Psicóloga aponta estratégias práticas para equilibrar o uso das telas e recuperar o bem-estar emocional
A disseminação das tecnologias digitais alterou expressivamente a interação social, afetando o equilíbrio emocional e psicológico dos indivíduos. O acesso contínuo à informação, característica marcante desta era, expôs as pessoas a níveis elevados de ansiedade e sobrecarga emocional, condições frequentemente relatadas em consultórios de saúde mental.
De acordo com diversos estudos recentes, a exposição prolongada às telas e o uso excessivo de redes sociais estão diretamente relacionados ao aumento da ansiedade. Esses fatores são capazes de duplicar os casos de distúrbios psicológicos em comparação a períodos anteriores ao avanço tecnológico.
A psicólogaMaria Klien, especialista em ansiedade e medos, destaca que a hiperconectividade influencia diretamente a saúde mental. Conforme ela explica, a exposição constante a notificações, mensagens e demandas virtuais gera um estado permanente de alerta, prejudicando o repouso mental necessário para o equilíbrio emocional.
“A ansiedade desencadeada pela vida digital deriva, frequentemente, da percepção distorcida de urgência imposta pelas plataformas. A mente humana não está adaptada para a incessante exposição a estímulos, resultando em quadros de estresse”, esclareceMaria Klien.
Além dos sintomas emocionais, o uso excessivo das telas pode resultar em distúrbios físicos, como alterações do sono e comprometimento da visão. Esses fatores se somam às consequências psicológicas, agravando o quadro geral de saúde do indivíduo.
Maria Kliensugere práticas específicas para minimizar os impactos negativos da vida digital. Entre as estratégias indicadas estão a definição clara de limites no uso das plataformas, a redução do tempo diário dedicado aos dispositivos eletrônicos, silenciar as notificações e a incorporação regular de atividades de atenção plena.
“Estabelecer limites rígidos para o uso de aparelhos digitais é crucial. Uma rotina que inclua momentos específicos para a verificação das plataformas online pode reduzir significativamente a ansiedade”, recomenda a psicóloga.
Outra orientação é evitar o contato com dispositivos digitais pelo menos uma hora antes de dormir, medida que favorece a qualidade do sono. O período de repouso livre de interferências tecnológicas auxilia na recuperação emocional e cognitiva do indivíduo.
Para auxiliar nesse processo, a prática demindfulnesstem se mostrado eficaz ao estimular a concentração no momento presente, proporcionando um descanso mental das tensões causadas pelo ambiente virtual. Tal técnica oferece uma abordagem eficaz para lidar com a sobrecarga emocional da vida contemporânea.
“O mindfulness é uma ferramenta essencial para reconectar as pessoas ao momento presente. Com a prática regular, se torna possível mitigar os efeitos negativos da hiperconexão”, finalizaMaria Klien.
Sobre Maria Klien
Maria Klien exerce a psicologia, se orientando pela investigação dos distúrbios ligados ao medo e à ansiedade. Sua atuação clínica integra métodos tradicionais e práticas complementares, visando atender às necessidades emocionais dos indivíduos em seus universos particulares. Como empreendedora, empenha-se em ampliar a oferta de recursos terapêuticos que favorecem a saúde psíquica, promovendo instrumentos destinados ao equilíbrio mental e ao enfrentamento de questões que afetam o bem-estar psicológico de cada paciente.
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Ansiedade entre crianças e adolescentes tem superado a de adultos
Casos impactam diretamente a criatividade dos jovens
A ansiedade entre crianças e adolescentes tem superado a de adultos, aponta uma pesquisa do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2022, foram registrados 103.619 procedimentos relacionados ao transtorno em pessoas de até 19 anos. Em 2023, esse número aumentou para 140.782. Nos casos mais graves, as internações também subiram de 447, em 2022, para 512, no ano seguinte.
Os dados apontam um aumento alarmante da ansiedade entre os jovens, muitos deles ainda em fase escolar. Vitor Azambuja, um dos criadores do programa De Criança Para Criança e que desenvolve projetos em escolas, destaca esse cenário e alerta para as consequências da negligência desse tema, que pode levar ao desenvolvimento de outras doenças. “Hoje, não só eu, mas muitos estudos sobre doenças contemporâneas, apontam a ansiedade como uma das mais preocupantes. Isso porque o transtorno afeta tanto o corpo quanto a mente de forma interligada”, afirma.
A ansiedade também atinge o processo criativo, que já enfrenta desafios no Brasil. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais da metade (54,3%) dos alunos brasileiros de 15 anos apresentou baixo nível de criatividade em uma avaliação internacional, ficando na 44ª posição entre 56 países.
Fonte: Pixabay
Diante desse cenário, Vitor destaca a importância de as escolas estimularem a criatividade dos alunos, de forma ampla e sem limitações. “Normalmente, o estudante aprende que a resposta certa é o único caminho. Com isso, ele acaba desaprendendo o que é criatividade, outras possibilidades, o conceito de errar e o que pode ser aprendido a partir do erro”, explica.
Ele também destaca que o sistema educacional, muitas vezes, não valoriza a criatividade e a curiosidade natural das crianças, algo que precisa ser repensado. “A criança chega à escola cheia de curiosidade, querendo aprender, explorar e ter novas ideias. Mas, no fim, muitas vezes sai sem criatividade, desaprendendo alternativas. Quando entra na escola, ela tem pontos de interrogação, quando sai, sai com frases feitas”, afirma.
Atenção aos conteúdos
Vitor alerta para o excesso de conteúdo circulando nas redes sociais, como dicas sobre saúde, organização e padrões de vida, além da pressa das pessoas em buscar soluções imediatas para tudo. “Quando vejo todo mundo ali, olhando o celular, isso para mim é uma farsa brutal. As pessoas estão projetando sua ansiedade, girando a câmera para ver o que acontece com os outros. Elas se concentram tanto no dia a dia, mas se esquecem de parar, meditar, ouvir algo simples, como uma música, por exemplo”, destaca.
A seguir, quatro pontos que contribuem no processo de criatividade:
Valorizar o erro: encoraje a exploração e o aprendizado a partir dos erros, sem medo de errar;
Praticar o autocuidado: tire pausas para atividades simples, como ouvir música ou meditar, para reduzir a ansiedade;
Repensar as expectativas educacionais: focar mais em criatividade e curiosidade do que em respostas rápidas e perfeitas;
Usar as redes sociais com consciência: limite o consumo de conteúdos que geram ansiedade e foque em um uso mais reflexivo.
Uma animação produzida pelo programa De Criança Para Criança destaca a série “Sentimentos e Emoções”, que utiliza uma linguagem lúdica e ilustrações criadas por alunos, transformando-as em material educativo. O episódio está disponível para visualização no seguinte link.
Vitor Azambuja, do DCPC Divulgação
Sobre Vitor Azambuja
Vitor Azambuja é brasileiro, nascido no Rio de Janeiro. Especialista em criação, é diretor de arte e artista plástico. Formado em publicidade e piano clássico, trabalhou em diversas agências de propaganda, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, criando filmes e anúncios para grandes anunciantes. Foi premiado em festivais de propaganda, tais como Figueira da Foz, Colunistas, Clube de criação de São Paulo, Art Directors em Londres e New York Festival. Realizou exposições de pinturas em São Paulo, Rio de Janeiro, Nova Iorque, Miami e Paris. Um dos criadores do programa De Criança Para Criança, Vitor é o diretor criativo da empresa. Seu propósito é fazer com que as crianças do mundo inteiro aprendam desenvolvendo a sua criatividade.
Sobre o De Criança para Criança
O programa De Criança para Criança (DCPC) oferece um leque de metodologias de educação híbrida para escolas de todo o mundo. Do futuro para a escola, a proposta é oferecer às crianças a oportunidade de serem protagonistas, colocando-as no centro da aprendizagem. Através de uma plataforma simples, os professores são orientados a serem mediadores, fazendo com que os próprios alunos desenvolvam conhecimento sobre temáticas diversas. A partir de discussões, constroem coletivamente histórias, fazem desenhos e gravam locuções relativas às narrativas criadas, que posteriormente serão transformadas em animações feitas pelo DCPC, expandindo os horizontes educacionais.
Em junho de 2022 comecei a vivenciar alguns momentos pelos quais nunca havia passado antes. Foi um turbilhão de emoções ao mesmo tempo, sendo eles: medos, angústias, raiva, tristeza dentre outros. Muito se fala sobre a importância que devemos ter com a nossa saúde mental, mas a vivência nos permite perceber que a teoria é muito diferente da prática.
Somente após ter tido duas crises fui atrás de tratamento para receber os devidos cuidados médicos e psicológicos. O que deveria ter sido uma rede de apoio se tornou um caos, pois quando fui procurar tratamento em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) não recebi os devidos cuidados que deveria. A partir de então, para uma melhora que pudesse ser mais efetiva, visto que não estava recebendo auxílio que resultasse em uma ajuda significativa, optei por ir em busca da rede de saúde privada, para começar as intervenções possíveis com o intuito de melhorar as minhas crises que até então eu não sabia rotulá-las corretamente.
Mesmo após algumas sessões de terapia as crises continuavam constantes. Posto isso, a psicóloga que estava acompanhando o meu caso fez a solicitação para que eu buscasse uma ajuda psiquiátrica. A priori, tive uma grande resistência em ir, pois, além da não aceitação, ainda teria que lidar com os estigmas que são impostos pela sociedade. Após muita relutância busquei ajuda com um médico psiquiatra, também na rede particular, pois na UBS teria que passar por uma lista de espera.
O psiquiatra levantou algumas hipóteses diagnósticas. Com isso, solicitou que eu entrasse com o uso de três medicações para que houvesse uma diminuição nas crises. Neste período, continuei fazendo acompanhamento com a psicóloga, a fim de ter uma melhora considerável. Entretanto, mesmo fazendo o tratamento corretamente as crises não estavam cessando, foi quando veio a confirmação do diagnóstico TAG- Transtorno de Ansiedade Generalizado.
De acordo com o DSM-5, o transtorno de ansiedade generalizado caracteriza-se por ansiedade e preocupação excessivas em relação a diversas atividades ou eventos que estão presentes na maioria dos dias por 6 meses. A causa é desconhecida, embora comumente coexista em pessoas com alcoolismo, depressão maior ou transtorno de pânico.
Fonte: Pixabay
Após constantes sessões de terapia, fui conseguindo entender e perceber em mim os gatilhos que ocasionaram as crises. Um ponto importantíssimo foi identificar o ambiente laboral como um dos fatores que contribuíram para que as crises piorassem, pois se tratava de um ambiente altamente tóxico, causando consequentemente o meu adoecimento mental. Por meio das consultas com o psiquiatra o mesmo suspeitou de um possível Burnout, diagnóstico esse que não veio a se confirmar, já que após alguns meses eu pedi demissão.
Durante todo esse processo, o suporte da família e dos amigos foram de extrema importância. Tê-los como rede de apoio fez com que a minha recuperação ocorresse de maneira mais rápida. O medo de não conseguir era constante, e receber palavras de afeto, ligações e mensagens diariamente me fazia enxergar uma luz para que eu pudesse ter forças para sair da condição em que me encontrava. Com alguns eu pude dividir a experiência de como estava sendo após ser diagnosticada e como era a sensação de ter que fazer o uso de tarjas pretas, visto que algumas já haviam passado por conjunturas parecidas.
Sem dúvidas, o medo foi a pior parte, pois mesmo com o apoio e ajuda de muitas pessoas eu sempre me via em uma circunstância como se não houvesse saída. Lembro-me de me sentir fraca, já que quase todos que estavam comigo conseguia enxergar uma forma para que eu saísse desse meio, menos eu, pois para mim não existia essa hipótese. Recordo de aos poucos ir me afastando de tudo e de todos, porque o medo de ter crises em qualquer lugar e a qualquer hora do dia ou da noite era imenso.
Fonte: Pixabay
Acredito que essa tenha sido a pior fase que já vivenciei em toda a minha vida. Contudo, com o tratamento adequado esse cenário foi mudando e, após um ano e meio de terapias intensivas e uso de medicações, as circunstâncias tomaram outro rumo. Já fazem alguns meses que não tenho nenhum indício de crises, mas para conseguir chegar nesse estado de melhor condição de vida foi extremamente crucial passar por todo o processo terapêutico e psiquiátrico.
Castillo et,al (2000) apontam que a ansiedade e o medo passam a ser reconhecidos como patológicos quando são exagerados, desproporcionais em relação ao estímulo, ou qualitativamente diversos do que se observa como norma naquela faixa etária e interferem com a qualidade de vida, o conforto emocional ou o desempenho diário do indivíduo. Diante disso, este relato é também um alerta para que busquem a ajuda necessária a fim de cuidarem da saúde mental.
REFERÊNCIAS
American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5.. 5 Porto Alegre: Artmed, 2014.
Castillo, Ana Regina GL et al. Transtornos de ansiedade. Brazilian Journal of Psychiatry [online]. 2000, v. 22, suppl 2 [Acessado 17 Setembro 2023], pp. 20-23. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600006>. Epub 24 Jan 2001. ISSN 1809-452X. https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600006.
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Manejo da ansiedade a partir da abordagem psicanalítica
22 de outubro de 2023 Andressa Saraiva Castilho
Insight
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A ansiedade é um transtorno mental que afeta pessoas de todas as idades.
Para falarmos sobre o manejo de ansiedade na clínica psicanalítica, é interessante compreendermos o que de fato é essa tal ansiedade que tanto nos assola. Pois, entende-se que a compreensão dos sintomas por parte do analista e do paciente faz-se necessário para uma boa conduta clínica (ZIMERMAN, 2008).
Dessa forma, para que isso aconteça, a compreensão que há dois tipos de ansiedade, a “patológica” e a “normal” torna-se necessária. O processo de identificação de cada uma delas talvez seja complexo, em vista que ambos podem apresentar os mesmos sintomas ou semelhantes na hora do aperto. Contudo, vale salientar, na intensidade e no período de cada sintoma diante de algum conflito mental.
A ansiedade é traçada pela psicanalise pela tentativa do indivíduo de encontrar meios que solucionem seus conflitos, por meio disso, a construção de um manejo de ansiedade na clínica psicanalítica se faz em conjunto terapeuta-paciente para que se possa chegar, juntos, na mediação dos conflitos da melhor forma. A ansiedade muitas vezes leva o indivíduo a extrema angustia, em casos mais severos pode-se desenvolver transtornos generalizados.
Fonte: pixabay
Os transtornos ansiosos são uma reação emocional de uma ameaça do futuro.
Nesse viés, para conduzir da melhor forma um caso de ansiedade, embasado no livro de manual de técnicas psicanalítica escrito por Zimerman (2008), cabe ao terapeuta, juntamente com seu paciente, identificar quais os fatores estressantes, seja interno ou externo; e qual fator estimulou o desenvolvimento de uma angústia incontrolada que excede a capacidade que o individuo pode enfrentar naquele momento.
Após esse processo de identificação, o próximo trabalho analítico é acompanhado das ressignificações. Re-siginificar os conteúdos alarmantes e ambientais que a psique da pessoa atribui a um determinado trauma, gerando desconforto em certas situações, sem mesmo que possa perceber ou que pareça banal aos olhos do outro.
O analista tem a função, também, de proporcionar ao paciente a capacidade de ab-reagir, ou seja, trazer a memória os sentimentos, que estão permeando por longas datas, reprimidos inconscientemente, que foram despertados por algum fator estressante atual. Assim, essa forma de “libertar-se” por meio da fala, pode possibilitar ao individuo uma nova forma de significado, ou seja, novas representações daquilo que o deixava ansioso.
Na clínica, quando um paciente se encontra em grande estado de neurose de angustia é comum que haja a tentativa de convencimento da parte dele para com o analista, no sentido de que o ajude a esquecer de todos os sentimentos e traumas já vivenciados. Contudo, trabalhar esses aspectos emocionais que um dia causaram sofrimento pode ser uma forma de manejo que irá ajudá-lo, pois como conclui Zimmermann em seu trabalho “a melhor forma de esquecer seja justamente a de se lembrar”.
Ainda, na conduta psicanalítica, entende-se que o indivíduo tem a capacidade de se desenvolver sem a dependência do analista, dessa forma, cabe ao terapeuta em momento de crises do paciente fortalecer a capacidade de autocontinência, assim podendo dominar a sua própria angustia sem mesmo adentrar no estado total de pânico. Nesse viés, é interessante ressaltar a importância do fortalecimento do “eu”, pois em momentos conflituosos a força de ressignificação vem de dentro pra fora e não o contrário.
Por fim, concluímos que o manejo de ansiedade na clínica psicanalítica é uma construção, inicia-se na relação terapeuta-paciente, percorre o caminho do autoconhecimento, até chegar nas identificações e ressignificações. Essa trajetória o possibilita a liberdade do ser e o do o domínio do seu próprio eu. Vale lembrar, também, que a ansiedade não é algo ruim em si, pois a mesma pode servir como preparo a grandes eventos pessoais, contudo, reforça-se a atenção a intensidade aos sintomas presentes.
Referências
BAVIEIRA, Lucas. Angústia e ansiedade: leitura psicanalítica sobre as expressões contemporâneas de sofrimento. Dissertação, São Paulo, 2022.
ZIMERMAN, David Epelbaum. Manual de técnicas psicalítica: uma re-visão. Atmed, Porto Alegre, 2008.
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Manejo da ansiedade a partir da Análise do Comportamento
No Brasil, de acordo com informações da Organização Mundial da Saúde (OMS), há mais de 18 milhões de pessoas que sofrem de ansiedade.
É notável o grande número de casos de ansiedade que vem sendo acompanhados pelos psicólogos atualmente, o que evidencia a necessidade de dedicação em lidar da forma mais profissional e ética possível com tal demanda. Isso porque passamos por cenário inédito na história do mundo atual e também porque as pessoas frequentemente encaram a ansiedade, o medo e a incerteza, em suas vidas. É importante que os psicólogos se apresentem habilidosos, com conhecimento e responsabilidade o bastante para atender às demandas recorrentes da ansiedade (ALBUQUERQUE et al., 2022, p. 726).
A Análise do Comportamento se apresenta como uma das abordagens científicas que contribuem na discussão e manejo da ansiedade, definindo-a como um fenômeno comportamental complexo onde variáveis que mantém o comportamento ansioso podem abranger a filogenia, ontogenia e cultura (VON BACKCHAT e LAURENTI, 2020, p. 15).
Pode-se afirmar, conforme Albuquerque et al. (2022, p.732), que “a ansiedade é um conjunto de respostas de interação com o meio”, onde tem-se um estímulo que anuncia a apresentação de um estímulo aversivo, abreviando a frequência do comportamento que produz, gerando junto ao estímulo pré-aversivo, estados corporais e cessação de comportamentos operantes vigentes (ALBUQUERQUE et al., 2022, p.727).
De modo geral, entende-se que no nível ontogenético, “o comportamento ansioso exibe interações de respostas reflexas e operantes, com topografias abertas e encobertas, que ocorrem com a função de evitar o contato com estímulos aversivos condicionados” (VON BACKCHAT e LAURENTI, 2020, p. 1).
Fonte: Pixabay
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que, as mulheres tendem a ser duas vezes mais ansiosas do que os homens, pois estão à mercê das oscilações hormonais.
É importante destacar que existe a ansiedade “normal” e a patológica, onde entende-se que a primeira é um estado emocional existente em todos os seres humanos (SANCHES; GOUVEIA-JUNIOR, 2011, P. 23) caracterizada a partir de eventos agradáveis que podem eliciar sentimento de ansiedade em contextos que demandam algum tipo de espera, e a segunda refere-se ao tipo de ansiedade que impede a execução de tarefas do cotidiano do indivíduo, ao envolver grau significativo de sofrimento e frequente emissão de respostas de fuga e esquiva (ZAMIGNANI; BANACO, 2005).
Como formas de tratamento da ansiedade de acordo à Análise do Comportamento, Pezzato, Brandão e Oshiro (2012) sugerem a utilização de recursos que construam o processo terapêutico menos aversivo e mais reforçador, cooperando para uma relação reforçadora ente o cliente e o terapeuta.
O psicólogo, ao se utilizar dos conhecimentos oriundos dos estudos analítico comportamentais, realiza análises funcionais dos comportamentos para verificar o que está gerando e mantendo tais comportamentos e qual a função destes para o indivíduo, ou seja, quais as contingências e os estímulos reforçadores ou punitivos estão afetando o cliente/paciente (ALBUQUERQUE et al., 2022).
A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) também entra como importante estratégia e instrumento de intervenção que pode propiciar maior adesão do cliente à terapia (PEZZATO; BRANDÃO e OSHIRO, 2012). A interação entre terapeuta e cliente é o foco dessa psicoterapia, onde o terapeuta responde contingentemente aos comportamentos manifestados em sessão pelo cliente, no “aqui e agora” (Tsai, Kohlenberg, Kanter, Kohlenberg, Follette & Callaghan, 2011).
Para a FAP, um indivíduo age de maneira semelhante fora e dentro da sessão, ou seja, seus comportamentos alvos são evocados durante a sessão, na relação terapeuta-cliente onde tais comportamentos, reconhecidos como CRBs (Comportamentos Clinicamente Relevantes), são divididos em “comportamentos problemas do cliente emitidos em sessão (CRB1), os comportamentos de melhora do cliente em sessão (CRB2) e os comportamentos de interpretação do cliente sobre seu comportamento (CRB3)” (LOVO, 2019, p. 34), tendo como objetivos principais o aumento da frequência de comportamentos de melhora do cliente (CRB2) e a diminuição da frequência daqueles comportamentos problema (CRB1) (LOVO, 2019).
Pode-se utilizar também do Reforço Diferencial do comportamento verbal no manejo clínico da ansiedade, uma vez que refere-se à realização de questionamento reflexivo com o objetivo de elevar a frequência do comportamento verbal do cliente, lançando mão de perguntas abertas e selecionadas tendo como base o controle discriminativo do comportamento verbal que se caracteriza por instigar o cliente a ser bem sucedido nas suas ações discriminatórias, levando também à elaboração de auto regras (ALBUQUERQUE et al., 2022).
Além dessas técnicas há o Treino de Habilidades de Solução de Problemas, que contribui para que o indivíduo identifique seus próprios problemas e consiga resolve-los ao invés de praticar a fuga-esquiva, como antes, melhorando assim sua resposta adaptativa para tais situações problema (ALBUQUERQUE et al., 2022). Existem também as técnicas de relaxamento e treino respiratório que auxiliam no equilíbrio das reações físicas da ansiedade e, uma vez praticados, podem reforçar positivamente o indivíduo o levando a realizar essas técnicas mais vezes para que consiga de fato um equilíbrio e consiga realizar suas atividades cotidianas com maior tranquilidade (ALBUQUERQUE et al., 2022).
Por fim, destaca-se que a literatura analítico comportamental tem definido a ansiedade como um fenômeno comportamental complexo, onde as variáveis que mantém o comportamento ansioso podem abranger os três níveis de variação e seleção (filogenético, ontogenético e cultural), sendo necessários novos estudos principalmente no nível cultural para que novas técnicas e instrumentos possam ser construídos a fim de alcançar melhores resultados no tratamento da ansiedade (VON BACKSCHAT e LAURENTI, 2020).
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Amanda et al. A ANSIEDADE PARA A ANÁLISE DO COMPORTAMENTO. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 8, n. 6, p. 725-734, 2022.
LOVO, Aline Redressa Boni Rayis. Psicoterapia analítica funcional como tratamento de transtorno de ansiedade social. 2019. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
PEZZATO, F. A; BRANDÃO, A. S; OSHIRO, C. K. B. Intervenção baseada na psicoterapia analítica functional em um caso de transtorno de pânico com agorafobia. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 14, n. 1, p. 74-84, 2012.
SANCHEZ, C. N. M.; GOUVEIA JUNIOR, A. O teste da simulação do falar em público não gera ansiedade em adolescentes surdos ou ouvintes. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 13, n. 2, p. 21-32, 2011.
Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follete, W. C., & Callaghan, G. M. (2011). Um guia para a Psicoterapia Analítico Funcional (FAP): consciência, coragem, amor e behaviorismo (F. Conte, & M. Z. Brandão, trads.). Santo André, SP: ESETEc (Obra publicada originalmente em 2009).
VON BACKSCHAT, Letícia De Paula; LAURENTI, Carolina. Um panorama da discussão sobre ansiedade nos periódicos nacionais de análise do comportamento. Revista Uningá, v. 35, p. eRUR3411-eRUR3411, 2020.
ZAMIGNANI, D. R; BANACO, R. A. Um panorama analítico-comportamental sobre os transtornos de ansiedade. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 7, n 1, p. 77-92, 2005.
25 de maio de 2023 Vitor Costa de Ciqueira
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Você já ouviu falar sobre o EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing)?
Essa é uma nova abordagem da psicologia que tem como premissa básica que nossos comportamentos disfuncionais surgem de traumas não processados. A partir do trauma é utilizado as percepções originais daquela experiência ruim, relembrando as imagens, crenças e emoções negativas. Então é feito o reprocessamento tornando essas lembranças, crenças e emoções negativas menos válidas e menos perturbadoras para o cliente. Isso permite que o cérebro faça conexões adaptativas, saudáveis e sem distorções sobre si. Portanto, a terapia EMDR é usada para ajudar o paciente a aprender com as experiências negativas do passado, dessensibilizar gatilhos presentes que perturbam a pessoa de forma indevida e incorporar modelos para a ação futura que permitem ao cliente realizar-se individualmente e dentro do seu sistema interpessoal.
Essa abordagem reúne de forma integrativa conceitos de algumas terapias como as respostas condicionadas conforme descritas pela terapia comportamental, o conceito de crenças tal como formulado pela terapia cognitiva, as emoções identificadas pelas terapias experienciais, as sensações corporais discriminadas pelas terapias somáticas, as visualizações das terapias hipnóticas e a compreensão contextual trazida da teoria sistêmica.
Nosso cérebro se recupera de forma natural das memórias e eventos traumáticos. Essa recuperação natural acontece no nosso cérebro entre a amígdala cerebral, hipocampo e o córtex pré frontal. Porém, devido a forma como o indivíduo recebeu o fato pode acontecer de não processar o trauma e/ou processar de forma inadequada.
Existem 3 reações possíveis para o estresse – Luta, fuga ou congelamento. Durante o evento traumático a imagem, os pensamentos e emoções ficam gravados de forma original no seu hipocampo. O evento traumático, por não ter sido processado por seu cérebro, se torna uma memória congelada. Seu cérebro faz isso para se manter em e manter em alerta, para que na próxima vez que isso acontecer ele não precise gastar energia como da primeira vez.
Como nossa memória está instalada na memória de trabalho ela começa a ativar a amígdala com outras imagens estressantes que fazem aumentar a produção de glucocorticóides no seu sistema límbico, aumentando o estresse e ativando o sistema de alerta.
Fonte: Pixabay
Essas novas experiências, que fazem você sentir e pensar da mesma forma que a primeira vez é, chamado de re traumatização.
Re traumatização – após o primeiro evento traumático (chamado de evento chave), seu cérebro cria uma nova forma de reação, sendo um mecanismo de adaptação para os próximos eventos estressantes. Uma nova experiência que faça sentir da mesma forma já se torna um disparador para que o cérebro reaja e se comporte conforme suas percepções.
De acordo com o modelo do processamento adaptativo de informações, que orienta a prática do EMDR, diríamos que o evento foi processado de forma inadequada e que isso provoca pensamentos, emoções e sensações físicas involuntárias que acabam distorcendo nossas percepções e ações relativas às circunstâncias, semelhantes àquelas vividas.
Estresse – O estresse é necessário para o bom funcionamento do nosso corpo. Essa funcionalidade do estresse é o que nos fez sobreviver e nos adaptar em meio aos diversos ambientes apresentados para nossa espécie. O estresse, então, foi um fator que contribui para a seleção natural.
Porém, o estresse em grande quantidade deixa de ser funcional quando ele ultrapassa os limites homeostáticos no nosso cérebro.
Nosso cérebro é neuroplástico, o que isso quer dizer? Quer dizer que ele possui circuitos neuronais maleáveis que adaptam-se e moldam-se a nível estrutural e funcional. Quando o estresse é recebido pelos receptores que estão na amígdala há um aumento fisiológico dessa região.
A amígdala cerebral é uma estrutura situada no nosso sistema límbico e quando ativada por glucocorticóides, principalmente pelo cortisol (Hormônio do estresse), ela liga todo nosso sistema de alerta. Nesse alerta o sistema simpático é ativado e prepara todo nosso organismo para o perigo – aumentando a frequência cardíaca, e a pressão arterial, contrai os músculos, dilata os brônquios, dilata as pupilas e aumenta a transpiração.
Toda essa reação autônoma a um perigo acontece em milésimos de segundos, e essa é a função, nos deixar em alerta para fugirmos ou lutarmos pelo perigo. Essa situação de estresse e ansiedade torna nosso cérebro uma vítima de pesadelos, flashbacks, pensamentos intrusivos e altos níveis de agitação, isso pode ser visto como sinais de um mal processamento dos traumas.
Todo esse funcionamento disfuncional pode gerar ansiedade – que é a sensação de perigo. O que “sequestra” nossa mente a nos desligar do aqui e agora e desregulando nosso sistema nervoso causando sintomas fisiológicos como: aumento dos batimentos cardíacos, agitação, boca seca, sensação de perda de controle porque o seu corpo fica preparado para reagir a uma situação dificil real, porém que já passou. O nosso sistema límbico é atemporal, não faz distinção de passado, presente e futuro. Ele aprende a reagir de acordo como nós percebemos as nossas experiências, o que modela inconscientemente nossas reações a outros estímulos.
A partir da compreensão do que é ansiedade e qual o caminho para chegar a um cérebro ansioso, como é feita a intervenção na terapia EMDR?
Os clientes podem relatar uma série de ansiedades e comportamentos que atualmente os estão perturbando. Na maioria dos casos a ansiedade do cliente não está relacionada a um trauma grave, geralmente é alguma experiência adversa que se acumula no dia a dia.
A Dr. Francine Shapiro desenvolveu e criou um protocolo para ansiedade atual, é um protocolo que auxilia o psicólogo a se concentrar no que de fato é importante no tratamento. Para iniciar é preciso identificar: 1 – a ansiedade a ser tratada, 2 – a causa inicial e a memória (se disponíveis) ou eventos perturbadores evocados, 3 – as situações atuais que desencadeiam transtornos e 4 – a resposta desejada.
Antes de passar para o próximo estágio é necessário criar alguns recursos com o cliente para sua auto regulação, como exercícios de respiração, mindfulness, criação do lugar/estado seguro para alcançar o funcionamento adaptativo.
Após recursar o paciente com as técnicas de auto regulação é iniciado o procedimento clássico utilizando as medições (escalas SUDS/VoC) são feitas na medida em que o os alvos são reprocessados por meio dos movimentos bilaterais na seguinte ordem:
1 – Memória inicial ou mais antiga que alimenta a disfunção.
2 – A(s) pior(es) experiência(s) que alimenta(m) a disfunção.
3 – Exemplo mais recente ou mais representativo de uma situação atual que cause ansiedade. Situações diferentes, que desencadeiam a ansiedade, devem ser focadas separadamente.
4 – Projeção futura das respostas emocionais comportamentais desejadas. É útil incluir algumas situações desafiadoras para incorporar resiliência aos modelos futuros.
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Ansiedades: uma abordagem junguiana arquetípica e social
Psicóloga e arteterapeuta junguiana (CRP 06/49.534-3). Mestre e Doutora pelo Instituto de Psicologia da USP. Pesquisadora dos temas: arteterapia e processos imaginais; morte, luto, suicídios.
Classicamente, a ansiedade se apresenta como resposta a algum medo inconsciente do sujeito, sendo comum aos seres humanos e outros animais. Na atualidade, devido a aspectos multifatoriais, se apresenta indiscriminadamente em pessoas de todas as idades, de diferentes contextos e classes sociais. Seja como resposta a problemas concretos de sobrevivência – como ocorre com grande parte da população pressionada por dificuldades econômicas; seja como resposta a pressões por performance profissional e/ou estudantil -, o fato é que em conjunto com as depressões, as ansiedades ganharam caráter epidêmico, conforme dados e previsões da OMS para as próximas décadas.
Entretanto, embora se apresente individualmente, refletir sobre esse fenômeno nos tempos pós e/ou hipermodernos que vivemos nos obriga a contextualizar tal problema de saúde pública não apenas em termos psicológicos pessoais, mas também sócio-históricos, uma vez que o sofrimento humano indica conflitos e por vezes impossibilidades que ultrapassam vetores pessoais, biológicos e familiares, alcançando outros, ligados à sua inserção coletiva e cultural.
Desse modo, recorrendo a contribuições de alguns autores da sociologia e da psicologia social, como Byung-Chul Han (2015), Jurandir Freire Costa (1984; 1988), Ulrich Beck (2002; 2006), vemos que as influências políticas, econômicas e ideológicas neoliberais, que afloraram cada vez mais e de maneira a ultrapassar fronteiras a partir de uma quarta onda da globalização – associada à recente Revolução Técnico-Científico-Informacional que, a despeito das importantes contribuições para uma aproximação em diferentes âmbitos dos países em nível mundial -, influenciam decisivamente no desamparo e mal-estar social dos indivíduos contemporâneos.
Tomemos uma das áreas mais significativas da vida social, o trabalho, por exemplo. Pressionados pelo imperativo da performance pessoal e profissional – pari-passu com a terceirização de direitos trabalhistas antes garantidos pelo Estado e por sindicatos -; e cada vez mais individualizados e “uberizados”, observamos o que Beck nomeia por “terceirização dos riscos sociais”, com efeitos diretos num processo de individualização que cobra um preço alto refletido na piora da saúde física e mental das pessoas.
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Os efeitos da individualização contemporânea se refletem na produção de uma pluralidade de respostas impulsivas, regressivas, agressivas e/ou narcisistas do sujeito frente a tais imperativos culturais e econômicos de autorrealização. Em resposta, temos um estado de isolamento social e individualismo que pressiona as pessoas – especialmente em metrópoles, mas não apenas -, a buscarem formas variadas de descarga ou catarse por meio do uso de drogas lícitas e/ou ilícitas; além de “empreenderem” (para citar um verbo neoliberal sombrio) tentativas de autoafirmação egoica diante das demandas coletivas de performance a partir de investimentos maciços de tempo e energia em uma persona, notadamente gastos em redes sociais.
Feita essa análise do pano de fundo social, podemos dizer que ansiedades e depressões – em conjunto com outras formas de sofrimento intensos como a automutilação e tentativas de suicídio – podem ser entendidas como múltiplas facetas de um fenômeno coletivo que evidencia uma busca desenfreada e inflada do sujeito se autopromover numa selva competitiva, tornando-se incapaz de frear impulsos consumistas e/ou de lidar com frustrações, desamparo e fracasso numa sociedade que o incita intensamente à autossuperação e ao sucesso.
Ansioso, porém incapaz de fazer frente a tais pressões coletivas, o sujeito se refugia em ideais hiperestimados na tentativa de alcançar um estado de bem-estar que estaria garantido exclusivamente por seus próprios esforços, algo que na grande maioria dos casos – especialmente em países como o Brasil e outros de terceiro mundo e/ou em desenvolvimento -, com frequência esbarra em limites que ultrapassam esforços pessoais, obrigando-o a encarar uma falência narcísica que desemboca em estados de ansiedade e de depressão de diferentes intensidades.
Junte-se a esse estado de coisas, a sensação subjetiva de fluidez que esvazia quase imediatamente as possibilidades de estabelecer laços interpessoais – decorrente da hiperconexão e hiperaceleração dos tempos atuais relacionadas às tecnologias da informação e da comunicação (TIC’s) – especialmente após a pandemia, e temos um quadro de fundo macrossocial que precisa ser considerado na avaliação psicológica e no manejo psicoterapêutico do sofrimento dos indivíduos que chegam a ambulatórios e equipamentos de saúde pública, além de nossos consultórios de psicologia e psicoterapia.
Abordando o fenômeno agora pela lente da psicologia analítica, de C.G. Jung (1934/2001), resgatemos a formação do ego e sua tendência unilateral para tentar intermediar necessidades intra e interpsíquicas do sujeito e garantir sua sobrevivência física e psíquica. Este autor considera, entretanto, que tal tendência tende a ser compensada por outros complexos da personalidade, nos termos simbólicos de uma espécie de homeostase psíquica que visa regular os estados alterados de investimento da energia ou libido. Fundamental nesse processo seria a experiência simbólica vivida por meio de imagens que aparecem em sonhos, atos falhos, sintomas psicossomáticos e outros ligados a neuroses, psicoses e outros estados psicopatológicos. Assim, ansiedades e depressões indicariam alterações importantes no quantum e no fluxo da energia psíquica, que para Jung seguem um parâmetro quantitativo (1928/1934). Dito de outro modo, havendo um investimento intenso da energia numa imagem idealizada associada à uma persona de sucesso, por exemplo, faltará aos demais complexos que formam a personalidade certa quantidade de energia para o sujeito vivenciar outras necessidades psíquicas da alma.
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Considerando o cenário social atual, vemos que, pressionado por realizar e/ou manter tal exposição compulsiva de uma persona idealizada, muitas vezes, o ego torna-se refém de uma inflação psíquica que impede uma avaliação realista dos limites físicos, mentais e psíquicos do indivíduo, notadamente quando confrontado com obstáculos que se apresentam entre o sujeito e o ideal almejado, surgindo então estados de ansiedade e/ou de autodestruição para fazer frente a sentimentos potencialmente ameaçadores que guardam relação com sensações de vazio, angústia e medos intensos diante de cobranças implacáveis que por vezes levam à agressividade autodirigida.
Além disso, pressionado por conclusões precipitadas a partir de comparações superficiais com padrões observados principalmente nas redes sociais, o sujeito contemporâneo tende a perseguir o aumento dos níveis de expectativa progressivamente, forçando-se a alcançar objetivos cada vez mais altos. Em geral, passa a balizar suas necessidades e possibilidades de desenvolvimento pessoal e/ou profissional a partir de postagens exibicionistas de outras pessoas– notadamente influenciadores digitais ou pessoas próximas de seu ambiente pessoal, escolar e/ou profissional -, distanciando-se de uma avaliação mais direta e realista das condições de seu contexto individual, familiar e cultural/social.
Nos estados depressivos, por sua vez, veremos um estado de regressão da energia psíquica, que parece haver desaparecido no sistema psíquico, mas só aparentemente, como esclarece Jung. Possivelmente, a energia se encontra investida em fantasias de morte ou identificações com a imagem de vítima impotente diante das exigências de satisfação e realização narcisista do ego, intransponíveis ao sujeito que se encontra deprimido. Assim, se o ansioso é aquele que se lança impulsivamente em direção a objetivos múltiplos e infundados, correndo o risco de ser detido por um ataque de pânico quando ultrapassa os limites de autopreservação física e psíquica do ego, o sujeito que se encontra deprimido sente-se capturado por um sentimento de desvalia total, sendo incapaz de se identificar com qualquer ideal prospectivo.
Nesse estado psíquico precário e vulnerável que mistura sentimentos ambivalentes e julgamentos extremos, por vezes a automutilação aparece, entre outras coisas, como tentativa de resgatar alguma conexão consigo mesmo e de obter algum alívio diante das pressões e/ou angustias experimentadas; também as ideações e tentativas suicidas, que por vezes surgem como fantasias de se libertar de uma situação em que se vê sem saída e sem energia para dar o primeiro passo em direção a qualquer possibilidade de reconexão com o mundo lá fora, pode, em algum momento de reversão ao oposto (enantiodromia) se constelar obsessivamente na mente e ser descarregada em atos impulsivos violentos.
Diante desse estado de coisas, devemos nos perguntar como nós psicoterapeutas e analistas junguianos respondemos aos tantos pacientes que nos chegam tomados por tais sintomas, geralmente já diagnosticados e submetidos aos excessos da medicalização propostos pela psiquiatria contemporânea.
Recorrendo ao autor pós-junguiano James Hillman em “Cem anos de psicoterapia e o mundo esta cada vez pior” (1995), podemos dizer que uma abertura para a anima mundi permitiria relativizar as pressões sofridas pelo sujeito identificado com os ideais heroicos do Ocidente, em busca de uma reconexão comunitária que relativize os estados de solidão, desamparo e fragilidade psíquica observados na atualidade. Torna-se fundamental, então, um resgate da integração do sujeito a espaços onde possa experimentar-se parte co-responsável por um projeto social que o inclua em relação ao outro, e que ao mesmo tempo, permita-lhe sentir-se também amparado em suas necessidades pessoais físicas, psíquicas, emocionais, etc.
Além disso, precisamos integrar cada vez mais nossa praxis a outras vias de compreensão transdisciplinar para ultrapassar os limites estreitos e por vezes anacrônicos das lentes da análise psicológica tradicional, histórica e excessivamente individualizadas e psicologizantes, calcadas em sintomas associados a padrões culturais restritos a grupos sociais de determinadas classes sociais privilegiadas em termos econômicos. Possivelmente, reimaginando o conceito de individuação – carro-chefe da psicologia analítica, como afirmou Jung -, de modo que esse processo possa ser pensado incluindo os aspectos sociohistoricos do sofrimento contemporâneo e reinventando nossos modos de estar junto daqueles que nos chegam em estados de profunda dor e agonia, habitantes de um mundo à beira de um colapso climático, político, econômico e cultural. Parodiando uma ideia de Marx (apud BERMAN, 2007) “tudo que era sólido e se desmanchava no ar”, atualmente constituiu um vórtice que torna as relações e a vida extremamente frágil e fugidia, escorrendo entre os dedos num piscar de olhos. Desse modo, só nos resta criar condições de acolher e oferecer contornos para conter os fluxos da existência, em busca de uma vida mais solidária e comunitária, ainda que seja por um breve momento. Esta seria uma excelente revisão para a reformulação dos objetivos da psicoterapia em nossa prática clínica junguiana.
Referências:
BECK, U. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 2006.
BECK, U., BECK-GERNSHEIM, E. Individualization: institutionalized individualism and its sociais and political consequences. London, SAGE Publications, 2002.
BERMAN, M. Tudo que é sólido desmancha no ar. S. Paulo: Ed. Schwarcz, 2007.
COSTA, J. F. Violência e Psicanálise. Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1984.
__________. Narcisismo em tempos sombrios. In: FERNANDES, H.R. (org.). Tempo do Desejo. São Paulo, Brasiliense, 1988.
HAN, B-C. A sociedade do cansaço. Petrópolis, Vozes, 2015.
HILLMAN, J. Cem anos de psicoterapia e o mundo está cada vez pior. S. Paulo: Ed. Summus, 1995
JUNG, C. G. (1928). Os conceitos fundamentais da teoria da libido. In: ______. A dinâmica do inconsciente. Tradução de Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha. Petrópolis: Vozes, 1984c. p.31-59. (Obras Completas de C. G. Jung, v. 8).
___________. (1934). O eu e o inconsciente. Tradução de Dora Mariana Ribeiro Ferreira da Silva. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. 166 p. (Obras Completas de C. G. Jung, v. 7/2).
Pensei em diversas formas para tratar esse assunto de modo a se tornar uma ferramenta acessível para quem a lê. É importante dizer que Jung não se baseava nos transtornos mentais para desenvolver alguma estratégia de tratamento, apesar de ter partido deles para o desenvolvimento de suas teorias. Podemos verificar isso em seus estudos da dementia praecox, encontrada atualmente dentro dos transtornos e distúrbios advindos das síndromes psicóticas. Mas e o que dizer da ansiedade? Nem sempre o paciente aparece com a demanda de uma psicose acoplada a ela. Talvez uma base neurótica. Então, como lidar com a ansiedade em uma visão junguiana?
A ansiedade não é a causa de sofrimento do sujeito, na verdade ela é o efeito, e esta pode aparecer como resposta do organismo psíquico para lidar com algum fato ainda não processado, podemos dizer que ela é um sintoma. Situações como abuso sexual ou psicológico, acidentes, relações mal resolvidas, amores não correspondidos, perdas de entes queridos, tudo isso pode desencadear uma ansiedade. Cada caso é um caso. Não se pode adivinhar nem prever que a ansiedade seja o efeito de uma causa específica para todos os casos. Pensando desta forma, existe algo por trás da ansiedade que é especificamente do indivíduo que a manifesta e que por uma seletividade do ego, estrutura central e organizadora da consciência, acaba se encontrando no inconsciente deste. Com isso um dos processos mais interessantes que Jung desenhou em seus escritos é o modelo dinâmico como o inconsciente se manifesta.
Seja através de uma pintura, seja por um poema, ou mesmo num sonho, o inconsciente se projeta para a consciência constantemente buscando uma homeostasia psíquica, uma forma natural de equilibrar os conteúdos conscientes e inconscientes. No inconsciente, mais especificamente o inconsciente pessoal, existem estruturas que chamamos de complexos, conglomerados de informações afetivas que estão constantemente em movimento absorvendo energia psíquica e se transformando. Quando uma massa enorme de energia psíquica entra em contato com um complexo, este se desestabiliza criando uma força afetiva intensa, diz-se que está constelado. Traduzindo, alguma situação fora de nós lança um estímulo para dentro gerando uma desestabilização emocional, tendo como resultado a ativação de lembranças e quaisquer outras reações sintomáticas, inclusive a ansiedade. Presume-se que o inconsciente, na tentativa de buscar a homeostasia da psique, lança suas projeções para fora se manifestando em pessoas, relações, quadros, poemas, músicas, experiências religiosas, entre outros. Através dessas manifestações o terapeuta pode encontrar o caminho para ajudar o indivíduo a retornar à estabilidade. Mas como ajudar a psique a retornar ao equilíbrio? Assim como Jung notou que os mitos de diversas civilizações eram na verdade ferramentas de aprendizagem, vou me furtar na tentativa de explicar esse processo através de uma história fictícia, porém lúdica.
é uma paciente que sofre tendo crises de ansiedade. Toda vez que precisa apresentar um trabalho na faculdade, três dias antes sofre de cólicas intestinais e insônia, além de crises de choro constantes. No consultório ela está sentada roendo as unhas e balançando as pernas. Em sua frente em uma cadeira é colocada uma almofada. Peço-lhe que se utilize de sua imaginação para transportar a ansiedade para a almofada. Desta forma ela traz para o concreto algo que internamente estava muito abstrato e indiferenciado, confuso. Imaginar a ansiedade sendo aquela almofada pode ajudar a diferenciar a sua sensação e torná-la mais palpável. Sendo assim, V. agora pode conversar com a sensação que a desequilibra.
É importante que o terapeuta não faça induções em sua condução para que possa alcançar informações plausíveis da paciente. O terapeuta pode perguntar se para o paciente seria interessante personificar a ansiedade. Transformá-la numa figura humana pode facilitar o processo de diálogo que será necessário no processo de diferenciação.
Sugiro a ela então que observe bem a almofada que agora é a sua ansiedade. Pergunto a V.
O que você gostaria de dizer para a ansiedade?
O que você quer de mim? Por que faz isso comigo? – V. pergunta diretamente à ansiedade.
O que ela te responde? Consegue ouvi-la?
Ela quer me destruir.
Quer perguntar mais alguma coisa?
Quero. Por que você quer me destruir? – V. fica um tempo em silêncio e depois continua – Ela disse que eu não mereço estar viva.
Como assim V.?
Ela me disse que não tenho valor nenhum e que todo mundo me odeia.
Quem é todo mundo?
Meus colegas de faculdade, meus professores.
Por que te odeiam?
Não sei.
Quer perguntar a ansiedade?
Por que eles me odeiam? – mais um breve silêncio – Porque nunca fiz nada certo.
Nada certo? Como é isso?
Desde pequena eu ouço meus pais me criticando em tudo que eu faço, como me sento, como tenho que falar, não atrapalhar eles no trabalho, como ando, como me visto.
Você acha que a ansiedade tem haver com o que você viveu com os seus pais?
Não sei.
Quer perguntar a ela?
Você tem haver com os meus pais? – ela aguarda a resposta – Sim, ela disse que sim. Inclusive agora vejo minha mãe nela.
Paremos por aqui para pontuar neste exemplo o que estava por trás da ansiedade. As repressões vindas dos pais acabam por se tornar energias afetivas ligadas aos complexos maternos e paternos de V.. Quando ela passa por uma situação em que terá que se expor para alguma situação em que receberá um possível julgamento, este estímulo irá constelar os complexos que irão se desestabilizar causando um desequilíbrio emocional com sintomas físicos resultando na ansiedade, o medo premente de reviver as mesmas condições do passado. Mas o processo terapêutico não finaliza por aqui.
A ansiedade é um aspecto natural do nosso organismo, sendo utilizada sempre que o corpo esteja em perigo. Neste caso, a ansiedade de V. aparece na situação em que ela acredita que irá correr algum risco e o organismo psíquico a lembra disso. Ela começa a revisitar as memórias em um processo regressivo, lembrando-se das reprimendas e críticas de sua mãe. Essas mesmas reprimendas foram isoladas da consciência a fim de que o ego se mantivesse ileso e protegido, lançando-as para o inconsciente. Agora precisa reformular e ressignificar esses fragmentos de memórias para que a energia volte a fluir para fora, para que continue a progredir em sua vida se adaptando aos obstáculos.
O direcionamento é ajudar o paciente a trazer de volta à consciência o que se perdeu e dar uma função para a sua ansiedade. Neste caso, V. perdeu a capacidade de acreditar em si e com isso a sua ansiedade, que deveria lhe ajudar a lutar por si, passa a lhe consumir e machucar.
Na clínica junguiana o uso da imaginação é um processo importante do qual o psicólogo pode se usar para trazer até a superfície as informações que estejam latentes no inconsciente. E aqui é importante enfatizar que os conteúdos do inconsciente não se escondem, mas sim se revelam em símbolos, sintomas e sonhos. A dificuldade pode aparecer quando o psicólogo não consegue ajudar na leitura da linguagem do inconsciente que não se traduz por uma lógica racional, já que tudo que dele emana tem diversas dimensões.
Quando V. dá forma à sua ansiedade e passa a conversar com ela, está conversando com algo vivo dentro de si mesma. Esse movimento ajuda a dialogar com partes suas que têm vida própria e estão entremeadas de energia afetiva. Ao estabelecer esse diálogo através de sua imaginação, V. terá a possibilidade de redimensionar sua dor diferenciando e dando a si uma condição concreta de superação da situação. O Inconsciente parece querer ser descoberto, mas na verdade é uma questão de homeostase de um organismo que não é somente físico, mas psíquico e dinâmico, criativo e lógico ao mesmo tempo.
Referências:
JUNG, C. G.. A Energia Psíquica. 8.ed. cor. Petrópolis: Vozes, 2002.
A natureza da psique. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
Ainon. Estudos Sobre o Simbolismo do Si-mesmo. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
Símbolos da Transformação. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1995.