Como Estrelas na Terra – vivenciando a Dislexia

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Já correm aproximadamente 130 anos de pesquisas relacionadas ao aprendizado. Entender como aprendemos e o porquê de muitas pessoas inteligentes (e até mesmo aquelas que atingem níveis acima da média de inteligência) experimentarem dificuldades paralelas em seu caminho de aprendizado, são desafios que a ciência vem deslindando diariamente afim de obter resultados que possam suprir essas dúvidas. Nos últimos dez anos, com todo o avanço tecnológico e, principalmente, com o apoio da técnica de ressonância magnética funcional, as conquistas relacionadas ao que é Dislexia, estão finalmente obtendo resultados satisfatórios e concretos.

Toda a complexidade que rodeia o entendimento do que é Dislexia está diretamente ligado ao entendimento do ser humano; o que somos, o que é Memória, Pensamento e Linguagem, como adquirimos aprendizado e porquê algumas pessoas encontram dificuldades enquanto outras têm facilidades em aprender o mesmo conceito ou como as pessoas consideradas geniais também encontram facilidades mescladas de dificuldades durante seu aprendizado.

É difícil conceituar e definir Dislexia, pois foi criado um mundo diversificado de informações, que hora informa, hora confunde. A mídia brasileira peca nas abordagens de temas tão graves e importantes, como este, informando parcialmente sobre o problema, usando explicações fora do contexto global das descobertas atuais da Ciência.

Dislexia é causa ainda ignorada de evasão escolar em nosso país, e uma das causas do chamado “analfabetismo funcional” que, por permanecer envolta no desconhecimento, na desinformação ou na informação imprecisa, não é considerada como desencadeante de insucessos no aprendizado (Dislexia, s/p, s/d).

Há inúmeras classificações em torno da Dislexia, que derivam de diferentes focos e ângulos pessoais e profissionais de visão. De modo geral, a Dislexia é uma específica dificuldade de aprendizado da Linguagem; expressão do pensamento por meio de palavras. É um processo mental de caráter essencialmente consciente, significativo e orientado para o social. Neste caso, a dificuldade relacionada ao aprendizado da linguagem estaria associada a leitura, soletração, escrita em linguagem expressiva ou receptiva, cálculos matemáticos, linguagem corporal, social e razão. É interpretado erroneamente como motivado pela falta de interesse, vontade ou esforço, pois não há ligação com acuidade visual ou auditiva. 80% dos disléxicos possuem dificuldades no aprendizado da leitura e escrita.

Segundo a literatura a dislexia tem sido relacionada a fatores genéticos, porém, a não estimulação das crianças também agrava o problema, uma vez que, por terem mais dificuldades que as demais crianças, os disléxicos necessitam de uma atenção maior, focada em seus problemas. O apoio da família e dos amigos também é essencial nesse desenvolvimento.

Antes de tudo dislexia é um jeito diferente de ser e de aprender; é o aprendizado individual de uma mente brilhante, que aprende em compasso diferente dos demais.

“As letras estão dançando” diz Ishaan Awasthi, o personagem central de Como Estrelas na Terra. Dirigido por Aamir Khan, que também dá vida ao professor Nikumbh, personagem que faz a diferença ao longo da história.

Ishaan Awasthi é um garoto de 9 anos, que vive com os pais e o irmão mais velho em uma pequena comunidade da Índia. Ishaan é uma criança normal, brinca, desafia os pais e faz artes como qualquer garoto da sua idade, no entanto está passando por dificuldades na escola e corre o risco de reprovar mais uma vez. É motivo de constantes punições por conta de sua “desobediência” na escola.

Durante as aulas, Ishaan é disperso e vive num mundo que somente ele vê. Sua mente criativa é ignorada e repreendida pelos professores. Na sala de aula os números da prova de matemática criam vida e travam uma verdadeira guerra intergaláctica com Ishaan, o garoto, por sua vez,ignora os códigos, para ele o seu mundo é totalmente diferente, seja na cor ou no ritmo, do que aquele em que seus colegas de classe vivem. Ishaan é capaz de alçar voo junto com os pássaros que vê, admira por hora os voo das borboletas, se encanta com os pássaros alimentando seus filhos, com os pingos da chuva e a imagem que forma quando estes vão de encontro a um poça d’água.  As nuvens se tornam o seu chão, é um verdadeiro sonhador. Mas na escola sonhos não fazem parte do currículo escolar. Para os professores Ishaan não passa de uma criança irresponsável e preguiçosa.

O mesmo pensamento tem o pai do garoto, que o ameaça diversas vezes, acusando-o de preguiça, burrice e até mesmo de nomes piores. Por conta das diversas advertências da escola, o pai de Ishaan cumpre com as promessas e o manda para um colégio interno, acreditando ser essa a única solução para a falta de educação do filho.

Mas é nesse novo colégio que a situação de Ishaan agrava, pois os alunos e os professores também criticam a criança todo o tempo, fazendo com que ela se sinta sozinha, humilhada e se excluindo dos grupos sociais. Ishaan perde a vontade de progredir, de aprender e de ser criança, tornando-se “invisível” para os demais. O lema do colégio é “Disciplinar Cavalos Selvagens”, os professores repudiam a hipótese de que as crianças comportem-se como crianças, pois ali estão sendo preparadas para a vida, para o mercado competidor.

Toda essa rigidez e educação arcaica muda com a chegada do professor substituto Nikumbh, que traz em sua personalidade a fé de que toda criança é especial. O professor possui uma metodologia própria e não se curva diantedas regras rigorosas da escola e isso faz com que todos os alunos se apaixonem por ele.

Quando Nikumbh conhece Ishaan, percebe que há algo errado, pois trata-se de uma criança saudável mas que carrega dor nos olhos, é sempre calado e reservado.“Seus olhos berram por ajuda”, afirma Nikumbh. Um dos amigos de Ishaan conta que o menino nunca aprende, por mais que se esforce, todos os cadernos tem correções vermelhas. Ao saber disso o professor decide investigar o que acontece com seu aluno. É então que Ishaan recebe o diagnóstico de dislexia, um problema bastante conhecido por Nikumbh que decide, então, tirar o garoto do abismo no qual se encontrava.

“Quando irão aprender que cada criança tem seu tempo? Que cedo ou tarde irão aprender”Indaga Nikumbh, decepcionado com a atitude do pai de Ishaan ao descobrir que seu filho tem Dislexia.  “Para alguém conseguir ler e escrever é essencial relacionar sons com símbolos, saber o significado das palavras, e Ishann não consegue isso”. O pai não acredita nas afirmações do professor, sendo agressivo e resistente as orientações que Nikumbh quer passá-los.

Num trabalho excepcional, o professor consegue mostrar caminhos que facilitam o jovem Ishaan aprender. Assim, com a ajuda de Nikumbh, o garoto aprende a ler e a escrever, supera dia após dia cada uma de suas limitações, começando pela opressão do pai e o preconceito das outras pessoas.

Trata-se de uma história repleta de ensinamentos. Não é somente a educação que está em jogo, é a saúde de uma criança, é a nova forma de encarar a vida, é a importância do apoio familiar.“Importar-se. Isso é essencial. Tem o poder de curar feridas, é um bálsamo para dor”. Diz o professor ao pai de Ishaan, quando este faz uma visita a escola. Nikumbh, em muitos dos seus diálogos, deixa isso claro, a importância de se observar os detalhes sem rotular, sem que isso impeça que o outro cresça.

Cada dia que passa o progresso de Ishaan é melhor, provando que a única coisa que ele precisava era de estímulo, confiança e principalmente: Amor. Como bem destaca o professor, cada criança tem seu talento, uma facilidade em desenvolver mais em uma determinada área do que em outra. No caso Ishaan, apesar de sua dificuldade na escrita e leitura, ele possuía um incrível talento para criar, imaginar e transformar tudo isso em arte; através de suas pinturas.

Todo o enredo é de uma maestria tão perfeita que é quase impossível não chorar junto com os personagens, principalmente por saber que é um assunto real. Não é uma criação cinematográfica, mas a realidade transformada em imagens. Apesar de ser um filme longo, não é cansativo, trata-se de uma história convidativa, que nos retira de um universo individual e nos faz enxergar além das aparências.

É, além de tudo, um filme que nos instiga a pensar; quantos garotos como Ishaan passaram por nós, foram incompreendidos e encaminhados – equivocadamente- à instituições especiais, indicados a tratamentos farmacológicos ou ignorados devido as suas condições especiais e magnificas? Foram, por isso, excluídos e rotulados, por uma sociedade que não enxerga o essencial? Trata-se de um convite a novas reflexões, sobre a educação das nossas crianças e sobre como elas esperam aprender. O que é importante ter em seus currículos? A genialidade natural, adquirida e estimulada, ou uma educação “programada”, que segue padrões de anos atrás e que não provocam o interesse real dessas crianças?

Chama atenção, também, para as interpretações errôneas; o que seria “errado”, “falta de atenção”, “erros”, “falta de esforço”, “incapacidade de ler, escrever ou realizar cálculos”, qual o significado real de cada uma dessas expressões, será que estamos usando-as corretamente? Ou todas estão passando batidas diante dos nossos olhos para mascarar a verdade? Crianças aprendem a seu tempo, então não é aconselhável afirmar, com tanta convicção, que é uma incapacidade no aprendizado, se olharmos em outros ângulos, outras áreas, essas crianças nos provam, a cada dia, que conseguem se desenvolver de forma magnifica em diversos outros campos da vida.

Como diz Nikumbh “todos os grandes artistas sofreram oposição, mas venceram, e o mundo ficou maravilhado. Somos todos especiais”.

 

Saiba mais sobre Dislexia.

 

FICHA TÉCNICA DO FILME

COMO ESTRELAS NA TERRA: TODA CRIANÇA É ESPECIAL

Direção: Aamir Khan
Elenco: Aamir Khan (Ram Shankar Nikumbh),  Darsheel Safary(Ishaan Awasthi), Tanay Chheda(Rajan Damodaran), Alorika Chatterjee(Science Teacher), Aniket Engineer(Young Yohan Awasthi)
Gênero: Drama
Nacionalidade: Índia
Duração: 165 minutos
Tipo: Longa-metragem
Ano: 2007

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Gilbert Grape: Aprendiz de Sonhador

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Como seguir em frente e continuar a ter esperança mesmo quando a vida parece sufocar todos os nossos sonhos?

O filme conta a história do jovem Gilbert Grape (interpretado por Johnny Depp). Ele, morador de Endora, uma pequena cidade no interior Iowa (EUA), é responsável pelo sustento de sua família desde a morte do seu pai, que cometeu suicídio há 17 anos.

Gilbert mora com a mãe; duas irmãs (Ellen e Amy); e o irmão caçula Arnie (Leonardo Di Caprio) que tem retardo mental grave. Segundo os médicos, Arnie deveria ter vivido, no máximo, até os dez anos de idade, mas ele já iria completar 18 anos. O fato de o irmão ter sobrevivido e contrariado o diagnóstico dos médicos era motivo de festa para essa família.

A mãe de Gilbert, Bonnie, entrou em depressão após o suicídio do esposo. Ela é obesa mórbida e precisa dos cuidados diários de seus filhos. Devido a seu excesso peso, ela já não pode mais sair de casa.

Arnie, por sua vez, sempre se mete em problemas, entre outras coisas, ele tem o hábito de subir na caixa d’água da cidade, o que deixa a cidade em alvoroço trazendo problemas para Gilbert, que é o único que consegue fazê-lo descer de lá.

Por sua dificuldade de se comunicar e de se relacionar com outras pessoas, Arnie não estuda e está sempre acompanhando o irmão. Gilbert tem um papel paternal na vida de Arnie, ele sempre conversa com o irmão, o apoia, o educa, dá banho, ensina valores e preceitos.

A vida de Gilbert muda com a chegada de uma jovem à cidade. Becky (Juliette Lewis) mora com sua avó em um trailer e está atravessando o país em uma caravana, por problemas mecânicos elas ficam na cidade por alguns dias. Assim ela e Gilbert se conhecem. Esse encontro marca a vida dos dois para sempre. O amor entre eles é instantâneo.

Conviver com sua família está cada vez mais difícil.  Gilbert não suporta mais as cobranças e nem as responsabilidades que tem, mesmo sendo tão jovem. Em uma determinada ocasião ele perde a paciência com Arnie e acaba agredindo o irmão fisicamente. Gilbert se arrepende e não se perdoa por isso.

Na festa de aniversário de 18 anos de Arnie eles fazem as pazes. O amor entre os dois irmãos é genuíno.

O relacionamento com a família passa por momentos bons e conflituosos, como todo núcleo familiar, mas Gilbert encontra em sua namorada um apoio para lidar com essas divergências. Becky tem uma personalidade forte e ao mesmo tempo doce, ela incentiva Gilbert a lutar por seus sonhos e ele, por sua vez, aprende com ela que pode ser alguém diferente, alguém que realmente gostaria de ser.

O amor entre os dois cresce cada vez mais. Gilbert Grape aprende a sonhar.

A família aos poucos vai encontrando seu caminho quando outra tragédia acontece. A obesidade da mãe acaba levando-a a morte. Gilbert e os irmãos enfrentam um dilema, pois se veem obrigados a incendiar a casa com o corpo da mãe dentro, já que não podem carregá-lo para um funeral tradicional.

E mesmo em meio a tanto sofrimento a família encontra, uns nos outros, o apoio necessário para lidar com mais essa situação.

Nos momentos em que o núcleo familiar parece mais conturbado, podemos perceber que o amor é o sentimento que motiva esta família. Mesmo com suas divergências, todos cuidam uns dos outros, mutuamente, com carinho e cumplicidade. Sob um panorama sistêmico, pode se inferir que a família ao fugir dos padrões tradicionais de estrutura nuclear, obriga cada um de seus integrantes a assumir para si papeis específicos e fundamentais para o bom funcionamento da dinâmica familiar (SANCHEZ, 2012).

Cada um dos membros da família, com sua particularidade, parecem somar com a dinâmica do grupo; Gilbert é o provedor, ao manter o lar; suas irmãs cuidam da casa e das necessidades básicas e da família, sendo a irmã mais velha a figura maternal; e Arnie é o elo que liga todos eles. Eles nem percebem, mas todas as ações da família giram em torno de Arnie.

Acompanhando o desenvolvimento da trama é possível compreender os motivos que os levaram a tomar cada uma das decisões que mudaram suas vidas, principalmente, no que diz respeito a compactuarem com o incêndio do lar, culminando na incineração do corpo da mãe.  A família exercita a resiliência, permitindo-se, por meio da experiência e da superação dos conflitos anteriores, formar esquemas que lhes permitem lidar com os novos problemas, progressivamente.

Não há como não se envolver nos dilemas de cada um dos personagens, nem como não desejar um destino melhor para todos eles.

Referência:

SANCHEZ, Fatima Abad. A família na visão sistêmica. In Makilim Nunes BAPTISTA, M. N.;TEODOR, Maycoln L. M.  (Org.). Psicologia de Família: Teoria, Avaliação e Intervenção. Porto Alegre: Artmed, 2012. p. 39-47.


FICHA TÉCNICA DO FILME

GILBERT GRAPE: APRENDIZ DE SONHADOR

Diretor: LasseHallström
Elenco: Johnny Depp, Leonardo DiCaprio, Juliette Lewis, Mary Steenburggen, John C. Reilly, Darlene Cates, Laura Harrington, Mary Kate Schellhardt.
Produção: David Matalon, Bertil Ohlsson, MeirTeper
Roteiro: Peter Hedges
Fotografia: SvenNykvist
Trilha Sonora: BjörnIsfält, Alan Parker
Duração: 118 min.
Ano: 1993
País: EUA
Gênero: Drama
Distribuidora: Paramount Home Entertainment
Estúdio: Paramount Pictures

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Perfume: a história de um assassino

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Até onde você iria, na busca da realização de um sonho?

E se esse sonho fosse  tudo o que você tem?

Você desistiria diante do primeiro obstáculo?

 

Em “Perfume – a história de um assassino”, o aprendiz de perfumista Jean-Baptiste Grenouille, brilhantemente interpretado pelo ator inglês Ben Whishaw, é mais uma dentre as milhares de pessoas que não tem nada além de um sonho, e, como a vida não passa disso, satisfazer esse desejo se torna uma questão de sobrevivência.

Para além de qualquer diagnóstico clínico ou acusação, o filme retrata mais de que a história de um sociopata e serial killer que mata mulheres em busca da sua essência virginal. Esse personagem é, antes de tudo, um homem com um objetivo: fazer o melhor perfume do mundo.

O cenário do filme é a Paris de 1738,

[…] as pessoas podiam fechar os olhos diante da grandeza, do assustador, da beleza, e podiam tapar os ouvidos diante da melodia ou de palavras sedutoras. Mas não podiam escapar do aroma. Pois o aroma é o irmão da respiração. Com esta ele penetra nas pessoas, eles não podem escapar-lhe caso queiram viver. E bem para dentro delas é que vai o aroma, diretamente para o coração, distinguindo lá categoricamente entre atração e menosprezo, nojo e prazer, amor e ódio. Quem dominasse os odores dominaria o coração das pessoas (Trecho da narração de abertura do Filme:  Perfume – a história de um assassino).

São os odores que movem essa trama, do início ao fim. A história gira em torno do dom incomum de Jean-Baptist, seu superolfato, capaz de distinguir entre qualquer cheiro/essência, mesmo em longas distâncias.

O panorama onde tudo começa é o mercado municipal, um ambiente fétido, contaminado pelos mercadores de peixe e, assim como, sem lógica alguma, Jean-Baptiste é literamente expelido do ventre de sua mãe, embaixo de uma mesa, no meio do mercado. A mulher, sem qualquer remorso, planeja ao final do dia recolher os restos mortais do recém-nascido e descartá-lo no rio que corta a cidade, exatamente como foi feito com seus outros quatro filhos. E meio como que pedindo socorro, Jean-Baptiste começa a chorar, delatando a mãe, que, pela monstruosidade do plano, é condenada à morte.

Começa a saga do bebê, que vive sendo levado para todos os lados, mas sem pertencer a canto algum.

No orfanato, assim como as outras crianças, Jean-Baptiste nunca soube o que era o amor maternal, mas também não se atreve a conquistar a amizade de outras crianças. Nunca soube como fazer parte de algum grupo, sempre solitário, não sentia falta de ninguém, e passava os dias assim, horas e mais horas admirando o mundo que podia descobrir através do cheiro.

Ainda no orfanato, nosso personagem demonstra os primeiros traços de perversão em sua personalidade, pois a psicopatia (ou transtorno da personalidade antissocial) consiste num conjunto de comportamentos e traços de personalidade específicas, caracterizados por um desvio de caráter, pela ausência de sentimentos genuínos, frieza, insensibilidade aos sentimentos alheios, manipulação, egocentrismo, falta de remorso e culpa para atos cruéis e inflexibilidade com castigos e punições.

Quando não teve mais idade para permanecer no orfanato Jean-Baptiste foi vendido para um curtume, onde passou anos trabalhando exaustivamente em rotinas diárias de dezesseis horas, e contra todas as probabilidades, mais uma vez ele sobreviveu. Sim, nosso personagem é um sobrevivente. Um tipo que não se encaixa, mas também não sente falta disso. Ele passa os dias voltado para si, imerso em seu próprio mundo, em suas descobertas, nos cheiros. É um prazer puramente narcisista.

A grande mudança e o desenrolar da trama se dão quando Jean-Baptiste vai pela primeira vez à cidade. Perdido em meio à multidão ele fica encantado com a aquarela de odores. Para ele não há cheiro bom ou ruim… São apenas cheiros.

E nesse dia ele sente um aroma diferente, único, exalado por uma bela ruiva que trafega livremente pela capital francesa. Jean-Baptiste não consegue se libertar daquele aroma e persegue a moça, que assustada, foge. Ele, temendo ser pego, tapa a boca da jovem para que esta não possa gritar, passa-se algum tempo, e ele nem percebe quando ela morre sufocada em suas mãos. Ele não se conforma com a morte da moça, ao perceber que seu cheiro se esvai junto com a vida, e inebriado pela lembrança daquele aroma extasiante, ele entende que precisa encontrar um meio de preservar os cheiros.

Em momento algum ele se preocupou com o fato de a jovem ter morrido, ou de ter-lhe tirado a vida. Sua frustração foi única e exclusivamente em não conseguir capturar aquela essência, os psicopatas não sentem culpa e em geral culpam outras pessoas de seus comportamentos. Raramente aprendem com seus erros ou conseguem frear seus impulsos.

Logo surge a oportunidade, e Jean-Baptiste é vendido como aprendiz de perfumista. No novo oficio ele trabalha dia e noite na fabricação de perfumes, a fim de aprender a arte da destilação. Logo  entende que o método não é suficiente para satisfazer suas necessidades. O aprendiz de perfumista convence seu mestre a lhe fazer uma carta de recomendação e migra para Grasse, no interior do país, para aprender a técnica da odorização, um método mais eficaz que a decantação, para preservar os aromas.

Em sua viagem rumo à cidade de Grasse, Jean-Baptiste se recolhe por um período de tempo em uma caverna, onde, curiosamente, encontrara paz.  Naquele lugar distante de tudo e de todos

[…] Pela primeira vez na sua vida, ele não se via na obrigação de cheirar, a cada fôlego, algo de novo, de inesperado, de hostil, ou de perder qualquer coisa agradável. Pela primeira vez era-lhe dada à oportunidade de respirar quase à vontade sem ter, incessantemente e ao mesmo tempo, olfato atendo (Trecho da narração do Filme: Perfume – a história de um assassino).

E ao retomar sua viagem o aprendiz de perfumista descobre que finalmente  era alguém, que era excepcional.

Na nova cidade Jean-Baptiste rapidamente se estabelece, e se mostra um aluno brilhante. Depois de algumas tentativas fracassadas, aprende a arte da odorização a frio, e recomeça seu plano de preservar os cheiros, a fim de compor uma sinfonia de aromas, 13 notas/tons/odores que resultariam no melhor perfume do mundo. Nosso aprendiz de perfumista era também um artista.

Os psicopatas sempre causam boa impressão. No entanto costumam ser egocêntricos, desonestos e indignos de confiança. Com frequência adotam comportamentos irresponsáveis sem razão aparente, exceto pelo fato de se divertirem com o sofrimento alheio. Ou, como no caso de Jean-Baptiste, eles têm um objetivo especifico, e não medem esforços para alcançá-los. Outro traço marcante no comportamento de um psicopata é a incapacidade de lidar com a frustração.

Uma a uma, 12 virgens são assassinadas, e têm suas cabeças raspadas, mas sua virgindade não é violada. O caso intriga as autoridades, a cidade entra em estado de alerta, todos estão apavorados. Só falta uma moça, Laure, a bela ruiva filha do vice-cônsul Antonie Richs. Jean-Baptiste amava aquele perfume mais que tudo, era a essencial final, que daria o último e principal acorde à sua sinfonia de aromas.

Temendo o que poderia acontecer à sua filha o vice-cônsul, certo de que a beleza de Laure atrairia o assassino, abandona a cidade e foge com ela. Jean-Baptiste, auxiliado por seu dom incomum, percebe que o perfume se distancia da cidade, e parte em sua busca. Nesse meio tempo ele é descoberto, e uma infantaria também parte da cidade em sua captura. Os esforços de Richs não são suficientes, e sua filha acaba sendo morta pelo assassino de mulheres.

Já estamos chegando ao final do filme, e Jean-Baptiste consegue por fim terminar seu perfume quando é capturado.

O veredito foi pronunciado no dia 15 de abril de 1766 […] O perfumista Jean-Baptiste Grenouille, será conduzido nas próximas 48 horas até ao pátio, diante das portas da cidade e, ali, de rosto virado para o céu, será atado a uma cruz de madeira e receberá, ainda em vida, doze pancadas com uma barra de ferro que lhe quebrarão as articulações dos braços, das pernas, das ancas, dos ombros, após o que permanecerá nessa cruz até que a morte sobrevenha (Trecho da narração do Filme: Perfume – a história de um assassino).

O instante final chega, e o perfumista, munido de um traje elegante, caminha até seu carrasco, para receber a pena. O seu semblante, tranquilo, desperta ainda mais desprezo na população da cidade que lota a praça, na esperança de ver tão vil criatura ser torturada até à morte.

Mas a tranquilidade do perfumista escondia sua cartada final, é que no centro do pátio, Jean-Baptiste retira do bolso seu perfume, despeja uma gota do liquido milagroso em um lenço e faz um movimento no ar, como uma saudação, permitindo que o vento conduza o aroma ao nariz de todos, que num instante, estão inebriados. O aroma, à medida que atinge o olfato das pessoas vai provocando um estado de transe hipnótico, nesse instante as pessoas não sentem mais ódio pelo assassino. Seus corações ardem em uma paixão insana por Jean-Baptiste, e a imagem do monstro dá lugar à figura de um anjo. Num súbito momento, todos, até mesmo o bispo da cidade, rendem-se às paixões da carne, e começam a se amar em praça publica. Não há quem escape, todos dançam conforme a música do maestro. Pois “[…] Quem dominasse os odores dominaria o coração das pessoas.” (Trecho da narração de abertura do Filme: O Perfume – História de um assassino).

Algumas horas depois, quando a população acorda, e todos percebem o que tinham feito, a culpa corrompe seus corações, e como Jean-Baptiste já estava longe o suficiente para ser preso, eles decidiram condenar um inocente, que após 14 horas de tortura, confessou os crimes, e é levado à forca.

O perfumista regressou à Paris. Com o que tinha nas mãos, ele poderia dominar o mundo, se quisesse poderia ser o novo Messias, um novo Papa, controlar centenas de milhares de pessoas, poderia escolher ser um Imperador Supremo, ou mesmo um Deus na Terra.

Só havia uma coisa que o perfume não poderia fazer, ele não poderia transforma-lo numa pessoa que podia amar e ser amado como o resto dos homens, “Então vá para o inferno”, ele pensou. “Maldito Seja o homem, o perfume e até ele mesmo”. (Trecho da narração do Filme: O Perfume – História de um assassino).

Jean-Baptiste é conduzido, por sua memória olfativa, ao mercado de peixe onde nasceu, e lá, no dia e 26 de junho 1767, ele desenrosca a tampa do pequeno frasco, e assim como quem não quer nada, deixa-se banhar por aquele liquido. A população de mendigos e pedintes que ali ficavam não pode resistir àquela beleza angelical, ele se deixou ser tomado por todas aquelas pessoas. Todos queriam para si um pedaço que fosse daquele ser divino, então eles, literalmente, o devoraram, pedaço por pedaço, sendo ingerido em praça pública.

Jean-Baptiste tem sua vida atravessada por uma serie de mortes. A primeira de sua mãe que, ao ser delatada pelo choro agudo do filho, foi condenada à forca, a da madre que lhe prestava cuidado no orfanato, seu empregador no curtume, seu mestre de perfumaria, todas as virgens com quem cruzou caminho e, por fim, a sua própria. Assim como veio ao mundo, no chão imundo e fétido do mercado municipal, ele o deixou.

Mais que um assassino, ou um psicopata, o filme retrata o perfil de um homem que não consegue ter nenhum sentimento por ninguém. Mas que a satisfação de desejos próprios, Jean-Baptiste luta pela realização de um sonho, ele tem um objetivo, e fará o que for necessário para consegui-lo.

Ele busca compensar no assassinato dessas mulheres, a criação do melhor perfume do mundo, não são mortes em vão, afinal, elas morem por um bem, pois se continuam a viver, seu aroma logo se corromperá. Tudo o que Jean-Baptiste busca inocentemente é preservar este cheiro que tem que ser apreciado por todos.

O que ele quer na verdade é que todos percebam o mundo como ele sente, ele é superior, e não faz questão nenhuma de demonstrar que pensa ao contrario. Jean-Baptiste consegue alcançar o coração das pessoas porque aprendeu naturalmente que as pessoas gostam de ser agradadas, e ele faz isso com maestria, a fim de conseguir o que quer.

E nessa conflitiva incessante entre certo e errado que o filme se desenrrola.

Saiba mais:

Segundo vários estudos, existem diferentes graus de psicopatias. Os mais comuns são aqueles que dificilmente matam, estes são os mais difíceis de serem diagnosticados, pois tendem a se passar despercebidos no ambiente social. São considerados “psicopatas comunitários”. Eles geralmente possuem inteligência média ou até mesmo maior que a média, são frios, racionais, mentirosos, dissimulados não se importam com os sentimentos alheios, são muito manipuladores, e sempre passam uma imagem de inocente.

Esse psicopata raramente vai para cadeia, mas quando por algum motivo vai é tido como preso ‘exemplar’ pelo seu bom comportamento. Comumente foram crianças que já apresentavam traços de frieza, insensibilidade e intolerância a frustrações, que podem ser evidentes em condutas como maus-tratos a coleguinhas, animais, mentir, roubar e etc.

Já o psicopata do grau “Moderado ao Grave”, corresponde àquele individuo que atende aos requisitos do Transtorno da Personalidade Antissocial. São geralmente agressivos, impulsivos, frios, sádicos, mentirosos, não possuem empatia e são, quase sempre, autores de assassinatos e serial killers, cujos verdadeiros instintos ninguém é capaz de desconfiar.
É comum nessas pessoas um histórico de doenças neuropsiquiátricas como: depressão, déficit de atenção, transtorno de ansiedade ou outros distúrbios de personalidade, além de um persistente sentimento de vazio existencial e tédio. Frequentemente foram crianças introvertidas e que apresentaram transtorno de conduta.

É de destacar que por mais intrigantes que sejam os graus de psicopatias, um ponto comum deve ser considerado: em todo o ambiente intrafamiliar é marcado por diversos e extensivos conflitos.

O transtorno parece estar associado a 3 fatores:

a) Disfunções cerebrais/ biológicas;

b) Trauma neurológico/ predisposição genética;

c) Traumas sócio-patológicos na infância. (Ex: Abuso sexual na infância, emocional, violência, conflitos e separação violenta dos pais.)

Uma análise fisiológica afirma que, todo individuo antissocial possui um desses comportamentos no histórico da sua vida. Entretanto nem toda pessoa que sofre algum tipo de abuso na infância vai se tornar psicopata, sem ter uma influência genética ou distúrbio cerebral.

REFERÊNCIAS: 

Handbook of psychopathy – Christophen J. Patrick (Ed. Juil-fond Press. 2007)

Scott o Lilienfeld e Hal Askowitz – Universidade do Arizona

Wilhout conscience, the disturbing worlf of psychopaths among us – Robert D. Have (Ed. Ynilford Press. 1999)

http://www.psicopatia.com.br/

http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/o_que_e_um_psicopata_.html

http://psicopatasss.blogspot.com/2009/08/sintomas-psicopatas.html

http://www.psiqweb.med.br/site/DefaultLimpo.aspx?area=ES/VerClassificacoes&idZClassificacoes=50

http://www.psicosite.com.br/tra/out/personalidade.htm

http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?422

http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol32/n1/27.html

FICHA TÉCNICA DO FILME:

PERFUME – A HISTÓRIA DE UM ASSASSINO

Título Original:  Das Parfum – Die Geschichte eines Mörders
Direção:  Tom Tykwer
Roteiro: Tom Tykwer
Elenco: Ben Whishaw, Alan Rickman, Dustin Hoffman, Rachel Hurd-Wood;
Paises:  Alemanha, França, Espanha
Ano: 2006
Gênero:  Drama

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