Bolsoplanismo e o retorno do recalcado

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O que o Bolsoplanismo fez a gente entender é que o discurso que o sustenta já estava aí. Bolsonaro apenas abriu a tampa do bueiro e fez algumas pessoas terem coragem para dizer ou fazer o que estava submerso, velado.

Então não é melhor agora que as pessoas possam dizer o que realmente pensam para que nossa chaga machista, homofóbica, escravagista, violenta, misógina e fundamentalista seja tratada? – vocês poderiam perguntar. A princípio sim – eu diria. Sim, porque poderemos, desse modo, trabalhar nossos conflitos e contradições. E a democracia sempre ganha, quando o diálogo e o debate estão na ordem do dia.

Não é de hoje que teço críticas ao que se fez com o “lugar de fala” e a “linguagem politicamente correta”. Se tornaram instrumentos autoritários, práticas que interditam a fala antes que ela aconteça, e isso só produz recalcamento. O sujeito pára de falar apenas porque foi censurado, mas continua funcionando do mesmo modo e agora, sem um lugar onde possa tratar disso. E não é necessário ser psicanalista para entender o que acontece com o que foi recalcado sem ser simbolizado – com a linguagem, com a cultura, com a arte, com a política – ele retorna, e retorna como sintoma ou como passagem ao ato.

Fonte: encurtador.com.br/aswCM

O Bolsoplanismo é o nosso “retorno no recalcado”, e se não soubermos tratar disso pela via simbólica, vai nos restar passar ao ato, eternamente

Mas eu tenho uma reserva ao meu sim, sobre essa oportunidade que estamos tendo de escancarar nosso Bolsoplanismo. É que muitas das pessoas que aderiram a tal discurso, aderiram a ele movidas por adesão a uma crença. E o problema da crença é que ela não está aberta ao diálogo. Quanto mais você questiona um crente, mais ele vai precisar reforçar sua crença. A crença não é dialógica, a crença não pode duvidar, por isso, quando ela se liga a política, faz um estrago enorme. O discurso político é o reverso do discurso da crença – são excludentes. Não por acaso Bolsonaro precisa do “Deus acima de todos” para se autorizar.

Por isso, haverá sim, eu penso, um limite para o diálogo com parte da população que aderiu ao Bolsoplanismo pelo mecanismo da crença, do cinismo ou da perversão. Para esses, assim como para o próprio Bolsonaro e sua prole, só funcionará a lei interditora que determina o limite do que é tolerável. Para esses, não haverá negociação, será necessário uma interdição vinda de de fora (pela via das leis, das instituições e dos mecanismos democráticos), a fim de impedir que exibam perversamente a morte, a estupidez, homofobia, racismo, violência,  misoginia e tudo isso que nosso processo civilizatório vem tentando tratar.

Resumindo, uma parte das nossas mazelas poderá ser tratada por meio do simbólico – debate, política, ciência, educação, arte, diálogo – todas as armas serão necessárias. Mas outra parte, infelizmente, dependerá do fim do governo Bolsonaro para voltar para o esgoto, de onde nunca deveria ter saído.

Precisamos dar um fim a esse governo. Não é possível sustentar um governo que goza com nossa humilhação, morte e miséria.

Fonte: encurtador.com.br/uvA08
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Bolsonarismo: que estratégia político-terapêutica para um governo deliroide?

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Não acho prudente, nem ético, usar a psicanálise para diagnosticar ou analisar pessoas fora do meu consultório, mas é totalmente possível ou aceitável utilizá-la para analisar conjunturas político-sociais. Mas, nem é preciso entender de psicologia para perceber que o Bolsonarismo tem um componente deliroide bastante forte. As tão faladas “Fake News” exemplificam muito bem o que eu chamo aqui de deliroide: verdades construídas a partir de fragmentos ou de indícios de realidade e tornadas verdades universais.

Eu trabalho no campo da saúde mental há mais de 20 anos, e se tem uma coisa que aprendi com esse trabalho é que o delírio não pode ser desmontado por uma simples confrontação com a realidade ou com racionalidade. Se o sujeito, em franco delírio, chega até você afirmando que tem um chip instalado na cabeça e através do qual se comunica com extraterrestres, não há absolutamente nada que se diga que mudará sua perspectiva de realidade. Nem que eu lhe mostre uma ressonância magnética do próprio crânio, ou que seja possível abrir sua cabeça para mostrar que não há nada lá, ele não se demoverá de sua verdade. Isso pelo simples fato de que aceitar desmontar tal delírio, seria desmontar a si próprio, já que, naquele momento, por uma fragilidade simbólica, o sujeito encontra-se totalmente assentado sobre aquela verdade. Se ela cair, ele cai junto. Freud dizia que os psicóticos amam o próprio delírio como a si mesmos. Resumindo, é isso.

Fonte: encurtador.com.br/jlmC0

Clarice Lispector diria isso assim: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.

Tempos atrás li um artigo do Javier Salas no El País, sobre o terraplanismo intitulado: “Você não pode convencer um terraplanista e isso deveria te preocupar”. Os terraplanistas, afirma Salas, simplesmente acreditam que a Terra é plana, e qualquer dado que possa prová-los do contrário é simplesmente ignorado ou considerado manipulação de conspiradores.  Obviamente que não é possível dizer que todos os terraplanistas são psicóticos ou doentes mentais, mas certamente, podemos falar de um empobrecimento ou fragilidade simbólicas, o que favorece o discurso que chamei de deliroide, ainda que ele não seja rigorosamente delirante.

Fonte: encurtador.com.br/mFL79

Voltamos ao Bolsonarismo, fortemente fundamentado num discurso deliroide, reforçado pela sua reprodução maciça nas redes sociais. Se o clã Bolsonaro está se aproveitando do discurso deliroide ou se acredita mesmo nele, eu não saberia dizer. O fato é que ele tem sabido utilizá-lo muito bem, desde a campanha eleitoral, e também tem sido bastante competente em agregar a si personagens igualmente deliroides (nem é necessário citá-los um a um). Diante disso, não há debate político possível. Não há racionalidade que possa confrontar os argumentos do Bolsoplanismo. Então, o que fazer? Que estratégias utilizaremos?

O que posso dizer a partir do que estudei e pratiquei todos esses anos é que, se não é possível desmentir um delírio, é possível desconstruí-lo pouco a pouco, parte por parte. Fazer pequenos furos, abalar algumas verdades, duvidar, perguntar, são algumas das estratégias que utilizamos para ir minando a certeza do sujeito delirante, fazendo-o enxergar outras possibilidades. E é muito importante que ele encontre outras possibilidades, caso contrário, voltará para sua certeza delirante, que ao menos lhe assegura um lugar.

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Por que Bolsonaro precisou demitir Mandetta?

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A notícia bomba da semana foi a demissão do Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Ao que parece, Bolsonaro não dispensou o Ministro por erros de condução na política, e nem por impopularidade. Apesar de um histórico político nada afinado com a saúde pública, Mandetta, orientado pela Organização Mundial de Saúde e pela ciência especializada, soube ler o tamanho dos riscos da pandemia de Coronavírus e fazer bom uso da maior arma que tinha para combatê-la: o SUS. Desse modo soube liderar com serenidade e responsabilidade as ações do Ministério, inclusive aquelas que desagradavam o próprio presidente e a política econômica de Paulo Guedes. Além disso, Mandetta conseguiu um feito inédito no governo Bolsonaro, saiu da cadeira acumulando um índice de aprovação de 76%.

Resumindo, Mandetta foi demitido por conseguir fazer o que Bolsonaro jamais conseguiu fazer como líder maior da Nação: fazer bom uso das instituições, manter um discurso coerente e responsável, liderar politicamente e alcançar uma popularidade que garantisse a representatividade democrática.

Só que Bolsonaro não teve o sucesso de Mandetta apenas por falta de habilidade, competência e cognição. Bolsonaro jamais será capaz de fazer algo assim porque este não é, nem nunca foi seu estilo de liderança. O Bolsonarismo governa por um outro método: o método fascista.

Fonte: encurtador.com.br/frNPR

Existe uma confusão que não deveríamos fazer entre Estado Fascista e Estado Autoritário ou Totalitário. A característica mais importante do Fascismo não é o autoritarismo, mas a colonização e a gestão permanente da iminência de uma revolução. O interesse do Fascismo não é pelo controle racional da população por meio da força política ou de gestão do Estado, como fazem os Estados Autoritários, o que o Fascismo pretende controlar são nossos afetos.

Sendo assim, para manter os afetos das massas sob seu controle, o Estado Fascista precisa ser o maior produtor desses mesmos afetos, especialmente medo e ódio – nossos afetos mais primitivos. Para evitar o medo e se proteger do ódio, as massas aceitam qualquer tipo de liderança. O líder fascista promete cuidar das massas mas, de fato, o que ele oferece é ainda mais medo e ódio. Portanto, sua aposta é sempre no caos. Só assim ele se mantém permanentemente necessário, ofertando uma promessa jamais cumprida de proteção e cuidado. O Estado Fascista precisa se manter em movimento perpétuo de guerra.

Por isso, o fascismo combina muito bem com as propostas das economias liberais: desmontar políticas públicas, destruir os sistemas de proteção social, enfraquecer conselhos e outras redes de controle social. A promessa é reduzir o “peso” do Estado na vida do cidadão e dar a ele maior “liberdade”, mas, na verdade, o objetivo é apenas vulnerabilizar as pessoas e fragilizar os laços sociais, ou seja, manter o medo e o ódio na ordem do dia.

Fonte: encurtador.com.br/frNPR

Mandetta precisou ser demitido, porque interviu fazendo laço e acalmando os ódios.

Mandetta precisou ser demitido, porque reduziu a circulação do medo.

Mandetta precisou ser demitido, porque chamou a atenção pela racionalidade do seu discurso e não por suas sandices.

Mandetta precisou ser demitido, porque ameaçava ordenar o caos.

E assim, Mandetta demonstrou à sociedade brasileira, na prática, que a despeito de toda a polarização política, de todo o ódio que foi plantado, ou de todas as mentiras e delírios que circularam nos últimos anos, 76% da população brasileira deseja apostar nas suas instituições, na ciência, na verdade e no debate político racional. Eu não nutro nenhuma simpatia pelo Mandetta – não me esqueci que ele foi um dos responsáveis pela queda do governo Dilma e que alimentou esse monstro que está nos devorando hoje – mas é preciso admitir que ele soube fazer o que um líder democrata deve fazer: se servir das instituições e da racionalidade científica e política, para catalisar o desejo da população em prol da vida da coletividade.

A gestão de Mandetta anunciou o seguinte: a maioria da população brasileira não deseja e nem merece um governo fascista. A maioria de nós não está disposto a morrer em nome da ignorância ou da estupidez de alguns. A maioria de nós acredita na ciência e nas instituições que criamos para cuidar da coletividade. A maioria de nós sabe sim superar a dicotomia petralhas x bolsominions, quando vemos alguém sustentar um discurso coerente e responsável. A maioria de nós sabe que Bolsonaro não está investido de nenhum poder divino que possa resolver o problema que estamos enfrentando.

Eu não sei como fazer isso, mas é hora de, no nosso dia a dia, identificar os que fazem parte desses 24% da população e ignorá-los solenemente. Ignorá-los presencialmente e virtualmente. Deixá-los falando sozinhos. Bloqueá-los. Não pronunciar seus nomes, não lhes dirigir nem mesmo nosso ódio ou nosso medo. É desses afetos que o Bolsonarismo se alimenta e nos mantém reféns.

Eu não faço ideia de como mobilizar isso coletivamente, mas é isso que deveríamos fazer, e rápido.

Fonte: encurtador.com.br/frNPR
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Todos os afetos de um país cronicamente inviável no documentário “Democracia em Vertigem”

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Concorre com 1 indicação ao OSCAR:

Melhor Documentário

Com estreia mundial no Festival de Cinema de Sundance desse ano e aclamado pelo New York Times como um dos melhores filmes do ano, esse não é um documentário comum.

Indicado ao Oscar de Melhor Documentário, “Democracia em Vertigem” (2019, disponível na Netflix), dirigido por Petra Costa, não é uma produção comum do gênero. A cronologia dos fatos que levaram o País da ditadura militar aos governos de centro-esquerda de Lula e Dilma é apenas o cenário para outro tema mais profundo: por que a elite de repente se cansou da Democracia e do Estado de Direito e virou o tabuleiro, envenenando corações e mentes com ódio e polarização? A câmera de Petra Costa e sua melancólica narração buscam nas imagens oficiais e de bastidores aquilo que Roland Barthes chamava de “punctum”: detalhes que nos afetam, cortam e ferem.

Pequenos detalhes em imagens (gestos, falas, atitudes, olhares etc.) que, em vários momentos do documentário, parecem expressar secretamente o que estava reservado para o futuro do País. “Democracia em Vertigem” lida principalmente com afetos em um país cronicamente inviável – sob a superfície mutante da política estão personagens que sempre estiveram lá, desde que um golpe militar instituiu a República: a elite financeira, midiática e empresarial. A democracia brasileira foi fundada no esquecimento.

Fonte: https://bit.ly/2NUQPki

O semiólogo Roland Barthes dizia que “o discurso está exausto de tanto produzir sentido”. Por isso, Barthes queria viver o saber com um outro jeito, que ele denominava como “saber com sabor”. Mesmo que esse sabor seja amargo, como no documentário Democracia em Vertigem (2019), dirigido por Petra Costa, sobre como chegamos a atual crise política brasileira, narrando a ascensão e queda dos governos trabalhistas a partir da eleição de Lula em 2003. Com estreia mundial no Festival de Cinema de Sundance desse ano e aclamado pelo New York Times como um dos melhores filmes do ano, esse não é um documentário comum. Seguramente, o documentário de Petra Costa está ao nível do histórico Corações e Mentes (Oscar de melhor documentário de 1975), lançado no momento em que os EUA se ressentiam da ferida aberta da Guerra do Vietnã.

Democracia em Vertigem também é lançado no momento em que a dolorosa ferida da crise brasileira está aberta e exposta para todo o planeta. Porém, vai para além de um documentário político tradicional que busca repostas racionais para explicar processos. O documentário não se limita a fazer uma cronologia dos fatos do breve período de ascensão e queda da democracia brasileira pós-ditadura militar.  Estes parecem ser apenas um pano de fundo para outra coisa que Petra Costa busca. Ela quer expressar o sabor amargo, resultante do impacto do fim da breve experiência democrática brasileira, na sua própria vida familiar. E transformar essa experiência numa pequena amostragem da tragédia nacional.

A diretora não pretende ser uma mera editora de imagens e entrevistas com os personagens de uma tragédia política – Petra que imergir no próprio objeto que pretende filmar. Ser uma observadora participante que, assim como nós, sentiu nas próprias relações familiares e de amizades a polarização psíquica e ideológica que transformou a democracia brasileira num pequeno lapso em um país cronicamente inviável.

Fonte: https://bit.ly/36lwXgr

O “punctum” nas imagens históricas

Não sei se a cineasta já leu o livro de Roland Barthes, “A Câmera Clara”, mas o seu documentário parece seguir o método do olhar crítico e semiológico do francês: Democracia em Vertigem evita ser apenas um documentário com imagens montadas para serem preenchidas com moralismo, sentimentalismo ou ideologia – isso seria nada mais do que aquilo que Barthes chamava de studium: imagens para serem sobrecodificadas e que apenas anestesiam o observador.

Pelo contrário, Petra Costa quer atingir o punctum das imagens dos eventos que reporta:  aquilo que é pungente, que corta, fere, sensibiliza, alfineta. Em síntese, aquilo que é pungente. Mostrar todos os afetos da tragédia brasileira – no duplo sentido de “afeto”: tanto como “sentimento” como aquilo que nos afeta, atinge, a afecção. Para tanto, a cineasta não podia ser apenas uma observadora imparcial que tudo apenas relata, monta e edita. Petra tinha que também cair de cabeça no drama político. Principalmente porque ela e sua família são ao mesmo tempo sujeitos e objetos do que ela pretendia narrar: os pais, militantes de esquerda em um família conservadora de Minas Gerais – filha de Marília de Andrade, herdeira da Construtora Andrade Gutierrez, cujos financiamentos de campanhas políticas foi o pretexto para a derrubada do PT, que conduziria ao impeachment de 2016 que abriria caminho para a chegada da extrema-direita ao Poder.

O Documentário

Democracia em Vertigem abre e encerra a narrativa com o evento emblemático que selou o destino da democracia brasileira:  cercado pela militância e populares no Sindicatos dos Metalúrgicos em São Bernardo/SP que não aceitavam a rendição de Lula e estavam dispostos a resistir até o fim, o líder petista se entregou à imolação pública ao vivo, em rede nacional, para ser levado ao cárcere da Polícia Federal em Curitiba. A questão é: por que tudo acabou ali, daquela maneira, como a fatalidade de algum tipo de destino manifesto brasileiro? Como dois presidentes, Lula que encerrou o mandato com 87% de aprovação e Dilma, que em poucos dias caiu de 57% para 30%, acabaram se tornando alvo de tanto ódio coletivo, fraturando politicamente o País?

Fonte: https://bit.ly/38DWJ1b

Petra Costa começa fazendo uma cronologia de eventos, desde as mortes e torturas na ditadura militar, passando pelas grandes greves do ABC e o surgimento da liderança de Lula até chegar às Diretas Já e a redemocratização. Porém, a cineasta dispara: “a democracia brasileira foi fundada no esquecimento”. No esquecimento de quê? De duas feridas que jamais foram cicatrizadas pela história política brasileira: a escravidão e os crimes praticados pelos militares – até aqui nunca foram punidos. Num país cuja República foi criada a partir de um golpe militar em 1889, jamais a nação teve forças para fazer um acerto de contas consigo mesma.

Por isso, a narrativa em voz over de Petra Costa tem um tom propositalmente triste, melancólico. E não poupa a si mesma: em vários momentos ela destaca que sua família também faz parte desta mesma elite que perpetua a tragédia. A história brasileira cruza com a história de sua própria família. Constantemente os relatos históricos se interpenetram com os depoimentos da sua mãe, vídeos e fotos de família. Por exemplo, de como sua família conservadora se preparava para se mudar para os EUA assustada com as reformas de base propostas por João Goulart. Até sofrer o golpe militar em 1964, fazendo a família permanecer no país e lucrar muito, seja com as obras faraônicas daquele período, seja com a construção das arenas da Copa 2014.

Detalhes que anteviam o futuro

Obras públicas e corrupção sempre foram sinônimas em toda a história brasileira, destaca o documentário. Por isso, a fatalidade nacional manifesta tem que ser buscada no críptico diálogo que o documentário narra: certa vez no Palácio dos Bandeirantes um político vê surpreso um empresário. “Você, por aqui?”, disparou. “Eu sempre estive aqui, vocês políticos é que sempre se mudam”, respondeu o empresário. Os Banqueiros (os credores do Estado), as famílias proprietárias da grande mídia (os defensores do Estado) e as construtoras (responsáveis pelo aço e cimento da infraestrutura do Estado) são aqueles que sempre estiveram ali, bancando a democracia e a república. Mas, como destaca Petra Costa, “às vezes eles se cansam da democracia”. E o tabuleiro tem que ser virado para recolocar as peças nos lugares – os políticos.

Fonte: https://bit.ly/2NUZhjn

As imagens dos bastidores que levaram à derrocada de Dilma e a prisão de Lula são riquíssimas de simbolismos e interpretações: vemos José Eduardo Cardoso, o advogado de Dilma no processo de impeachment, como alguém que parecia apenas querer salvar a própria biografia – tanto a sua defesa no Congresso quanto sua rápida entrevista ao lado de Dilma não passam paixão, envolvimento ou mesmo indignação. Sempre parece distante, apático. Enquanto Dilma tenta manter o olhar altivo diante de verdadeiras hienas sedentas por carniça, no que se transformou o Congresso – a certa altura, vemos em contra luz deputados indo embora após a vitória, no estacionamento do Congresso, gritando, correndo e pulando, como crianças depois de zoar com a campainha do vizinho.

Acompanhamos funcionários do Palácio da Alvorada, nordestinos e negros, limpando o Palácio após o impeachment, com depoimentos em que descrevem o desencanto com a democracia. O mesmo Palácio no qual Temer não conseguiria passar uma semana: sem conseguir dormir, desistiu de morar ali durante o seu curto mandato – os fantasmas da consciência o atormentavam…

A câmera de Petra Costa se detém em duas placas no Palácio da Alvorada, comemorativas das duas grandes restaurações: uma no governo Collor e outra no governo Lula. Em uma diferença de quase duas décadas, estão ali a Andrade Gutierrez e outras mesmas empresas. Sempre estiveram e estão lá no Poder. Embora, para poderem virar o tabuleiro para reorganizar as peças e afastar a esquerda do Poder, tivessem que sacrificar alguns deles na Operação Lava Jato. A voz melancólica de Petra Costa e o paralelo que traça do seu crescimento da infância a vida adulta com a própria trajetória do fracasso da redemocratização são pungentes.

Fonte: https://bit.ly/30MvaA5

Corações e mentes

Mas a principal revelação do documentário (cujo tema está estampado no próprio pôster da produção), foi como a incipiente democracia brasileira foi arruinada pela guerra híbrida dos EUA (cujas origens estão na descoberta da camada do pré-sal, “ao mesmo tempo benção e maldição para o País”), utilizando-se da operação psicológica da polarização de corações e mentes. E como essa polarização impactou a própria família da cineasta – a divisão entre os pais esquerdistas e o restante da família eleitora em Bolsonaro. E a mea-culpa de Lula e do ex-secretário da presidência, Gilberto Carvalho, de não terem feito a Lei dos Meios, a Reforma Política e trocado a militância pela política institucional de coalizão. Quando descobriram isso, já era muito tarde.

Mas essas avaliações sobre os erros políticos do PT é o que menos importam para Petra Costa. São apenas abordados de passagem em poucas cenas. Seu foco está no punctum das imagens históricas, tanto de bastidores como as dos telejornais: como a câmera detalha flagrantes e a voz de Petra salienta detalhes que parece nos alfinetar, afetar de maneira profunda. Como a sequência da primeira posse de Dilma em 2011, de mãos dadas com Lula descendo a rampa do Palácio do Planalto, ladeado por um Temer tenso, mãos crispadas apertando uma na outra. Para depois dar uma volta por trás, para tentar também sair nas fotos que buscavam apenas Lula e Dilma.

Em vários momentos no documentário percebemos que todo o futuro parecia já estar antevisto em detalhes como esses. Essa é a grande virtude de Democracia em Vertigem: os fatos históricos funcionam no documentário apenas como cenários para uma outra questão – como a elite brasileira de repente cansou-se da Democracia e do Estado de Direito e conseguiu virar o tabuleiro envenenando psiquicamente uma nação com o ódio e a divisão de familiares e amigos.

Fonte: https://bit.ly/2RHDtsN

Para terminar com a caixa de Pandora aberta (a eleição de Bolsonaro) e uma pergunta: de onde encontrar forças para começar de novo?

FICHA TÉCNICA:

DEMOCRACIA EM VERTIGEM

Diretor: Petra Costa
Roteiro: Petra Costa e Daniela Capelato
Elenco: Entrevistas com Dilma, Lula, Gilberto Carvalho, José Eduardo Cardoso, Li An (mãe da diretora);
Gênero: Documentário
País: Brasil
Ano: 2019

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Bolsonaro e a Destruição da Amazônia

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Até quando o sujeito capitalista colocara o lucro acima de tudo e todos?

No dia de hoje, 27 de agosto de 2019, a Amazônia queima. De acordo com a página de notícias da UOL (2019), até o dia 20 de agosto foram registrados mais de 23 mil focos de incêndio. Esse cenário de destruição tem preocupado pessoas no Brasil e ao redor do mundo, fazendo com que aqueles que ainda se importam com a preservação ambiental, iniciem campanhas em favor da defesa da maior floresta do mundo.

Mas o que tem colaborado para essa destruição em massa? Por que em pleno século XXI, com o conhecimento que se tem sobre aquecimento global, derretimento das geleiras, poluição do ar e extinção de animais, o ser humano insiste em agredir o planeta Terra dessa forma?
Muitas respostas podem ser dadas a tais perguntas, e a maioria delas se relacionam com um sentimento específico, a ganância, ou a avareza, um dos sete pecados capitais. O indivíduo avarento tem sido responsável por grandes prejuízos ao planeta, colaborando assim para a piora da vida humana.

É possível nomear o período em que a avareza acertou o homem em cheio, ele se chama Capitalismo. Soares, Navarro e Ferreira (2004, p. 43) trazem que “O capitalismo subsidiado pela ciência e pela tecnologia moderna consolidou processos de desumanização da natureza e desnaturamento do homem.”, deixando claro o quanto a obtenção de riquezas através da exploração natural se colocava como objetivo maior no coração dos seres humanos.

Fonte: NASA

O capitalismo surgiu no século XV, quando o sistema econômico feudal faliu. Portanto, historicamente, ele possui mais de 400 anos de existência. 400 anos de existência baseados no ponto chave desse sistema, o lucro! Mas então, o que ficou de aprendizado desses 400 anos? Especialmente em relação a consciência ambiental, algo foi aprendido?

Quando se pensa em consciência ambiental, a primeira coisa que vem a mente é a preservação da natureza, o que não deixa de estar certo. Entretanto, o conceito de consciência ambiental é muito mais vasto do que isso, englobando e correlacionando muitas áreas da vida humana. Soares, Navarro e Ferreira (2004, p. 44) conseguem resumir muito bem dizendo

A relação campo e cidade, as desigualdades sociais, a consolidação de uma sociedade excludente estão associadas à corrupção ambiental, cujo resulto visível está nas favelas, na devastação ambiental, nas cidades problemáticas, nos refugiados ambientais, na violência urbana, no desemprego, na perda de valores associados ao trabalho e a construção de benefícios coletivos, na falta de credibilidade que é público, no abandono de crianças e adolescentes, fatores que configuram a busca de sobrevivências imediatas e dos valores descartáveis, descartáveis tais como os produtos expostos nas vitrines, produtos que consomem uma enorme variedade de recursos extraídos da natureza, que não são oferecidos como necessidades, mas como fetiche, como substitutos de egos, que se tornaram emblemáticos na sociedade de consumo que se traduz como democrática, pois teoricamente, todo esse poder ter está ao alcance dos ricos e dos pobres.

Dessa forma, ao pensar a existência humana no planeta Terra, entende-se que esta encontra-se diretamente relacionada às condições ambientais do lugar em que vive. E que a ganância em possuir mais riqueza, tem feito com que os indivíduos literalmente queimem suas próprias vidas.
No Brasil, as disputas de lados políticos tem cegado os cidadãos. Tal cegueira tem os impedido de verem que não importa se você é de direita, esquerda ou centro, no final, todos estarão sujeitos às consequências da destruição dos recursos ambientais.

Fonte: encurtador.com.br/cilqK

Frente a isso, vale a pena observar-se as ações que já foram feitas contra o meio ambiente nesses 8 meses do novo governo. Começando pelo desmonte do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que está sendo alvo constante das ações impensadas do presidente Jair Messias Bolsonaro. Tais atitudes de Bolsonaro tem colaborado para a diminuição das fiscalizações, o que consequentemente tem aumentado o desmatamento de áreas que antes estavam sob proteção do órgão.

Além disso, o presidente também iniciou uma liberação em larga escala de vários agrotóxicos que há muito tempo tinham seu uso proibido por causa da alta nocividade ao ecossistema e aos seres humanos. Essa decisão foi por ele justificada com a necessidade de impulsionar o agronegócio brasileiro, considerando tal lucratividade muito mais importante do que a saúde e bem-estar do povo brasileiro.

Como se não bastasse o estrago que já vem sendo feito, o governo trouxe a tona a questão do trabalho infantil como sendo bobagem, alegando que não existe trabalho infantil e que isso é só mais uma falácia de pessoas “vagabundas” que tem preguiça de trabalhar. Mais uma vez o lucro e o dinheiro são colocados como mais importantes, não importando o custo necessário para obtê-los.

Diante de tudo isso, a pergunta que precisa ser feita é “Até quando o sujeito capitalista colocara o lucro acima de tudo e todos?”. A resposta para essa pergunta envolve uma reflexão profunda, que acarretará na consciência de que se a destruição do meio ambiente continuar, a vida humana também será destruída. E qual o objetivo de tudo isso? Se o fim será falta de qualidade de vida, poluição e morte.

REFERÊNCIAS:
SOARES, Bernardo Elias Correa; NAVARRO, Marli Albuquerque; FERREIRA, Aldo Pacheco. Desenvolvimento sustentado e consciência ambiental: natureza, sociedade e racionalidade. Ciências & Cognição, Ilha do Fundão, v. 02, n. 1, p.42-49, jul. 2004. Disponível em: <http://cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/article/view/29>. Acesso em: 26 ago. 2019.

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O show que nunca termina: a guerra semiótica criptografada do clã Bolsonaro

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Bolsonaro confortavelmente continua o seu costumeiro discurso monofásico como se ainda estivesse numa disputa eleitoral

Muitos afirmam que o governo atual delibera através do Twitter. Parece que essas opiniões estão prisioneiras de uma aparência. Na verdade, esse governo se orienta principalmente pela estratégia de ocupação da pauta midiática de todo o espectro político. O capitão que posta “Xvídeos”?; “Golden Showers?”; declarações de que a democracia só existe por uma benesse das Forças Armadas? É um show que começou em setembro do ano passado e jamais termina: quase diariamente a irresponsabilidade retórica típica de uma eleição persiste num governo já eleito. Uma tática semiótica criptografada: criação sistemática de dissonâncias para cativar a atenção de toda a midiosfera. Enquanto isso, os movimentos da política executiva de terra arrasada seguem em frente, sem a devida atenção da opinião pública. A grande mídia participa do jogo para criar uma aparência de imparcialidade e se livrar de uma cobertura monofásica das “reformas”. E a esquerda perde suas energias com o doce sabor do prato frio da vingança oferecido de bandeja para ela.

No cenário do rock dos anos 1970, o power trio Emerson, Lake & Palmer ocupava uma posição especial, rivalizando com outros super grupos da época como Gênesis, Yes e Led Zeppelin. Seus shows começavam com uma emblemática introdução: “Welcome back my friends to the show that never ends… ladies and gentlemen, Emerson, Lake & Palmer!”.

Guardadas as devidas analogias, e obviamente sem o talento daquele trio de exímios músicos, cada tuite ou declaração de Bolsonaro deveria ser iniciado com a mesma introdução daqueles shows do ELP: “bem-vindos ao show que nunca termina…”.

Simplesmente, desde o dia 8 de setembro do ano passado, a campanha eleitoral do capitão da reserva insiste em não terminar. Ele e seu clã persistem em fazer ataques e provocações ideológicas, em viverem num constante estado de urgência diante de inimigos imaginários criados desde o primeiro dia de campanha eleitoral: a esquerda, o politicamente correto, os globalistas, a ditadura LGBT, o comunismo, a Venezuela, os agentes do comunismo internacional treinados na Rússia e infiltrados na imprensa brasileira, tudo ad nauseum…

Dando continuidade a esse show que nunca termina, o clã Bolsonaro denuncia o “golden shower” dos blocos de carnaval (“a verdade do carnaval”, tuitou o capitão), através de um vídeo ao melhor estilo “XVídeos”, que ameaçam homens de bem, a família e a pátria.

E tal qual uma máquina de promoção diária de “caneladas”, no dia seguinte, em discurso na cerimônia do Corpo de Fuzileiros Navais do RJ, afirmou que “só existe democracia se as Forças armadas assim quiserem”.

O que aumenta ainda mais a temperatura da pauta tanto da grande mídia quanto da alternativa na blogosfera: supostamente, militares “intervieram” na fala “dúbia” do presidente. Provocado por jornalistas, o vice General Mourão dispara que “não é ventríloquo do presidente”, para depois de ser mais ainda pressionado por uma declaração, afirmou: “ele foi mal interpretado…”.

Guerra criptografada?

Se após as vitórias de eleições recentes, os candidatos vitoriosos tentavam implementar no governo, o mais rápido possível, a pauta executiva para se contrapor ao “terceiro turno” dos inconformados derrotados (Aécio Neves tentando impugnar os resultados no TSE, por exemplo), hoje Bolsonaro confortavelmente continua o seu costumeiro discurso monofásico como se ainda estivesse numa disputa eleitoral onde a irresponsabilidade retórica predomina como estratégia de gerar efeitos emocionais nos eleitores.

É necessário mais uma vez lembrar a colocação do antropólogo Piero Leiner, professor da Universidade de São Carlos/SP e estudioso das estratégias militares: a estratégia de propaganda do atual governo de ocupação “é muito mais uma estratégia de criptografia e controle de categorias, através de um conjunto de informações dissonantes” (clique aqui).


Os excluídos: nem para sempre explorados servirão

Seria esse “show que nunca termina” uma proposital guerra semiótica criptografada? Se sim, seria bem diferente das estratégias anteriores nas quais bombas semióticas são detonadas para enfraquecer o oponente. Ao contrário, essa deliberada criação de dissonâncias (“caneladas”) criaria uma simulação de que a unidade do atual governo estaria se desmoronando.

Lembre-se: o capitão da reserva só chegou ao poder para implementar o “saco de maldades”, conjuntos das amargas “reformas” neoliberais para definitivamente colocar o Brasil na órbita de influência da geopolítica dos EUA – rebaixar o País a uma economia de exportação de commodities, desindustrializada e financeirizada, com vasta força de trabalho desempregada e excluída (isto é, não serve nem mais para ser explorada) condenada ao bombardeio midiático diário de receitas consoladoras de autoajuda: “reinvente-se no empreendedorismo!”, seja “patrão de si mesmo!”, exortam.

Ou simplesmente morra pela deliberada política de redução populacional (afinal, é a pauta da agenda da verdadeira política neoliberal de Globalização – não aquela dos “marxistas culturais”…) através da destruição das garantias e direitos.

Nas poucas vezes em que o noticiário dá espaço às reais medidas executivas do atual governo, não vemos exatamente projetos, mas política de terra arrasada: acabar, reduzir, enxugar, desfazer, eliminar, fundir, diminuir, tirar e assim por diante. Um léxico não exatamente popular e que jamais ganharia uma eleição.

Prestidigitação

Por isso, tal qual um mágico prestidigitador cujo gestual de uma das mãos distrai e esconde a outra que tira a carta do bolso do colete, o interminável show de dissonâncias cria o desvio de atenção necessário. Se funcionou na campanha eleitoral, porque não funcionaria com um presidente que “governa” através do Twitter? Afinal, seus arroubos ocupam a pauta midiática, em todas as gradações do espectro político.

Para a esquerda, que não consegue se libertar da sua “síndrome de Brian” (sobre essa patologia política clique aqui), é uma oportunidade de revanche, vingança – o doce sabor de escorraçar um presidente limítrofe, sem nenhum senso de pudor ou consciência da liturgia do cargo que ocupa.

Por exemplo, sem a menor cerimônia passa a celebrar as “informações de bastidores” por trás da “crise” do “Golden Shower” publicadas em matéria de capa da revista “Veja”. A mesma revista acusada de fazer “jornalismo de esgoto” por anos de guerra contra os governos trabalhistas de esquerda que agora ironicamente cita como arma de denuncia – clique aqui.

O presidente desinterino Temer ocupou no passado recente esse mesmo papel de “boi de piranha” – suas mesóclises parnasianas, sua pomposidade provinciana em eventos internacionais, etc. Figurado como um vampiro que sugava a esperança da Nação, serviu de para- raio para garantir a eficácia do primeiro ato do ataque das maldades neoliberais, fora do foco da opinião pública.

Troca de passes mídia/clã Bolsonaro

Além disso, a guerra semiótica criptografada é uma ótima oportunidade para o também interminável controle de danos da imagem da grande mídia, após os anos de jornalismo de guerra cujo resultado é esse cenário que está diante de nós.

A troca de passes atual que a mídia corporativa faz com as dissonâncias produzidas artificialmente pelo clã Bolsonaro cria a deixa ideal para os apresentadores e analistas políticos midiáticos posarem de imparciais quando criticam as “falas desnecessárias” do capitão, destacam os “cala a boca” do general Mourão e discutem as “repercussões” na base de apoio do Congresso.

Aliás, essa é a deixa principal para, mais uma vez, turbinar as chantagens pelas “reformas” – como o mal-estar no Congresso provocado pelas bravatas e pitacos de Bolsonaro podem atrapalhar as supostas urgências para solucionar o buraco na Previdência.

Mas grande parte da pauta da mídia passa a ser sistematicamente ocupada pelas dissonâncias praticamente diárias produzidas pelo clã Bolsonaro. Essa estratégia de agendamento proposital livra também a grande mídia da sua cobertura monofásica das soluções neoliberais.

Sem dar espaço para o contraditório e entrevistando apenas economistas de empresas de investimento do mercado financeiro, os telejornais tornam-se enfadonhos, repetitivos, martelando sempre na mesma tecla da chantagem e da ameaça do abismo.

Simplesmente desapareceram das informações de pauta das matérias jornalísticas os economistas de centrais sindicais ou associações classistas comerciais ou industriais. Só existe o mercado financeiro – afinal, a grande mídia virou rentista.

Falar mal do limítrofe Bolsonaro é mais divertido, criando uma aparência de debate e imparcialidade. E para a esquerda, nada mais representa do que o prato frio da vingança.

Aliás, essa guerra criptografada de dissonâncias e caneladas parece hipnotizar a esquerda. Simplesmente ela não consegue superar a cena traumática da derrota de 2018, quando naquele momento as bolhas das redes sociais e das manifestações do “Ele Não!” indicavam uma virada na reta final.

Sem conseguir sair dessa armadilha de agendamento da pauta sob o bombardeio dos petardos criptografados, não consegue concentrar suas energias na criação de um “terceiro turno” que tomaria conta do espaço público com todas as formas de mobilizações e protestos (greves, guerrilhas semióticas anti-mídia – clique aqui, ocupações de protestos, desobediência civil etc.).

Todos parecem prisioneiros dessa matrix criada pela guerra semiótica de criação sistemática de dissonâncias, cativos desse show que nunca termina.

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Por que há mulheres que votam em Bolsonaro?

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Um dos grandes feitos de Freud foi entender que aquilo que se manifesta na singularidade de cada sujeito, também pode ser lido no campo da cultura. É nesse sentido que o inconsciente para a psicanálise, não é algo que está nas profundezas da nossa intimidade, o inconsciente está na superfície, pairando sobre nós.

Assim sendo, para compreender nosso caldo social às vésperas da eleição, decidi procurar entender como os possíveis eleitores do Bolsonaro pensam e como justificam o próprio voto. Que propostas ou características do candidato os seduziram? O que esperam do mesmo, caso eleito? Essas foram minhas perguntas básicas e, para respondê-las, me dispus a conversar com alguns de seus potenciais eleitores e os “stalkeei” no Facebook tentando apreender suas ideias. Na verdade, eleitoras; escolhi apenas mulheres.

Fonte: https://bit.ly/2xYXaT4

Desse modo, analisados por minha lupa, as possíveis eleitoras de Bolsonaro que “escutei” são movidas, principalmente, por duas vertentes do discurso do candidato: aquela relacionada à segurança pública: facilitação do porte de arma, redução da maioridade penal e maior rigidez com criminosos. E a que possui apelo moral: dizer não a “ideologia de gênero” (elas realmente acreditam no tal “kit gay”), ou a quaisquer outros modos de exposição da sociedade a temas relacionados à sexualidade.

Ora, podemos extrair desses temas, nada mais do que as duas questões que mais tememos, exatamente pela dificuldade de simbolizá-las, de explicá-las: a morte e o sexo. Morte e sexo são nossos maiores medos, diante deles somos todos desamparados; a psicanálise assim nos ensina. Desse modo, a motivação que leva essas eleitoras em direção à Bolsonaro é, basicamente, medo. Elas se sentem inseguras, desorientadas, fragilizadas e buscam alguém que vá socorrê-las.  E, psicologicamente falando, numa sociedade patriarcal como a nossa, qual é primeiro recurso usado para lidar com o medo e a insegurança? O pai.

Fonte: https://abr.ai/2QgWuQw

Freud dizia que a nostalgia do pai é como uma espécie de cicatriz resultante da fundação da cultura. Em algum momento mítico, foi necessário “matar o pai” para fundar uma sociedade de irmãos.  No entanto, a cicatriz que ficou deste assassinato, sempre nos faz, inconscientemente, mergulhar na nostalgia de um pai que cuide de nós e nos proteja. E em última instância, que nos proteja do sexo e da morte. E vale destacar que, quanto mais adoecida e fragilizada uma sociedade está, mais esta busca por um pai se torna iminente. Diante do desamparo: o pai – nosso recurso mais simples e mais infantil.

Mas, obviamente, que no caso da sociedade brasileira atual, este pai poderia ser evocado de muitos modos. Lula, não por acaso, chamado de “pai dos pobres”, também encarna ou encarnou este pai, tal como Bolsonaro hoje o encarna, para uma determinada parte da população. No entanto, existe uma diferença abissal entre o pai que Lula encarna e o pai que Bolsonaro encarna, vejamos:

Fonte: https://bit.ly/2NQwjTJ

Lula é um pai castrado (tem um dedo amputado, nordestino, de origem humilde), desconstruído, emotivo, um pai que faz a política do diálogo e da negociação. Lula apesar de ser um pai popular, é de longe um pai totalitário ou autoritário, ao contrário. Maquiavel dizia que um líder precisa ser amado ou temido. E se não conseguir ser amado, que seja temido. Lula soube ser amado e isso faz dele, obviamente, um pai mais saudável. Lula é um pai menos macho, mais feminino. Lula é devir-mulher, para usar o termo Deleuzeano.

Bolsonaro, por sua vez, é um pai macho, autoritário, tradicional, que fala o que quer sem medo de ser odiado. Tem fetiche por armas e abomina qualquer atitude ou comportamento feminino. Não por acaso considera a mulher “uma fraquejada” e os homossexuais um erro ser corrigido. Ao contrário de Lula, Bolsonaro precisa exercer sua autoridade pelo medo, para isso, é capaz de ser agressivo com as mulheres e com seus filhos. Reprimir a sexualidade deles, obviamente, também é uma estratégia de poder. Para exercer poder sem amor é preciso incitar medo e controlar o corpo.

Fonte: https://bit.ly/2P2QCKw

Faz algum tempo que nós perdemos o pai que amamos… Perdemos, num primeiro momento, com o fim do seu mandato, e perdemos, num segundo momento, com sua desconstrução simbólica até a prisão, que não conseguiu ser resgatada para disputar as eleições. Além disso, o fracasso político do segundo governo Dilma – contestado logo no dia seguinte do resultado das urnas – seguido do golpe parlamentar, jogou o Brasil num descrédito total em suas instituições, e a uma insegurança política que a sociedade sentiu, obviamente. “Bagunça”, “caos”, “libertinagem”, “confusão”, foram os substantivos mais usados pelas mulheres que justificaram comigo, o voto em Bolsonaro.

E foi assim que nossa política, sustentada nessa versão infantil da necessidade de um pai, e mergulhada no caos político, migrou de um pai amado, para um pai temido, de um pai castrado para um pai castrador. E no consultório de psicanálise, testemunhamos isso a todo tempo com nossos pacientes e suas queixas infantis: melhor um pai a quem eu preciso temer, do que pai nenhum.

Fonte: https://bit.ly/2NTujKH

Todavia, é obvio que sair da infância e da neurose coletiva é aprender a prescindir do pai para seguir adiante. Talvez Bolsonaro seja o último suspiro, a última tentativa de resgatar o pai forte e castrador da sociedade patriarcal. Na iminência da decadência do patriarcado, Bolsonaro é um último espasmo desesperado para resgatar o homem/chefe/ castrador, que mesmo que à custa da saúde mental e da integridade física de mulheres e filhos, promete botar “a casa em ordem”.  Bolsonaro é quase uma caricatura de homem, parece ter chegado do passado em uma máquina do tempo.

Pensando assim, não é por acaso que a força das mulheres tem sido e será fundamental no enfrentamento a Bolsonaro, sobretudo, a todo retrocesso que ele representa.  São as mulheres e os gays com sua castração à mostra que Bolsonaro teme, e com razão. Nós mostramos aquilo que ele não suporta deixar aparecer, daí sua postura sempre arrogante e agressiva, ou usando a autoridade de Deus como se o tivesse a tiracolo. É por isso que, mesmo rasgado e cortado no real do seu corpo, ainda no hospital, ele mostra os dedos em riste, a dizer que a castração não se deu, que ele continua fálico, poderoso e forte.

Fonte: https://bit.ly/2Iq9ctb

Talvez o feminismo nunca tenha sido tão urgente por aqui. Não o feminismo de regras e protocolos de comportamento, mas o feminismo de verdade, que é aquele que diz: “somos todos castrados” – homens e mulheres – portanto, ninguém será adorado ou respeitado simplesmente por erigir um falo, ainda que ele venha travestido de prepotência, promessa de leis mais rígidas ou porte de arma. Afinal, ninguém mais do que as mulheres e os gays sabem o que homems como Bolsonaro podem fazer tendo o poder nas mãos. Não pode haver medo suficiente que nos leve a sustentar um sujeito desses liderando nosso país. E quem sabe nosso voto, dessa vez, amadureça e avance para a escolha de alguém que nos represente, e não de alguém que cuide de nós?

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