O Gato de Botas 2 e a representação do Puer Aeternus

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Cena de Gato de Botas 2: O Último Pedido. Foto: Universal Pictures/DreamWorks Animation. All Rights Reserved. © 2022

O Gato de Botas, originalmente publicado no século XVII, em 1697, pelo escritor e poeta francês Charles Perrault, é um conto que traz como personagem um esperto gato que ajuda seu dono a ter sucesso na vida.  Nesta versão cinematográfica, o estúdio da DreamWorks Animation apresenta uma adaptação do conto que vive uma nova aventura no universo Shrek quando o ousado gato fora-da-lei descobre que sua paixão pelo perigo e desrespeito pela segurança terão consequências.

O protagonista vive uma vida de prazeres, festas, bebedeiras, exibicionismo, aventuras perigosas, sem maiores preocupações, e está cada dia num lugar diferente. Expressa uma falsa humildade ao cantar “quem é o herói mais destemido”, só fazia o que lhe era conveniente, inconsequente, já que ele mesmo dizia: “Eu rio na cara da morte”, se autointitula “eterno 9 vidas”. Essas características e estilo de vida se assemelham muito com o arquétipo que Carl Jung denominou de puer aeternus, ou seja, a eterna criança.Von Franz (2005), grande continuadora do trabalho de Jung, explica que se trata de um deus da vida, da morte e da ressurreição — o deus da juventude divina.

Ao receber a notícia do médico de que tinha morrido e, constatar que esta era sua última vida, ele se revolta e saudosamente evoca lembranças nas quais se nomeia “amado por todos, mas ninguém específico”, justamente porque não se aprofunda nas relações, não se apega a nada, nem a ninguém, não tem e nem deseja ter um porto seguro. Apesar dele não perceber e justificar dizendo que “não consegue escolher uma pessoa só”. Esses comportamentos expressam muitas características do Puer que é inconstante com seus interesses, não conseguem se encaixar num trabalho, firmar compromissos, aprofundar relações.

Para fugir da morte iminente, representada por um lobo que o perseguia, ele vai em busca de um lar estável e com uma vida cotidiana em que a rotina é algo muito presente. Justamente a rotina e monotonia, da qual o Puer foge, concluindo que aquela não é a vida que ele queria ou procurava e, que no passado, nos tempos áureos de juventude, aí sim tudo era perfeito. Ideia esta que reforça mais ainda sua recusa em envelhecer e aposentar as botas.

Em outra cena bastante simbólica do filme, Gato de Botas enterra as roupas e espada que o caracterizavam como o herói de outrora. Na cena do sepultamento ele está sozinho e chora pelo que foi um dia. Lamenta o fim de uma vida com liberdade e sem nenhum limite, pois acredita que sua história chegou ao fim e nada mais pode ser feito, porque está velho. Até que conhece um amigo diferente nessa casa em que está. Uma amizade inusitada inicia-se com Perrito, um jovem cão, que insiste em manter uma amizade com o Gato, mesmo este fazendo questão de se manter distante e declarar que o “o gato de botas só anda sozinho”, mais uma vez demonstrando outra característica do Puer que não conseguem estabelecer relações a longo prazo e estão sempre em busca de coisas novas.

Ao descobrir uma forma de encontrar uma Estrela dos Desejos – uma espécie de lâmpada mágica que realiza qualquer desejo – Gato de Botas e Perrito partem para uma aventura em busca do que ele enxerga ser a panacéia para driblar a morte e “recuperar” sua juventude. No entanto, a jornada já vem cobrando o preço das vidas superficiais e inconsequentes vividas pelo personagem. O mapa para chegar até este lugar se adapta conforme a visão do personagem e para o que ele precisa, afinal, cada um viveu a vida de um jeito e precisa se defrontar com desafios diferentes. Representando com excelência o caminho da individuação, o qual é pessoal, profundo e com o preço das escolhas feitas ao longo da caminhada.

No caminho do Gato de Botas o mapa aponta para situações muito simbólicas como o Beco da Incineração – em que ele se depara com todas as vidas que displicentemente queimou -, o Vale das Almas Perdidas – no qual ele fica diante de todos os outros “eus” que ele foi, e o Barranco Matador –  onde ele encara e duela diretamente com a morte. Ilustrando didaticamente o que Von Franz, 2005 diz que o indivíduo identificado com esse complexo não vive suas experiências totalmente, permanece “inocente”, porque vive as experiências sem estar realmente nelas.

Para o indivíduo sequestrado por este complexo, a felicidade está atrelada à uma fantasia de prazer eterno, por isso não cria raízes em lugar nenhum e está sempre em busca de algo novo que o divirta. Ele nega a passagem do tempo e em algum momento a vida cobra essa conta tornando-se insustentável esse modo pueril de vida. Neste momento, então, o Puer entra em crise, não tendo um ego fortalecido torna-se impossível sustentar uma crise, podendo assim apresentar quadros ansiosos e/ou depressivos. Como apresentado por Gato de Botas ao descobrir que não há prazer eterno e que a morte chega para todos.

No decorrer da sua caminhada, o gato se vê diante da necessidade de ter humildade para pedir ajuda e explicar o que quer, afinal, antes ele esperava ser convencido e paparicado para conseguir o que ele mesmo precisava. O Puer Aeternus geralmente possui grandes dificuldades de adaptação a situações sociais, pois ele possui um individualismo anti-social devido ao fato de se sentir alguém especial. Von Franz explica que ele não sente necessidade de adaptar-se, pois as pessoas têm que adaptar-se a um gênio como ele (VON FRANZ, 2002).

Outra expressão característica do Puer é o “Don Juanismo” em que eles sonham eternamente sonha com a mulher maternal que o tomará nos braços e realizará todos os seus desejos. Isto é frequentemente acompanhado pela atitude romântica da adolescência, o homem identificado com esse complexo só relaciona com uma mulher de forma a buscar uma substituta da mãe. Von Franz esclarece que ele não quer uma mulher, mas alguém que cuide dele com amor maternal, pois o homem dominado por esse complexo é dependente da mãe. Sintoma este claramente notado no protagonista que, numa determinada cena, se apaixona novamente por Kitty quando ela maternalmente cuida da barba branca dele.

Gato de Botas também se depara com situações inacabadas do passado, em que já havia abandonado Kitty, sua ex-parceira e atual inimiga, no altar. Apesar de muita resistência e dificuldade, percebeu a necessidade de pedir desculpas a ex-parceira que também estava no caminho em busca da Estrela dos Desejos. Astutamente, Kitty rebate dizendo que não foi abandonada no altar porque ela também não foi ao próprio casamento, já que sabia que não poderia competir com o verdadeiro grande amor do Gato de Botas: ele mesmo! Kitty percebeu esse predicado comum aos Puers, o ego inflado e a crença de que merecem tudo fácil.

A caminhada não acaba por aí, e, paulatinamente, vai transmutando o ego do protagonista que está constantemente com medo, saudosista, recordando os dias de glória. O último “desafio” intitulado de Barranco Matador se dá  no confronto com a morte que o desafia a encará-la de frente e o provoca perguntando se ele vai escolher o caminho dos covardes e fugir para ter mais vidas ou se vai lutar com coragem, convidando assim o protagonista a abandonar a neurose infantil de viver “vidas provisórias”, como nomeou H. G. Baynes.

Em uma carta, Jung escreve sobre o Puer (2005):

“Considero a atitude do puer aeternus um mal inevitável. O caráter do Puer Aeternus é de uma puerilidade que deve ser de algum modo superada. Sempre leva-o a sofrer golpes do destino que mostram a necessidade de agir de maneira diferente. Mas a razão não consegue nada nesse sentido, porque o Puer Aeternus não assume responsabilidade por sua própria vida”.

Jung sugere como cura, tanto para a mulher quanto para o homem, o trabalho. No caso da mulher, pode também ser através da maternidade.

Caminhando para a reta final da sua jornada, Gato de Botas finalmente encara seu medo e aceita o duelo, momentos antes da luta o conteúdo do seu imaginário muda substituindo o passado que ele julgava glorioso pela vida atual que ele estava vivendo no presente, ou seja, todo o caminho de individuação que ele percorreu junto com Kitty e Perrito. Finalizando magistralmente com o manejo sugerido por Jung como cura deste complexo: o estabelecimento de compromissos, o cumprimento de rotinas, a dedicar à um trabalho ou à alguém. E o protagonista decide seguir a vida ao lado de Kitty pata mansa e Perrito, sem pedir mais vida e tratando a última que lhe resta de modo mais profundo e especial.

Cena de Gato de Botas 2: O Último Pedido.
Foto: Universal Pictures/DreamWorks Animation. All Rights Reserved. © 2022
Cena de Gato de Botas 2: O Último Pedido.
Foto: Universal Pictures/DreamWorks Animation. All Rights Reserved. © 2022

Referências

FRANZ, M.-L. V. Puer Aeternus- A luta do adulto contra o paraìso da infância

. 4. ed. São Paulo: Paulus, v. 1, 2011.

GRINBERG, L. P. Jung e os arquétipos: arqueologia de um conceito. In: CALLIA, M.; FLEURY DE OLIVEIRA, M. Terra Brasilis: Pré-história e arqueologia da psique. São Paulo: Paulus, 2006. p. 99-123.

HILLMAN, J. O livro do Puer: ensaios sobre o Arquétipo do Puer Aeternus. São Paulo: Paulus, 2008.

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Os sonhos e a compreensão teleológica de Carl G. Jung

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A psique é uma dinâmica complexa, que desafia o cientista na sua compreensão. O trabalho feito por Carl Gustav Jung, na tentativa de compreendê-la em conceitos cognoscíveis, foi um árduo exercício de pesquisa, que se baseou na observação empírica de si e de seus pacientes. A pesquisa da alma é das mais difíceis, haja visto que o objeto de pesquisa é o mesmo que seu próprio observador.

Essa constatação é um ponto vernal, que funda uma das regras mais essenciais para a formação analítica e psicanalítica: a necessidade de o próprio analista ser analisado (FREUD, 2010), exigência primeiramente demandada por Jung (2013c) quando ainda contribuía no movimento psicanalítico. Dado estes pontos, se constata que a pesquisa da psique se sustenta em um método essencialmente empírico.

            Na sua pesquisa, Jung percebeu que, na alma, a produção de imagens e fantasias não são apenas produtos de antecedentes e tendências históricas individuais. Há também um movimento simbólico dirigido e orientado para determinados fins. O desenrolar desse processo possui uma direção, um objetivo (JUNG, 2013a).

Neste caso, a orientação ativa para um fim e uma intenção seria um privilégio não só da consciência, mas também do inconsciente, de tal modo que este seria capaz, tanto quanto a consciência, de assumir uma direção orientada para uma finalidade (JUNG, 2013b, § 491).

Fonte: Jung (2009)

Essa constatação complementa a sua teoria que, junto da perspectiva causalista redutiva freudiana, compõem os dois lados do movimento psíquico, essenciais para compreender a psicologia analítica. A este aspecto interpretativo se dá o nome de método sintético ou construtivo, que se refere à elaboração dos produtos inconscientes como uma expressão simbólica que antecipa uma fase do desenvolvimento psicológico (JUNG, 2015).

Sabemos que todo produto psíquico, encarado do ponto de vista causal, é a resultante de conteúdos psíquicos que o precederam. Sabemos, além disso, que esse mesmo produto psíquico, considerado sob o ponto de vista de sua finalidade, tem um sentido e um alcance que lhe são próprios dentro do processo psíquico. Este critério deve ser aplicado também aos sonhos (JUNG, 2013b, § 451).

Para Jung (2013d), uma compreensão satisfatória e completa acerca do pensar inconsciente do sonho, passa necessariamente tanto pelo ponto de vista de sua determinação causal, quanto seu sentido teleológico ou prospectivo. Ou seja, depois que os símbolos do sonho forem reduzidos, decompostos em suas reminiscências ou anseios pessoais, deve-se partir em seguida para um processo de síntese. Este, integra o material simbólico numa expressão conjunta e coerente, que tende a informar à consciência a situação dos movimentos inconscientes (JUNG, 2014).

O inconsciente é aquilo que não se conhece em determinado momento, e por isto não é de surpreender que o sonho venha acrescentar à situação psicológica consciente do momento todos aqueles aspectos que são essenciais para um ponto de vista totalmente diferente. É óbvio que a função do sonho constitui um ajustamento psicológico, uma compensação absolutamente indispensável à atividade ordenada (JUNG, 2013b, §469).

Como dito na citação, o sonho tenta acrescentar aspectos essenciais à consciência. Tal fenômeno serve ao princípio de progressão da libido, que busca constantemente adaptar a consciência a uma nova situação, satisfazendo a exigência das condições ambientais (JUNG, 2013a). Com isso, se infere o quanto o ponto de vista final concorre para a educação prática da personalidade, pois além de a adaptar ao mundo externo, a leva à assimilação de funções inconscientes (JUNG, 2013b), ou seja, uma adaptação também ao mundo interno.

Fonte: encurtador.com.br/DLOX5

A partir daí, se começa a compreender o que Jung queria dizer ao resumir como função geral do sonho a compensação. Quando se diz isso, se quer dizer que o inconsciente, através do sonho, contrabalanceia a atitude unilateral consciente. Por isso é tão importante observar suas ideias e sugestões, elas fornecem o conhecimento das leis próprias do indivíduo. Estas, mantém o sujeito em contato com seus instintos individuais, aquilo que dá viço para ele e para sua existência (JUNG, 2013c).

Quanto mais unilateral for a sua atitude consciente e quanto mais ela se afastar das possibilidades vitais ótimas, tanto maior será também a possibilidade de que apareçam sonhos vivos de conteúdos fortemente contrastantes como expressão da autorregulação psicológica do indivíduo. Assim como o organismo reage de maneira adequada a um ferimento, a uma infecção ou a uma situação anormal da vida, assim também as funções psíquicas reagem a perturbações não naturais ou perigosas, com mecanismos de defesa apropriados. O sonho faz parte, segundo meu modo de entender, dessas reações oportunas, porque ele proporciona à consciência, em determinadas situações conscientes e sob uma combinação simbólica, o material inconsciente constelado para este fim. (JUNG, 2013, § 488)

Não estar minimamente em contato com o inconsciente, significa separar-se da vida instintual, o que estagna o sujeito e é causador de inúmeras neuroses. Isso se dá, devido a excessiva unilateralidade da consciência, gerando uma compensação proporcional por parte do inconsciente, que passa a contestá-la abertamente (JUNG, 2015). O resultado são “duas tendências, que estão em estrita oposição uma à outra, sendo que uma delas é inconsciente” (JUNG, 2014, § 16)

Fonte: encurtador.com.br/bmNU4

O exemplo da neurose é didático para a compreensão da dinâmica da compensação, na medida que se percebe que esse fenômeno é geral, e se manifesta de formas diferentes, de acordo com a situação atual do sujeito. Dentre outras razões, é por isso que muitas vezes a compensação exercida pelo sonho não se evidencia à primeira vista. Por isso, torna-se preciso analisar o conteúdo manifesto para se chegar aos elementos compensadores de seu conteúdo latente (JUNG, 2013b).

Nesta perspectiva existem três possibilidades. Se a atitude consciente a respeito de uma situação dada da vida é fortemente unilateral, o sonho adota um partido oposto. Se a consciência guarda uma posição que se aproxima mais ou menos do centro, o sonho se contenta em exprimir variantes. Se a atitude da consciência é “correta” (adequada), o sonho coincide com esta atitude e lhe sublinha assim as tendências, sem, contudo, perder a autonomia que lhe é própria (Ibid., § 546).

A partir de suas conclusões, Jung em seu texto: “Aspectos gerais da psicologia do sonho” de 1928, que consta dentro das suas obras completas no volume 8/2: “A natureza da psique” (2013b), tenta fazer uma classificação de diferentes formas gerais de compensação que o sonho pode manifestar. A primeira, seria aquela considerada apropriada, pois fala de uma autorregularão do organismo psíquico. Nela, o sonho acrescenta à situação consciente todos os elementos que, no estado de vigília não alcançaram o limiar da consciência, devido ao recalque, ou por serem muito débeis para conseguir chegar por si à consciência.

Ela é uma antecipação de atividades futuras conscientes, uma espécie de exercício preparatório, ou um esboço preliminar do inconsciente, um plano traçado antecipadamente, uma função prospectiva.

Seria injustificado qualificá-los de proféticos, pois, no fundo, não são mais proféticos do que um prognóstico médico ou meteorológico. São apenas uma combinação precoce de possibilidades que podem concordar, em determinados casos, com o curso real dos acontecimentos, mas que pode igualmente não concordar em nada ou não concordar em todos os pormenores (Ibid., § 493).

A função prospectiva, por resultar da fusão de elementos subliminares que, devido ao seu fraco relevo, escaparam à consciência, é muitas vezes superior à combinação consciente. Além disso, o sonho conta com memórias inconscientes, o que acrescenta em suas possibilidades perceptivas.

Fonte: encurtador.com.br/isHLT

Jung prossegue dizendo que, apesar disso, é muito importante compreender que a atitude para com o sonho – e o inconsciente em geral – deve ser a partir do ponto de vista da consciência. Tomá-lo em consideração com exclusividade, como uma espécie de oráculo, em detrimento da consciência, seria inadequado, e só serviria para confundir e destruir a atividade consciente.

Somente em presença de uma atitude manifestamente insuficiente e deficiente é que se tem direito de atribuir ao inconsciente um valor superior. […] Se a atitude consciente, portanto, for mais ou menos suficiente, a importância do sonho se limita à sua significação puramente compensadora. Este caso é a regra geral para o homem normal e que vive em condições externas e internas normais (Ibid., § 494)

Quando o indivíduo se encontra com uma atitude consciente subjetiva e/ou objetivamente inadaptada, como Jung continua explicando no texto, a função exercida pelo inconsciente passa para uma categoria de função prospectiva dirigente, que imprime à atitude consciente uma orientação diferente e bem melhor do que a anterior exercida pela consciência.

Dando continuidade à classificação, o autor fala daqueles casos em que o indivíduo, cujo caráter idiossincrático não está de acordo com sua manifestação consciente, é compensado pelo sonho de forma redutora. Trata-se de indivíduos em que a atitude consciente e seu esforço de adaptação ultrapassam as suas capacidades individuais, querendo parecer em certos âmbitos melhores e mais valiosos do que de fato são.

O sonho redutor tem a tendencia de desintegrar, dissolver, depreciar, e até mesmo destruir e demolir partes e características da personalidade que não vão de encontro com o sujeito. Por isso, Jung (Ibid.) comenta, muitas vezes ele tem um efeito altamente salutar, pois afeta apenas a atitude especifica, e não a personalidade como um todo.

A função redutora do inconsciente, que se aplica a esse tipo de sonho, constela materiais compostos, em sua essência, de desejos sexuais inferiores recalcados (inserir aqui o link do texto: “Sonhos – a interpretação causalista redutiva freudiana”) e de vontades de poder infantis, bem como de resíduos arcaicos e supraindividuais. Tudo nele é retrospectivo, e conduz a um passado que há muito se acreditada estar sepultado

A reprodução de tais elementos com seu caráter totalmente arcaico é apropriada, mais do que nenhuma outra coisa, para minar efetivamente uma posição excessivamente elevada, para lembrar ao indivíduo a insignificância do ser humano e reconduzi-lo aos seus condicionamentos fisiológicos, históricos e filogenéticos. Toda aparência de grandeza e de importância falaciosas se dissipa diante das imagens redutoras de um sonho que analisa sua atitude consciente com implacável senso crítico, pondo às claras materiais arrasadores que se caracterizam por um registro completo de todas as suas fraquezas e inquietações (Ibid., 497).

Fonte: encurtador.com.br/lEV67

Apesar de retrospectivo, este ainda mantém sua função finalista, pois é um sonho compensador, que tem como objetivo provocar uma melhor adaptação do indivíduo diante do seu ambiente.

Em continuidade, o autor oferece outras classificações mais específicas que não se encaixam necessariamente à psicologia geral do ser humano, pois dependem de circunstancias específicas, como lesões físicas no sistema nervoso, e por isso não serão acrescentadas a este texto. No que tange a demais classificações extraordinárias, é de utilidade e curiosidade acrescentar aqui os sonhos que expressam o fenômeno telepático.

Jung (Ibid.) não nega a existência desse tipo de fenômeno pelo fato de haver suficientes ocorrências verificadas, mas no presente texto não se arrisca a teorizar qualquer explicação para tanto, chegando mesmo a dizer que “O fenômeno existe, sem nenhuma dúvida, embora a sua teoria não me pareça tão simples” (Ibid., § 503). Ele apenas levanta alguns pontos que acrescentam à reflexão, como a criptomnésia e possibilidade de concordância de associações entre duas ou mais pessoas, com seus processos psíquicos paralelos que podem manifestar tal fenômeno por uma identidade ou semelhança muito grande de atitude. Tal situação é muito comum no seio das famílias.

Fonte: encurtador.com.br/cfjLT

A única coisa que Jung pontua no mesmo texto sobre o sonho telepático, é que segundo todas as suas observações já feitas acerca deles, o conteúdo telepático se encontra invariavelmente no conteúdo manifesto do sonho, e nunca no latente. Ou seja, ele sempre se apresentará da forma como o sonho já o apresenta, sem a necessidade de uma interpretação subjetiva do mesmo.

Resumidamente, Jung dá para o sonho um status de mecanismo psíquico para a regulação do indivíduo em relação ao inconsciente, encontrando como melhor conceito para esse fenômeno a compensação. Demonstrando as várias formas como ela pode se manifestar, ele expressa que esse mecanismo é um processo plástico, que se adapta à situação do sujeito, e que por isso, se expressa diferentemente em cada um. Sua única lei postulada é: “Sempre é útil perguntar, quando se interpreta clinicamente um sonho: que atitude consciente é compensada pelo sonho?” (JUNG, 2012, § 330).

Por fim, deixo uma citação direta, onde Jung, em sua primeira obra que se diferencia da psicanálise (“Símbolos da transformação”), argumenta sobre a função prospectiva do inconsciente por vias um tanto diferentes.

[…] indubitavelmente o inconsciente contém as combinações psicológicas que não atingem o limiar da consciência. A análise decompõe estas combinações em suas determinantes históricas. Ela trabalha em retrocesso, como a história. Assim como grande parte do passado está tão recuada no tempo que o conhecimento histórico não mais pode alcançá-la, assim também grande parte da determinação inconsciente é inalcançável. Mas a história não sabe de duas coisas: aquilo que está oculto no passado e aquilo que está oculto no futuro. Ambas, porém, talvez pudessem ser alcançadas com certa probabilidade, a primeira como postulado, a última como prognóstico político. À medida que no hoje já está contido o amanhã e toda a trama do futuro já está tecida, uma percepção mais profunda do presente poderia tornar possível um prognóstico do futuro mais ou menos distante. Se transportarmos este raciocínio para o campo psíquico, chegaremos necessariamente ao mesmo resultado: assim como vestígios de recordações de há muito subliminares ainda são acessíveis ao inconsciente, assim também o são determinadas combinações subliminares para a frente muito tênues, que são da maior importância para os acontecimentos futuros, à medida que estes são determinados por nossa psicologia. Mas, assim como a história não se preocupa com combinações para o futuro, que são objeto da política, tampouco as combinações psicológicas para o futuro são alvo da análise, mas constituiriam antes objeto de uma síntese psicológica refinada, que soubesse acompanhar os cursos naturais da libido. Não somos capazes disto, ou só muito imperfeitamente, mas o inconsciente o é, pois aí isto acontece, e parece que de tempos em tempos, em determinados casos, fragmentos importantes deste trabalho vêm à tona, pelo menos em sonhos, de onde viria então o significado profético dos sonhos, de há muito afirmado pela superstição. Os sonhos não raro são antecipações de modificações futuras do consciente (JUNG, 2011, § 78¹⁹).

 

 

REFERÊNCIAS:

FREUD, Sigmund. História de uma neurose infantil: O homem dos lobos; Além do princípio do prazer e outros textos: 1917 [1920]. In: História de uma neurose infantil: O homem dos lobos; Além do princípio do prazer e outros textos: 1917 [1920]. 2010. p. 424-424.

JUNG, Carl Gustav. A energia psíquica. 14. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 99 p. (OC 8/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl G.. A natureza da psique. 10. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 416 p. (OC 8/2). Tradução de Mateus Ramalho Rocha.

JUNG, Carl G.. A prática da psicoterapia: contribuições ao problema da psicoterapia e à psicologia da transferência. 16. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 156 p. (OC 16/1).

JUNG, Carl Gustav. Ab-reação, análise dos sonhos e transferência. 9. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2012. (OC 16/2). Tradução de Maria Luiza Appy; revisão técnica de Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Freud e a psicanálise. 7. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 366 p. (OC 4). Tradução de Lúcia Mathilde Orth; revisão técnica Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2014. 168 p. (OC 7/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl Gustav. Símbolos da transformação: análise dos prelúdios de uma esquizofrenia. Petropolis, Rj: Vozes, 2011. (OC 5). Tradução de Eva Stern ; revisão técnica Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. The Red Book: liber novus. New York, Ny. London: W. W. Norton & Company, 2009. (Philemon Series). Edited by Sonu Shamdasani; translated by Mark Kyburz, John Peck and Sonu Shamdasani.

JUNG, Carl Gustav. Tipos psicológicos. Petrópolis, Rj: Vozes, 2015. (OC 6). Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth.

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As quatro etapas da psicoterapia junguiana

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Em 1929, Carl Gustav Jung publicou o texto “Os problemas da psicoterapia moderna”, para o Anuário Médico Suíço o texto. Nele, que mais tarde veio compor o quinto capítulo do décimo sexto livro de suas obras completas: “A prática da psicoterapia”, Jung fala sobre as etapas do processo terapêutico, que em seu modelo teórico, teriam quatro fases. O presente texto é um resumo deste trabalho.

Na tentativa de englobar a psicanálise de Freud, a psicologia individual de Adler e outras tendências no campo da psicologia complexa, Jung entende o processo psicoterapêutico como um percurso que passa por diferentes momentos, e que em cada um deles, os diversos campos da psicologia podem contribuir para o processo.

“Devido à extrema diversidade das tendências da nossa psicologia, é imenso o esforço que temos que fazer para sintetizar os pontos de vista. Faço, portanto, esta tentativa de dividir as propostas e o trabalho, em classes, ou melhor, em etapas” (JUNG, 2013, § 122).

Segundo Jung (Ibid., § 123), “As origens de qualquer tratamento analítico da alma estão no modelo do sacramento da confissão.” Essa etapa passa pelo processo do sujeito se ver com seus segredos, que, diante do surgimento da parte oculta do psiquismo, devido à invenção da ideia do pecado, o segredo, a “coisa recalcada”, passa a ter um efeito deletério para a alma.

“O possuir um segredo tem o mesmo efeito do veneno, de um veneno psíquico que torna o portador do segredo estranho à comunidade” (Ibid., §124).

Fonte: encurtador.com.br/ajuNQ

Apesar do segredo, em doses baixas, ser salutar, por fazer um serviço à construção da individualidade, aquele que fica por demais restrito ao indivíduo, sem compartilhamento, pode ser destrutivo. Para Jung (Ibid., § 125), “este tem o mesmo efeito da culpa, segregando seu infeliz portador do convívio com os demais seres humanos.” Quando elevado a um nível radical, ele pode se tornar oculto até ao próprio sujeito. O conteúdo secreto já não é conscientemente encoberto, mas é oculto até perante si mesmo, e com isso separa-se da consciência na forma de um complexo autônomo, formando uma espécie de psique fechada, cuja fantasia desenvolve uma atividade própria, perturbando a atividade consciente.

Outra forma de contenção deletéria exercida é a dos afetos:

“O afeto contido, do mesmo modo que o segredo inconsciente atua como fator de isolamento e perturbação, e provoca sentimento de culpa. A natureza não nos perdoa, por assim dizer, quando, ao guardarmos um segredo, passamos a perna na humanidade. Do mesmo modo, ela nos leva a mal, quando ocultamos as nossas emoções aos nossos semelhantes” (Ibid., § 130).

Sendo o segredo e a contenção de ordem exclusivamente pessoal danosos para a alma, a natureza reage, enfim, por meio da doença.

“Esconder sua qualidade inferior, bem como viver sua inferioridade, excluindo-se, parece que são pecados naturais. E parece que existe como que uma consciência da humanidade que pune sensivelmente todos os que, de algum modo ou alguma vez, não renunciaram à orgulhosa virtude da autoconservação e da autoafirmação e não confessaram sua falibilidade humana. Se não o fizerem, um muro intransponível segregá-los-á, impedindo-os de se sentirem vivos, de se sentirem homens no meio de outros homens” (Ibid., § 132).

Esta etapa da confissão, dá ensejo para as primeiras descobertas da psicanálise. A catarse, que visa à confissão completa, não se limita a uma constatação intelectual dos fatos pelo pensamento, como também à liberação dos afetos contidos, “à constatação dos fatos pelo coração” (Ibid., 134).

Devido ao fato de que nem sempre é possível promover uma aproximação do paciente ao seu inconsciente, ao ponto de eles conseguirem perceber sua sombra através do método catártico, a prática da psicoterapia não pode se limitar a esse método. São muitos os indivíduos que são fervorosamente ligados ao seu consciente, não cedendo ao recuo dela e, portanto, não recorrem ao inconsciente. Nesse caso, se exige uma técnica toda especial para a aproximação do inconsciente (Ibid.).

Também há o fato de a catarse promover uma diminuição dos sintomas, porém não oferecer uma compreensão por parte do paciente dos processos que ocorrem em sua dinâmica psíquica, podendo gerar outras situações adversas, como o apego do paciente em relação ao psicoterapeuta, necessitando sempre do seu auxílio com o mesmo método, ou o apego ao seu próprio inconsciente, gerando uma fixação nociva em relação a ele (Ibid.).

Por isso, torna-se necessária a segunda etapa da psicoterapia: a compreensão. Para tanto, se dá atenção primeiramente às fixações, seguindo o método psicanalítico de Freud. Nos casos de dependência do terapeuta, se constata que esse vínculo corresponde, em sua natureza, à relação pai-filho, ou seja, um tipo de relação infantil que não se consegue evitar. Tratando-se de uma formação neurótica, um novo sintoma desencadeado pelo próprio tratamento, “FREUD acertou ao batizar esse sintoma de transferência (Ibid., § 139).

Fonte: encurtador.com.br/yMOP0

“Enquanto o método catártico, em sua essência, devolve ao eu conteúdos que normalmente deveriam fazer parte do consciente, o esclarecimento da transferência faz com que venham à tona conteúdos que, naquela forma, jamais teriam tido condições de se tornarem conscientes. Em princípio, é esta a diferença entre as etapas da confissão e do esclarecimento” (Ibid., § 141).

Já em outros casos, o sujeito, ao invés de se fixar ao terapeuta, se fixa às representações das fantasias do próprio inconsciente, e nele se emaranham. Este fato, revela que ele ainda se encontra em estado de identificação com os pais, lhe conferindo autoridade, independência e espírito crítico, o que lhe faz opor resistência à catarse.

“Aquilo que o paciente transfere para o médico tem que ser interpretado, isto é, deve ser esclarecido. Uma vez que o próprio paciente nem sabe o que está transferindo, o médico é obrigado a submeter a uma análise interpretativa todos os fragmentos disponíveis da fantasia do paciente” (Ibid., § 144).

Com o processo de esclarecimento das origens da fixação, o paciente, se deparando com a infantilidade e inutilidade de sua posição, desce a um nível mais modesto e de relativa insegurança, podendo gerar efeitos salutares. Pode também o fazer perceber que sua necessidade de fazer exigências ao outro é produto de um comodismo infantil, que deve ser substituído por uma maior responsabilidade pessoal (Ibid.).

“Armado da convicção de sua própria insuficiência, lançar-se-á à luta pela existência, a fim de ir consumindo em trabalhos e experiências progressivas todas aquelas forças e aspirações que até agora o tinham levado a agarrar-se obstinadamente ao paraíso da infância ou, pelo menos, a recordá-lo com saudades. As ideias que o nortearão moralmente daqui para a frente serão: adaptar-se normalmente e ter paciência com a própria incapacidade, eliminando as emoções e ilusões, na medida do possível” (Ibid., § 149).

Nesse novo estágio, o indivíduo com forte sensibilidade moral pode, devido sua elaboração, reunir um ímpeto mobilizador suficiente para fazer do processo terapêutico vivenciado um êxito. Isso pode despertar nele forças adormecidas, que poderão intervir favoravelmente em seu desenvolvimento. Porém, em pessoas com parca fantasia moral, tal insight em si pode de nada adiantar. “O método do esclarecimento ou elucidação sempre pressupõe índoles sensíveis, aptas a tirarem conclusões morais, independentes de seus conhecimentos” (Ibid., § 150).

Além disso, nem todas as pessoas podem ser analisadas sobre o espectro unilateral causalista freudiano, “Sem dúvida, todos têm esse aspecto, mas nem sempre é ele que predomina.” (Ibid., § 150). Aqui, adentramos na terceira fase do processo terapêutico: a educação para o ser social.

Há inúmeras neuroses que podem ser mais bem explicados sob o prisma do instinto do poder, idealizado por Alfred Adler, onde o indivíduo “arranja” sintomas para conseguir prestígio fictício, explorando sua neurose. Até mesmo sua transferência e demais fixações servem a sua vontade de poder. Por essa via, Adler visa a psicologia do oprimido ou do fracassado na sociedade, cuja única paixão é a necessidade de prestígio. “Estes casos são neuróticos, porque continuam achando que estão sendo oprimidos, e combatem moinhos de vento com as suas fixações, impossibilitando sistematicamente a consecução dos objetivos que mais almejam” (Ibid., § 151).

Fonte: encurtador.com.br/fivD7

A via Adleriana, segue onde para a última etapa. Para além do insight, se faz necessária a educação social, tentando tornar a pessoa normalmente ajustada, mediante todos os recursos da educação. Nessa parte, é possível que haja um certo distanciamento do inconsciente, visto que, visando o ajustamento em vias de adaptação e cura, é desejável que se aparte do lado que carrega as características sombrias e más da natureza humana.

“A educação vem por fim, e mostra que uma árvore que cresceu torta não endireita com uma confissão, nem com o esclarecimento, mas que ela só pode ser aprumada pela arte e técnica de um jardineiro. Só agora é que se consegue a adaptação normal” (Ibid., § 153).

Para satisfazer uma necessidade a mais, transcendendo tudo o que foi feito até então, Jung desenvolveu a quarta fase, e denomina-a como transformação. A finalidade dessa etapa passa pela exigência da alma de alguns sujeitos a tornar-se mais do que simplesmente socialmente ajustados.

“A simples noção de “normal” ou “ajustado” já implica limitar-se à média, que só pode ser sentido como progresso por aquele que, por si, já tem dificuldade em dar conta da sua vida dentro do mundo que o cerca, como, por exemplo aquele que, devido à sua neurose, é incapaz de levar uma existência normal” (Ibid., § 161).

Porém, para as pessoas cuja capacidade é superior ao homem médio, e suas realizações sempre foram mais do que satisfatórias, a ideia da normalidade pode não significar algo satisfatório.

“[…] significa o próprio leito de Procusto, isto é, o tédio mortal, insuportável, um inferno estéril sem esperança. Consequentemente, existem dois tipos de neuróticos: uns que adoecem porque são apenas normais e outros, que estão doentes porque não, conseguem tornar-se normais. (…) a necessidade mais profunda dessas pessoas é, na verdade, poder levar uma vida extranormal” (Ibid., § 161).

O confronto das personalidades do terapeuta e paciente, propicia o encontro de duas realidades irracionais, que, como a mistura de duas substâncias químicas diferentes, geram uma reação transformadora. Tais fenômenos são conhecidos por transferência e contratransferência, onde Jung defende a tese de que:

“De nada adianta ao médico esquivar-se à influência do paciente e envolver-se num halo de profissionalismo e autoridade paternais. Assim, ele apenas se priva de usar um dos órgãos cognitivos mais essenciais de que dispõe. De todo jeito, o paciente vai exercer sua influência, inconscientemente, sobre o médico, e provocar mudanças em seu inconsciente” (Ibid, § 163).

Nessa relação terapeuta-paciente, fatores irracionais promovem uma transformação mútua, sendo decisiva a personalidade do psicólogo ser aquela mais estável e forte. Ele acaba por ser parte integrante do processo psíquico do tratamento tanto quanto o paciente, estando também exposto a influências transformadoras. Segundo o autor, se o terapeuta se fecha a essa influência, ele também perde sua influência – que é inconsciente – sobre o paciente, abrindo uma lacuna em seu campo de consciência, impedindo-o de vê-lo corretamente.  É daí que se dá a necessidade de o terapeuta ser obrigatoriamente analisado, exigência feita por Jung e aderida por Freud quando ainda mantinham parceria (Ibid.).

Para Carl Jung, mais importa a personalidade e as condições psíquicas do terapeuta do que, propriamente, as linhas teóricas que ele utilizará no percurso terapêutico. “Você tem que ser a pessoa com a qual você quer influir sobre o seu paciente” (Ibid., § 167).

Ao longo de todo o percurso terapêutico, a relação psicoterapeuta-paciente será aquilo que norteará o tratamento. Dessa forma, para além desse ou daquele constructo teórico, bem como o que o psicólogo acredita ser o método adequado – catarse, educação ou seja lá o que for –, o que promoverá o tratamento será o encontro de duas almas, e, portanto, é muito mais importante preocupar-se com a convicção que o terapeuta tem acerca daquilo que acredita e segue como linha teórica.

Referência:

JUNG, Carl G.. A prática da psicoterapia. 16. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 156 p. (OC 16/1).

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