Uma Crônica sobre os relacionamentos virtuais

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Relacionamentos que se iniciam no virtual  são menos legítimos? Reflexões acerca da virtualização do namoro. 

Matheus Aquino- @mathewsaquino2@gmail.com 

Foi em um dia bastante comum que um jovem estava conversando com seus amigos, já era noite e então um deles se levanta e pede ajuda para encontrar alguém legal no Tinder. Um dos amigos se oferece para ajudar e os dois começam a busca. 

Foram vários minutos de alguns cliques, arrastavam o dedo e decidiam se davam match ou não. Durante a escolha surgiam risadas, críticas e sugestões para decidir se tal pessoa era legal e se valia a pena conhecer. 

Depois de algum tempo eles pararam e um deles que estava apenas observando, perguntou o que tem de tão divertido em procurar pessoas por atacado. O outro riu e disse que achava normal, e que nem sempre as pessoas que procurava no Tinder era pra ter um encontro, algumas vezes era apenas para sair e quem sabe, iniciar uma amizade. Foi então que este amigo, mesmo achando estranho, tentou entender como as pessoas estão cada vez mais adeptas às tecnologias e aproveitando a facilidade de aproximação para então desenvolver novos laços, mesmo que correndo riscos. 

No mundo moderno, os relacionamentos virtuais emergiram como uma realidade complexa e multifacetada. Por meio das telas brilhantes dos dispositivos eletrônicos, uma nova forma de conexão humana foi estabelecida, transcendendo fronteiras geográficas e culturais. No entanto, junto com essa nova era de interação digital, surgem desafios e riscos que devem ser enfrentados e compreendidos.

Os relacionamentos virtuais têm o poder de unir pessoas que, de outra forma, talvez nunca se encontrassem. Com apenas alguns cliques, é possível estabelecer amizades, parcerias profissionais e até relacionamentos românticos. A velocidade e facilidade com que essas conexões são feitas são, sem dúvida, vantagens marcantes do mundo virtual.

Neste sentido, as redes sociais têm desempenhado um papel significativo na forma como as pessoas se conectam e se relacionam nos dias de hoje. Pesquisas sobre relacionamentos afetivos que se iniciam em redes sociais exploram como esses encontros online afetam o desenvolvimento e a qualidade dos relacionamentos amorosos.

Fonte: Pexels

De acordo com uma pesquisa desenvolvida pelo Pew Research Center (SMITH, 2016), descobriu-se que 59% dos entrevistados acreditam que aplicativos e sites de namoro são uma boa maneira de conhecer novas pessoas. Além disso, a pesquisa também indicou que os relacionamentos que começam online são tão bons quanto aqueles que se iniciam pessoalmente. 

Através das redes sociais, fóruns e aplicativos de mensagens, os relacionamentos virtuais se desenvolvem em um ambiente onde as barreiras físicas não são um obstáculo. Eles proporcionam uma plataforma para expressão livre de ideias e sentimentos, permitindo que as pessoas compartilhem suas experiências e opiniões de maneira aberta e inclusiva.

No entanto, é importante reconhecer que os relacionamentos virtuais também apresentam desafios e limitações significativas. Embora as palavras digitadas possam transmitir emoções e ideias, a comunicação online carece da riqueza da comunicação não verbal. A ausência de expressões faciais, gestos e tom de voz muitas vezes pode levar a mal-entendidos e interpretações equivocadas (VASCONCELOS, 2014)

Outro aspecto crucial dos relacionamentos virtuais é a questão da autenticidade. Nas plataformas digitais, é possível criar personas e identidades falsas, o que leva a uma falta de confiança e transparência. Atrás de uma tela, é mais fácil ocultar a verdadeira identidade, levando a relacionamentos baseados em falsidades e desonestidade.

Além disso, a exposição a comportamentos tóxicos e abusivos é um risco real nos relacionamentos virtuais. O anonimato proporcionado pela internet pode incentivar pessoas a agir de forma agressiva ou prejudicial, sem enfrentar as consequências de suas ações. É fundamental estar ciente desses riscos e estabelecer limites saudáveis para proteger a integridade emocional e psicológica (MORAES; BRANDÃO, 2018)

É importante enfatizar que os relacionamentos virtuais não devem substituir os relacionamentos offline. Eles podem complementar e enriquecer nossas vidas, mas a interação cara a cara continua sendo uma necessidade humana básica. O toque, o contato visual e a conexão física são elementos essenciais para o desenvolvimento saudável das relações (VASCONCELOS, 2014). 

As redes sociais oferecem diversas formas de conhecer pessoas, como grupos temáticos, comunidades online, aplicativos de namoro e até mesmo interações casuais em comentários ou mensagens diretas. Essa variedade permite que as pessoas encontrem indivíduos com interesses e valores semelhantes. Neste sentido, é um potencial mecanismo de pertencimento social e ampliação das redes afetivas. Conclui-se que conhecer pessoas no mundo virtual e estabelecer relacionamentos a partir deste contexto não se caracteriza como uma forma melhor ou pior, segura ou perigosa; é, simplesmente, mais uma forma de se conectar com outras pessoas.

REFERÊNCIAS 

MORAES, J. G.; BRANDÃO, W. L. Relacionamentos Virtuais: uma Análise Acerca dos Padrões Comportamentais dos “Catfish”. Revista de Ensino, Educação e Ciências Humanas, 19(3), 300-308, 2018. 

SMITH, Aaron. 15% of American Adults Have Used Online Dating Sites or Mobile Dating Apps. Peer Research Center, 2015. Disponível em:<https://www.pewresearch.org/internet/2016/02/11/15-percent-of-american-adults-have-used-online-dating-sites-or-mobile-dating-apps/>. 

VASCONCELLOS, A.  A solidão nas redes sociais de relacionamentos. Revista Saber Acadêmico, 16, 100-108, 2014. Disponível em:<http://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20180403111539.pdf>. Acesso 10 jun 2023.

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O Pequeno Príncipe e as bases da Gestalt-Terapia

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Com uma trilha sonora à base de composições do aclamado Hans Zimmer, O Pequeno Príncipe (versão de 2015) repagina a clássica obra do francês Antoine de Saint-Exupéry, ao narrar a estória de uma garota (Mackenzie Foy) que se muda com sua mãe (Rachel McAdams) para um dado setor da cidade – cujo traçado, do alto, provavelmente de forma proposital, lembra os circuitos de um computador -, e acabam por ter como vizinho um piloto idoso (Jeff Bridges) que tenta a todo custo fazer decolar um velho avião estacionado no quintal.

O filme é marcado inicialmente por três traços que saltam aos olhos: a tendência da mãe obsessiva-compulsiva em hiper-racionalizar a vida da filha, criando uma rotina exaustiva e com pouco contato afetivo; uma criança com a infância negligenciada, que vive as projeções da mãe; e um idoso com fantasias que pululam a imaginação – que poderia ser rapidamente associadas a traços de psicose.

A trama começa de fato a se delinear a partir de um acidente provocado por uma das muitas tentativas de o piloto idoso decolar o avião. A hélice se desprende do mesmo e acaba atingindo a casa das novas vizinhas. A criança é tomada de profunda curiosidade e, então, inicia um lento e frutífero contato com o vizinho. Aos poucos, a garota vai entrando no universo de fantasias do piloto, num cenário que recria a trajetória do Pequeno príncipe. Neste ínterim, a mãe insiste em manter a rotina da garota, que aos poucos se distancia do agendamento cotidiano e começa a experimentar uma vida minimamente parecida com um ideal infantil.

O filme aborda algumas das teses centrais da Gestal-Terapia. Como mãe e filha compunham um núcleo narcísico – isoladas do mundo –, aos poucos a garota foi arrastada pela necessidade de relacionar-se com o mundo, com o outro, a partir do conceito de contato. Isso ocorre porque, na visão de Perls, o ato de relacionar-se é algo inerente à condição humana, sob pena de sua ausência criar sérias restrições psicológicas ao sujeito. No entanto, como bem explicita o filme, este contato nem sempre ocorre de maneira fluída e rápida. Cada pessoa possui uma “fronteira de contato” que delimita a interação entre a dimensão interna (subjetividade) e a dimensão externa (meio). Uma coisa é certa, e fica clara no filme: o contato, quando ocorre de modo autêntico, provoca mudanças profundas nos sujeitos. É deste contato que surge a possibilidade de ajustar-se criativamente. Configura-se mesmo como elemento de cura para eventuais desajustes.

Há, portanto, um paradoxo: ao mesmo tempo em que o ser humano necessita de contato para suprir necessidades psicológicas e também biológicas, ele é contingenciado por uma separação visceral. Em Gestalt-Terapia, este fato é comumente associado às células do corpo, que estão em constante processo de troca de moléculas com o meio, em que pese a sua individualidade. Essa troca, no entanto, para que supra as necessidades básicas, deve ocorrer de modo satisfatório. Psicologicamente falando, sem o contato não se obtém as condições necessárias para viver como ser humano.

Na fronteira de contato há o aprendizado que lança o sujeito para a vida. A interação sob a forma do Eu-Tu, onde de fato dois sujeitos se permitem ser “tocados”, afastando a tendência à coisificação da relação, é base para que se possa haver um encontro profundo. No filme, a relação com ausência de afeto e excesso de racionalidade entre mãe e filha é marcada por Eu-Isso, numa troca em que, sobretudo, a mãe objetifica a filha, que claramente é representada como uma projeção de seus desejos. A relação Eu-Tu só começa a ser estabelecida quando a criança se permite (por estar propensa a julgar menos que um adulto) a se aproximar do piloto idoso e, à sua maneira, entender o seu mundo. Nasce então uma amizade balizada pelo coração, com uma linguagem marcadamente afetiva.

O ápice do filme ocorre quando, já transformada pelo contato com o idoso, a criança acaba por influenciar a mãe, que reavalia suas estratégias de atuação e, por fim, também é impactada pela dinâmica.

Por fim, o filme tem forte pegada humanista e existencial (duas das bases da Gestalt-Terapia) ao enfocar questões como medo, alienação, amor, amizade, esperança e projetos de vida. Desta forma, toda a obra mostra uma virada rumo à tomada de consciência, num percurso marcado por incertezas, fantasias, curiosidade e abertura para o novo, cujo processo revela uma das facetas mais belas da condição humana: a capacidade de reinventar-se e lançar-se para o futuro.

Referências

FRAZÃO, Lilian Meyer. Gestalt-terapia. Fundamentos Epistemológicos e Influências Filosóficas. São Paulo: Summus, 2013 (versão e-Pub Amazon).

Resenha do filme O Pequeno Príncipe (2015). Disponível em <: http://www.redecanais.com/o-pequeno-principe-dublado-2015-1080p_0687893a2.html >. Acesso em 05 de dez. 2017.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

O PEQUENO PRÍNCIPE

Diretor: Mark Osborne
Elenco: Rachel McAdams, Jeff Bridges, Marion Cotillard, Riley Osborne;
País: Canadá; França
Ano: 2015
Classificação: Livre

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