Dorama “O que houve com a secretária Kim?” é um gênero doce e que fala de coisas sérias

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Todos os momentos foram você. Quando eu amei, e quando senti dor. Até mesmo em nossas despedidas, você era o mundo inteiro para mim. Sem você… Eu não acho que possa explicar toda a minha vida até agora.
Lee Young-joon

Não é raro nos dias de hoje as pessoas ainda se derreterem por um belo romance, daqueles que nos fazem sorrir, chorar, amar aqueles personagens fofos e lindos, odiar aqueles personagens malvados e se frustrar bastante com uma shippagem errada. Assim são as famosas novelas asiáticas mais conhecidas como J- Dramas (Japones); K-Drama (Coerano); TW- Drama (Taiwan), de modo geral são os Doramas. Mais nem só de romance é falado nos Doramas. Eles falam sobre a luta dos personagens para lidar com as vidas duras (na Ásia nem tudo são flores), ainda mais na Coreia do Sul, que para sobreviver em muitos casos deve-se ter muitos empregos de meio período, estudar muitas horas para poder entrar em uma universidade e ainda tentar um emprego estável. Também retratam a importância de valorizar sua cultura, vista nas comidas típicas (quem não gosta de um miojo), nos ritos fúnebres e no reconhecimento de suas famílias (na Coreia as pessoas levam primeiro o sobrenome, para mostrar a importância de suas famílias). E no mais mostram a realidade do país, como a busca pela beleza (a Coreia tem um dos maiores índices de cirurgias plásticas do mundo). Quem não conhece o grande sucesso de Bandas Sul coreanas como o BTS e BLACKPINK, sendo fruto desse grande rigor de perfeição na Ásia e no mundo todo.

Além disso, os Doramas retratam mesmo de forma leve temas sérios como traumas e transtornos mentais. Eles mostram que nem tudo consegue ser perfeito, todos podem passar por traumas e desenvolver vidas complexas, mesmo quem tem muito dinheiro ou pessoas próximas. Isso é uma das coisas que se passa no Dorama “O que houve com a secretária Kim?”.

A estória se inicia de forma glamurosa em uma festa, onde se encontra a elite da Coreia, lá é visto um ser peculiar, Lee Yeong Joon, um CEO de uma grande empresa. Apesar de toda a perfeição retratada no personagem, ele possui muitos segredos e medos dos quais prefere não falar, como por exemplo não aceita ser tocado por outras mulheres que não seja sua secretária Kim Mi So. Yeong Joon é ainda um homem narcisista, que se preocupa muito com sua aparência e com sua empresa, é ainda uma pessoa que não gosta muito de relações sociais, diferente de Mi So sendo uma secretária bastante qualificada, amada por todos na empresa e por sua família, que depois de nove anos trabalhando para ele decide pedir demissão. É aí que a história começa a se desenrolar; vendo que irá perder sua secretária fiel Yeong Joon decide sair de sua zona de conforto e fazer de tudo para não perder sua companheira.

No decorrer dos episódios é possível perceber que a estória dos dois personagens não aconteceu por acaso. Quando crianças ambos passaram por eventos traumáticos que mudariam suas vidas. Kim Mi So, desenvolve fobia de aranha e seu chefe de ser amarrado. Ambos se encontravam em uma situação estressante e antigênica, causando medo. O medo é uma resposta adaptativa do organismo, que se manifesta em situações ameaçadoras. Porém, quando o medo se torna mais intenso do que a situação justificaria, ou começa a ocorrer em situações impróprias, caracteriza-se um transtorno de ansiedade (MARKS, 1987; ÖHMAN, 1993). Neste caso os dois desenvolveram transtornos de ansiedade especifico, sendo desenvolvido diante de situações adversas, do qual o medo é expressado pela presença de estímulos aversivos (situação fóbica). A fobia é ainda definida como um medo persistente, desproporcional e irracional de um estímulo que não oferece perigo real ao indivíduo (OMS, 1993). Envolvendo ansiedade antecipatória, medo dos sintomas físicos e esquiva e fuga (ARAUJO, 2011). Quando o medo excessivo apresenta estímulo definido, denomina-se fobia específica (LOTUFO NETO, 2011).

Na personagem Mi So houve o transtorno de ansiedade chamado de aracnofobia, considerada uma das mais comuns fobias específicas.

Os sintomas da aracnofobia são similares aos das outras fobias de animais. Por exemplo, sujeitos aracnofóbicos se esquivam de locais onde sabem que habitam aranhas ou onde já observaram aranhas e mostram comportamento de fuga e reações de ansiedade quando se deparam com aranhas (GRANADO, PELÁEZ, GARCIA-MIJARES, p. 126, 2005).

Já a fobia de Lee Yeong Joon é desenvolvida por ter sido amarrado contra sua vontade e de experimentar um medo diante da situação. Não tendo recebido tratamento adequado na época, por querer proteger sua família e fugir de sua realidade, prefere evitar qualquer estímulo que o lembre da situação aversiva. Magee. et al (1996), afirma que os pacientes que não procuram atendimento médico psiquiátrico em função desse tipo de fobia, podem apresentar comorbidades ou outros transtornos. Isso se deve ao fato de a fobia, geralmente, estar associada a um sofrimento mais leve ou a uma menor interferência no funcionamento pessoal do que os demais diagnósticos (TERRA, GARCEZ, NOLL, 2007). Por isso o personagem evidencia uma personalidade narcisista, a fim de evitar expor sua condição “vulnerável”.

O tratamento para este tipo de transtorno é feito atrás de terapia nas abordagens comportamentais e em caso de agravo é necessário também auxílio de medicação. Mas tudo ainda dependerá do nível da intensidade e da predominância do medo. No que tange a terapia pode haver estratégias como dessensibilizarão sistemática.  A dessensibilização sistemática, baseada na extinção, no contracondicionamento e na habituação visa eliminar os comportamentos de medo e evitação com emissão de respostas assertivas (TURNER, 2002). Nela, o cliente é levado à exposição gradativa ao objeto fóbico, precedida pelo relaxamento (VERA, VILA, 2002). Wright, Basco e Thase (2008) destacam que, para promover respostas contrárias à ansiedade, inicialmente é necessário aprender as técnicas de relaxamento e a respiração diafragmática. Também pode haver reestruturação cognitiva das crenças e pensamentos que levam ao medo, substituindo-as por cognições mais realistas e assertivas e psicoeducação, que para Knapp (2004), ensina o cliente sobre a terapia, seus pressupostos e sobre o transtorno.

O que então faz com que esses dois possam superar tais complicações em suas vidas? Parece até clichê, mas é algo a ser valorizado, ainda mais porque ambos se encontravam em grande sofrimento por não poderem viver suas vidas como gostariam. A secretária Kim sempre quis conhecer o garoto que lhe salvou a vida na infância, e Yeong Joo só queria poder passar por cima de tudo e estar perto de sua amada. Ambos tiveram as vidas marcadas por situações adversas, mas apenas o bom e velho clichê do Amor é que fez tudo fazer sentido.

FICHA TÉCNICA:

O QUE HOUVE COM A SECRETÁRIA KIM?

Direção: Park Joon-Hwa
Elenco: Park Min Young; Park Seo Joon;
Ano: 2018
País: Coreia do Sul
Gênero: Comédia, Romance, Drama

REFERÊNCIAS:

GRANADO, L. C. PELÁEZ, F. J. R. GARCIA-MIJARES, M. Estudo no contexto brasileiro de três questionários para avaliar aracnofobia. Aval. psicol. v.4 n.2 Porto Alegre nov. 2005.

KNAPP, P. (2004). Principais técnicas. In P. Knapp (Org.), Terapia cognitivo-comportamental na prática clínica (pp. 133-158). Porto Alegre. Artmed.

LOTUFO NETO, F. Fobias específicas. In B. Rangé (Org.), Psicoterapias cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria (pp. 19-310). Porto Alegre: Artmed. 2011.

MAGEE, W.J. et al. Agoraphobia, simple phobia, and social phobia in the National Comorbidity SurveyArch Gen Psychiatry 53(2): 159-168, 1996.

MARKS, I. Fear, Phobias And Rituals: Panic, Anxiety And Their Disorders. New York: Oxford University Press, 1987.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: Descrições clinicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed. 1993.

ÖHMAN, A. & SOARES, J. F. On the automatic nature of phobic fear: conditioned electrodermal responses to masked fear-relevant stimuli. Journal of Abnormal Psychology, 102 (1), 121-132. 1993.

TERRA, M. B.; GARCEZ, J. P.; NOLL, B. Fobia específica: um estudo transversal com 103 pacientes tratados em ambulatório. Rev. psiquiatr. clín. vol.34 no.2 São Paulo 2007.

TURNER, R. M. A. Dessensibilização sistemática. In V. E. Caballo (Org.), Manual de técnicas de terapia e modificação do comportamento (pp. 167-195). São Paulo: Santos. 2002

VERA, M. N.; VILA, J. Técnicas de relaxamento. In V. E. Caballo (Org.), Manual de técnicas de terapia e modificação do comportamento (pp. 197-223). São Paulo: Santos.   2002

WRIGHT, J. H., BASCO, M. B., & THASE, M. E. Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental: Um guia ilustrado. Porto Alegre: Artmed. 2008.

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Depressão: perspectiva biológica e psicológica

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Ainda desconhecida e em determinados aspectos controversa, a etiologia da depressão tem, para efeito de estudos, seus fatores divididos em: causas biológicas e psicossociais. Áreas estas que interagem intensamente entre si na expressão patoplástica da doença (BAHIS, 1999).

Bahls (1999) expõe possíveis causas biológicas da depressão, sendo uma destas a deficiência de neurotransmissores, tendo as monoaminas como principais responsáveis, entretanto, estudos com algumas substâncias que provocam o aumento ou a diminuição imediata destes neurotransmissores não produzem os efeitos esperados, o que coloca em cheque esta hipótese. Alguns estudos também mostraram um aumento no número de receptores destes mesmos neurotransmissores em autópsia de suicidas, o que levou a crer que teriam alguma influência na depressão, embora o aumento de tais receptores se dê como medida compensatória dado a redução da substância nas sinapses.

Fonte: http://zip.net/bctGRJ

Outro fator que vem sendo observado diz respeito à morfofisiologia do cérebro. Notou-se que, em pessoas depressivas, algumas áreas cerebrais encontravam-se alteradas tanto em sua forma como em seu funcionamento. Soma se a isto, o fator hormonal que, também, age sobre os neurotransmissores de diferentes formas resultando em influências diversas em homens e mulheres quanto à tendência depressiva e à fases biológicas mais propícias para ocorrência da depressão.

Entretanto, há controvérsias sobre as causas biológicas. Caponi (2011) faz uma crítica no sentido de que as explicações para as enfermidades psiquiátricas não podem ser determinadas da mesma forma que outras patologias que contam com um marcador biológico a partir do qual se desenvolve a explicação dos sintomas e se define a terapêutica mais eficaz. Na depressão, ao contrário,

é a partir do antidepressivo que se inicia a busca de causas biológicas. Ele permite identificar quais são os mecanismos biológicos, os receptores neuronais afetados, e então se poderá postular a causa orgânica, cerebral, dos padecimentos (CAPONI, 2011).

Sabendo que o humano é considerado um ser biopsicossocial e espiritual [1], é preciso considerar esta complexidade no estabelecimento de causas para as patologias psiquiátricas, esquivando-se dos possíveis reducionismos biológicos que, apesar de esclarecer alguns aspectos do adoecimento não podem ser tomados como explicações satisfatórias para a depressão.

Fonte: http://zip.net/brtGXp

O modelo cognitivo pressupõe que a cognição é fator determinante da doença, e o primeiro sintoma que se segue a isto são as construções negativistas do pensamento. A depressão é, portanto, oriunda do modo como a pessoa vê e interpreta o mundo e como se posiciona frente a ele. Uma característica dos depressivos é a alta expectativa sobre si mesmo, que geralmente gera frustração e leva a um ciclo vicioso, pois a não aceitação de si leva ao pessimismo e afasta os outros, que por sua vez reforçam a experiência de rejeição e aumentam o sofrimento da pessoa.

Com base na análise do comportamento, “Muitos teóricos (por ex., Hersen, Eisler, Alford, & Agras, 1973) argumentaram que uma falta de reforço social é particularmente importante para o surgimento e a manutenção da depressão” (DOUGHER e HACKBERT, 2003), junte-se a isto um repertório social inadequado e possivelmente a pessoa estará se comportando de maneira aversiva e provocando reações de evitação nos outros. Os autores destacam diversos fatores de influência como histórias de punição prolongadas, reforço de comportamento de angústia, comportamentos verbais negativos, influências culturais, dentre outros provocadores e mantenedores de estados depressivos.

Fonte: http://zip.net/bttHCC

Por parte da psicanálise temos ainda toda uma construção da subjetividade baseada em uma organização psíquica que considera o inconsciente, as pulsões, o ego, o superego, falhas na integridade narcísica, dentre outros aspectos que influenciam sobre a personalidade e o adoecimento. Não obstante, seja em que abordagem for, há que se considerar os fatores sócio culturais e as exigências da sociedade de consumo, que atuam como um peso sobre as concepções de ser e sobre a própria identidade da pessoa. Considerando essas perspectivas os fatores psicológicos podem desencadear alterações químicas e físicas sobre o corpo humano provocando a depressão orgânica.

REFERÊNCIAS:

[1] Parte da psicologia considera a dimensão da espiritualidade humana como aquilo que transcende e é constituinte de sua totalidade.

BAHLS, Saint-Clair. Depressão: uma breve revisão dos fundamentos biológicos e cognitivos. Interação em Psicologia, v. 3, n. 1, 1999.

CAPONI, Sandra. Uma análise epistemológica do diagnóstico de depressão.Cadernos Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian Journal of Mental Health, v. 1, n. 1, p. 100-108, 2011.

DANIEL, Cristiane; SOUZA, Mériti de. Modos de subjetivar e de configurar o sofrimento: depressão e modernidade. Psicologia em revista, v. 12, n. 20, p. 117-130, 2006.

DOUGHER, Michael J.; HACKBERT, Lucianne. Uma explicação analítico-comportamental da depressão e o relato de um caso utilizando procedimentos baseados na aceitação. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 5, n. 2, p. 167-184, 2003.

JUSTO, Luís Pereira; CALIL, Helena Maria. Depressão: o mesmo acometimento para homens e mulheres. Rev Psiq Clín, v. 33, n. 2, p. 74-9, 2006.

 

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Caso Humberto: uma proposta comportamental

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Descrição da Realidade de Humberto
Humberto é um garoto de dez anos de idade que, há muito, passa por uma difícil situação, sendo considerado por todos à sua volta um “bobão” com atraso mental. Todos os nomes utilizados neste estudo de caso são fictícios. Segue abaixo a descrição de Humberto e de algumas pessoas atuantes em sua vida:

Humberto: Já foi retido quatro vezes na escola, copia bem, às vezes omite letra. Na fala também omite letra e troca o R pelo I. Repete bem historinhas, mas é péssimo em matemática. Possui boa aparência (quando bebê, todos queriam vê-lo e pegá-lo no colo), bem cuidado, atento e colaborador. Em casa, todos o veem como o doente da família, fazendo-o internalizar esse discurso. É visto como um “bobão, com problema na cabeça, um caso perdido”. Ele ouve tudo isso sempre cabisbaixo.

Fonte: http://zip.net/bntDGd
Fonte: http://zip.net/bntDGd

Grace: Professora do ano anterior, que se encarregou de passar uma péssima imagem de Humberto para a nova professora no início do ano. Ela que o descreveu como um “caso perdido” e como alguém que há muito precisava de um encaminhamento. Ela relata que no início do ano agradava muito ele, mas quando agradou outro, ele chorou muito. Em sua fala, ela diz: “Olhando parece inteligente, é bonito (…) é um bobão, já repetiu várias vezes. Mas quando fala, você percebe que tem problemas”.

Marta: Orientadora educacional da escola que encaminhou Humberto para uma classe especial em outra escola. “Munida de uma visão muito pobre do processo de aprendizagem escolar, distribui diagnósticos de deficiência mental sem qualquer rigor e critério”.

Psicólogo(a): A psicóloga disse que Humberto tem raciocínio lento e para ele ficar em classe mais lenta. Na nova escola, um outro psicólogo fez um laudo psicológico, tentando justificar a inclusão de Humberto numa “classe especial preparatória”. Este laudo apresenta má qualidade em sua linguagem, colocando Humberto como “deficiente educável”, desorientado quanto a compreender claramente as instruções e as entrevistas, entre outros aspectos. Colocou também que há sinais de comprometimento neurológico e distúrbios psicomotores, sugerindo fonoaudiologia, oftalmologia, psicomotricidade, EEG e orientação do responsável.

Zélia: Esta é a mãe de Humberto que, inicialmente não aceitou seu encaminhamento para uma classe especial, relatando que ela e seu marido não são loucos e que seu filho era normal, apenas preguiçoso. Mas hoje agradece Marta por tê-la alertado. A partir dessa aceitação, começa um processo de estigmatização de Humberto junto à família, em que o discurso técnico passa a fazer parte da linguagem de Zélia. Zélia expressa tendências controladoras e é o principal elemento da vida familiar, decidindo sobre os negócios do marido, impondo seus desejos relativos às prioridades de gastos com a casa. Além desse papel poderoso no grupo familiar, arca com o trabalho doméstico, mostrando insatisfação com a vida de casada. Quando Humberto nasceu, ela não o queria dividir com ninguém, tendo ciúmes dele e cerceando o seu desenvolvimento, por medo de contaminação do ambiente, tornando-o totalmente dependente dos seus cuidados. Ela declara que os problemas de Humberto só podem existir por causa do seu “excesso de zelo”. Ela está sempre vigilante com o que o filho faz, sempre à espera do erro e de corrigi-lo.

Aurício: Pai de Humberto que se mostra ausente no estudo, sendo coerente com seu lugar ocupado no grupo familiar. É o provedor da casa, porém se comporta como um filho de Zélia e como um irmão dos filhos. Durante a pesquisa, prefere falar sobre as suas coisas (como uma criança), mostrando desinteresse pelo caso de Humberto, como se o assunto não lhe dissesse respeito.

Areta e Rogério: São os irmãos de Humberto, com oito e sete anos, respectivamente. Relatam divertidos as dificuldades do irmão em casa e na escola. Areta refere-se insistentemente ao Humberto como um “burro” que não consegue passar de ano. Quando brincam de escola, Areta coloca-o de castigo e o reprova. Quando brincam de casinha, Areta é a mãe, Rogério o pai e Humberto o bebê, que está sempre doente e é muito chorão.

Pontos-Chaves (Problematização)

  1. É correto enquadrar uma criança de apenas dez anos de idade como um “caso perdido”? Quais critérios foram utilizados para diagnosticá-lo?
  2. Quais fatores influenciam na não aceitação do encaminhamento por parte da mãe?
  3. Se os comportamentos apresentados pela criança não forem condizentes ao que se espera dela em determinada fase, é argumento suficiente para afirmar que esta não é normal?
  4. A dinâmica familiar de Humberto interfere nos problemas de aprendizagem por ele apresentados?
  5. O fato da professora Grace ter agradado Humberto no início pode ter o reforçado de forma inadequada e influenciado no seu aprendizado?
Fonte: http://zip.net/bctDCg
Fonte: http://zip.net/bctDCg

Teorização (B. F. Skinner)

  1. B. F. Skinner foi o expositor mais influente da teoria da aprendizagem. Ele concordava com Watson que a psicologia devia focalizar o estudo científico do comportamento (BERGER, 2003). Segundo Watson, tudo pode ser aprendido. Em suas palavras: “Deem-me algumas crianças saudáveis, bem formadas, e meu próprio mundo especificado para educá-las, e garanto eleger qualquer uma delas aleatoriamente e treiná-las para que se torne qualquer tipo de especialista que eu possa escolher (…)” (Watson, 1928 apud Berger, 2003). Os teóricos da aprendizagem ressaltam que a vida é um contínuo processo de aprendizagem (BERGER, 2003). Portanto, a partir do que foi exposto, depreende-se que para Skinner e Watson, não é correto enquadrar uma criança de apenas dez anos de idade como uma “caso perdido” (aliás, nenhum ser vivo), pois eles acreditavam que enquanto há vida, há aprendizagem. Provavelmente, Humberto tenha sido assim estigmatizado devido à falta de estrutura no ensino que uma criança com dificuldades em aprender se depara, em que é mais fácil, principalmente para o professor, rotulá-lo como alguém com problemas do que usar métodos diferentes para ensinar.
  2. Segundo Skinner, o ser humano é ativo perante o meio e sensível às consequências de suas ações. E ainda, tem seu estudo pautado na interação das variáveis e de que maneira essas afetam o comportamento de um indivíduo. Diante o exposto, podemos ressaltar alguns fatores que influenciam na não aceitação da mãe ao seu encaminhamento para um profissional psicólogo. A mãe foi criada na periferia de uma grande cidade. Segundo ela, frequentou a escola somente até a 3ª série ginasial; desempenha o papel de principal elemento organizador da vida familiar, mas não está dispensada dos afazeres domésticos, o que faz com que ela se sinta insatisfeita com a vida de casada e decepcionada com o papel social que está destinada como mulher, além de afirmar que já desistiu de ser feliz nesta vida e que na próxima não quer ter marido e filhos; prefere acreditar na ideia de que os problemas de aprendizado de Humberto são pelo excesso de cuidado por sua parte ou por preguiça da parte dele; e ainda descreve o psicólogo como “alguém que é capaz de adivinhar tudo o que o outro pensa e também que este é um especialista que trata de doenças.”
  3. Os teóricos da aprendizagem formularam leis do comportamento que se aplicam a todos os indivíduos de todas as idades. Essas leis oferecem visões sobre como habilitações amadurecidas são modeladas a partir de ações simples e sobre como as influências do ambiente moldam o desenvolvimento do indivíduo. Segundo a visão dos teóricos da aprendizagem, todo desenvolvimento envolve um processo de aprendizagem e, portanto, não ocorre só em determinadas fases que dependem da idade e do amadurecimento (Bijou & Baer, 1978 apud Berger, 2003). Portanto, fica claro que, se uma criança não apresenta comportamentos compatíveis com a fase em que se encontra, não é argumento suficiente para dizer que ela não é normal. No caso de Humberto, parece que o ambiente em que ele se encontra, principalmente a família, não está colaborando para seu desenvolvimento e aprendizagem.

    Fonte: http://zip.net/bltC6H
    Fonte: http://zip.net/bltC6H
  4. As atitudes da mãe de Humberto, tal como do restante da família e das pessoas na escola reforçam a ideia de que ele é um caso perdido, que precisa de atenção. Além da superproteção da mãe e das palavras negativas utilizadas pela família, percebe-se que Humberto sempre é colocado como indefeso ou incapaz. Nesse caso, a família está reforçando as atitudes de Humberto em agir como tal. Humberto ouve essas provocações cabisbaixo, deixando claro que as atitudes familiares não estão cooperando para seu desenvolvimento e estão afetando seu lado emocional, colaborando para um complexo de inferioridade que o torna incapaz de se adaptar ao meio social e escolar.
  5. Segundo Skinner, existem formas de controle para o processo de aprendizagem bastante eficazes, baseadas no arranjo das contingências do reforçamento. Trata-se de arranjar situações com o objetivo de possibilitar ou aumentar a ocorrência de determinados comportamentos desejados. Nesse contexto, Skinner destaca que o professor deve se utilizar dos reforços existentes no dia a dia do aluno e organizar suas contingencias para reforçar as respostas desejadas. Porém, reforçar exige atenção e cuidado, para que comportamentos inadequados não sejam fortalecidos. Segundo Henklain e Carmo (2013), “o reforço deve ser condicionado à apresentação, pelo aluno, de comportamentos que se aproximem dos comportamentos-objetivo estabelecidos pelo professor, ou que efetivamente sejam demonstrações desses comportamentos-objetivo. ” O professor deve ter critérios confiáveis de reforçamento para que as respostas evidentes de real aprendizagem sejam fortalecidas. Com isso, pode-se entender que “agradar” o aluno sem um critério preciso e sem um objetivo claro sobre os resultados de tal agrado podem sim reforçar comportamentos contrários e/ou distantes daqueles que devem ser aprendidos na escola.

Proposta de Intervenção

O valor das técnicas de modificação de comportamento para aprimorar uma grande variedade de comportamentos foi amplamente demonstrado em milhares de relatos de pesquisa. Foram documentadas aplicações bem-sucedidas com populações que variam desde pessoas com severas deficiências de aprendizagem até as altamente inteligentes (BERGER, 2003).

Desde o início dos anos 1960, aplicações de modificação de comportamento em salas de aula progrediram em várias áreas. Muitas aplicações, nas séries iniciais do ensino fundamental, foram desenvolvidas para modificar comportamentos de disrupção ou incompatíveis com a aprendizagem acadêmica (…) Outras aplicações se voltaram para a modificação direta do comportamento acadêmico, incluindo leitura oral, compreensão de leitura, soletrar, caligrafia, matemática, redação, criatividade e domínio de conceitos de ciências. Também se alcançou considerável sucesso em aplicações com indivíduos com problemas especiais, como crianças com déficits de aprendizagem e crianças hiperativas (Barkley, 1998 apud Berger, 2003).

Dentre as técnicas de modificação de comportamento, há a modelagem, um processo que pode ser utilizado para instalar um comportamento que o indivíduo nunca emitiu. O modificador de comportamento começa por reforçar uma resposta que ocorre com frequência superior a zero e que se pareça, pelo menos remotamente, com a resposta final desejada. Quando tal resposta inicial está ocorrendo numa frequência elevada, o modificador para de reforçá-la e começa a reforçar uma resposta ligeiramente mais próxima à resposta final desejada (BERGER, 2003).

Às vezes, um comportamento novo se desenvolve quando o indivíduo emite algum comportamento inicial e o ambiente (seja o físico, sejam outras pessoas) reforça variações pequenas de tal comportamento, durante uma série de ocorrências. Eventualmente, o comportamento inicial pode ser modelado de maneira que a forma final não se pareça mais com ele. A modelagem é tão comum na vida diária, que a maioria das pessoas nem tem consciência dela. Ela pode ser aplicada sistematicamente, quando há um plano de ensino ou não sistematicamente, que é o que ocorre comumente na vida diária. Isso serve para ilustrar a importância que os pais ou cuidadores representam na vida de uma criança (BERGER, 2003).

Fonte: http://zip.net/bdtD46
Fonte: http://zip.net/bdtD46

A modelagem pode apresentar algumas ciladas, quando mal utilizadas por pessoas que não tem conhecimento sobre ela. Um comportamento prejudicial, que talvez não tivesse ocorrido sem modelagem, é desenvolvido gradualmente como resultado dessa. Outro tipo de cilada é quando uma pessoa, inadvertidamente, deixa de aplicar uma modelagem quando ela deveria ser aplicada. Alguns pais, por exemplo, não são muito sensíveis aos comportamentos de seu filho, ou seus problemas pessoais os impedem de devotar a atenção necessária à criança, ou, ao invés de não apresentar suficiente reforço para o comportamento correto, alguns pais dão à criança bastante reforço de maneira não contingente. Assim, muitas variáveis podem impedir que uma criança fisicamente normal receba a modelagem necessária para estabelecer comportamentos normais (BERGER, 2003).

Considerando o exposto, depreende-se que o caso de Humberto se encaixa perfeitamente em uma cilada de modelagem. Na descrição de seu caso, há três evidências que comprovam isso: a falta de um diagnóstico concreto de alguma deficiência física ou mental como causa de seus problemas de aprendizagem; a surpresa relatada pela nova professora em ele estar em uma classe especial, pois ela não acredita que ele necessita disso; e a declaração de que a sua mãe cerceou seu desenvolvimento por medo do ambiente estar contaminado. Para Skinner, a interação com o ambiente é essencial para a aprendizagem. Percebe-se que essa interação de Humberto não se dá de forma proveitosa, e mesmo sendo ele uma criança saudável, não se desenvolveu plenamente, sendo estigmatizado por todos à sua volta.

Portanto, propõe-se que a técnica de modelagem seja utilizada para intervir no caso de Humberto. Esse processo deve ocorrer em cadeia, ou seja, em casa e na escola Humberto precisa receber a atenção necessária para os objetivos corretos. Para tanto, a família e os educadores necessitam de uma orientação quanto à esse processo e às necessidades de Humberto. É preciso planejar esse processo, e para tal, existem diretrizes para aplicação eficaz da modelagem. São elas:

  • Especificar o comportamento final desejado: Consiste em identificar o comportamento que se deseja ao final do processo, de modo a aumentar as chances de reforçamento consistente das aproximações sucessivas de tal comportamento. No caso de Humberto, o comportamento final desejado é a sua adequação ao meio social e escolar, tal como sua plena aprendizagem acadêmica;
  • Escolher um comportamento inicial: Consiste em identificar um ponto de partida, um comportamento que ocorra com frequência suficiente para ser reforçado durante a sessão e deve se assemelhar ao comportamento final desejado. No caso de Humberto, esse ponto de partida seria a sua habilidade em repetir historinhas;
  • Escolher as etapas de modelagem: Consiste em planejar as aproximações sucessivas por meio das quais a pessoa será conduzida, a fim de alcançar o comportamento final desejado. No caso de Humberto, reforçaria a sua habilidade em repetir historinhas, depois sua criatividade em inventar as próprias historinhas, depois em contá-las para os seus colegas, de modo a socializar e também aprender com eles;
  • Avançar no ritmo certo: Consiste em reforçar a aproximação várias vezes antes de passar para o passo seguinte, evitar reforçar um número excessivo de vezes quaisquer dos passos e caso perder um comportamento porque está indo rápido demais, voltar a uma aproximação anterior.

Ao final do processo, espera-se que Humberto tenha superado com sucesso não somente suas dificuldades em aprendizagem, mas também de adequação ao meio social e escolar, melhorando até mesmo seu lado afetivo-emocional.

Fonte: http://zip.net/bstDT8
Fonte: http://zip.net/bstDT8

REFERÊNCIAS:

HENKLAIN, M. H. O.; DOS SANTOS CARMO, J. Contribuições da análise do comportamento à educação: um convite ao diálogo. Cadernos de Pesquisa, 2013.

MARTIN, G.; PEAR, J. Modificação de Comportamento: O que é e como fazer. 8ª ed. Universidade de Manitoba. São Paulo, 2003.

CATANIA, A.C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, Linguagem e Cognição. Porto Alegre: Artmed.

BAUM, W. M. (2007). Compreender o Behaviorismo: Comportamento, Cultura e Evolução. Porto Alegre: Artmed.

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