Quando os jovens adoecem

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“Há tempos são os jovens que adoecem”, cantava Renato Russo, no fim dos anos de 1980. A letra, do álbum Quatro Estações, pode parecer muito melancólica, triste, mas ainda assim, estranhamente real e atual. Hoje, terça-feira, 20 de março de 2012, começou o outono, rapidamente chuvoso em Palmas. Nesta entrada do outono, no Brasil, quero usar um pouco da inspiração de Renato Russo, para pensar sobre por que “Os sonhos vêm e os sonhos vão”.

Certo é, não há nada perfeito. Quem disse que seria perfeito? Eu já ouvi esta frase várias vezes. E nem por isso, fiquei desiludida com a vida. Nos últimos tempos, pelo contrário, tenho buscado mais força para demonstrar a minha indignação com os desmandos, desrespeitos, indiferença, comodismo.

“Hoje o dia é tão bonito”. Renato falava de beleza, ao mesmo tempo que cantava a tristeza. Da solidão, falava de amor, de companhia. De um jeito único. Na mesma canção, um trecho ímpar, que diz um pouco do que milhares de famílias tem vivido no Brasil:

“Teu grito acordaria
Não só a tua casa
Mas a vizinhança inteira…”

Gritar e ser(ou não) ouvido, quando se perde alguém por falta de iniciativa de quem é, por LEI, obrigado a prestar socorro, nada mais é do que repartir a DOR. Clamar por respostas. Vimos isso nos últimos dias, aqui no Tocantins. E eu me refiro à questão da saúde pública, sim.

Mas, para outros aspectos, como por exemplo, infraestrutura nas cidades, médicos disponíveis para quem paga caros planos de saúde, uniforme para alunos nas escolas públicas, professores em sala de aula, salários atrasados, a gente pensa: – ah, dá pra esperar mais um pouco.

Será que dá?

Eu me recordo que no início dos anos de 1990, logo quando Fernando Collor assumiu o Palácio do Planalto, muita gente dizia: – é, a juventude não tem mais bandeira. Naquela época, talvez embalados também por Renato Russo, fomos às ruas. Usados ou não, fomos.

E hoje?

O que mobiliza os nossos jovens? Por que estão adoecendo, será que “o encanto está ausente e há ferrugem no sorriso”? O visionário candango(mas nascido carioca) acertou. E sequer chegou a vislumbrar parte das suas ‘profecias’. Coincidência ou não, se estivesse vivo, o compositor da minha adolescência, completaria 52 anos, em 27 de março.

Eu encerro esta reflexão-desabafo, com o trecho quase final da música “Há tempos”. E cantorolo enquanto escrevo.

“Meu amor, disciplina é liberdade
Compaixão é fortaleza
Ter bondade é ter coragem”

Digo aí, como num discurso: Em frente, corajosos!


Nota: Texto publicado originalmente no Blog da autora: www.jocyelmasantana.wordpress.com

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Bicho de Sete Cabeças - Rodrigo Santoro

Bicho de Sete Cabeças: os “chiqueiros psiquiátricos” de Austregésilo Carrano

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Laís Bodanzky, diretora do filme brasileiro “O Bicho de Sete Cabeças”, baseado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano Bueno, Cantos dos Malditos, problematiza aspectos sociais, culturais e econômicos da sociedade, assim como denuncia a realidade dos hospitais psiquiátricos brasileiros na década de 70, evidenciando a necessidade de uma reforma da assistência psiquiátrica.

No filme, o drama discorre sobre a vida de Neto, que é interpretado por Rodrigo Santoro, um jovem de dezessete anos, usuário de maconha, de classe social média baixa, sem uma boa relação familiar. A ideia da internação em um hospital psiquiátrico surge quando o pai encontra na roupa de Neto um “baseado”. O motivo da internação, por si, demonstra a falta de informação bem como a hipocrisia da sociedade diante das drogas, a ausência de diálogo no âmbito familiar, além da decisão precipitada do pai de internar o filho sem o consentimento deste.

Experiências vividas por Neto dentro da instituição, que vão desde o uso excessivo de remédios, falta de higiene, ausência de profissionais capacitados e principalmente interessados no tratamento dos pacientes, até o uso de eletrochoque, mostram a realidade manicomial brasileira da época. O hospital psiquiátrico apresentado no filme era baseado no modelo asilar, que exclui o paciente da sociedade e do seio da família.

Neto passou por essa situação sem compreender absolutamente nada, sendo reinserido à sociedade sem qualquer assistência pós-recuperação e quando algumas de suas faculdades mentais apontavam fragilidade – situação que levou a nova internação, desta vez, por solicitação do próprio Neto, já que lhe parecia que ele melhor se adaptava ao “universo dos loucos”. Ao mesmo tempo em que retrata os valores sociais que a reforma psiquiátrica buscou transformar em meio à sociedade, demonstrando o preconceito em relação aos diferentes, ou seja, pessoas que não se enquadram dentro daquilo que é o determinado pela coletividade, o filme aponta a total ausência do médico psiquiatra, que poucas vezes é presente no cotidiano do paciente.

O inspirador do filme, Austregésilo Carrano, foi um homem de uma personalidade fascinante e extremamente forte, que teve a coragem de denunciar, em seu livro, as arbitrariedades dos hospícios e dos “profissionais” que contribuíram para o seu sofrimento durante sua repressão asilar. Na sua obra descreveu as torturas a que foi submetido, como, por exemplo, as vinte e uma sessões de eletroconvulsoterapia, que lhe deixaram seqüelas tanto físicas quanto emocionais.

a época, Carrano ficou três anos e meio sendo transferido de um hospital para outro, recebendo altas doses de drogas terapêuticas, sem ao menos receber um diagnótisco. As atrocidades foram muitas, até o dia em que resolveu atear fogo na própria cela, ato que foi decisivo para os pais o acolherem novamente. Após conseguir se restabelecer na sociedade, Carrano tornou-se um homem de grandes feitos. Foi militante do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, designou os hospitais psiquiátricos como “Chiqueiros Psiquiátricos” e se tornou a primeira pessoa no Brasil a mover uma ação indenizatória contra um psiquiatra, por erro de diagnóstico. Porém, Carrano, foi condenado a pagar indenização a seus médicos e às suas famílias, pelo fato de os mesmos serem citados e criticados em seu livro.

Além disso, Carrano teve sua obra cassada e proibida de circular entre os anos de 2002 e 2004, quando o livro voltou a circular – fato que fez de Canto dos Malditos a primeira obra censurada após a ditadura. “Bicho de Sete Cabeças” foi aclamado por inúmeros prêmios, como o Prêmio Qualidade Brasil, o Grande Prêmio Cinema Brasil, e foi o filme mais premiado do Festival de Brasília e do Festival de Recife, entre outros. Austregésilo morreu, no dia 27 de maio de 2008, aos 51 anos, em razão de uma infecção generalizada resultante de um câncer no fígado.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

BICHO DE SETE CABEÇAS

Direção: Laís Bodanzky
Roteiro: Luís Bolognesi
Elenco: Rodrigo Santoro, Othon Bastos, Cássia Kiss, Caco Ciocler, Gero Camilo;
País: Brasil
Ano:
2000
Gênero: Drama

Nota: o texto é resultado de uma atividade da disciplina de Psiquiatria do curso de Medicina do ITPAC – Porto.

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