O processo de criação a partir da convergência entre a Arte, Cultura e Tecnologia

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A partir da segunda metade do século XX, os meios de comunicação (a imprensa, a fotografia, o rádio, a música, o cinema, a televisão…) se infiltraram verdadeiramente no cotidiano da sociedade. Dessa forma, já não se podia mais conceber os meios de comunicação desarticulados das novas tecnologias. E surgia então, um universo de convergência entre a arte, cultura e tecnologia que redefiniram critérios de alocação de conhecimentos e do processo de criação.

O processo de criação, seja na arte ou na ciência, não é, necessariamente, um processo contínuo. Renova-se sempre e admite feedbacks alimentados pela atividade experimentadora e pelas ideias criadoras (PLAZA & TAVARES, 1998).

A arte representa o modo de expressão da essência do homem. Ela tem sido um dos primeiros meios de comunicação usados pelo homem desde o início da civilização, por meio de suas crenças, dogmas e formas de transmitir suas mensagens, ocultas em algumas de suas obras artísticas. Entretanto, as inovações tecnológicas têm exercido uma enorme influência no processo de criação e mundo das artes.

O desafio aqui é discutir a convergência entre a arte, cultura, e tecnologia como um novo ambiente para o processo de criação.

O PROCESSO DE CRIAÇÃO

O processo de criação deve ser retratado diretamente ao contexto cultural, pois a criatividade e maneira que certas imagens se organizam em nossa mente indica a interferência direta de nossa cultura e de nossas experiências com o passar do tempo.

Segundo Plaza (2201), a história da criação explicita um processo que vai da concepção divina à humana.  Entende-se a criação artística como um “fazer”, um “trabalho”, uma “atividade artesanal” que se desenvolve segundo determinadas regras que podem ser aprendidas (PLAZA, 2001). Ou seja, as obras resultam do produto da imaginação criativa orientada para o fazer.

Nesse contexto, pode-se entender o ato de criar como uma construção em movimento: um processo dinâmico, na condição de sempre poder vir a ser, não se configurando, portanto, como algo previamente acabado (MILLET, 1990). Assim sendo, essa construção-criação dar-se-ia, então, a partir de um suporte (causa material), combinada com uma ideia-modelo imaginativa (causa formal) que operados por uma ação instrumental, física, técnica e eficiente (causa motriz) tem por finalidade gerar um produto dirigido a um fim (causa final).

Ainda de acordo com Plaza (2001), o produto criado pode ser pensado a partir de três categorias ou três pontos de vista: a) o ponto de vista da pessoa que cria (em termos de fisiologia, temperamentos, hábitos, valores, emoções, processos mentais, motivações, percepções, pensamentos, comunicações etc.); b) o ponto de vista do ambiente e da cultura em que a obra se insere (condicionamentos culturais, sociais, educativos, influenciados pela demanda exterior, pela encomenda social, ou, até mesmo, pelas perspectivas que o público tem sobre a arte); c) o ponto de vista relativo aos processos mentais que o ato de criar mobiliza (teorias, técnicas, métodos, poéticas, estéticas etc.).

Seja na arte ou na ciência, o ato criativo não é, necessariamente, um processo contínuo. Renova-se sempre e admite feedbacks alimentados pela atividade experimentadora e pelas ideias criadoras.

O processo criativo faz parte da essência do ser humano. Ao exercer o seu potencial criador, trabalhando, criando em todos os âmbitos do seu fazer, o homem configura a sua vida e lhe dá um sentido, pois criar é necessário (OSTROWER, 2002). Como necessidade existencial, a criatividade é um potencial inerente a todo ser humano, e diferentemente do que muitos imaginam, não é um atributo exclusivo de algumas poucas pessoas privilegiadas. A capacidade de trabalhar criativamente só é possível porque o homem é dotado da potencialidade da sensibilidade, é um ser criativo por natureza e o processo de criação artística significa a possibilidade de uma ampliação da consciência e um processo de crescimento contínuo (SILVA & BITTENCOURT, 2015).

Em cada período da história no mundo existe fatores marcantes no processo criativo da arte. De acordo com Santaella (2003), a arte de cada época corresponde à técnica do seu tempo. Para a autora, uma das ideias mais persistentes do século XX foi a da absorção de novas tecnologias pela criação artística. Que se deu, principalmente, através do fascínio dos futuristas pelas tecnologias e as tentativas de convergir a arte na vida através de novas formas imaginativas. Essa nova tendência será abordada no capítulo a seguir.

Fonte: encurtador.com.br/koMW9

CONVERGÊNCIA ENTRE A ARTE, CULTURA E TECNOLOGIA

O processo de criação está intimamente ligado ao contexto cultural, pois a maneira que certas imagens se organizam em nossa mente indica a interferência direta de nossa cultura e de nossas vivências. No entanto, temos que admitir que na contemporaneidade, estamos vivenciando um processo de convergência entre a arte, cultura e tecnologia, que influencia o processo criativo.

Segundo Silva e Bittencourt (2015) o que se percebe é que, a partir desse momento, passamos a viver e conviver com uma sociedade totalmente conduzida pelas novas tecnologias. Essas tecnologias interferem nos processos criativos e nas relações de consumo na sociedade contemporânea.

Um dos mais importantes pesquisadores sobre o tema abordado é Jenkins, que segundo ele, a convergência pode ser vista como uma mudança cultural, em que os consumidores migram de um comportamento de espectadores, mais passivos, para uma cultura mais participativa (JENKINS, 2006).

Para Jenkins (2006), se a convergência é um processo cultural e social, é também tecnológico, onde há uma mudança de paradigma onde se cria um movimento de conteúdos específicos que fluem atra­vés de múltiplos meios, com um crescente aumento da interdependência dos sistemas de comunicação. Nesse contexto, a convergência pode ser compreendida como o fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, a cooperação de múltiplos mercados midiáticos e o comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam.

Jenkins (2006) relaciona esse panorama aos fenômenos da convergência dos meios de comunicação, cultura participativa e inteligência coletiva (partilha de funções cognitivas, como a memória, a percepção e o aprendizado). Segundo Araújo (2005) a convergência entre a arte e cultura pode ser entendida como o mesmo conteúdo por vários meios de distribuição/dispositivos que resultam em melhores serviços a partir do uso das tecnologias.

De acordo com Mesquita (1999) essa convergência é a interação e interconexão entre a cultura, a rádio, a televisão, os telefones, os computadores e as tecnologias de modo geral. Ela prevê que todo produto gerado a partir do processo de criação esteja disponível, para grande parte da sociedade, em todas as horas, em todos os lugares, com o propósito de criar interação por meio do suporte tecnológico.

Posto isso, a convergência entre a arte, cultura e tecnologia tem o propósito de facilitar o acesso aos produtos artísticos culturais, de criar formas de participação e comunicação, de consumo e produção que permitam a criação de espaços mais livres aptos para aproveitar a inteligência coletiva e a liberdade de expressão.

Além disso, entram em foco outros pontos como a disseminação de conhecimentos, a partilha de experiências nas áreas cultural e educativa que explorem o potencial dos elementos da cultura local e o apoio às culturas tradicionais, no sentido de incentivar as produções locais e regionais. Afinal, trata-se da cadeia produtiva que coloca a geração de criatividade, de idéias e de cultura como matéria-prima de seu processo de produção e trabalho (Winck, 2007).

Para Guerra (2002) apud Winck (2007) a valorização da atividade criativa pode ser considerada como um fator de geração de riqueza que por meio da identificação de tendências, estratégias e medidas explorem as potencialidades dos agentes produtivos, visando a acumular efetivos industrializados.

Já a interatividade surge no contexto da chamada sociedade da informação através das possibilidades que os novos meios de comunicação apresentam. São essas possibilidades que fazem destes novos meios a grande sensação do desenvolvimento tecnológico do homem moderno ou contemporâneo (OLIVEIRA, 2007).

Ao lado dessa nova tendência de distribuição na função de promoção e difusão dos conhecimentos, outra tendência que se destaca é a convergência cultural, com instituições educacionais, empresas, mídias, bibliotecas etc. agrupando-se em torno de uma mesma tarefa: oferecer conhecimento legitimado para a sociedade (BUFREM e SORRIBAS, 2008).

Fonte: encurtador.com.br/rvCO2

ESTUDO DE CASO: OI FUTURO E MUSEU DE TELECOMUNICAÇÕES

Posto isso pode-se verificar alguns desafios aos centros culturais dentro do contexto de convergências que seria compreender de que forma esses centros promovem o acesso as TIC; dissemina o conhecimento; promove interatividade entre as pessoas; partilha experiências nas áreas cultural e educativa; e, por fim, a convergência cultural com instituições educacionais, empresas, mídias, bibliotecas etc. Esses atributos são responsáveis pela comunicação e geração de conhecimentos dentro dos chamados espaços de convergência.

Um exemplo bem-sucedido e que vem acontecendo no Rio de Janeiro é o caso do Oi Futuro e do Museu de Telecomunicações. O Centro Cultural Oi Futuro tem a missão de desenvolver, apoiar e reconhecer ações educacionais e culturais que promovam o desenvolvimento humano, utilizando tecnologias da comunicação e informação.

Esse centro cultural é um espaço de convergência, dedicado a arte, a tecnologia, ao conhecimento e a cidadania. Igualmente sintonizado com a contemporaneidade, voltado para levar o público a viver experiências sensoriais em seus espaços de visitação, que incluem galerias de arte, teatro, biblio_tec e cyber restaurante.

Dentro do Centro Cultural ainda existe o Museu das Telecomunicações, que possui um grande acervo de novas tecnologias onde os visitantes recebem um aparelho portátil para interagir com as instalações, além de ter chance de encontrar numa lista telefônica multimídia, o endereço de grandes personagens da história. Uma verdadeira aventura que une história, ciência e entretenimento. Também é considerado um espaço de convergência de pessoas, idéias, tecnologias, pensamentos e tempos.

Essas são algumas mudanças que se encontram em estágio avançado nos países industrializados, e constituem uma tendência dominante mesmo para economias menos industrializadas que o caso do Brasil e definem um novo paradigma, o processo de criação a partir da convergência entre a arte, cultura e tecnologia, que expressa essência da presente transformação tecnológica em suas relações com a economia e a sociedade (WERTHEIN, 2000).

Fonte: encurtador.com.br/ilwJM

CONSIDERAÇÕES

Pode se concluir, que a atual sociedade contemporânea vive um processo revolucionário das novas tecnologias e nas artes, entramos em uma fase mais avançada, que traz como potencial a aceleração da integração entre usuários e fontes de informação, reforçando o desenvolvimento de cidadãos e a produção de produtos artísticos inovadores. Entretanto, para ingressar nessa fase, é preciso ter uma sólida base educacional e cultural. Caso contrário, estaremos desperdiçando a capacidade e o potencial dessas tecnologias, que nos permitem não só ter acesso ao conhecimento, mas também construir o conhecimento que nos é necessário.

A informação tecnológica e o uso de novos conhecimentos podem fortalecer o processo democrático social e cultura, além de possibilitar à sociedade encontrar novas formas de convivência e de superação dos desníveis existentes, por meio da construção da chamada “inteligência coletiva” (LÉVY, 2000).

Portanto, o processo de criação a partir da convergência entre a arte, cultura e tecnologia tem uma influência cada vez maior nas organizações do futuro e na vida das pessoas. Esse novo processo tem modificado de forma significativa as relações entre tempo e espaço. Como enfatiza Giddens (1991), as distâncias temporais e espaciais cobertas pelas novas tecnologias tornam o passo de vida cada vez mais rápido. É como se o mundo encolhesse ou fosse uma “vila global”.

Posto isso, um artista contemporâneo, deve estar atento as questões de seu tempo, antenado com as novas tecnologias, que podem ser consideradas as ferramentas mais representativas da contemporaneidade e, talvez, as mais ricas a serem exploradas. O que tem resultado em produtos artísticos culturais com mais qualidades e conceitos totalmente inovadores.

Fonte: encurtador.com.br/uyIKQ

REFERÊNCIAS:

ARAUJO, M. C. P. Convergência tecnológica dos meios de comunicação. In: Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional. Brasília, 12 de setembro de 2005. (http://www.senado.gov.br)

BUFREM, L. S. & SORRIBAS, T. V. Mediation and convergence in an academic libraries. Enc. Bibli: R. Eletr. Bibliotecon. Ci. Inf., Florianópolis, n. 25, 1º sem.2008.

GIDDENS, A. Modernity and selfidentity: self and society in the late modern age. Stanford: Stanford Univ., 1991. 256p.

JENKINS, Henry. Convergence culture: where the old and new media collide. University Press. New York. 2006, 308 p.

LÉVY, Pierre. Entrevista. Correio Braziliense, 4 jun. 2000.

MESQUITA, J. A convergência dos media. In: CITI-Centro de Investigação para Tecnologias Interactivas. Universidade Nova de Lisboa, 1999. (http://www.citi.pt/estudos_multi/)

MILLET, Louis.  Aristóteles. São Paulo, Martins Fontes, 1990.

OLIVEIRA, R. R. Regionalization, mediatical convergence and interactivity on the web portal Temmais.com. Acervo On-line de Mídia Regional, ano 11, vol. 6, n. 7, p. 61-74, set/dez 2007.

OSTROWER, F. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 2002.

PLAZA, Julio; TAVARES, Monica. Processos criativos com os meios eletrônicos: poéticas digitais. São Paulo: Hucitec, 1998.

PLAZA, Julio. Processo criativo e metodologia. São Paulo: 2001. Apostila de curso.

SANTAELLA, L., Cultura e artes do pós-moderno: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo, Paulus Editora, 2003.

SILVA, A. T. T.; BITTENCOURT, C. A. C. Indústria cultural e o trabalho docente: caminhos para compreender os processos de criação em arte na educação Infantil. Comunicações. Piracicaba. Ano 22  n. 3. 2015.

WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação e seus desafios. In: Ciência da Informação, Brasília, v. 29, n. 2, p. 71-77, maio/ago.2000.

WINCK, J. B. The promise of interactive audiovisual. TransInformação, Campinas, 19(3): 279-288, set./dez., 2007.

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Volto Já: Cibercultura e a Teoria do Apego

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Black Mirror é uma série antológica de ficção científica criada por Charlie Brooker, que explora um futuro próximo onde a natureza humana e a tecnologia de ponta entram em um perigoso conflito (NETFLIX, 2016). A série trata de temas pertinentes à contemporaneidade, a solidão humana e as novas maneiras de estabelecer relações no mundo das mídias sociais, como é o caso do episódio “Be Right Back”, em português “Volto Já”.

O episódio conta a história de Martha e Ash, um casal de apaixonados que decidem morar juntos numa casa do interior, onde os pais de Ash moraram por muito tempo. Um dia depois da mudança, ao devolver a van usada para transportar os pertences de ambos, Ash se envolve num acidente de carro fatal. No funeral, uma amiga de Martha recomenda um serviço novo que ajuda pessoas em luto a lidar melhor com a situação, criando um Ash “virtual” que se comunica por meio de informações e dados obtidos através de mídias sociais, e-mails de Ash em vida e tudo quanto havia gerado no mundo virtual até então. Ela não aceita bem a indicação da amiga, mas esta acaba por inscrevê-la no serviço – o que Martha só descobre quando recebe um e-mail do “novo” Ash. A partir daí, ela começa a ter vários embates pessoais e morais sobre manter ou não essa relação e a trama se desenvolve justamente nesse cenário de conflitos internos (CARVALHO, 2016).

Fonte: https://goo.gl/WbrrqK

Existem certos aspectos que serão analisados a partir do ponto de vista da cibercultura e da teoria do apego de John Bowlby e Mary Ainsworth, responsáveis por estudos voltados ao desenvolvimento infantil que reverberam em possíveis tendências comportamentais para a vida adulta. Faz-se necessário neste primeiro momento, a elucidação das bases que constituem esta análise em concomitante aplicação aos principais pontos analisados do episódio.

Para Pierre Lévy (2007), o gênero canônico da cibercultura é o mundo virtual, mas vai além, diz respeito a preferência da conexão em detrimento do isolamento, é mais precisamente a universalização da comunicação. São as possibilidades de se relacionar com qualquer pessoa de qualquer parte do mundo por intermédio da internet em ferramentas como celulares e computadores, nos mais diferentes métodos, seja por troca de e-mails ou por interação via redes sociais.

Existem aspectos claramente enfatizados no episódio da série que mostram o quão dependente Ash era da comunicação virtual. Até mesmo em momentos de fragilidade emocional ele se vê na necessidade de compartilhar tudo em suas redes sociais. Um exemplo claro desse fato é quando, ao entrar na casa de seus pais pela primeira vez depois de anos, se depara com uma foto de sua infância, que rapidamente o faz recordar das disfuncionalidades de sua família e de quando seu irmão e pai morreram, a reação de sua mãe foi esconder todas as fotos deles no sótão da casa na esperança de que suas dores fossem também abafadas. Mesmo sendo um fato doloroso, Ash prefere compartilhar a foto, divulgando apenas aspectos positivos, evitando o contato com seus conflitos e também de refletir profundamente sobre seus próprios sentimentos em relação ao que viveu naquele lugar.

Fonte: https://goo.gl/w7B1JU

A teoria do apego de Bowlby e Ainsworth se refere a estudos sobre o desenvolvimento socioemocional durante os primeiros anos de vida e o quão este pode ser influenciado pela maneira como os cuidadores primários tratam as crianças, além dos fatores genéticos, psicológicos e ambientais (DALBEM; DELLAGLIO, 2017).  Para eles, existem quatro tipos de apego que são: o seguro, evitante, ambivalente e o desorganizado. Durante todo o episódio, Ash está sempre mergulhado em seu celular, que de alguma maneira poderia indicar comportamentos ligados ao apego evitante, onde há uma falta de interesse em aprofundar as relações, a intimidade gera desconforto e ele se refugia nas relações virtuais que podem ser em níveis superficiais. Martha por vezes fala da necessidade que sente de haver mais interação entre eles, mas Ash acaba por evitar esses momentos.

Para Bowlby (1989), as experiências precoces com o cuidador primário iniciam o que depois se generalizará nas expectativas sobre si mesmo, os outros e do mundo em geral, com implicações importantes na personalidade e nos modelos internos de funcionamento desse indivíduo, que são caracterizados pela habilidade de constituir representações mentais cada vez mais complexas. Cortina & Marrone (2003) afirmam que a teoria do apego contempla os processos normais de desenvolvimento e a psicopatologia humana, além de abordar os processos de informação para a compreensão dos mecanismos psicológicos utilizados na vivência de um trauma ou uma perda.

Como é o caso de Martha ao ser informada da morte de Ash. Porém, quando sua amiga a incentiva no uso da ferramenta online para “trazer de volta” seu marido, vê-se claramente que o tipo de apego estabelecido por ela com o Ash tanto real como o virtual, que é uma versão “materializada” dele, é o apego ambivalente, visto que de todas as formas ela busca ser aceita e também por maiores níveis de intimidade e receptividade. O que acaba por não encontrar nem naquela versão computadorizada e superficial de Ash ou mesmo no Ash real.

Fonte: https://goo.gl/4BsDHu

Para Barcelos (1993) ancorar-se no passado é a pedra angular de toda dependência afetiva. Martha não consegue se desvencilhar de todas as possibilidades de vida que teria ao lado de Ash e ao descobrir que está grávida dias após sua morte, se apega à esperança de que esse Ash “virtual” preencha todo seu vazio e dê sentido à sua vida, porém todas as suas esperanças são frustradas.

No fim, a dependência emocional está tão fortemente estabelecida, que ela não consegue de modo efetivo se desprender da esperança de um dia poder ter o verdadeiro Ash de volta. O que se nota em Martha é um apagamento do “eu”. Para fugir de suas próprias dores e sentimentos, ela faz como a mãe de Ash, resolve guardar a versão “materializada”, computadorizada dele no sótão da casa, como último recurso para entorpecer seus próprios temores.

REFERÊNCIAS:

BARCELOS, Carlos. Criando sua liberdade: Amor sem dependência. São Paulo: Editora Gente, 1993.

CARVALHO, Claudio. PlotSummary – Black Mirror: Be Right Back. 2016. Disponível em: <http://www.imdb.com/title/tt2290780/plotsummary?ref_=tt_ov_pl>. Acesso em: 02 set. 2017.

CORTINA, M. & MARRONE, M. (2003) Attachment theory and the psychoanalytic process. London: WhurrPublishers.

DALBEM, Juliana Xavier; DELL’AGLIO, Débora Dalbosco. Teoria do apego: Bases conceituais e desenvolvimento dos modelos internos de funcionamento. Arquivos Brasileiros de Psicologia,Rio Grande do Sul, v. 57, n. 1, p.01-13, 02 ago. 2017.

BOWLBY, J. Uma base segura: Aplicações clínicas da teoria do apego. 1 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2007. 264 p. Tradução de Carlos Irineu da Costa.

NETFLIX (Brasil) (Emp.). Black Mirror. 2017. Disponível em: <https://www.netflix.com/title/70264888>. Acessoem: 31 ago. 2017.

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O meio digital como disparador do direito a saúde humanizada

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A Rede HumanizaSUS (http://www.redehumanizasus.net/) vem se firmando como um dos principais canais de divulgação, problematização, criação e trocas de experiências entre a Política Nacional de Humanização, usuários, militantes, trabalhadores e gestores do SUS em todo o Brasil. Desde sua fundação, há mais de cinco anos, a rede social já tem mais de 15 mil pessoas cadastradas em seu portal, além de contabilizar cerca de 1,3 milhão de visitantes e acima de 4 milhões de visualizações em suas páginas, segundo informou Ricardo Teixeira, consultor da Política Nacional de Humanização – PNH, de São Paulo. “Desses, mais de um milhão de usuários individuais que acessaram a rede nesses cinco anos, quinze mil são cadastrados, ou seja, vários acessam e navegam, levantam informações, mas navegam como “anônimos”, pessoas não logadas no sistema”, disse.

Ricardo Teixeira, ao participar do Seminário Norte de Humanização, em Manaus – AM, em março, explicou que os interesses dos usuários são os mais diversos possíveis. “Muitos vão e trocam informações, ou seja, é um acervo de conhecimento, através das conversas, das postagens, das práticas do SUS que são encontrados nos mecanismos de busca e que acabam interessando muitos usuários”, afirmou.

Ricardo Teixeira no Seminário Norte de Humanização com Bruno Mariani, em Manaus /AM
Foto: Michel Rodrigues

“Temos aproximadamente mil e duzentos blogs individuais, ou seja, das quinze mil pessoas [cadastradas] setecentas publicaram pelo menos um post, muitas delas publicaram vários posts. Há também dezenas de usuários que são blogueiros da RHS. [A RHS] É uma comunidade de blogs da saúde, sendo a essa altura, aproximadamente seis mil posts, mostrando assim a magnitude da rede”, completou o consultor.

Ao portal (En)Cena, que acompanhou toda a realização do Seminário Norte, Ricardo Teixeira cedeu a entrevista que segue.

(En)Cena – Como é a presença da Rede HumanizaSUS na internet?

Ricardo Teixeira – A Rede HumanizaSUS é uma rede colaborativa, uma rede social. É mais uma oferta da Política Nacional de Humanização (PNH) para humanização dos serviços do SUS. Possui cerca de cinco anos de existência, foi lançada em 22 de fevereiro de 2008, sendo uma proposta que desde o início se lançou com uma perspectiva inteiramente aberta, sendo uma plataforma com cadastramento livre na web, onde qualquer usuário pode se cadastrar. Esse caráter aberto é intrínseco à proposta, por que ainda que houvesse algumas ideias dos usos possíveis dessa rede na política, a aposta acertada foi a de que o sucesso dependeria das apropriações que os usuários fariam daquele espaço virtual. Sendo assim, torna-se difícil falar sobre o que ocorre na Rede HumanizaSUS, pois acontecem diversas coisas a partir de uma ferramenta simples que é o blog. O blog foi escolhido por sua popularidade na internet e devido à sua fácil estrutura de postagem e comentários que vai abrindo linhas de conversação.

(En)Cena – Por esse canal, além do usuário deixar queixas e sugestões, pode-se também solicitar serviços?

Ricardo Teixeira – As finalidades para esse blog são múltiplas. Os usuários são principalmente trabalhadores e gestores da saúde. A participação do usuário do Sistema Único de Saúde ainda é minoritária, apesar de estar crescendo nos últimos anos. Isso reflete as dificuldades da inclusão do usuário na construção do SUS. Há um canal de comunicação oferecido pela rede que tem sido muito utilizado pelos usuários, que é o “formulário de contato”(uma espécie de “fale conosco” disponível na plataforma). Sendo bem sincero, o uso desse canal se deve a certa confusão que é feita a respeito do caráter daquele site. Se você entrar no Google e digitar a palavra “ajuda” e “SUS”, procurando por algum serviço do SUS, na primeira página de resultados várias correspondem às páginas da RHS. Quando o usuário clica ali, ele vê uma série de matérias sobre serviços do SUS, posts, comentários e ele rapidamente a identifica como sendo uma página do Ministério da Saúde ou Ouvidoria, e eles mandam suas mensagens às vezes pedindo uma consulta, às vezes fazendo uma denúncia. Então por essa via, a participação do usuário é muito grande e bem frequente.

(En)Cena – Esses usuários recebem um feedback?

Ricardo Teixeira – Apesar dessa confusão, ele recebe o feedback  da equipe de editores/cuidadores do site e, dependendo da demanda, poderá ser orientado a utilizar um canal de expressão existente mais apropriado como a Ouvidoria do SUS. Esse canal de comunicação tem sido uma oportunidade da gente entender e conhecer o SUS e as grandes dificuldades que o usuário ainda tem tido com o quesito acesso.  Eu diria que 8 em 10 demandas de usuários que chegam por essa via dizem respeito à dificuldade de acessar algum bem ou serviço que o SUS deve de fato disponibilizar, seja por uma dificuldade real, ele está experimentando esse caminho e não está conseguindo, ou porque desconhece os caminhos, sendo esse um dos retornos que a RHS dá: orientar melhor  a como acessar o direito á saúde pública.

(En)Cena – Qual a dimensão da rede em relação ao número de acesso?

Ricardo Teixeira – Hoje a RHS tem mais de quinze mil cadastrados, ao longo desses cinco anos de existência da Rede. Ela já recebeu a visita de aproximadamente um milhão e trezentos mil usuários individuais, que realizaram aproximadamente um milhão e oitocentas mil visitas. Desses mais de um milhão de usuários individuais que acessaram a Rede nesses cinco anos, quinze mil são cadastrados, ou seja, vários acessam e navegam, levantam informações, mas navegam como “anônimos”, pessoas não logadas no sistema. Temos aproximadamente mil e duzentos blogs individuais, ou seja, das quinze mil pessoas, mil e duzentas publicaram pelo menos um post, muitas delas publicaram vários posts, há também dezenas de usuários que são blogueiros da RHS. Ela é uma comunidade de blogs da saúde, tendo, a essa altura, mais de seis mil posts, mostrando assim a magnitude da rede.

(En)Cena – Como você observa a Internet nesse campo da comunicação com usuários e também como um canal de serviço da RHS?

Ricardo Teixeira – É uma experimentação em curso. A resposta para a sua questão é uma resposta que nós estamos colhendo, acompanhando, monitorando, analisando e apostamos na ideia de usos que essa poderia ter para a qualificação do SUS.

(En)Cena – Há um estudo aprofundado nesse campo da comunicação (da internet) em relação ao SUS?

Ricardo Teixeira – Há uma questão que se coloca no plano das estratégias de mídia, das estratégias de comunicação em massa, que é o tipo de visibilidade que o SUS tem na mídia, principalmente na mídia de radiodifusão, de broadcasting, onde você tem uma instância central de onde parte a informação e se legitima pelo poder daquela empresa, sendo a televisão, o rádio, a mídia impressa, onde se expressaria inicialmente uma imagem dos problemas do SUS. Isto a partir das grandes dificuldades que são conhecidas, mas que acaba reproduzindo uma imagem deteriorada da política pública de saúde, onde acaba se constituindo aquela ideia de que o Sistema Único de Saúde não vai dar certo, de que é do governo, de que é direcionado aos pobres, criando um conjunto de preconceitos que vai se constituindo em torno da política pública por características desse tipo de mídia, do que ela considera relevante, reproduzindo uma imagem desqualificada da política pública.

(En)Cena – A Internet gera várias possibilidades, até mesmo de romper a fronteira entre a mídia convencional e o usuário…

Ricardo Teixeira – Então, em primeiro lugar, e isso é uma virtude dos novos meios de comunicação em rede eletrônica, onde então o jogo que fixa claramente quem é o emissor e quem é o receptor se embaralha, onde o receptor se torna o emissor de informação. Eu poderia dizer que a RHS tem sido um lócus importante de expressão de um SUS que dá certo, porque a grande convocação da Rede Humaniza SUS tem sido a de mostrar a sua cara, e o que tem sido feito para qualificar o SUS no cotidiano de trabalho, esse seria o primeiro papel muito importante, ou seja, criamos uma zona na web de informação onde você pode acessar outro tipo de informação a respeito do que se produz no cotidiano do SUS.

(En)Cena – Já houve alguma prática apresentada no SUS, que partiu de uma ideia apresentada no portal?

Ricardo Teixeira – Este seria um dos papéis dessa mídia, ao mostrar um SUS que dá certo. É uma de suas virtudes em potencial. Eu diria que não é a aposta principal, mas quando um trabalhador que atua em um determinado serviço, de maneira, às vezes isolada, desconectada, ele dá visibilidade ao que ele tem feito na Rede e ele recebe um retorno daquilo, no qual poderá ser um elogio, uma confirmação, reconhecimento da qualidade daquele trabalho, assim como também críticas, sugestões, associações de ideias suscitados a partir daquele experimento. Isso tem um efeito afetivo para o trabalhador.

(En)Cena – O que você vai relatar sobre esse Seminário Norte de Humanização? Vai ter alguma coisa sobre esse evento?

Ricardo Teixeira – Sim, já está tendo. Há dois dias que estou muito mergulhado nas atividades presenciais do Seminário, mas sei que já está sendo postado em tempo real o que está acontecendo aqui na RHS, e não só na rede, mas também nas outras redes sociais com as quais a RHS está conectada, facebook, twitter, sites de nossos parceiros, as redes eletrônicas. Uma postagem no espaço do nosso blog, do nosso site é imediatamente postada para as demais redes sociais.

(En)Cena – Como você percebe a parceria com o (En)Cena?

Ricardo Teixeira – Primeiramente, essa parceria se estabelece na própria web: se você entrar na Rede HumanizaSUS e ver entres os links de parceria dos sites, lá estará o (En)Cena e alguns outros sites, blogs. Acho importante dizer que a Rede Humaniza SUS tem cinco anos e, na época em que foi criada, esse tipo de rede, criando um espaço colaborativo, tipo rede social, ligada à questões do SUS, da defesa e organização de trabalho do SUS, era uma raridade. Hoje em dia, para nossa alegria, vemos que experiências similares se multiplicam, algumas em áreas mais específicas como a saúde mental, como o (En)Cena. Percebo essa parceria como uma sinergia de nossas forças e de nossa alegria de lutar por um mundo melhor.

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