Violência autoprovocada – (En)Cena entrevista a psicóloga Laurilândia Silva

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Violência autoprovocada é um assunto que requer muita atenção e precisa ser discutido entre o meio social, pois a cada dia as ocorrências desta prática ficam mais frequentes. Compreender sobre o processo, desenvolvimento e tratamento é fundamental para a qualidade de vida de quem apresenta essa demanda. Por isso, o Portal (En)Cena convidou a psicóloga Laurilânida O. Silva, Especialista em Saúde da Família Comunidade e atuante no atendimento de pessoas com comportamentos suicidas para uma entrevista sobre o tema.

Fonte: Arquivo Pessoal

Laurilândia O Silva, é psicóloga formada pelo Centro Universitário Luterano de Palmas/Universidade Luterana do Brasil e Especialista em Saúde da Família e Comunidade pelo Programa de Residências Integradas/PIRS FESP Palmas -TO. Possui experiência na área da saúde atuando em diferentes cenários como no Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), no NUPAV – Núcleo de Prevenção de Violência e Acidentes e Promoção da Saúde, Centro de Educação Inclusiva com crianças e adolescentes com deficiência como bolsista do programa “Palmas Para Todos” no município de Palmas – TO.  Atualmente atua como psicóloga, bolsista-pesquisadora do programa “Palmas para Todos”, em um projeto voltado ao público que apresenta comportamento suicida em Palmas – TO e no Nasf-AB.

(En)Cena – Defina o conceito de violência autoprovocada e suas formas.

Laurilândia O. Silva – O termo violência autoprovocada, também conhecido como violência autoinfligida é o ato de provocar algum dano a si mesmo, é uma autolesão deliberada, intencional que pode ser dividida em comportamento suicida e autoabuso.

O comportamento suicida é subdivido em pensamentos ou ideação suicida, tentativa de suicídio e o suicídio completo. Alguns autores definem o autoabuso como os atos de automutilação. Giusti, (2013) define a automutilação como “qualquer comportamento que envolva a agressão intencional ao próprio corpo, sem que haja intenção consciente de suicídio”.

A política Nacional de prevenção da automutilação e do Suicídio de abril de 2019, define por violência autoprovocada, o suicídio consumado, a tentativa de suicídio e o ato de automutilação, com ou sem ideação suicida. A pessoa que comete violência contra si próprio, pode não ter uma intenção suicida, ou seja, não apresentar a vontade de causar a morte.

Fonte: encurtador.com.br/dFL35

(En)Cena – Quais os fatores desencadeantes para as práticas de autoagressão?

Laurilândia O. Silva – O suicídio e as outras formas de violência autoinfligida “é um fenômeno multifatorial, multideterminado e transacional que se desenvolve por trajetórias complexas, porém identificáveis”, essa é a definição da organização das nações unidas em 1960.

Essas trajetórias complexas, podem ser chamadas de fatores de risco, de acordo com Botega (2015) a natureza desses fatores de risco é variável, há influência da genética, de elementos da história pessoal e familiar, de fatores culturais e socioeconômicos, de acontecimentos estressantes, de traços de personalidade e de transtornos mentais.

(En)Cena – Como ocorre o atendimento psicológico emergencial para quem pratica?

Laurilândia O. Silva – É importante estar atento aos sinais que a pessoa que tem a intenção de cometer suicídio emite, o suicídio pode ser previsível. Sinais como pedidos de desculpa e de perdão aos familiares, pequenos bilhetes, versículos da Bíblia e poesias, compras de certos objetos como cordas e escadas.

Se a pessoa apresenta ideação suicida, ou seja, ela tem pensado em cometer suicídio, ou tenha um plano elaborado para executar o suicídio e fala frases do tipo: “Tenho vontade de dormir e não acordar mais”, “sou um fracasso”, com planejamento ou não, é importante que a pessoa procure ajuda profissional.

Fonte: encurtador.com.br/blnx6

No serviço público essa pessoa pode procurar atendimento em uma Unidade Básica de Saúde ou CAPS- Centro de Atenção Psicossocial. Casos em que a pessoa realizou a tentativa de suicídio, a orientação é que ela procure, seja levada por alguém ou pelo SAMU ou Corpo de Bombeiros a um serviço de urgência e emergência como Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e HGP- Hospital Geral de Palmas.

Recomenda-se que um familiar acompanhe o intento suicida nas consultas iniciais para receber orientações. No primeiro atendimento é importante avaliar o risco da intencionalidade em cometer o suicídio, realizar orientações para afastar meios letais, sensibilizar para a importância de seguir as orientações médicas e tratamento medicamentoso, identificar pessoas significativas para o intento suicida e obter apoio, essas são ações que são tomadas de imediato para prevenir uma nova tentativa com sucesso.

(En)Cena – Como pode ser constituída a rede de apoio desses pacientes?

Laurilândia O. Silva – O apoio de familiares e amigos, instituições religiosas, escolas e universidades, profissionais de saúde e trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social, pode constituir a rede de apoio ao intento suicida.

(En)Cena – Quando e como os profissionais devem verificar se alguém está praticando a automutilação? E como as pessoas em geral, podem analisar? Se essa suspeita é confirmada, como deve proceder?

Laurilândia O. Silva – Muitos profissionais de saúde, amigos e familiares sentem receio em abordar o tema do suicídio e da automutilação, mas a estratégia é perguntar, é questionar em uma linguagem clara e direta. Muitas pessoas acreditam que perguntar sobre a intenção de tirar a própria vida, pode contribuir para que o suicídio aconteça, isso é um mito muito comum. Algumas sugestões de perguntas são: você pensa muito sobre morte, sobre pessoas que já morreram, ou sobre sua própria morte? Você pensou em suicídio durante essa última semana?

Fonte: encurtador.com.br/cfTY9

Outra estratégia para verificar se alguém está praticando a automutilação é observar cicatrizes nas partes do corpo, observar se houve mudança na forma como a pessoa se veste, por exemplo, começa vestir roupas de mangas compridas em um ambiente quente, na intenção de esconder machucados e cicatrizes. Ao perceber esses sinais os profissionais, familiares e amigos, podem perguntar sem julgamentos sobre o que está acontecendo e ofertar ajuda, procurando algum serviço de saúde.

(En)Cena – Como a família, escola, sociedade e instituições religiosas podem contribuir como rede de apoio a essas pessoas?

Laurilândia O. Silva – A família, escola, sociedade e instituições religiosas como dito anteriormente compõem a rede de apoio de uma pessoa que apresenta comportamento suicida. Essa rede pode contribuir na desmistificação de preconceitos e estigmas em torno da violência autoprovocada. Evitar compartilhar em redes sociais vídeos, fotos, cartas de despedidas e formas de praticar o suicídio, também são estratégias de contribuir para prevenção e apoio aos familiares do intento suicida. Promover espaços de reflexão e aprendizagem sobre o tema, com profissionais de saúde e estudiosos do tema. Incentivar a busca por ajuda.

(En)Cena – A partir da sua experiência, considera que o ensino acadêmico no curso de psicologia é eficaz para a prática profissional do psicólogo?

Laurilândia O. Silva – Com base na minha experiência acadêmica, percebi que o que aprendi sobre violência autoprovocada, aprendi na prática profissional, em supervisões, apoio técnico e leituras. O ensino acadêmico abordou pouco sobre o tema e não foi eficaz para a minha prática. Acredito que seja importante que o acadêmico de psicologia aprenda e desenvolva competências para atuação com o comportamento suicida, principalmente se o acadêmico pretende atuar na rede pública de saúde, no SUS.

(En)Cena – Deixo um espaço livre para indicações de leituras, orientações e sugestões.

Laurilândia O. Silva – Minha sugestão é que quem tiver curiosidades existem algumas organizações que trabalham ofertando apoio a sociedade, fazer parte dessas organizações ou procurar conhecer pode ajudar no entendimento sobre o tema:

Referências:

Botega, Neury José. Crise Suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed, 2015.

BRASIL. Lei Nº 13.819, de 26 de abril de 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20192022/2019/Lei/L13819.htm. Acesso em: 29 de abril de 2021.

GIUSTI, Jackeline Suzie. Automutilação: características clínicas e comparação com pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5142/tde-03102013-113540/publico/JackelineSuzieGiusti.pdf. Acesso em 27 de abril de 2021.

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CAOS: Pós-modernidade, mal-estar existencial e saúde psíquica dos jovens

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Nesta quinta-feira, 24 de agosto, ocorreu na sala 405 do Ceulp/Ulbra as sessões técnicas com apresentações de trabalhos acadêmicos, no Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (CAOS). Dentre as apresentações, houve o trabalho “Pós-modernidade e vertigem existencial entre jovens: panorama de autoviolência”, com autoria de Sonielson Luciano de Sousa (Ceulp/Ulbra).

Em referência a Freire Costa, Bauman e Birman, Sonielson diz que a pós-modernidade é marcada pelo enfraquecimento do estado enquanto instância mediadora hegemônica e lugar de diferentes cenários e modelos de educação e sociabilização nos núcleos parentais, gerando uma individualização que afeta a todos, principalmente os jovens, tornando-os descontentes e frustrados com as exigências para manter a originalidade e uma formação identitária adequada, que é inalcançável.

As antigas estruturas mediadoras aterrorizavam em sua onipotência, porém, criavam certo apaziguamento. Sai-se da geração de segurança para a valorização de hábitos que remetem à liberdade, provocando uma vertigem existencial e impactando sua saúde mental dos jovens, expressada nos índices de violência. Os jovens sofrem pelo excesso de possibilidades, em um cenário no qual os dispositivos de controle os colocam em protagonismo, enfraquecendo o núcleo parental imediato, isto, aliado ao contínuo movimento com que eles são submetidos e à ideia de trabalhar por progresso e autogerenciamento ininterrupto da vida.

Bauman (2007) e Birman (2013) assinalam sobre a sociedade de risco, onde nenhum indivíduo conta com a proteção do Estado e efetivamente todo problema das subjetividades associar-se-á a esta lógica. Atualmente, a aceleração não admite limites, responsabilizando os jovens por reciclar, revisar e reconstituir suas identidades. Trata-se de um movimento para, na esfera pública, demonstrar uma identidade compatível com as expectativas.

Quanto mais os jovens tentam ser diferentes, mais se assemelham no movimento com que mobilizam suas estratégias, uma vez que seguem a mesma estratégia de vida e usam símbolos comuns (BAUMAN, 2007, p. 26). A fragmentação pós-moderna em conjunto com as perdas de elementos que orbitavam em torno da política gera um panorama de ausência de mediadores, causando um mal-estar existencial, que requer atenção quanto à saúde psíquica destes jovens, sob pena de desaguarem à violência (BIRMAN, 2013).

A questão, portanto, não se resume às subjetividades e relações sócio-políticas, mas, em igual medida, entremeia um problema aparentemente de ordem individual, que ganha apelo de caráter ético, pois não se está apenas a falar das condições da saúde mental dos jovens contemporâneos, mas em como isso também pode afetar as gerações futuras, no campo da ética.

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Suicídio: tipos e possíveis intervenções

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Primeiramente, é preciso que se defina conceitualmente o que seja suicídio. Segundo Émile Durkheim (1858-1917), diferente de outros tipos de morte, nesse caso, a retirada da vida ocorre mediante a ação do próprio indivíduo. “(…) entre as diversas espécies de morte, há as que apresentam a característica particular de serem feito da própria vítima, de resultarem de um ato cujo paciente é o autor; e, por outro lado, é certo que essa mesma característica se encontra na própria base da ideia que comumente se tem de suicídio” (DURKHEIM, 2000, p. 11).

Fonte: http://zip.net/bktKcV

Cabe destacar que a ação é intencional e acompanhada por algum objetivo. Referente à fundamentação teórica do conceito, temos que: “(…) chegamos portanto a uma primeira formulação: chama-se suicídio toda morte mediata ou imediatamente de um ato positivo ou negativo, realizado pela própria vítima” (DURKHEIM, 2000, p. 11). Dentre os tipos de suicídio, temos os três seguintes: suicídio egoísta, suicídio altruísta e suicídio anômico. A seguir explanaremos a respeito de cada um e por fim, apresentaremos possíveis intervenções para os casos explicados.

Suicídio Egoísta

O egoísmo, segundo o dicionário Aurélio (2017, s/p), é o “amor exclusivo à pessoa e aos seus interesses próprios”. Partindo desse conceito, suicídio egoísta é aquele em que o ego individual se afirma fortemente frente ao ego social, ou seja, há uma individualização exagerada. A fragilização do vínculo relacional/emocional/afetivo contribui com a sensação de solidão e tristeza, o que facilita que a perda de direção/senso/sentido na vida se instale.

Acontece quando as pessoas se sentem totalmente separadas da sociedade. Nele os interesses particulares estão acima dos interesses da sociedade. Geralmente, as pessoas estão integradas à sociedade por papeis de trabalho, laços com a família e comunidade, e outras obrigações sociais (DURKHEIM, 2000).

Quando esses laços são enfraquecidos através de aposentadoria ou perda de familiares e amigos, a probabilidade de ocorrência aumenta. Os idosos que perdem estes laços são os mais suscetíveis ao suicídio egoísta (DURKHEIM, 2000). O suicídio egoísta acontece, especialmente, nas sociedades ditas “superiores” (as sociedades ocidentais modernas em contraposição às “primitivas”, tribais ou indígenas), mas com determinadas carências de integração entre sociedade e indivíduo.

O referido autor acredita que existem diferenças entre as populações mais intelectualizadas e que viver nas cidades seria a razão de terem maior inclinação ao suicídio, por exemplo, quanto maior a cidade, mais a pessoa sente-se sozinha considerando que existem pessoas que ela não conhece e nunca vai conhecer.

Fonte: http://zip.net/bvtKBw

A sociedade é individualista o que leva Durkheim (2000), a afirmar que uma individualização excessiva leva o suicídio. Quando desligado da sociedade, o homem é propenso a se matar facilmente. É o tipo de suicídio que prepondera na modernidade e, geralmente, é praticado por pessoas que não se sentem devidamente integrados à sociedade e, de certo modo, estão isolados dos grupos sociais (família, amigos, comunidade, por exemplo) (DURKHEIM, 2000).

A depressão, a melancolia, a sensação de desamparo moral provocadas pela desagregação social tornam-se, então, causas deste tipo de suicídio. Essa desintegração causa sofrimento à pessoa a tal ponto de ela chegar ao estado mais extremo de se matar para que, dessa forma, não continue sofrendo. Outras características desse tipo de perfil é que costuma ser um ser humano que não possui laços de amizade amigos, perdeu, ou nunca teve namorado/namorada, não se integra à família e não se sente útil de forma alguma. Diante dessa situação, ele é assolado por pensamentos de que ninguém vai sentir sua falta e acaba com tudo.

Ornish (1999, p. 31) salienta que: “o poder curativo do amor e dos relacionamentos tem sido documentado em um número crescente de estudos científicos bem orientados, que envolvem centenas de milhares de pessoas no mundo todo”. Assim, diante do potencial efeito de cura do amor, podemos ressaltar que a manifestação de afeto presente nas relações interpessoais causa em quem o recebe diferentes sensações. Com ações assim, vínculos são fortalecidos e problemas são mais facilmente encarados.

Nesse contexto, cabe destacar que a capacidade de se emocionar e de se comunicar de forma verbal consiste num dos atributos mais relevantes que diferencia o ser humano de outros seres. Segundo um dos principais suicidólogos do país, Carlos Felipe D’oliveira, a principal causa do suicídio é a depressão. “O indivíduo fica deprimido, se isola, e o isolamento alimenta ainda mais esse processo de depressão” (TRIGEIRO, 2015, p. 128).

Fonte: http://zip.net/bltJGY

Ou seja, quando o ser humano não se encontra num estado de experimentação de bem-estar e contentamento, ele tende a fugir de situações festivas, de momentos em que será mais visualizado. Sua tendência é se afastar de contextos que propiciem interação social. No entanto, devemos alargar a visão ao pensar em causas do suicídio, pois as possíveis razões conseguem ir além do que foi supracitado. Adiante veremos mais razões para a emissão desse tipo de comportamento. Durkheim (2000) observa que o homem é um ser duplo, possui uma personalidade individual e uma coletiva, sendo que a última representa um padrão comum entre todas as pessoas.

Assim, quando a sociedade, por algum motivo, não consegue infundir seus valores coletivos de pertencimento e de existência na pessoa, este pode dar fim à própria vida se alguma situação relacionada tão somente ao seu particular tenha dado origem a uma decepção, desilusão, descrença. Ainda, segundo Émile Durkheim (2000), pessoas casadas se matam em menor proporção que as solteiras, apontando uma relação estreita entre a formação familiar e a preservação da vida.

Há ainda uma relação direta entre o estado civil, que são: casado e solteiro. Foi verificado ainda associação entre o voto de celibato e maior tendência ao suicídio. Segundo o autor:

  • Os casamentos demasiado precoces têm uma influência agravante sobre o suicídio, principalmente em relação aos homens: os casamentos prematuros determinam um estado moral cuja ação é nociva, sobretudo para os homens;
  • A partir de 20 anos, os casados, homens e mulheres, se beneficiam de um coeficiente de preservação com relação aos solteiros;
  • O coeficiente de preservação dos casados com relação aos solteiros varia de acordo com os sexos: o sexo mais favorecido no estado de casamento varia, por sua vez, conforme a natureza do sexo mais favorecido;
  • A viuvez diminui o coeficiente dos casados, homens e mulheres, no entanto, na maioria das vezes, não o suprime completamente. Os viúvos suicidam-se mais do que os casados, mas, no geral, menos do que os solteiros (2000, p. 214-217).

Suicídio Altruísta

Considerando a perspectiva inicial, no que tange a possíveis causas, é sabido que, diferente do exemplo anterior, a individuação insuficiente é um dos fatores relevantes para a efetuação do comportamento de se suicidar (DURKHEIM, 2000).

Para o Dicionário Aurélio (2017, s/p), individuação consiste em: “acentuar as particularidades individuais de”. Assim, se utilizando dessa definição, compreendemos que esse processo existe a partir da visualização/reconhecimento de características pertinentes ao indivíduo.

Fonte: http://zip.net/bvtKBy

Nesse contexto, há os casos de suicídio obrigatórios, em que o meio social aborda a temática de forma explícita/clara. Alguns exemplos: “Suicídios de homens que chegam ao limiar da velhice ou são afetados por doenças; suicídios de mulheres por ocasião da morte do marido; suicídios de clientes e servidores por ocasião da morte de seus chefes” (DURKHEIM, 2000, p. 272).

Existe ainda casos de autoviolência praticada de maneira espontânea, como quando ocorre uma briga conjugal ou mesmo alguma demonstração ciumenta. É importante citar que esses comportamentos são mantidos em razão da falta de interesses próprios, de um sentido maior à existência. E, embora, nesse momento, não sejam, de forma formal, estimulados a se matar, a opinião social favorece a execução desse ato (DURKHEIM, 2000).

Fonte: http://zip.net/bltJKw

Como veem-se nas outras modalidades do suicídio a ausência do olhar apurado da sociedade, a falta de afeto e a falta de amor, constituem-se um quesito importante que levam ao ato suicida. Isso tudo exerce influência sobre como o indivíduo se vê, sobre a realidade de se sentir alguém diferente/diferenciado ou não.

No suicídio altruísta, tem-se uma causa curiosa, que seria o ato heroico do indivíduo, ou seja, dar sua própria vida em uma “suposta melhoria” para as demais pessoas. Não existe depressão, a pessoa está integrada à sociedade, mas mesmo assim decide tirar sua vida, por acreditar, que isso poderá contribuir positivamente na vida das pessoas ou na sociedade. 

Suicídio Anômico

Durkheim (2000) ainda nos fala de uma terceira forma de suicídio como uma tipologia social: o anômico. Esse termo, anomia, ao analisarmos separadamente, refere-se à uma “ausência generalizada de respeito a normas sociais, devido a contradições ou divergências entre estas” (FERREIRA, 2001). No entanto, em “O Suicídio”, o termo está mais relacionado a crises financeiras e individuais.

O suicídio anômico pode ser caracterizado como aquele possivelmente decorrente de perturbações da ordem coletiva, uma ruptura do equilíbrio econômico-social em que o indivíduo se encontra, como crises financeiras; atingem, principalmente, industriais e comerciais (DURKHEIM, 2000). A relação proposta pelo autor há um século continua presente na sociedade atual. Em parte, pode-se afirmar que nosso sistema econômico atual é muito sensível às crises financeiras mundiais devido aos mercados cada vez mais globalizados.

Uma pesquisa realizada em 2009 e publicada na “British Medical Journal”, mostrou que, nos 54 países americanos e europeus pesquisados após a crise financeira de 2008, o número de suicídios masculinos aumentou 3,3% nos países afetados pela crise financeira (BBC, 2013); o que nos mostra que o ato suicida pode ser influenciado grandemente por estes fatores.

Fonte: http://zip.net/bctJ3Y

É importante deixar claro que o suicídio não é um fenômeno social exclusivo de períodos anômicos porque, unicamente, os indivíduos passam a possuir menos. Mesmo em tempos de relativa paz econômica o suicídio ocorre. Contudo, o que se pode observar na anomia é um aumento dos índices.

Durkheim (2000) ainda nos apresenta algumas causas individuais que, decorrentes da anomia, podem atuar no aumento de suicídios. Uma delas é quando suas necessidades já são supridas, mas o indivíduo busca mais, como o luxo. Em outras palavras, significa não ultrapassar a barreira de ter aquilo que se consegue alcançar, baseado no seu poder de compra e classe social. Caso contrário, para o funcionamento dessa dinâmica, haverá dor e infelicidade.

O suicídio anômico é considerado diferente do suicídio egoísta porque aqui temos uma forma que depende da regulamentação da sociedade sob a vida dos indivíduos; diferentemente do segundo, no qual depende da maneira que os indivíduos estão ligados à sociedade (DURKHEIM, 2000).

Possíveis intervenções

No que tange a possíveis práticas interventivas, podemos citar que:

Diferentemente da realidade que vivenciamos, é necessário abordar a temática, por ser considerado um problema social (baseado na perspectiva apresentada até agora) e também de saúde pública – já que fere um dos maiores direitos garantidos por Lei, a saber, a vida. Nesse viés, entendemos que: “Na área de saúde, prevenção se faz com informação” (TRIGUEIRO, 2015, p. 46). Existe também a relação de que a pessoa que comete suicídio apresentada estado de intensos dor e sofrimento mental.

Ao se tratar do suicídio egoísta, a realização de grupos operativos (focados numa tarefa) pode ajudar a estruturar relações, o aprofundamento de vínculo relacional. O que, consequentemente, contribui para uma maior  integração/envolvimento ao meio social/comunidade em que se está inserido. Além disso, a psicoterapia pode ajudar no acompanhamento do estabelecimento de relações saudáveis.

Fonte: http://zip.net/bgtJ6X

Ao se referir ao suicídio altruísta, a base histórico-social precisa ser observada de forma minuciosa, uma vez que, a partir da história de vida do indivíduo é que esses valores – matar por algo maior – são instituídos. Nesse caso, o líder religioso e o momento da pessoa de filiação à determinada religião devem ser consultados.

Por fim, ao abordar o suicídio anômico, os profissionais de saúde mental – principalmente psicólogos e psiquiatras – devem ajudar o indivíduo a se fortalecer para conseguir enfrentar/lidar/superar as adversidades/instabilidades de cunho financeiro.

 

Referências:

Anderson, M.L. and Taylor, H.F. (2009). Sociology: The Essentials. Belmont, CA: Thomson Wadsworth.

BBC. Estudo liga aumento de suicídios à crise global. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/09/130918_crise_economica_suicidio_lgb> Acesso em: 17 mai 2017.

CABRAL, J F P. “Sobre o suicídio na sociologia de Èmile Durkheim”; Brasil Escola

Dicionário Aurélio. Individuação. 2017. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/individuar> Acesso em: 16/05/2017

ESTABLET, R. A atualidade de ‘O Suicídio’. In: MASSELLA, Alexandre Braga (org.). Durkheim: 150 anos. Belo Horizonte, MG: Argvmentvm, 2009, p. 119-129.

DURKHEIM, É. O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

DURKHEIM, É. Suicídio: definição do problema; suicídio egoísta; suicídio altruísta; suicídio anômico. In:______. Émile Durkheim: sociologia. Organizador José Albertino Rodrigues. São Paulo: Ática, 1981, p. 103-122.

FERREIRA, A. B. de H. Miniaurélio Século XXI: o minidicionário da língua portuguesa. 5ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

ORNISH, D. Amor e sobrevivência: a base científica para o poder curativo da intimidade. Brasil: Rocco, 1999, 268 p.

TRIGUEIRO, A. Viver é a melhor opção: a prevenção do suicídio no Brasil e no mundo. São Bernardo do Campo – São Paulo: Correio Fraterno, 2° ed, 2015, 51 p.

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