Dorama “O que houve com a secretária Kim?” é um gênero doce e que fala de coisas sérias

Todos os momentos foram você. Quando eu amei, e quando senti dor. Até mesmo em nossas despedidas, você era o mundo inteiro para mim. Sem você… Eu não acho que possa explicar toda a minha vida até agora.
Lee Young-joon

Não é raro nos dias de hoje as pessoas ainda se derreterem por um belo romance, daqueles que nos fazem sorrir, chorar, amar aqueles personagens fofos e lindos, odiar aqueles personagens malvados e se frustrar bastante com uma shippagem errada. Assim são as famosas novelas asiáticas mais conhecidas como J- Dramas (Japones); K-Drama (Coerano); TW- Drama (Taiwan), de modo geral são os Doramas. Mais nem só de romance é falado nos Doramas. Eles falam sobre a luta dos personagens para lidar com as vidas duras (na Ásia nem tudo são flores), ainda mais na Coreia do Sul, que para sobreviver em muitos casos deve-se ter muitos empregos de meio período, estudar muitas horas para poder entrar em uma universidade e ainda tentar um emprego estável. Também retratam a importância de valorizar sua cultura, vista nas comidas típicas (quem não gosta de um miojo), nos ritos fúnebres e no reconhecimento de suas famílias (na Coreia as pessoas levam primeiro o sobrenome, para mostrar a importância de suas famílias). E no mais mostram a realidade do país, como a busca pela beleza (a Coreia tem um dos maiores índices de cirurgias plásticas do mundo). Quem não conhece o grande sucesso de Bandas Sul coreanas como o BTS e BLACKPINK, sendo fruto desse grande rigor de perfeição na Ásia e no mundo todo.

Além disso, os Doramas retratam mesmo de forma leve temas sérios como traumas e transtornos mentais. Eles mostram que nem tudo consegue ser perfeito, todos podem passar por traumas e desenvolver vidas complexas, mesmo quem tem muito dinheiro ou pessoas próximas. Isso é uma das coisas que se passa no Dorama “O que houve com a secretária Kim?”.

A estória se inicia de forma glamurosa em uma festa, onde se encontra a elite da Coreia, lá é visto um ser peculiar, Lee Yeong Joon, um CEO de uma grande empresa. Apesar de toda a perfeição retratada no personagem, ele possui muitos segredos e medos dos quais prefere não falar, como por exemplo não aceita ser tocado por outras mulheres que não seja sua secretária Kim Mi So. Yeong Joon é ainda um homem narcisista, que se preocupa muito com sua aparência e com sua empresa, é ainda uma pessoa que não gosta muito de relações sociais, diferente de Mi So sendo uma secretária bastante qualificada, amada por todos na empresa e por sua família, que depois de nove anos trabalhando para ele decide pedir demissão. É aí que a história começa a se desenrolar; vendo que irá perder sua secretária fiel Yeong Joon decide sair de sua zona de conforto e fazer de tudo para não perder sua companheira.

No decorrer dos episódios é possível perceber que a estória dos dois personagens não aconteceu por acaso. Quando crianças ambos passaram por eventos traumáticos que mudariam suas vidas. Kim Mi So, desenvolve fobia de aranha e seu chefe de ser amarrado. Ambos se encontravam em uma situação estressante e antigênica, causando medo. O medo é uma resposta adaptativa do organismo, que se manifesta em situações ameaçadoras. Porém, quando o medo se torna mais intenso do que a situação justificaria, ou começa a ocorrer em situações impróprias, caracteriza-se um transtorno de ansiedade (MARKS, 1987; ÖHMAN, 1993). Neste caso os dois desenvolveram transtornos de ansiedade especifico, sendo desenvolvido diante de situações adversas, do qual o medo é expressado pela presença de estímulos aversivos (situação fóbica). A fobia é ainda definida como um medo persistente, desproporcional e irracional de um estímulo que não oferece perigo real ao indivíduo (OMS, 1993). Envolvendo ansiedade antecipatória, medo dos sintomas físicos e esquiva e fuga (ARAUJO, 2011). Quando o medo excessivo apresenta estímulo definido, denomina-se fobia específica (LOTUFO NETO, 2011).

Na personagem Mi So houve o transtorno de ansiedade chamado de aracnofobia, considerada uma das mais comuns fobias específicas.

Os sintomas da aracnofobia são similares aos das outras fobias de animais. Por exemplo, sujeitos aracnofóbicos se esquivam de locais onde sabem que habitam aranhas ou onde já observaram aranhas e mostram comportamento de fuga e reações de ansiedade quando se deparam com aranhas (GRANADO, PELÁEZ, GARCIA-MIJARES, p. 126, 2005).

Já a fobia de Lee Yeong Joon é desenvolvida por ter sido amarrado contra sua vontade e de experimentar um medo diante da situação. Não tendo recebido tratamento adequado na época, por querer proteger sua família e fugir de sua realidade, prefere evitar qualquer estímulo que o lembre da situação aversiva. Magee. et al (1996), afirma que os pacientes que não procuram atendimento médico psiquiátrico em função desse tipo de fobia, podem apresentar comorbidades ou outros transtornos. Isso se deve ao fato de a fobia, geralmente, estar associada a um sofrimento mais leve ou a uma menor interferência no funcionamento pessoal do que os demais diagnósticos (TERRA, GARCEZ, NOLL, 2007). Por isso o personagem evidencia uma personalidade narcisista, a fim de evitar expor sua condição “vulnerável”.

O tratamento para este tipo de transtorno é feito atrás de terapia nas abordagens comportamentais e em caso de agravo é necessário também auxílio de medicação. Mas tudo ainda dependerá do nível da intensidade e da predominância do medo. No que tange a terapia pode haver estratégias como dessensibilizarão sistemática.  A dessensibilização sistemática, baseada na extinção, no contracondicionamento e na habituação visa eliminar os comportamentos de medo e evitação com emissão de respostas assertivas (TURNER, 2002). Nela, o cliente é levado à exposição gradativa ao objeto fóbico, precedida pelo relaxamento (VERA, VILA, 2002). Wright, Basco e Thase (2008) destacam que, para promover respostas contrárias à ansiedade, inicialmente é necessário aprender as técnicas de relaxamento e a respiração diafragmática. Também pode haver reestruturação cognitiva das crenças e pensamentos que levam ao medo, substituindo-as por cognições mais realistas e assertivas e psicoeducação, que para Knapp (2004), ensina o cliente sobre a terapia, seus pressupostos e sobre o transtorno.

O que então faz com que esses dois possam superar tais complicações em suas vidas? Parece até clichê, mas é algo a ser valorizado, ainda mais porque ambos se encontravam em grande sofrimento por não poderem viver suas vidas como gostariam. A secretária Kim sempre quis conhecer o garoto que lhe salvou a vida na infância, e Yeong Joo só queria poder passar por cima de tudo e estar perto de sua amada. Ambos tiveram as vidas marcadas por situações adversas, mas apenas o bom e velho clichê do Amor é que fez tudo fazer sentido.

FICHA TÉCNICA:

O QUE HOUVE COM A SECRETÁRIA KIM?

Direção: Park Joon-Hwa
Elenco: Park Min Young; Park Seo Joon;
Ano: 2018
País: Coreia do Sul
Gênero: Comédia, Romance, Drama

REFERÊNCIAS:

GRANADO, L. C. PELÁEZ, F. J. R. GARCIA-MIJARES, M. Estudo no contexto brasileiro de três questionários para avaliar aracnofobia. Aval. psicol. v.4 n.2 Porto Alegre nov. 2005.

KNAPP, P. (2004). Principais técnicas. In P. Knapp (Org.), Terapia cognitivo-comportamental na prática clínica (pp. 133-158). Porto Alegre. Artmed.

LOTUFO NETO, F. Fobias específicas. In B. Rangé (Org.), Psicoterapias cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria (pp. 19-310). Porto Alegre: Artmed. 2011.

MAGEE, W.J. et al. Agoraphobia, simple phobia, and social phobia in the National Comorbidity SurveyArch Gen Psychiatry 53(2): 159-168, 1996.

MARKS, I. Fear, Phobias And Rituals: Panic, Anxiety And Their Disorders. New York: Oxford University Press, 1987.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: Descrições clinicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed. 1993.

ÖHMAN, A. & SOARES, J. F. On the automatic nature of phobic fear: conditioned electrodermal responses to masked fear-relevant stimuli. Journal of Abnormal Psychology, 102 (1), 121-132. 1993.

TERRA, M. B.; GARCEZ, J. P.; NOLL, B. Fobia específica: um estudo transversal com 103 pacientes tratados em ambulatório. Rev. psiquiatr. clín. vol.34 no.2 São Paulo 2007.

TURNER, R. M. A. Dessensibilização sistemática. In V. E. Caballo (Org.), Manual de técnicas de terapia e modificação do comportamento (pp. 167-195). São Paulo: Santos. 2002

VERA, M. N.; VILA, J. Técnicas de relaxamento. In V. E. Caballo (Org.), Manual de técnicas de terapia e modificação do comportamento (pp. 197-223). São Paulo: Santos.   2002

WRIGHT, J. H., BASCO, M. B., & THASE, M. E. Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental: Um guia ilustrado. Porto Alegre: Artmed. 2008.