13 de agosto de 2022 Sônia Cecília Rocha Rocha
Insight
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Quando somos destituídos de uma estrutura emocional saudável, ou seja, quando ela é frágil e doente, o que pensamos sobre nós mesmos tem o poder de nos subjugar.
Vamos contextualizar este pensamento para que ele seja melhor compreendido: uma estrutura mental saudável, geralmente gira em torno da maneira como a pessoa comporta-se diante dos acontecimentos da vida e da maneira como ela se adequa de forma que suas aspirações, conhecimentos, ambições, anseios, estejam em sintonia com o bem-estar. Quando o contrário disso acontece, costumamos dizer que o indivíduo carrega certa fragilidade emocional, fazendo com que a pessoa se torne angustiada, e veja o mundo em preto e branco, se torne subjugado aos seus sintomas.
Para não incorrermos em banalidades, é mister que façamos uma visita às teorias existentes, que trarão luz ao presente texto.
Em 1916, Freud diz que o problema da angústia “constitui um ponto no qual convergem os mais diversos e importantes problemas e um enigma cuja solução irá projetar intensa luz sobre toda nossa vida psíquica” (Freud, 1916- 1917/1976, p. 458).
Seria a angústia o ponto central da derivação dos sintomas, se Freud nos trás que ela tem o poder de introjetar esta intensa luz em TODA nossa vida psíquica, não seria errôneo crer nos danos que ela causa à nossa saúde mental.
Sobre este não saber acerca dos estados de angústia, Freud nos elucida que:
Nós assumimos, em outras palavras, que o estado de angústia é a reprodução de alguma experiência que reuniu as condições para um aumento do estímulo como o assinalado e para a descarga por determinadas vias, em virtude do qual também o desprazer da angústia recebeu o seu caráter específico. No caso dos seres humanos, o nascimento oferece uma experiência prototípica desse tipo e, por isso, nos inclinamos a ver no estado de angústia uma reprodução do trauma do nascimento. (Freud, 1926/1975, p. 133)
Fonte: Imagem por wirestock no Freepik
Muitas vezes esta angústia que sentimos vem pintada com fortes cores, fazendo com que tenhamos uma visão equivocada e distorcida de nós mesmos, diz respeito a algo que não conhecemos, não sabemos nomear, fazendo com que tenhamos preconceitos a respeito de nós mesmos, acarretando uma baixa autoestima.
Esta visão preconceituosa é turva e nebulosa e conta muito também da fragilidade emocional em que nos encontramos.
Sobre a autoestima, Freud (1914/1969) descreve que “a autoestima expressa o tamanho do ego […], tudo o que o sujeito possui ou realiza […] ajuda-o a aumentar sua autoestima” (p.115).
Diante destas elucidações que nos traz Freud, o convite aqui hoje, é dirigido para os preconceituosos de si mesmos. Em particular para aquelas pessoas que vivenciam a depressão e outras demandas psicoemocionais incapacitantes (fobias, pânico, fibromialgia, bipolaridade, Burnout, borderline, etc…). Transtornos que acarretam em muita angústia em suas psiquês.
Quando as pessoas não aceitam, negam seus diagnósticos Correm atrás de vários especialistas na intenção de que alguns deles digam que alguma outra patologia orgânica é que provoca os sintomas. Porque de fato, preferem um mal orgânico, a aceitar qualquer quadro que ateste o temor de uma vulnerabilidade emocional e mental. Com este movimento, os indivíduos se colocam em negação e agravava seus sintomas por não procurar ajuda especializada.
O que ocorre nesta negação é que, como consequência dela nos impossibilitamos de empreender ações de mudança diante das realidades que vivenciamos (sintomas) e que são problemáticas.
Sobre esta negação, Freud apresenta o sintoma como “um sinal e um substituto de uma satisfação pulsional que permaneceu em estado latente; [o sintoma] é uma consequência do processo de recalcamento” (Freud, 1926/1980, p. 112). Diante desta realidade que nos impomos, de repente, nos encontramos lá, a ponto de entrar em um colapso ou entorpecidos por medicamentos, a fim de sustentar uma posição distorcida do que é ser forte. É triste perceber que o preconceito que sentimos pela nossa vulnerabilidade, nossas incapacidades, nossos medos, nos distancia da nossa verdade e nos impossibilita de procurar ajuda.
Nascemos, crescemos e morremos, e essa é uma ordem natural da qual se formos pensar, mal precisamos de ajuda para acontecer. Existem crianças que nascem de parto natural na rua, crescem nessas condições e morrem muitas vezes nessas mesmas condições. Nascemos já lutando para sobreviver. Já saímos do ventre de nossa mãe chorando e completamente assustados. O instinto de sobrevivência já é acionado no primeiro suspiro de vida.
Nossas vulnerabilidades nos conectam com a nossa humanidade. Somos humanos. Acione esse seu superpoder. Acione pessoas que possam ajudar a construir sua saúde emocional e mental, a fim de fortalecer suas estruturas, te dando mais e mais capacidade de construir as conquistas que você tanto busca.
Fonte: Imagem por 99paginas no Freepik
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Marina Bilig ; CAROPRESO, Fátima (2015). Nat. hum. vol.17 no.1 São Paulo 2015
A crise sanitária ocasionada pela pandemia da Covid 19 trouxe um forte impacto emocional em toda a humanidade. De Norte ao Sul do planeta, a sociedade sentiu os efeitos da doença, que mudou o comportamento das pessoas em escala global. Foi preciso o uso de máscara, distanciamento social, para evitar o contágio, e em muitos casos, houve a perda de entes queridos, vítimas da corona vírus. Nesse contexto, que inúmeros questionamentos apareceram, como: “Por que a humanidade está vivendo isso? E, como ficar em casa sem ver pessoas?”.
A pandemia pegou todo mundo de surpresa, como consequência uma crise existencial afetou muita gente, em busca de respostas para os acontecimentos decorrentes do fenômeno viral. Isto é, uma onda de dilemas afetou a cabeça das pessoas, por não saberem como ficaria o mundo, após a pandemia. Nesse contexto, Knobloch (1998), observa que a crise pode ser designada como uma experiência em que existe algo insuportável, no sentido de não haver suporte, experiência que nos habita. “Como um abismo de perda de sentido, em que se perdem as principais ligações”.
Em uma analogia, o ser humano não tinha preparo nenhum para enfrentar uma crise pandêmica, foi uma corrida contra o tempo até a elaboração da vacina, fora o cenário de filme, em que cidades ficaram vazias. Situação que mexeu com todo o mundo. Nessa linha, Morin (2005), esclarece que uma mega crise tem a capacidade de atingir o existencial. “Somos levados questionar nosso modo de vida, nossas reais necessidades, nossas verdadeiras aspirações mascaradas nas alienações da vida cotidiana”.
Fonte: Freepik
Sobre crise existencial, Frank (2016) observa que a influência da falta de sentido da vida pode levar a um desequilíbrio psíquico, por um vazio existencial. Fatores que geram depressão, ansiedade, cansaço mental, falta de apetite, e depressão explica Guimarães (2019) e afirma que “a crise existencial interfere na saúde mental do sujeito, através da falta de sentido da vida”. Como consequência, o autor supramencionado acrescenta que a crise existencial gera um “adoecimento relacionado ao sofrimento psíquico” como, ideações suicidas, ansiedade e diversos transtornos mentais de origem existencial.
Hertel (2006) revela que a angústia existencial é um aspecto inerente da humanidade, da qual todos fazem parte. Para ele, é importante que as pessoas tenham autoconhecimento sobre o assunto, no sentindo de ter conhecimento sobre o fim da vida. Tendo a necessidade de que, o indivíduo entenda suas emoções, e, quais são os efeitos que elas provocam em seu comportamento. Nesse ínterim, cada um poderá saber lidar com os questionamentos oriundo de uma crise existencial.
Andrade (2011) define que a ansiedade existencial está na essência do ser humano e pode evidenciar várias nuances, como ansiedade de morte, falta de sentido ou vazio, ansiedade de culpa. “A ansiedade é resultante de algo irreconhecível, o que pode gerar mais angústia, pois se torna difícil lidar com a situação sem ter um ponto de partida para tal.” Segundo Andrade (2011), é impossível acabar totalmente com o aspecto da ansiedade, e aconselha a procurar meios positivos para lidar com ela, pois a ansiedade na medida em que vai crescendo é um sintoma inerente a crise existencial, a qual precisa de tratamento com especialista.
Fonte: Freepik
Com outra perspectiva, Angerami (2018), aponta que o sentido da vida é uma condição que determina uma existência pautada no equilíbrio emocional, ou melhor, uma vida sem a presença de vazio existencial, como consequência sem enfermidades somáticas. Conforme o autor supracitado, o equilíbrio emocional, é uma força vital que possibilita o enfrentamento das dificuldades e surpresas durante a trajetória do indivíduo emocionalmente estável.
Isto significa que em meio as diversidades da vida, a pessoa é capaz de enfrentar diferentes situações justamente por ter uma saúde emocional fortalecida, a qual é capaz de propor soluções em meio ao caos. Quando isso, não acontece é aconselhável a procura de ajuda por meio de um profissional da saúde mental, o qual irá ajudar a trilhar um caminho saudável para as emoções, e por fim a crise existencial, ou seja, ao sofrimento.
ANGERAMI, V. A. Psicoterapia existencial: noções básicas. 15 ed. São Paulo: Artesã. 2018.
FRANKL, V. E. Teoria e terapia das neuroses: introdução à logoterapia e à análise existencial. Tradução Claudia Abeling. 1. ed. São Paulo : É Realizações, 2016.
GUIMARÃES, Vinícius. O comportamento humano em busca de um sentido (2019). Disponível em <https://sistema.atenaeditora.com.br/index.php/admin/api/artigoPDF/27506>. Acesso: 13, de nov, de 2021.
HERTEL, Hildegart. Espiritualidade e crise existencial na vivência do câncer(2006). Disponível em < http://dspace.est.edu.br:8080/jspui/bitstream/BR > Acesso: 13, de nov, de 2021.
Knobloch, F. (1998). O tempo do traumático. São Paulo: Educ.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2005.
Desde que a felicidade virou uma espécie de obrigação, fazemos uma confusão entre a noção de saúde mental e felicidade. Mas saúde mental não é o mesmo que felicidade, saúde mental tem relação com a capacidade acolher, de lidar e de elaborar nossos afetos, sejam eles bons ou ruins, felizes ou não.
Nesses tempos de pandemia e isolamento social, nós, os profissionais psi, estamos sendo convocados a ofertar para as pessoas receitas de felicidade e serenidade. Eu tenho dito o seguinte: quem está alegre, despreocupado, sem sonhos estranhos e não chorou (ao menos pra dentro) nessas últimas semanas, ou não entendeu direito o que está acontecendo ou está completamente descolado da realidade. Ainda mais no Brasil, onde a estupidez do presidente instaura para nós uma dupla ameaça: a da pandemia e a do pandemônio – como alguém já sinalizou.
Por isso, se você está com medo, angustiado, preocupado, choroso e com seu sono perturbado, isso indica que está com a saúde mental em dia, afinal, esses são os afetos adequados para a situação em que vivemos. São esses afetos que vão nos fazer tomar os cuidados necessários (por nós e pelos outros), buscar informações de qualidade, nos mobilizar e cobrar as providências devidas dos nossos líderes e instituições.
Fonte: encurtador.com.br/ehFKM
Por outro lado, os negacionistas, os criadores de teorias conspiratórias, os compartilhadores de mentiras, os manifestantes contra o isolamento social, os defensores das medidas genocidas do (des)presidente e que acham graça de seus comentários estúpidos, esses sim – caso não sejam movidos por cinismo ou ausência total de empatia – estão psiquicamente adoecidos; delirantes, débeis, descolados da realidade partilhada, colocando sob ameaça a própria vida e a do outro.
Sendo assim, caso você se sinta mergulhado em afetos ruins nesta quarentena, não se preocupe, você está totalmente saudável, talvez a questão seja definir o que fazer com esses afetos, como acolhê-los e atravessá-los sem paralisar completamente ou entrar em desespero. E isso é uma coisa que a maioria de nós já experimentou uma vez na vida e cada um conhece (e se não conhece deveria conhecer) suas melhores ferramentas para lidar com esses afetos difíceis: música, escrita, choro, dança, conversa, silêncio, gatos, cães, amigos, samba, trabalhos manuais, movimento político, arte, yoga, sonho, vinho, reza, grito, livros, ópera, videogame, abraço, memes, chocolate, pastel, promessa, mandinga, e tantas outras novas ferramentas, que podem até mesmo serem inventadas nesse momento.
Fonte: encurtador.com.br/gksGK
O sofrimento humano é algo profundamente individual, mas em alguns momentos – e a pandemia do Covid 19 é um deles – podemos experimentar uma forma de sofrimento coletivo. Todo sofrimento psíquico tem causas e efeitos políticos, porque está diretamente relacionado com a forma pela qual nos enlaçamos com o mundo que nos cerca. No caso do sofrimento coletivo, tal efeito político, se dá numa escala muito maior. Por isso, os que estão com sua saúde mental em perfeita ordem, são os mesmos capazes das ações políticas necessárias ao enfrentamento desse momento histórico.
O Brasil e o mundo contam com os angustiados, os insones, os preocupados e os tristes.
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Sartre, angústia existencial e mecânica quântica no filme “+1”
Como você reagiria, voltando ao passado, ao se defrontar com um clone de você mesmo que tem todas suas memórias, porém dentro de um delay de 15 minutos?
E se você tivesse a chance de voltar no tempo e corrigir um erro terrível, embora soubesse estar moralmente errado porque o resultado anterior era o que teria de realmente acontecer? Voltando ao passado, como reagiria ao se defrontar com seu próprio clone que tem todas suas memórias, porém limitadas por um delay de 15 minutos? Essas são algumas questões morais levantadas pelo filme “+1” (aka “Plus One, 2013), do diretor grego Dennis Iliadis. Não é propriamente um filme sobre “viagem no tempo”, mas a proposta de transformar uma festa universitária numa espécie de “Caixa de Schrödinger” (experimento imaginário de mecânica quântica do físico austríaco) no qual os mesmos eventos duplicados ocupam o mesmo espaço, porém com um delay a partir de 15 minutos progressivamente diminuindo. Tudo em decorrência de um misterioso fenômeno elétrico-astronômico. É mais um filme sobre o mito da “segunda chance”, mas dessa vez revelando que essa recorrência no cinema é o sintoma do atual espírito de época – a crescente angústia existencial humana, tal como descreveu o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre. Filme sugerido pelo nosso leitor Fábio Hofnik.
Esse humilde blogueiro sabe que, em alguma postagem nesses quase dez anos de Cinegnose, foi usado esse provérbio. Mas vou repetir: passamos metade da vida cometendo erros. E a outra metade, tentando consertá-los.
E se o leitor tivesse a oportunidade de ter uma segunda chance para corrigi-los in loco, sem ter que gastar o tempo restante da vida correndo atrás de uma solução? E se você tivesse a chance de voltar no tempo e corrigir um erro terrível, embora soubesse estar moralmente errado e que o resultado anterior fosse o que teria de acontecer?
Como você reagiria, voltando ao passado, ao se defrontar com um clone de você mesmo que tem todas suas memórias, porém dentro de um delay de 15 minutos?
Essas são as questões das quais partem o argumento do filme do diretor grego Dennis Iliadis +1 (aka Plus One, 2013). O tema da “segunda chance” é recorrente na cinematografia recente: Efeito Borboleta (2004), Perdido Entre Dois Mundos (2007), Sr. Ninguém (2009), Another Earth (2011), Coherence (2013), The Discovery (2017) entre inúmeros filmes recentes.
Fonte: encurtador.com.br/gHSW0
À primeira vista, nos primeiros minutos da narrativa, +1 parece algum tipo de “college movie” dentro do espírito da franquia American Pie: jovens universitários com hormônios explodindo, embebedando-se em festas, em busca da primeira transa – e com os personagens arquetípicos como a garota e o garoto popular, a nerd solitária e autoindulgente, os sociopatas, os competitivos e assim por diante.
Com o passar dos minutos, principalmente após o acidente espaço-temporal que transformará aquela festa mundana num evento sobrenatural, +1 parece se transformar num mix de American Pie com viagem quântica no tempo. Mas com o transcorrer da estranha festa, Dennis Illadis começa a acrescentar algo mais: o tom cada vez mais sombrio e dilemas morais. Embora, a solução seja a mais otimista, dentre os filmes recentes sobre o tema “segunda chance”.
+1 nos mostra uma espécie de viagem quântica no tempo. Não mais uma viagem no tempo convencional. Mas uma situação que se assemelharia à experiência imaginária do físico austríaco Schrödinger do gato preso no interior de uma caixa que revela o paradoxo quântico do animal estar ao mesmo tempo morto e vivo.
Uma viagem muito mais através do espaço do que no tempo, já que passado e presente ocupariam o mesmo tecido espacial – doppelgangers se encontrando numa mesma festa, em um delay de 15 minutos.
O Filme
David (Rhys Wakefield) é um jovem que parece ter parado no tempo: não mais estuda e apenas fica à espera do próximo verão e suas festas universitárias. Sua namorada é a estudante Jill (Ashley Hinshaw) que começa a achar que seu relacionamento com David está muito devagar e a ele faltam perspectivas futuras.
Todas essas emoções explodem numa tarde quando David confunde-se e se aproxima de Melanie (Nathalie Hall) nos corredores da universidade, pensando ser ela sua namorada Jill. Melanie vira-se e beija David, que não faz muita questão de afastá-la para dirimir a confusão. Jill assiste a tudo com o coração partido, aumentando o grau da tensão do casal.
Fonte: encurtador.com.br/egMT2
Jill decide acabar com tudo. Com seu romance em queda livre e desesperado, David e seu amigo Teddy (Logan Miller) decidem ir numa grande festa na casa do garoto rico local que promete muito bebida, música e sexo. David sabe que lá poderá encontrar Jill e tentar corrigir o seu erro. Mas ele não contava encontrá-la acompanhada de uma cara mais velho…
Paralelo a tudo isso, começa um estranho fenômeno elétrico desencadeado pela queda de um meteoro em um quintal próximo. Durante a festa David, Teddy e sua amiga tímida e insegura Alison (Suzanne Dengel) experimentam ondas de alucinações desorientadoras.
Quando todos os convidados foram para fora para continuar a festa no jardim do casarão, ocorre um estranho blackout. Ao retornar a luz, David Teddy e Alison percebem que há estranhamente duas festas simultâneas: dentro e fora da casa. E o que é mais assustador: dentro da casa estão duplicatas de todos que estão dançando e bebendo freneticamente nos jardins.
Fonte: encurtador.com.br/iFRU5
Mas não apenas isso: as duplicatas parecem repetir as mesmas situações ocorridas há 15 minutos. Porém, o estranho fenômeno espaço-temporal parece revelar sua natureza quântica de uma “caixa de Schrödinger”: a cada nova queda de energia e retorno, os clones avançam mais alguns minutos no tempo.
Parece que a qualquer momento, as duas festas irão se sobrepor para criar aquilo que na mecânica quântica chama-se “decoerência”: o que aconteceria então? Isso apavora Teddy e Alison, que tentarão alertar os festeiros. Enquanto David tentará a oportunidade para refazer uma tentativa fracassada de desculpas. Quem sabe, ele possa ser bem-sucedido, dessa vez com a clone de Jill…
“Segunda Chance” e a angústia existencial
O que torna interessante +1 é que o fenômeno elétrico-astronômico nunca é explicado: não há especialistas, astrônomos ou sequer um monitor de TV mostrando um telejornal com alguém sendo entrevistado e dando alguma explicação plausível.
Tudo o que sabemos é nada mais do que aquilo que os personagens deduzem. Não há nenhuma informação reconfortante que auxilie as ações dos protagonistas – eles fazem tudo por impulso, resultando em uma série de dilemas morais: se David conseguir reconciliar-se com a clone de Jill, poderá matar a sua versão original do presente? O que farão todos na festa para evitar a sobreposição? Matar suas duplicatas? Isso não seria suicídio?
Fonte: encurtador.com.br/ftGH9
FICHA TÉCNICA DO FILME:
Título Original: +1 (Aka Plus One) Direção: Dennis Iliadis Elenco: Rhys Wakefield, Logan Miller, Ashley Hinshaw, Nathalie Hall País: França/Bélgica Ano: 2013 Gênero: Ficção Científica
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Sense8: a reconciliação com a ansiedade de separação
“A única forma de alcançar o pleno conhecimento é o ato de amar, um ato que transcende o pensamento, que transcende as palavras. Ele é um mergulho ousado na experiência da união.”
Erich Fromm- A arte de amar.
Sense8 é uma série norte-americana original do serviço streaming Netflix, lançada em 2015 e produzida pelas irmãs Lilly e Lana Wachowski e J. Michael Straczynski com duração de 2 temporadas com 12 episódios cada. O título da série faz uma alusão a palavra do inglês “sensate”, que é o principal aspecto que caracteriza a união de 8 pessoas completamente desconhecidas, que moram em diferentes lugares do mundo, e passam a sentir suas vidas profundamente conectadas.
Fonte: https://bit.ly/2BYNGuL
Will Gorski (EUA), Riley Blue (Irlanda), Capheus Onyongo “Van Damme” (Quênia), Lito Rodriguez (México), Sun Bak (Coreia do Sul), Nomi Marks (EUA), Wolfgang Bogdanow (Alemanha) e Kala Dandekar (Índia) são os protagonistas da trama. Subitamente, todos têm a visão de uma mulher atirando contra a própria cabeça, e a partir de sua morte descobrem estar psiquicamente conectados, capazes de sentir os outros sensorial e emocionalmente, ver, tocar e se comunicar entre si, ainda que estejam em lugares distintos fisicamente. Angelica é a mulher que “deu a luz” ao grupo antes de se matar para fugir do vilão Wsipers (Sussurros).
Na série, indivíduos com essa capacidade de conexão são chamados de Sensates e estão sempre conectados em grupos de oito pessoas, chamados de Cluster. Agora o grupo precisa se unir para entender suas novas habilidades e também o porquê de estarem sendo ajudados por Jonas, integrante do cluster de Angelica, e caçados por Whispers, chefe de uma organização que mata sensates.
Aparições de Angelica para Capheus (Quênia) e Riley (Irlanda).
Uma (re)descoberta em grupo
Algo que não deixa dúvidas é a inovação implementada (com sucesso) pelos produtores da série. Ainda que atualmente seja menos empolgante falar de Sense8 depois de seu término, que se deu devido ao exorbitante orçamento resultante de gravações em pelo menos oito cidades ao redor do mundo, lembro que ao assistir os primeiros episódios em 2015 pensei que nada no mundo era parecido com o que tinha acabado de assistir, isso é uma qualidade extremamente valiosa que já citei em outro texto.
Os três aspectos que mais chamam a atenção inicialmente são (1) a relação de união entre os personagens, (2) como isso se manifesta sexualmente, e por fim, (3) o resultado da interação das diversidades humanas. À medida em que o grupo descobre o porquê de terem sido unidos, e os motivos de estarem sendo caçados pela BPO (organização a qual Whispers pertence), precisam usar a conjunção de todas as suas habilidades para fugir e se proteger.
Um policial, uma DJ, um motorista de van, uma lutadora de kickboxing, um ator, uma farmacêutica, um gangster e uma hacker; essas são as profissões de cada um dos sensates. Agora, imagine todas essas habilidades combinadas em uma pessoa só, de acordo com a necessidade do momento. Sem dúvida, é uma combinação poderosa. Mas além de apenas habilidades físicas, a união dos sensates transpassa suas histórias de vida, seus traumas, seus medos e suas repressões, culminando em um sentimento mútuo de apoio, afetividade e amor. Essa intensa relação resulta em cenas não incomuns de orgias entre os personagens.
Fonte: https://bit.ly/2zSxIAV
Essas orgias transcendem também os estados físicos, e passam a mesclar-se com estados metafísicos, pois, nem sempre os personagens estão juntos no mesmo local geográfico. As relações sexuais transcendentes que mesclam diferentes expressões de sexualidade e diversas práticas sexuais, como se pode imaginar, não são vistas como belas por todos os olhos. Sense8 definitivamente não é conservadora. A série não só incomoda a visão de sexualidade ocidental conservadora, como a confronta. Cada episódio é um convite ao expectador a se abrir para as diferentes faces do amor e do sexo, para a natureza humana sem máscaras.
Amor como problema fundamental da existência humana
O psicanalista alemão Erich Fromm, postulou sobre as necessidades humanas de se conectar com outras pessoas para superar a ansiedade da condição humana (você pode ler mais sobre ele aqui).
“Erich Fromm defendeu que a união entre os seres humanos, pelo princípio do amor, é uma resposta potente para a questão elementar da humanidade, a ansiedade de separação e a solidão/angústia existencial. Neste sentido, o amor se torna uma necessidade psíquica básica do indivíduo, e deve ser trabalhado a partir dos mesmos pressupostos da arte, ou seja, tem que ser entendido, observado, treinado e executado, num movimento que engloba não apenas os sentimentos, mas também a razão (evitando assim as polaridades).” (SOUSA, 2018).
Para o psicanalista, a consciência que o ser humano adquire ao se perceber separado gradualmente da mãe e posteriormente da própria natureza, do seu curto período de vida, do seu nascimento e morte contra a própria vontade, da sua solidão e separação, de modo que uma existência apartada e desunida se tornaria uma prisão insuportável. Desse modo, a experiência de separação seria fonte de toda a ansiedade humana (FROMM, 2000).
Personagens no episódio Amor Vincit Omnia (O amor conquista tudo). Fonte: https://bit.ly/2PcsyVx
O ser humano tenta, portanto, encontrar saídas para superar a ansiedade de separação através de: transes auto-provocados, como o sexo e uso de drogas; com a busca de conformidade, ou seja, uma transfiguração do eu para pertencer à homogeneização social; com a atividade criativa, no qual o indivíduo criativo une-se ao seu material, que representa o mundo fora dele; e também a união simbiótica (representada inicialmente pela união gestacional mãe-bebê), na qual o indivíduo busca superar o estado de separação se tornando parte de outra pessoa, ou incorporando outra pessoa em si, através de uma conexão psicológica. Porém, todas essas tentativas de fusão com o mundo seriam imaturas e passageiras (FROMM, 2000).
Ao examinar a história dos sensates, não é difícil perceber a solidão que os cercava. A rejeição familiar e da sociedade ou o medo dela os impelia para buscas diversas de superar suas angústias, como uso de drogas (Wollfgang e Riley), tentativas de se encaixar nos padrões sociais aceitáveis (Sun, Lito e Kala), atividades de sublimação no trabalho (Nomi, Capheus, Lito e Will). Mas, a partir do momento em que o Cluster encontra um novo significado para suas existências e todos os integrantes passam por um processo de aceitação e preservação individual e mútua, em doação de si aos seus parceiros, acontece o que Fromm denomina de “amor amadurecido”.
“Em contraste com a união simbiótica, o amor amadurecido é união sob a condição de preservar a integridade própria, a própria individualidade. O amor é uma força ativa no homem; uma força que irrompe pelas paredes que separam o homem de seus semelhantes, que o une aos outros; o amor leva-o a superar o sentimento de isolamento e de separação, permitindo-lhe, porém, ser ele mesmo, reter sua integridade. No amor, ocorre o paradoxo de que dois seres sejam um e, contudo, permaneçam dois.” (FROMM, 2000, p. 23-24).
Então chegamos ao grande paradoxo de Sense8, que nesse caso, oito sejam um, e, contudo, permaneçam oito. A situação de sustentação mútua entre os integrantes do grupo, os fizeram superar inúmeros desafios pessoais, porém, tal amor, não lhes custou sua integridade, suas habilidades e paixões distintas só se fortaleceram.
Fonte: https://bit.ly/2E9PELx
O amor seria um movimento ativo e não passivo; um crescimento, ao invés de uma queda; seria, portanto um fluxo de dar e não de receber. Dar, não se caracteriza aqui, na perspectiva mercantilizada do sentido de perda, mas sim como expressão de potência, onde se põe a prova o próprio poder, é um marco de superabundância, e acima de tudo, uma expressão de vitalidade (FROMM, 2000).
As esferas do “dar” englobam o sexo, como uma expressão de doação do próprio corpo ao outro, porém a mais importante seria a esfera do que é especificamente humano. Dar da própria vida, de seus sentimentos, do que vive em si, seria a mais alta expressão de amor. Enriquece, desse modo, sua própria vitalidade e a vitalidade do outro, só enriquecimento, sem perdas (FROMM, 2000).
Fonte: https://bit.ly/2IFrzui
O que torna Sense8 diferente de outras séries, não é só a relação de união entre os personagens, tampouco apenas como isso se manifesta sexualmente, mas o resultado da interação das diversidades humanas, daquilo que é especificamente humano: alegrias, tristezas, conhecimento e compaixão. A mescla de humanidades fascina os expectadores com o maior anseio de nossa existência: ser amado.
REFERÊNCIAS:
FROMM, Erich. A arte de amar. Trad. de Eduardo Brandão. Martins Fontes: São Paulo, 2000.
Erich Fromm: só o amor salva o ser humano de sua angústia existencial
22 de agosto de 2018 Sonielson Luciano de Sousa
Personagens
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Erich Fromm defendeu que a união entre os seres humanos, pelo princípio do amor, é uma resposta potente para a questão elementar da humanidade
Assim como o pai da Psicanálise (Freud), o psicanalista Erich Fromm foi de família judaica com grande tradição para os estudos da Toráh e voltada para o rabinato. Nascido na Alemanha de 1900, por pouco não se transformou, também, num rabino. De qualquer forma a origem semita o acompanhou na carreira acadêmica, uma vez que Fromm acabou se doutorando em 1922 sobre sociologia e lei judaica. Paralelo a isso, obtinha aulas de talmude – para complementar a Torá, que dispõe da lei oral, doutrina, tradições e moral judaica – com o rabino Rabinkow e, na psicanálise, iniciou também nos anos 20 os estudos junto ao Instituto de Psicanálise de Berlim, que à época era capitaneado pelo médico e jurista Hanns Cachs.
Na década de 30 Erick Fromm passou a atuar como diretor do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, que passou a ser conhecido como a Escola de Frankfurt (que ainda hoje influencia o pensamento sociológico e político do ocidente) e, de quebra, deu bases para o marxismo na Psicanálise, ao lado de intelectuais como Wilhelm Reich. Em meados dos anos 30 Fromm teve que sair da Europa devido a crescente onda antissemita e a ascensão de Hitler. A mudança contribuiu para que o psicanalista alemão fosse trabalhar na Columbia University de Nova Iorque.
Escola de Frankfurt. Fonte: https://goo.gl/mXQYEq
No início dos anos 40 se torna cidadão norte-americano e, concomitantemente, depois de uma série de desentendimentos de ordem epistemológica, deixa a Escola de Frankfurt. Fromm também chegou a lecionar na cidade do México e, em meados dos anos 70 volta para a Europa, para morar na Suíça. Casou-se primeiramente com uma imigrante alemã nos Estados Unidos em 1944 – Henny Gurland – e, após a morte desta, casa-se novamente, desta vez com a americana Annis Freeman.
Humanismo como meio e amor como fim
Erich Fromm defendia que além das necessidades básicas, relativas à sobrevivência física do ser humano, este também precisava atender a necessidades psíquicas. Neste sentido, uma dada sociedade poderia promover ou restringir os aspectos que compõem a saúde mental dos seus indivíduos, o que acabou por fortalecer as linhas de pensamento – como de quebra ocorre em toda a Sociologia da época – que não atribuem ao princípio da individualidade os marcadores para alcançar uma boa existência. Era preciso reconhecer o papel do estado e da sociedade, neste processo.
Fonte: https://goo.gl/9hPa8Y
Desta forma Erich Fromm defendeu que o ser humano é moldado pela sociedade e, assim, ao contrário de Freud, o sociólogo afirma que a autoridade e os discursos de interditos – que formarão o superego dos filhos – não parte exclusivamente da autoridade do pai mas, antes, da sociedade, uma vez que as autoridades sociais representam em grande medida as qualidades do superego. Desta forma, se o ser humano estiver de acordo com as diretivas da sociedade, a possibilidade de conflito deste com as normas gerais é mínima; por outro lado, se este mesmo ser humano aderir ao princípio da liberdade – pressuposto em ascensão, já no final da Segunda Guerra –, em algum momento irá sofrer as consequências. Isso se dá a partir do desenvolvimento de neuroses, que impele o humano a não exteriorizar-se de modo espontâneo, sob pena de ver eclodir os complexos.
Estas falhas que impossibilitam uma vida o mais autêntica possível – no sentido de resgate de uma espontaneidade perdida com o histórico de interdições – são produzidas não apenas pela família, e sim pela cultura. Desta forma, o indivíduo acaba reprimindo muitos conteúdos para não correr o risco de ser marginalizado.
Fonte: https://goo.gl/RrGNSq
Esta é a tônica do humanismo de Fromm, que de quebra ainda levanta a hipótese de que o ser humano vive achatado entre duas polaridades, num movimento que parece invencível: ao mesmo tempo em que busca reestabelecer uma harmonia rompida com a natureza (no que Von-Franz caracteriza como a busca pelo paraíso perdido), por outro lado, o princípio da razão parece ser a via mais adequada para superar as limitações humanas. Depois de satisfeitas as necessidades primárias, toda a movimentação humana seguinte é no sentido de satisfazer suas necessidades existenciais. O amor, então, entra nesta perspectiva.
Erich Fromm defendeu que a união entre os seres humanos, pelo princípio do amor, é uma resposta potente para a questão elementar da humanidade, a ansiedade de separação e a solidão/angústia existencial. Neste sentido, o amor se torna uma necessidade psíquica básica do indivíduo, e deve ser trabalhado a partir dos mesmos pressupostos da arte, ou seja, tem que ser entendido, observado, treinado e executado, num movimento que engloba não apenas os sentimentos, mas também a razão (evitando assim as polaridades).
Fonte: https://goo.gl/PNTfcB
Desta forma o amor se configura, também, como uma necessidade da alma, pois possibilita a ligação do amante com ele mesmo, com o/a amado/a e com o mundo. Amar alguém, portanto, é uma boa possibilidade de amar o mundo, colocando-se no lugar do outro e desenvolvendo um olhar amoroso e compassivo para consigo e para com terceiros. Então, por este percurso, o amor se apresenta como um antídoto contra o narcisismo secundário, em que o sujeito não conseguiu superar o narcisismo infantil e passa a identificar no outro e no ambiente apenas dispositivos para satisfação de seus desejos (ainda infantis). Narcisistas, neste aspecto, trabalham incansavelmente para imprimir uma relação de poder sobre o ambiente. Isto não poderia ocorrer no amor maduro de que fala Fromm (Jung também defendia que poder e amor são conceitos/práticas opostos/as), o que se diferencia radicalmente do princípio do amor, cuja ligação entre os indivíduos é pautada pelo princípio da cooperação mútua.
Fonte: https://goo.gl/ewTj9J
Esta talvez tenha sido uma das maiores contribuições de Erich Fromm, que morreu em 1980, aos 79 anos, na região suíça de Muralto. Fromm imortalizou sua obra ao defender que o amor é o único remédio capaz de fazer com que o ser humano cure suas feridas existenciais, sobretudo em relação aos sentimentos de isolamento e solidão para que, assim, pudesse se lançar no mundo – tanto a partir do princípio da razão, quanto pelo prisma da emoção e da alteridade.
“O ser humano nasce com infinitas possibilidades de ser várias pessoas, viver várias vidas, mas, no final, ele acaba morrendo tendo vivido uma só”. (JOÃO TEÓFILO)
As manifestações artísticas tem em si uma dádiva inimitável: a representação do indizível, a interpretação do inefável e a projeção rumo ao infinito criativo. Dentre inúmeros exemplos possíveis de serem elencados nestas categorizações vez ou outra há destaques a serem em relevo, como é o caso da obra imagética e animada de João Teófilo, arquiteto, urbanista e artista visual.
O conjunto de uma formação múltipla agregada a uma visão, de igual maneira, holística e contemporânea, fazem com que os projetos, exposições e demais obras de Teófilo emanem uma diversidade de olhares e possibilidades de interpretações únicas. E, como exemplo neste rol de pulsantes linguagens metafóricas, dramáticas, existenciais e introspectivas há o seu Sujeito Estilhaçado, formado pelo arranjo expositivo de imagens em banda desenhada em aquarela, bico de pena, técnicas de luz e sombra com nanquim, etc. A união de todos estes elementos corroboram para a individuação do apelo e aspecto visual da obra, singularizando-a de uma forma imensurável.
Segundo o próprio autor da obra, suas principais inspirações tratam das profundezas da inquietude do sujeito, seus dilemas, enfrentamentos e embates, como a angústia, a morte, as escolhes, as máscaras sociais e a fragmentação do eu. Percebe-se nas representações de suas imagens, que, há a visitação de tais temáticas, ora em efeitos de cores de desgaste em meios ao sofrimento de rostos em frígida inexpressão, ou, em efeitos de luz e sombra, perpassados por uma paleta dialógica com o raionismo e o realismo pictórico pós belle epoque.
Fonte: http://zip.net/bjtLC2
O deslocamento da unicidade frente ao seu múltiplo. Esta pode ser considerada uma das máximas argumentadas na exposição. A clareza destes dois elementos, o uno e múltiplo, aparecem de forma contínua, e, por vezes, complementar ou contrária, de modo a reforçar a sua proposta de reflexão. A busca, para o clareamento do sentido da existência, mesmo que esta última seja a falta do propósito em si, ultrapassa as esferas do próprio eu, as relações com os outros entes humanos e inanimados, alcançando o embate do indivíduo com o seu mundo, sua totalidade. O peso do fardo, inevitavelmente, desencoraja aqueles indispostos a enfrentá-lo, ou, ao menos, considerar a sua presença e participação no estrato do existir de cada um.
As representações de Teófilo remetem a uma gama complexa e instigante de situações que acometem a natureza humana em seu existir. O embate sugerido pelo autor se dá na dualidade entre o eu interior em seu estado de solidão e a “necessidade” de socialização, pois esta última acaba por condenar o indivíduo no uso de diferentes máscaras como garantia de um escopo harmônico junto à coletividade. Eis então, ao mesmo tempo, uma análise, interpretação, reflexão sobre o tema:
Seria justo dizer que o ser humano é aquele que pode escolher algo para si; em grau maior que qualquer outra espécie – determinar seu próprio futuro. Essas escolhas – a própria vida – são quase sempre feitas sob a tutela dos outros: o modo impessoal de ser. É nossa condição inicial e na maior parte das vezes, assim permanece. O indivíduo numa sociedade parece condenado a existir sempre em relação aos outros. É também nessa relação que ele constrói significado e identidade. Sua personalidade não tem nada de unitária. Os vários papéis que encarna, o tornam um ser fragmentado. Quanto mais longe se aventura na construção de sua identidade multifacetada, mais se distancia de algo que lhe era próprio, se confunde com as máscaras que usa – a cada passo arrisca sufocar sua subjetividade mais autêntica. Nesse constante abrir mão de si mesmo, cresce uma angústia – angústia de ser vários, sem chegar a ser ninguém por inteiro (TEÓFILO, 2012).
Se se exige do indivíduo o engendramento desta sobreposição de camadas do seu ser, é possível questionar-se até que ponto, a própria socialização é responsável, ou pelo menos em boa parte, pelas aflições, angústias e desestabilizações do ser humano. Há, portanto, a inevitabilidade de ação de um dínamo, já que inegável as benesses que a sociabilidade podem trazer às pessoas, pois o emocional e manifestação sentimental nos unifica, diferencia e afeta, e a relação com o outro é crucial neste processo, mas, ao mesmo tempo, haverá aqueles que vão optar, devido à estes efeitos, de se afastarem, isolarem, ou, simplesmente, reverem o peso deste imbróglio.
Fonte: http://zip.net/brtLGg
Assim como faz sua reflexão por meio de imagens, Teófilo dialoga com outras iniciativas, por meios diferentes, que tratam de igual maneira com o aumento do caráter quebradiço das bases do sujeito contemporâneo. Alguns exemplos se notabilizam, por seu alcance, profundidade e importância em pouco tempo de criação já sendo alçados como referência no assunto, como The Fight Club o livro de 1996, de Chuck Palahniuk e também o filme de 1999, dirigido por David Fincher, também é possível mencionar Spieltrieb da escritora alemã Juli Zeh, que ganhou uma adaptação em formato de série com o nome de A Menina Sem Qualidades pela MTV Brasil, e We need takl about Kevin o filme de 2011 e o romance de Lionel Shriver de 2003. Em todas estas obras, os temas mencionados, trabalhados e vividos pelas personagens se encontram com a discussão imagética proposta por Teófilo em seus estilhaços do sujeito.
Existiram, e ainda existem, correntes de pensamento e debate que se debruçaram sobre a situação de estilhaçamento do sujeito. Dentre possíveis e outras tantas relegadas ao esquecimento vale destacar o papel dos existencialistas e irracionalistas; no primeiro caso o foco se dá no sujeito, suas aflições, angústias, anseios, desejos, incompletude e enfrentamentos consigo mesmo e com os outros. Já em relação aos irracionalistas, o que se coloca em questão são os limites de validade dos postulados de veracidade, eficiência e neutralidade, de modo a provar sua condição corruptível, limitação e insuficiência frente aos seus próprios fundamentos.
Mas, nada se iguala às fronteiras finais lançadas pelos existencialistas, na estruturação das bases do niilismo, na admissão da falta de finalidade e poderio da causalidade a resultante inerente do existir, adentrando em estágios propícios e em argumentos de proficuidade da morte como via para, senão superar, ao menos findar o curso extinção do sentido do viver, sem necessariamente recorrer ao suicídio para a se chegar a este objetivo.
Fonte: http://zip.net/bltLcp
A linguagem escolhida por Teófilo foi a visual, por seus rascunhos, desenhos e imagens. No entanto, a temática da solidão, da náusea contemporânea, e da esquizofrenia do nosso mundo aparece em outras mídias e representações. Alguns exemplos são Mad World do Tears for Fears, Pare o Mundo que eu quero descer de Raul Seixas, O Silêncio das Estrelas de Lenine, Dogs do Pink Floyd; pinturas como O Grito (Skrik) Edvard Munch, Guernica de Pablo Picasso e Angustia do Homem Primitivo de Cândido Portinari; e mais recentemente até mesmo séries de TV tem se arriscado nestas discussões como a niilista True Detective, Breaking Bad e a inesperada A Menina Sem Qualidades.
E, assim como podemos ver na obra e exposição de Teófilo, em conjunto com suas falas, a busca pelo sentido e seu não encontro levam o indivíduo à contemplação da nadificação, já que ao despir-se de todos os sistemas sígnicos, simbólicos, icônicos, emocionais, espirituais, científicos e, principalmente sociais, seria capaz de haver uma sustentação existencial para esta escolha? Os estilhaços da mimese social, compõem-nos, e em sua ausência, aguentaríamos uma possível nudez da falta de propósito no viver? Estes são algumas das antinomias lançadas em o Sujeito Estilhaçado, cabendo para cada ser humano, em sua singularidade ou coletividade, admoestar ou não estas assertivas, a depender do resguardo das consequências em sobre tal decisão.
A adolescência não detém o monopólio sobre a angústia, mas é certamente dona da maior parte do estoque. É um período que combina opostos de tal maneira que às vezes chega a soar como uma pegadinha maldosa e sádica da Evolução: ao mesmo tempo em que a sexualidade aflora, o corpo se altera radicalmente, trazendo insegurança e vergonha; ao lado da necessidade de aceitação vem, provocado pela imaturidade, o receio constante do embaraço; simultaneamente à descoberta dos próprios interesses vem a obrigação de definir o caminho profissional a seguir pelo resto da vida; e, claro, junto ao primeiro amor vem o primeiro coração partido e a constatação de que ainda não temos todas as ferramentas para lidar com estes. (Algo que, infelizmente, seguirá faltando a uma parcela considerável de adultos.)
13 Reasons Why, série produzida pela Netflix a partir de um livro do norte-americano Jay Asher, sem dúvida alguma compreende isto: acompanhando os estudantes de um colégio secundário, o projeto é estruturado em torno de sete fitas cassete deixadas pela jovem Hannah Baker (Langford), que, divididas em 14 lados (o último encontra-se em branco), trazem a voz da garota explicando os motivos que a levaram a se matar, atribuindo responsabilidades a vários de seus colegas – todos recebendo as gravações completas em um momento ou outro e, portanto, tornando-se conscientes não só do que fizeram, mas também das ações dos demais. Aliás, é ao lado do mais recente destinatário das fitas, Clay Jensen (Minnette), que somos conduzidos pela narração de Hannah à medida que o rapaz, apaixonado pela amiga, revive suas experiências e descobre as feridas emocionais e psicológicas de Hannah.
Fonte: http://zip.net/bgtHx9
Com isso, 13 Reasons aborda questões como bullying, assédio sexual e solidão (além de diversos outros; discutirei isto mais adiante) – temas inquestionavelmente relevantes e sérios que devem ser debatidos franca e frequentemente em uma sociedade na qual o suicídio entre adolescentes atinge números assustadores. Infelizmente, na maior parte do tempo a série esconde-se atrás da importância destes tópicos para justificar uma dramaturgia pobre, maniqueísta e irresponsável, apresentando-se como um Malhação com melhor acabamento.
Mas o pior é perceber como a série assume um caráter perigoso ao alimentar uma fantasia adolescente tragicamente comum: a do suicídio como forma de vingança, como recurso para “punir” aqueles que nos injustiçaram (como já descrevia Karl Menninger em 1933). Através de suas fitas, Hannah torna-se, em essência, a protagonista da vida de todos nelas mencionados, transformando-se no foco absoluto de suas conversas e pensamentos – e, considerando o público-alvo do livro e da série, comprovadamente mais susceptível ao efeito Werther (suicídios cometidos sob inspiração de exemplos famosos), a irresponsabilidade dos realizadores torna-se ainda mais reprovável.
Pois o que muitos dos espectadores mais jovens terão dificuldade de perceber é que por trás da “justiça” de Hannah há uma pesada manipulação narrativa: os propósitos da garota são alcançados porque o roteiroprecisaque sejam. Além disso, como as “razões” enumeradas vão se acumulando ao longo dos episódios, este empilhamento de cicatrizes acaba por ocultar as feridas reais, misturando arranhados e cortes profundos sem qualquer cuidado e igualando ações que nada têm de similares (e, assim, a publicação não-autorizada de um poema escrito pela moça – sem identificá-la – é empurrada para uma lista que inclui estupro e stalking, por mais que pontualmente algum personagem tente apontar a discrepância).
Como se não bastasse, como o espectador sabe que o que Hannah descreveu é basicamente verídico, a série não deixa espaço para a interpretação e a subjetividade – e a afirmação da veracidade nem seria necessária, já que o que deveria importar é que para Hannah os incidentes e as dores eram reais. Ora, uma obra que se propõe a discutir um tema tão complexo deveria ser mais honesta ao fazê-lo, abordando o debate sem simplificações dramáticas e, principalmente, sem o cinismo de aqui e ali questionar pontos menores (Zach, afinal, não jogou o bilhete fora) enquanto reafirma a verdade objetiva de todos os maiores.
Fonte: http://zip.net/bhtHHp
E, vale repetir, 13 Reasons não precisava deste maniqueísmo: a depressão e o suicídio são problemas complexos exatamente por envolverem a subjetividade do paciente/vítima – assim como são reais os traumas que o autoextermínio provoca em quem ficou para trás e que não têm necessariamente a ver com “responsabilidade” (embora responsabilizar-se seja parte da natureza humana), mas com empatia pela dor alheia e com o sofrimento da perda de alguém amado ou a pura constatação do desperdício representado por uma morte precoce.
Aliás, a obsessão da série por “culpa” é igualmente problemática. Tomemos, como exemplo, o sr. Porter (Luke), responsável pelo aconselhamento psicológico oferecido aos alunos do colégio: incluído na lista de Hannah por não conseguir restaurar nesta o ímpeto de viver (e por não tê-la seguido quando deixou a sala), ele obviamente faz o possível para extrair da moça as informações necessárias para ajudá-la, acreditando em seu relato e oferecendo-se para apoiá-la caso resolvesse denunciar o estupro cometido por Bryce (Prentice) – e o potencial destrutivo da fita acarreta, no mínimo, em chances consideráveis de que o sujeito seja prejudicado injustamente. E o que dizer de Sheri (Alexus), citada nas fitas por ter derrubado uma placa de “Pare” e se recusado a informar à polícia imediatamente? Sim, é uma atitude irresponsável, mas como isto poderia ser visto como uma das razões para o suicídio de Hannah? Culpa pela morte de Jess (Larracuente)? Como, se Sheri não a impediu de relatar o ocorrido (algo que Hannah fez logo em seguida)?
E não há sequer como sugerir que os realizadores não culpam figuras como o Sr. Porter e Sheri, já que, além de Hannah, o protagonista da série, Clay, claramente o faz. (E que tal discutirmos como a produção encarrega um homem de defender os interesses da jovem suicida, incorrendo no velho roubo de protagonismo mesmo se passando por uma narrativa “inclusiva”?)
Fonte: http://zip.net/bmtHrl
Por falar em Clay, é preciso reconhecer como Dylan Minnette, um ator talentoso e carismático, quase nos faz ignorar como está vivendo o que é fundamentalmente um fantoche narrativo, agindo de maneira errática apenas para atender às necessidades dos roteiristas – e por mais que a série tente justificar a demora do rapaz para ouvir as fitas, há um ponto a partir do qual se torna ridículo vê-lo atirar os fones de ouvido para o lado e repetir que não consegue mais prosseguir na tarefa, não tendo sequer o impulso de buscar a fita na qual é mencionado. Ainda mais ridículo, porém, é perceber como ele começa a se vingar dos demais citados sem sequer chegar ao fim do relato – por mais que seja alertado de que sua percepção será alterada depois que descobrir o que Hannah disse a seu respeito.
O que nos traz à desonestidade dos responsáveis pela série, que criam um falso pretexto para prender a atenção do espectador: a presença do protagonista nas fitas. O que Clay teria feito para merecer figurar na lista? Por que Tony (Navarro) afirma tão categoricamente que o jovem levou Hannah a se matar quando sabe que esta diz que Clay não merecia estar na lista? (Para obrigá-lo a ouvir o resto? Por favor.) E como o rapaz pode declarar “tudo é culpa minha!” ao descobrir que está nas gravações por sua gentileza ou, no máximo, por não ter insistido em permanecer no quarto depois que Hannah o expulsou várias vezes aos gritos? Não, a verdade é que 13 Reasons não tem coragem de pintar seu personagem principal com cores sombrias (e, sim, Clay é o protagonista da série, não Hannah), mas não hesita em sugerir falsamente para o público que ele talvez tenha um lado desconhecido apenas para manter nosso interesse na narrativa até estarmos praticamente no último episódio.
E prefiro nem discutir como Tony, depois de insistir para que Clay escute as fitas, chegando a levá-lo para uma escalada – um dos momentos mais ridículos da narrativa -, passa a adiar o instante no qual o amigo ouvirá o que foi dito ao seu respeito, afirmando que ele precisa estar num “espaço mental” adequado, o que envolve jantar e, então, levá-lo para um despenhadeiro (querem lugar melhor para alguém que possivelmente descobrirá algo traumático?).
Fonte: http://zip.net/bgtHx9
Já de um ponto de vista puramente de linguagem audiovisual, 13 Reasons oscila entre o óbvio e o equivocado: por um lado, as mudanças na temperatura da cor, saltando dos flashbacks quentes às cenas frias do presente, são um lugar-comum, mas até compreensíveis; por outro, os efeitos sonoros de “shuuuuush”, inspirados em Lost e que marcam as mudanças no tempo da narrativa, já se tornaram clichê… bom, em Lost. E se a ideia de manter um ferimento/curativo na testa de Clay para separar as épocas é eficaz, isto é sabotado pela distração provocada por uma maquiagem no mínimo pedestre.
Além disso, a série ignora a evolução de linguagem trazida pelo binge-watching (e pela qual a plataforma que a exibe, a Netflix, é co-responsável) ao ocasionalmente mencionar, no primeiro ato de certos episódios, incidentes ocorridos no desfecho dos anteriores, o que soa como pura encheção de linguiça (afinal, como converter 255 páginas do livro em 13 horas de material?). Para completar, o recurso de trazer Clay “enxergando” incidentes passados ou “escutando” acusações a seu respeito acabam funcionando menos como maneira de introduzir flashbacks e mais como sintomas de uma doença psiquiátrica, já que os roteiristas parecem confundir ato falho auditivo com alucinação provocada por algo que só posso identificar como esquizofrenia (não, não estou brincando; em certo momento, cheguei mesmo a achar que a série revelaria que Clay tinha a doença, já que não podia acreditar que todas aquelas transições fossem apenas firula dramatúrgica).
Mas talvez eu não devesse ter duvidado da preguiça dos roteiristas (contem quantas vezes os personagens dizem “Seriously?!” ao longo da temporada), já que não conseguem sequer manter uma consistência mínima da trama em apenas treze episódios: em certo instante, por exemplo, Hannah diz que ninguém jamais percebeu que as garotas da foto eram Courtney (Ang) e ela, mas, momentos depois, ao menos duas pessoas as abordam afirmando tê-las reconhecido; já em outro episódio, a moça diz que você não pode mudar as outras pessoas, “mas pode mudar a si mesmo”, contradizendo-se minutos depois ao afirmar que “ninguém muda de fato”.
Fonte: http://zip.net/bmtHrl
Além disso, é ridículo que a série sugira que cabe a Clay, movido por Hannah, trazer paz para os pais de Jeff ao revelar que ele não estava bêbado durante o acidente, já que identificar o nível alcoólico do rapaz seria uma das primeiras preocupações de qualquer médico-legista. E como aceitar a estupidez de praticamente todos os adultos retratados em 13 Reasons, que se mostram incapazes de perceber até mesmo o subtexto – nada sutil – de uma conversa mantida à sua frente (como na cena em que Tony e Clay trocam provocações diante do pai deste último)? Para finalizar, nenhum pai minimamente responsável ouviria o filho abordar questões como abuso sexual e agressão sem insistir até ouvir a história completa – especialmente uma mãe tão controladora quanto a de Clay (Hargreaves), que, no entanto, apenas observa o filho se afastar sob a justificativa de “Mãe, preciso ir agora; depois te conto” segundos depois de sugerir estar a par de um crime.
A verdade, porém, é que a série se mostra mais preocupada em manter o espectador interessado do que em discutir com honestidade as questões que apresenta. Não é acaso, portanto, que constantemente assuma artificialmente a estrutura de thriller para gerar um suspense desonesto – como, por exemplo, ao revelar que alguém levou um tiro no final do penúltimo episódio depois de estabelecer que ao menos três personagens estavam armados, sacrificando as revelações feitas sobre o estupro de Hannah ao tentar levar o público a ficar curioso acerca da identidade não só de quem atirou, mas também de quem foi alvejado. Aliás, 13 Reasons não é, em sua essência, o drama que finge ser, mas sim um whodunit que promete, desde o princípio, revelações surpreendentes ao longo do caminho – e isto não seria tão reprovável caso estas revelações não comprometessem qualquer tentativa de debate sobre depressão e suicídio.
E é justamente isso que os roteiristas fazem ao identificar um Vilão (sim, com “V” maiúsculo) responsável pelo Ato que realmente destrói Hannah – um vilão tão estúpido e caricatural que cai até mesmo no velho clichê de confessar tudo para o mocinho enquanto é gravado secretamente. Para piorar, o que Bryce faz é tão repugnante que todos os outros elementos presentes na lista de Hannah empalidecem completamente: afinal, como aceitar que Ryan (Dorfman), Sheri, Courtney e Alex (Heizer) sejam sequer comparados, direta ou indiretamente, a um estuprador serial? E como Hannah encontra coragem para incluir Jessica, igualmente vítima de estupro, apenas por um desentendimento acerca de Alex? (Além disso, permitam-me um breve segundo para apontar como a garota encontra tempo para gravar seis fitas e meia, mas não para deixar cinco linhas para os pais – os únicos personagens retratados com algum grau de complexidade ao longo dos episódios.)
Fonte: http://zip.net/bhtHHp
Para encerrar, é impossível deixar de observar o surpreendente moralismo de 13 Reasons, que basicamente pune Jessica (Boe, uma das melhores revelações do projeto) por ser sexualmente ativa, levando-a ao alcoolismo e a ser vítima de um estupro, ao mesmo tempo em que traz Hannah comentando acerca do próprio estupro: “Graças a você, (Bryce), fiz jus à minha reputação” – uma referência incrivelmente machista ao fato de ser chamada de “fácil” na escola. Sim, é admirável que a série mostre Hannah se sentindo ofendida ao ser listada como “melhor traseiro” do colégio em vez de sugerir que ela deveria se magoar apenas se fosse objetificada negativamente, mas para cada acerto como este há outros tropeços como o fato de a série trazer vários personagens gays, mas um único beijo entre duas pessoas do mesmo sexo: duas garotas, claro, já que beijo entre mulheres é encarado como algo sensual, não “repulsivo” como aquele entre dois homens. Ou seja: retratar estupro e suicídio graficamente é algo aceitável, mas trazer dois rapazes se beijando, não.
O curioso é que, em sua superfície, 13 Reasons toma iniciativas corretas: escala um elenco diversificado e inclusivo, traz personagens com diferentes orientações sexuais e inclui alertas de “gatilho” no início dos episódios mais pesados. Contudo, basta mergulharmos um pouco em sua execução e as iniciativas se encolhem diante das abordagens desastrosas com que são desenvolvidas. Como se não bastasse, há o puro excesso da trama, digna de algo como Barrados no Baile: ao longo dos treze episódios, testemunhamos bullying, dois estupros, misoginia, alcoolismo, abuso doméstico, uso de drogas e negligência parental – além, obviamente, do suicídio de Hannah e das consequências das fitas, que envolvem ao menos mais três tentativas de suicídio (Justin, Clay e Alex). Ah, sim: também testemunhamos a história de origem de um destes adolescentes que certo dia invadem a escola e metralham colegas e professores (estou falando, claro, de Tyler e seu baú de armas).
Aqui o problema é bem simples: uma série que quer falar sobre tudo acaba não conseguindo falar direito sobre nada.
Fonte: http://zip.net/bltG2P
Até entendo que alguns prefiram interpretar que 13 Reasons não é uma série sobre um suicídio, mas sim sobre a necessidade de tratarmos melhor uns aos outros; infelizmente, do título à trama, passando pelo desenvolvimento dos personagens, esta é uma interpretação difícil de sustentar. Afinal, uma coisa é apontar como frequentemente deixamos de prestar atenção ao sofrimento alheio; outra é responsabilizar todos que deixam de fazê-lo pelo suicídio de alguém (e digo isso como alguém que tem relativa experiência tanto com a depressão quanto com o impulso suicida).
Meu receio, porém, é que aqueles que extrairão da série a “mensagem” de que devem se solidarizar com os que os cercam já o fariam por si mesmos, sem a necessidade de uma lembrança em forma de capítulos; por outro lado, há um risco infinitamente maior de que aqueles que se encontram emocional e psicologicamente vulneráveis acabem vendo, na tela, um modelo perigosamente fácil de emular.
Seriously.
Observação: se me permitem indicar algumas obras que tratam de forma consideravelmente mais sensível e responsável as questões abordadas em 13 Reasons, sugiro Para Sempre na Memória, Depois de Lúcia, o documentário Bullying, Atração Mortal, As Virgens Suicidas e As Vantagens de Ser Invisível.
Psicologia em Debate é um evento que acontece semanalmente (quartas-feiras) no Ceulp/Ulbra. A palestra do dia 08/03/17 foi ministrada pelo acadêmico Lenício Nascimento, com tema: “Você é uma pessoa RESSENTIDA?”. O embasamento teórico veio do conceito do filósofo Luiz Felipe Pondé. O acontecimento teve a participação dos alunos e alguns professores, ocorreu na sala 203, às 17h, prédio 2.
Então, ao entrar na sala, me deparei com um movimento maior do que o normal, abalizado na minha experiência, acredito de antemão, que este assunto mobilizou grande parte das pessoas. Particularmente, fiquei extremamente intrigada com o tema ressentimento na concepção de Pondé. Se formos analisar o significado da palavra ressentimento, segundo Minidicionário Aurélio, […] mágoa, ofensa, melindre, raiva (SCOTTINI, p.401).
Fonte: http://zip.net/bxtH4M
Mas, o ressentir na minha humilde opinião (senso comum), como também diz respeito a mágoa, (angústias/amarguras), entendo como algo que envolve sentimentos mais intensos, com grau maior de dor e sofrimento, e que vem de alguém que é parte de você, ou seja, a família, ou pessoas que lhe são íntimas/importantes. E isso não acontece a todo momento.
Entendo que não sentimos mágoa de quem não amamos, sentimos raiva, tristeza, mas logo passa. Já a mágoa não! Ela perdura por toda uma vida, se não for elaborada. Compreendo que, não vem de qualquer pessoa, precisa que os lações sejam estreitos para que haja ressentimento. Sendo resultado de algo mais profundo. Não posso dizer que seria algo intrínseco do ser humano, penso que alguém possa passar pela vida sem ressentir.
Entretanto, para Pondé, a inveja é um dos fatores do ressentimento, vamos então para o significado desta palavra. “Vontade de possuir algo, de ser como outrem, e não conseguir, sentindo por isso depressão; cobiça de obter coisas (SCOTTINI, p.256). Minha intenção não é discordar, e sim tentar entender. Durante a palestra, fiquei instigada a trazer minhas considerações, mas percebi que seria uma viagem de minha parte, pois minha concepção a cerca desta temática, tem a ver com minhas experiências, relatos de outras pessoas.
Fonte: http://zip.net/bjtG7F
Para tanto, saí do Psicologia em Debate com muita vontade de entender melhor sobre ressentimento na visão deste autor. Com intuito de ampliar meus conceitos, e sair do senso comum, fomentar melhor minhas conclusões a respeito do tema, como também avaliar minhas inquietações, pois a palestra me mobilizou, ou seja, tirou-me da zona de conforto, posso assim descrever. Talvez o ressentimento é mais simples do que posso imaginar, e quem sabe posso dar a este sentimento o que acho que cabe a ele, algo para refletir!
Os meus questionamentos foram compartilhados por alguns nos corredores da Ulbra, pois este autor nos surpreendeu. Cabe esclarecer que, ainda não sei na íntegra o que Pondé relata em seu livro, quero aqui destacar minha vivência no dia do evento, sem que ela seja alterada (com a leitura do livro). Respondendo ao tema desse relato, não sou uma pessoa ressentida, esse sentimento não cabe no meu coração, eu não planto, não adubo, e não rego o que me faz mal. A importância que dou aos meus sentimentos ruins, são os únicos que cabe a eles, não mais que isso.
“Deus”, me permite passar pela vida sem ressentir com quem quer que seja.
REFERÊNCIAS:
SCOTTINI, Alfredo. Minidicionário Escolar da Língua Portuguesa. Edições TodoLivro. Blumenau, 1998, p. 256,401.