedor. E a negação de amor para com pessoas pretas em detrimento da branquitude, pode afetar diretamente na autoestima dessas pessoas (VIEIRA, 2020).
E dentro desse contexto, as mulheres negras, são submetidas as várias dimensões sociais intersecionais, sendo obrigadas a enfrentarem os sentimentos de aversão a si mesma e solidão em detrimento do racismo estrutural (VIEIRA, 2020). E nisso, o corpo negro também é alvo disso, sendo concomitante para escolhas afetivas, nisso a forma como a estética do corpo da mulher negra é percebida, principalmente por meio de características fenotípicas, é atravessada por diferentes representações sociais que perpetuam conceitos e estereótipos racistas e machistas. Existe uma idealização do outro como belo, agradável e desejável, que se baseia nos padrões estabelecidos pela branquitude (SOUZA, 1983).
Discutir sobre mulheres já é abordar tópicos frequentemente negligenciados, porém, ao direcionar a atenção para as mulheres negras, percebe-se que a dívida histórica é ainda mais profunda do que se pode imaginar. A história revela uma triste realidade de estigmatização e marginalização das mulheres negras, nas quais sua humanidade e individualidade foram negadas e suas experiências afetivas diminuídas.
REFERÊNCIA
OLIVEIRA, Ilzver de Matos; SANTOS, Nayara Cristina Santana. Solidão tem cor? Uma análise sobre a afetividade das mulheres negras. 2018. Disponível em: <https://www.lareferencia.info/vufind/Record/BR_34bb4dcb1c269c2a1c23385965008d37> Acesso em 30, de maio, 2023.
PACHECO, Ana Claudia Lemos. Mulher negra: afetividade e solidão. Edufba, 2013
SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro, ou, As vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social . Graal, 1983.
VIEIRA, Camilla Gabrielle Gomes. Experiências de solidão da mulher negra como repercussão do racismo estrutural brasileiro. Pretextos-Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas, v. 5, n. 10, p. 291-311, 2020. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/pretextos/article/view/22458> Acesso em 31, de maio, 2023.
WEISS, Robert Stuart. Loneliness: The experience of emotional and social isolation. Cambridge MIT Press, 1973. 263.