A Chegada: os limites da linguagem moderna

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O filme A Chegada (2016), trata da invasão de alienígenas na Terra e da tentativa de descoberta de uma forma de comunicação com eles. Irei tratar nesse texto a simbólica presente na comunicação e no simbolismo do inconsciente representado pelas naves alienígenas.

O filme inicia com a chegada de 12 naves extraterrestres em 12 pontos do planeta. Não sei dizer se foi a intenção do roteiro, mas faço uma alusão à mandala astrológica, com os 12 signos e as 12 casas. A mandala astrológica é um símbolo da totalidade que une os 4 elementos que constituem a formação do planeta e do ser humano, com 3 modalidades, ou seja, com 3 formas da energia psíquica (ou libido) se orientar.

Sobre as naves alienígenas, Carl Jung (1991) aponta que é um assunto tão problemático que não pôde ser definido em sentido algum com a desejável clareza, embora nesse ínterim se tenha acumulado um vasto arsenal de experiência. Por isso levantou que se trata, devido a sua complexidade, de um acontecimento psíquico também.

Fonte: goo.gl/Za6Fm5

Para Jung (1991), o formato circular das naves alienígenas representa a totalidade. Uma vez que a imagem circular é um símbolo da alma e imagem de Deus:

“Eles são manifestações de impressionante totalidade, cuja simples “circularidade” representa propriamente aquele arquétipo que, conforme a experiência, desempenha o papel principal na unificação de opostos, aparentemente incompatíveis, e que por esse mesmo motivo corresponde, da melhor forma, a uma compensação da dissociação mental da nossa época.”

Ele ordena também situações caóticas e coloca o indivíduo novamente na trilha do seu processo de individuação, proporcionando a personalidade uma totalidade e unidade maiores.

Se analisarmos o filme no sentido coletivo, a simbólica da invasão alienígena representa uma mudança e um despertar para questões da alma e do inconsciente. No nível pessoal, a personagem da linguista, a Dra. Louise Banks, passa por uma transformação profunda e o contato com os extraterrestres a faz compreender o significado do inconsciente.
Ela não somente desvenda os sinais enviados pelos extraterrestres, ela compreende o significado mais profundo de sua vida e o fenômeno da precognição.

Fonte: goo.gl/kSqo28

O inconsciente coletivo, para Jung, é uma camada inata e herdada pela humanidade, portanto é universal. Lá estão os modos de comportamento que são iguais em toda parte e para qualquer indivíduo. É a natureza suprapessoal que existe em todo indivíduo.

Jung (2008) aponta a natureza peculiar do inconsciente coletivo, pois há nele uma qualidade não-espacial e atemporal: “A prova empírica deste fato encontra-se nos chamados fenômenos telepáticos que, no entanto, ainda são negados por um ceticismo exagerado, mas que na realidade ocorrem com muito mais frequência do que em geral se acredita.”

A linguagem simbólica dos extraterrestres também representa a natureza do inconsciente, que se comunica conosco por meio de símbolos. Basta observar os produtos do inconsciente como os sonhos, os mitos, os contos de fadas, a alquimia. Todos eles possuem uma linguagem que não é cartesiana, dirigida e ordenada, mas simbólica e com uma força numinosa tremenda.

O ato e a dificuldade em tentar decifrar a linguagem dos extraterrestres, mostra a dificuldade que o homem moderno, acostumado com a linguagem dirigida da consciência, tem em relação ao que é tido como irracional.
A linguagem simbólica é a base alicerce de nossa civilização e o berço de nova vida. É do símbolo e do ritualístico que surge a nova ciência. A química clássica se originou da alquimia, bem como a astronomia se originou da astrologia.

A personagem principal compreende a mensagem, que transmite o sentido do irracional. Aquilo que Jung denomina Sincronicidade, ou seja, a simultaneidade de dois eventos ocorrendo, tanto no inconsciente quanto na realidade é possível de ser compreendido e aceito, e ocorre no filme.

Fonte: goo.gl/9MCYG1

A mensagem representa a essência do inconsciente. Estamos todos conectados pelo inconsciente coletivo e esse não tem tempo e espaço. Os fenômenos sincronísticos, os sonhos premonitórios, a intuição, também fazem parte da dinâmica psíquica humana.

A representação simbólica do Self e da totalidade pelos OVNIS, trazem para a humanidade a união dos opostos, a coniunctio superior (Edinger, 2006). Que é a meta do processo de individuação, a união daquilo que a principio parece impossível de ser integrado.

Vemos no filme, não somente a união do feminino e masculino, mas também do consciente e do inconsciente, da razão e do irracional. A heroína compreende isso e passa a mensagem a humanidade. Porém, há mais um ponto que quero salientar.
Ela, por meio da interpretação da mensagem simbólica dos extraterrestres – uma analogia ao processo da análise junguiana, que busca a interpretação das mensagens do inconsciente – conhece o seu destino, e sabe que, mesmo com o sofrimento inerente ao processo, deve aceita-lo e o aceita.

Conhecer nosso destino e aceitá-lo, vivê-lo da forma mais plena possível, mesmo sabendo que o sofrimento estará lá nos esperando, não tira a beleza do que a vida pode nos proporcionar. Aceitar a alegria, o amor e a tristeza é o maior ato de heroísmo que podemos ter. A união dos opostos consiste em aceitarmos luz e sombra, alegria e dor. Isso é dizer sim a vida!

REFERÊNCIAS:

EDINGER, E.F. Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

JUNG, C.G. A Natureza da Psique. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

JUNG, C.G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

JUNG, C.G. Um mito moderno sobre as coisas vistas no céu. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.

FICHA TÉCNICA
A CHEGADA

Fonte: goo.gl/6xFsYQ

Diretor:  Denis Villeneuve
Elenco:  Amy Adams, Jeremy Renner, Forest Whitaker
Gênero:  Ficção científica
Ano: 2016

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A Chegada: a linguagem e os limites do mundo

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Com oito indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado (Eric Heisserer), Melhor Diretor (Denis Villeneuve), Melhor Fotografia (Bradford Young), Melhor Mixagem de Som (Bernard Gariépy Strobl e Claude La Haye), Melhor Edição de Som (Sylvain Bellemare), Melhor Design de Produção (Patrice Vermette ‘design de produção’ e Paul Hotte ‘decoração de set’) e Melhor Edição (Joe Walker).

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Exibido no final de 2016 em todo o Brasil, o filme A Chegada, do prestigiado diretor canadense Denis Villeneuve, é baseado no livro The Story of Your Life, de Ted Chiang, e conta a estória da Dra. Louise Banks (Amy Adams), uma linguista que é convidada por militares para descobrir as intenções de um grupo de alienígenas que chega simultaneamente a estratégicos pontos da Terra, e pairam literalmente sobre nossas cabeças. “Conforme aprende a se comunicar com os aliens, ela começa a experienciar flashbacks que se tornam a chave para desvendar o propósito da visita”, escreve o site Omelete, especializado em cinema.

O enredo se dá pela lógica da combinação de um luto pessoal (o da Dra. Louise) com o intrigante processo de aproximação com uma civilização completamente estranha e mais avançada que a nossa. Neste contexto, não basta se utilizar de um aparato tecnológico de ponta para tentar mediar este contato e entender uma nova língua. É preciso recorrer à linguística para, então, ter um vislumbre de comunicação e um entendimento da linguagem em seu sentido mais lato.

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Fica clara a influência – direta ou indireta – do pensamento do austríaco naturalizado britânico Ludwig Wittgenstein sobre a narrativa, tendo em vista que os limites da linguagem, expressas primorosamente no longa, também significam os limites do mundo. Portanto, mais que um processo comunicativo ou de comportamento, a linguagem seria intrinsecamente ligada à consciência e, entendida como uma forma lógica possibilita que as ambiguidades das proposições sejam extintas.

No caso do filme, a Dra. Louise tinha como desafio entender as reais intenções da chegada dos alienígenas. Vieram em missão de paz, ou queriam explorar os humanos? Esta dúvida só poderia ser debelada se se compreendesse a linguagem dos visitantes, num processo não apenas de reconhecer o fato em si (a chegada dos alienígenas ou os códigos da fala, a língua), mas a totalidade que está por trás de tal visita. Desta forma, o filme apresenta mais que um contato alienígena, ele remete a um alargamento de consciência a partir da mediação/decifração pela linguagem.

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Também sobre esta temática, Quine diz que, no contato com outras formas de linguagem, somos perpassados pela “indeterminação da tradução”, fonte de instabilidade e incômodo, como fica claro no filme. Isso ocorre porque, para o autor, as palavras não tem significado próprio, mas estariam inteiramente ligadas a nossos padrões de comportamento. Além disso, aprende-se a linguagem como uma dinâmica social viva, e ao nos depararmos com um grupo de falantes cujos códigos linguísticos são radicalmente diferentes, surge uma barreira a ser transposta, sob pena de não se entender a visão de mundo destes falantes, e de não ampliarmos a nossa própria visão de mundo, a partir deste contato.

Comte-Sponville (2011, p. 352) diz que

A linguagem não fala, não pensa, não quer dizer nada, e não é uma língua; é por isso que podemos falar e pensar. A linguagem é apenas uma abstração: somente as falas, mas traduzidas em atos, são reais, e elas se atualizam apenas numa língua particular. Assim, a linguagem é mais ou menos para as línguas e para as falas o que a vida é para as espécies e para os indivíduos: sua soma.

Por fim, não por menos a Dra. Louise teve de encarar este desafio em uma fase da vida fortemente perpassada pelo luto. O filme, em parte, expressa as ideias cognitivistas de Gordon Bower, para quem os estados emocionais determinam a ênfase dada aos padrões de pensamento. Dra. Louise estava triste, com medo e confusa, estados que perpassavam as dinâmicas gerais de toda a humanidade, a partir do contato alienígena. Assim, o filme é um exemplo perfeito, para além de mentalismos, da associação entre estados de humor e os fatos externos, emoções e informações concretas.

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A Chegada é, antes mesmo de uma ficção científica rebuscada, uma obra de pegada existencialista, é um vislumbre de panaceia futurista em que a língua, e depois a linguagem, além das emoções e das mudanças vertiginosas porque passa o mundo, se bem decifrados, podem conter a chave para mudanças verdadeiramente substanciais, individualmente e coletivamente falando.

REFERÊNCIAS:

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011;

O Livro da Filosofia (Vários autores) / [tradução Douglas Kim]. – São Paulo: Globo, 2011;

O Livro da Psicologia (Vários autores). São Paulo: Globo, 2013;

Resumo de A Chegada. Disponível em < https://omelete.uol.com.br/filmes/noticia/a-chegada-amy-adams-conversa-com-aliens-no-primeiro-trailer-completo-do-filme/ >; acesso em 19/02/2017.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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A CHEGADA

Diretor: Denis Villeneuve
Elenco: Amy Adams, Jeremy Renner, Michael Stuhlbarg, Forest Whitaker
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: 13

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