Identidade e ciborguização: para além do corpo biológico

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A cultura é o que define a forma como age um determinado grupo de pessoas. Ao nascermos, temos nosso corpo biológico como mediador do contato com o que é externo e que, por sua vez, faz relação com o mundo privado. Os padrões a serem seguidos estão em constante mutação, mesmo aqueles ditos como normatizados e hegemônicos, devido ao intenso processo de evolução social em áreas como a política, economia, ciências humanas e o advento da tecnologia avançada. Desta forma, se faz presente um dinâmico processo de releitura das estruturas basilares nas quais se assenta o Modus Operandi de nós seres humanos que, outrora sólidas, passam por reajustes os quais alteram nossa percepção da realidade e nos conduz aos desafios do mundo contemporâneo.

Dentro desta proposta, Lima (2009) trás conceitos como os de hipertexto, adaptação tecnológica do corpo, cibernética, nanotecnologia, ciberespaço e o impacto direto dos dispositivos tecnológicos sobre nossa subjetividade e a ideia do que vem a ser inerente, exclusivamente, à condição humana. Na perda progressiva do concreto, oriunda do atual mundo cibercontextualizado, nós, enquanto indivíduos, inconscientemente, acabamos optando por um superinvestimento do único objeto que realmente temos de concreto: o corpo.

Sobre isto, Quevedo (2003) aponta que a mente dissociou-se do corpo que, a partir de então, passou a não ser mais regido pela vontade do próprio indivíduo, mas, sim, pela mídia, assentado na visão mercadológica por meio da qual os meios de comunicação e controle em massa se utilizam para passar suas mensagens, padrões inatingíveis os quais vem em forma de cápsulas, cremes, e toda uma extensa linha de produtos e aparatos que prometem um resultado que se adeque aos ideais de saúde e beleza regentes. O avanço tecnológico e sua contribuição para as ciências naturais, humanas e exatas configura um ápice do progresso intelectual da humanidade vigente que contribuiu para a transição da noção de sociedade de produção para a de consumo.

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Fonte: http://migre.me/vpn18

Tais fatores remodelaram a forma como o homem da modernidade lida com sua autoimagem, saúde e bem estar. A organização mundial da saúde (OMS), ao expandir o conceito de saúde para além da ausência de doença, aponta para áreas do campo humano até então não muito exploradas. Com o surgimento da psicologia moderna, a ideia do ser biopsicossocial veio apontar para a saúde como fruto de um tríplice aspecto do social, biológico e psicológico. Tais fatores, somados aos imperativos da modernidade líquida [1], conceito trazido por Bauman (2003), colocam o corpo como protagonista do espetáculo moderno. Um roteiro no qual nossa máquina biológica é a nossa principal fonte de prazer e frustração, expectativa e consumo, abuso e salvação à mercê de um mundo moderno onde reina o individualismo, imediatismo e competitividade.

Em meio a este grande cenário, a ideia de corpo ciborgue nasce e ganha força desmedida, sendo este, um mero produto de um contexto maior, que é esta cultura ciborgue. Sobre o corpo na modernidade, Bucci e Kehl afirmam que:

Na modalidade de concorrência predatória, sociedades capitalistas dominadas pela indústria da comunicação e da imagem, são mais opressivas do que a que explorava a força braçal, o esforço, a dedicação ou a competência dos trabalhadores. A sexualidade juntamente com a beleza (reduzida a um simples material de signos que se intercambia) é que orienta hoje por toda a parte a redescoberta e o consumo do corpo. No corpo erotizado o que predomina é a função de permuta. (BUCCI; KEHL, 2004, p. 172)

Ou seja, trazendo o corpo para o contexto de uma máquina utilizada segundo nossas necessidades, este perpassou tempos históricos nos quais foi instrumento de construção, desde a arquitetura e aspectos físicos objetivos até os morais. Porém, agora nesta era pós-moderna, perde seu protagonismo e se transforma num expectador passível o qual desfruta dos avanços da tecnologia, período histórico que serve de bojo para os conceitos emergentes da cultura ciborgue.

Lima (2009) cita três abalos fronteiriços trazidos por Dona Haraway [2], que serviram de pano de fundo para o surgimento do “personagem” ciborgue. As fronteiras entre humano/animal, orgânico/maquínico e o físico/não físico. Ambos os autores apontam como sendo ciborgue toda e qualquer pessoa que tenha em si a junção do orgânico com o maquínico. Porém, deixa claro que esta visão não se restringe apenas a acoplação/inserção de estruturas artificiais ao corpo biológico, mas desde isto até o usufruto de qualquer tipo de recursos oferecidos para mudar, alterar o funcionamento normal do organismo, seja para manutenção da saúde ou por meros fins estéticos.

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Fonte: http://migre.me/vpnmp

 O corpo, como modo de linguagem, expressão e subjetividade, ganha variadas tônicas e, assim como todos os outros aspectos inerentes ao ser humano, é um processo. Desta forma, se pode afirmar que boa parte da população moderna é um ciborgue:

As diferentes formas de se modificar e se marcar fazem com que os corpos humanos estejam em constante transformação e manipulação: as marcas com fogo, as penetrações (do piercing às tatoos), as escarificações e implantes metamorfoseiam o corpo em pergaminho ou objeto de arte. (MACHADO, 2011; MUSSÉS DE MARSEILLE, 1994)

O processo de construção dos quesitos que correspondem ao que é ser ser humano: linguagem, costumes, moral, ética, crenças e religiosidade. Tais aspectos se encontram, na contemporaneidade, plásticos e os mesmos se extravasam devido à diminuição das fronteiras, consequentemente causada pela cibernética [3] e o ciberespaço [4].

A grande aldeia global na qual o mundo tem se tornado naturalmente faz com que haja o surgimento de novas formas híbridas de existência que se metamorfoseiam e fazem nascerem novas formas de ser e estar no mundo. Um mundo pós-gênero, abstrato, maquínico, simbólico. É dentro desde grande quadro moderno que os estudiosos em geral, linguistas, sociólogos, antropólogos, dentre os demais teóricos da área humana, se debruçam para tentar visualizar o prognóstico da humanidade enquanto a drástica mudança e/ou perca de seus aspectos tidos como genuinamente humanos.

A onipresença atual das máquinas e sua tecnologia permeiam a vida humana transformando-a em variados aspectos. Facilita, media, acelera e altera os processos antes administrados pelo puro labor humano. Norbet Weiner (1970, apud. COUTO, 2009) exemplifica esta temática ao evidenciar sobre como a cibernética transformou os processos antes tipicamente humanos e analógicos, culminando em diversas teorias como as da eletronificação da informação, automação do trabalho e mecanização da guerra. Tais fatores apontam para quão vivo se encontra, na história humana, a transformação e constituição da nossa realidade por meio do avanço tecnológico.

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Fonte: http://migre.me/vpnTg

A despeito disso, Lima (2009) se utiliza de uma pergunta chave para nos despertar no que tange ao calcanhar de Aquiles proveniente do constante progresso tecnológico. Quem somos nós?  Ao lançar esta provocação, o autor se refere à linha tênue que separa o ser humano da máquina. É colocado em cheque o sentido de humanidade o qual é perdido nesta era pós-humana. O ideal capitalista que reina na sociedade hipermoderna, prega a ideologia do progresso ininterrupto.O homem hipermoderno, segundo Lipovetsky (2005, apud. GONÇALVES, 2011), surge no século XXI como um indivíduo gozando de total liberdade, livre para ser e se assumir como bem quiser na sociedade sem se preocupar com padrões disciplinares já previamente estruturados. Ou seja, vivendo o presente sobre a perspectiva do aqui agora, sem se preocupar com sua raiz histórica ou tradições.

Com isso, há o hiperinvestimento na vida privada, delineando o narcisismo e individualismo originários do mundo hipermoderno. Mas até que ponto é permitido a nós, enquanto sociedade, manter a incessante marcha do progresso tecnológico sem nos deixar virar reféns da crise de subjetividade vinda deste ápice do progresso que, apesar de alcançado, em contraponto, faz a humanidade padecer de um vazio existencial? O entendimento do velho como sendo ultrapassado, e a necessidade do novo, o consumismo desenfreado e o ideal de superação reproduzido e reforçado no psiquismo do homem moderno faz com que o ser humano se perca no meio de suas próprias criações, vivendo unicamente para si e perdendo o contato com o outro.

Presos às redes sociais, aos smartphones, servindo ao capitalismo para seguirem uma ascensão econômica, buscando atingir um padrão de vida preconizado pela mídia e fazendo com que tenha cada vez menos tempo para se reconhecer, tendo sua subjetividade roubada. É detectável, ao projetar este quadro atual para o futuro, a evidente persistência do viés tecnológico por meio de tudo o que foi exposto. A eterna busca pelos avanços tecnológicos continua instaurando a era da “Alta Performance” para satisfazer as necessidades do ego humano. O uso de próteses continua a ganhar força enquanto traz um desempenho que muitas vezes supera o do corpo biológico, estreitando cada vez mais a barreira que diferencia o artificial do natural.

O resultado é o corpo ganhando uma identidade tecnológica progressiva. Por fim, tendo como base a construção sociocultural apresentada aqui, se considera que tal questão continua em um paulatino processo o qual ainda não se encerrou. O ser humano está e provavelmente continuará inserido nas questões do progresso tecnológico, migrando entre os aspectos do ser que cria e o ser que se beneficia de suas criações. Uma eterna busca da melhoria, da perfeição e do alto desempenho, enquanto, paralelamente, aprende a lidar com o poder libertador e aprisionador de suas próprias obras, configurando um processo o qual tende a se manter até quando o planeta ainda conseguir promover esta ininterrupta marcha do progresso á custa seus finitos recursos.

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Fonte: http://migre.me/vpo9m

O artigo Cyborg e IA: a fusão programada entre o homem e a máquina, trata estas duas áreas que são utilizadas em obras de ficção científicas, são áreas difíceis de ser definidas, pois elas estão presentes em diversas áreas de conhecimentos,muitas vezes não são de acesso ao público.A ficção científica transparece a ideia de imagem ao que chamamos de “cyborg”, máquina dotada de uma “inteligência” tão sofisticada, que pode superar o ser humano.

Mas a tendência é as duas áreas se aproximarem,entre a “mecanização” do homem e a “humanização” das máquinas, tanto fisicamente quanto “espiritualmente”. O ciborgue: a fronteira entre o homem e a máquina.Chamamos de “cyborg” todo ser vivo que é “reforçado” por adicionamento de mecânica em seu corpo. Pesquisadores refletem sobre o conceito de ser humano “evoluído” que pudesse sobreviver nas esferas extraterrestres.

No século XIX nos livros de Edgar Allan Poe,o autor descreveu um homem com próteses mecânicas em “The Man That Was Used UP” (O Homem Que Foi Refeito), publicado em 1839. Desde então os cyborgs e robôs tornaram-se muito populares com obras e personagens como Terminator, Robocop, O homem de seis milhões de dólares, Os Cibermen Dr. Who, Robot. Esses filmes e séries levantaram questões sobre os limites humanos. Hoje fala-se cada vez mais de cyborg não em termos de ficção científica,mas em evoluções científicas. Com os avanços tendem a diminuir os tamanhos das tecnologias, diminuir também o peso, próteses cada vez mais discretas e eficientes, capazes de substituir ou superar membros perdidos ou a falência de um órgão.

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Fonte: http://migre.me/vpopp

O transumanismo é um movimento que consiste em diminuir as “fraquezas” do homem (recursos físicos, doenças, invalidez, velhice, morte). O progresso tecnológico e os enxertos mecânicos tornam o homem mais “poderoso”. Homens de capacidade física ou mental que dependam de máquinas. Falar de ciborgue é apenas um passo. Nós já somos “Ciborgues”? Vai depender do ponto de vista. Se um ciborgue é um homem que teve sua capacidade aumentada por descobertas científicas que ganharam novas dimensões, então parte da humanidade pode ser definida como ciborgue. Pesquisadores afirmam que já entramos na era dos ciborgues, com o aumento de aparelhos eletrônicos, que adentram nossas vidas tornando-se indispensáveis. Televisores, telefones, satélites, internet, permitem interação com o mundo e interagem com nossas ações e ideias.

REFERÊNCIAS: 

COUTO Edvaldo Souza (Org.); GOELLNER, Silvana Vilodre (Org.). Corpos mutantes: ensaios sobre novas (d)eficiências corporais. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. 258p.g

KIM, Joon Ho. Cibernética, ciborgues e ciberespaço: notas sobre as origens da cibernética e sua reinvenção cultural. Horiz. antropol.,  Porto Alegre ,  v. 10, n. 21, p. 199-219,  June  2004.  Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832004000100009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:  02 de Setembro.  2016.

MACHADO, Afonso Antônio; CALLEGARI, Marcelo; MOIOLI, Altair. O corpo, o desenvolvimento humano e as tecnologias. Motriz: rev. educ. fis.,  Rio Claro ,  v. 17, n. 4, p. 728-737,  Dec.  2011 .   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1980-65742011000400018&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 02  de Setembro.  2016.

Campos, Ivanir Glória de. A influência da mídia sobre o ser humano na relação como corpo e autoimagem de adolescentes. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/884-4.pdf>. Acesso em: 03 de Setembro. 2016

Gonçalves, Marco Antonio. Indivíduo hipermoderno e o consumo. Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar. 2011. Disponível em: < http://www.ufscar.br/~semppgfil/wp-content/uploads/2012/05/marcogoncalves.pdf>. Acesso em: 3 de Setembro. 2016.

[1] Termo usado para caracterizar uma sociedade contemporânea na qual as estruturas antigamente sólidas são deixadas para trás, dando espaço para a liquidez e fugacidade nas relações humanas, obedecendo à lógica capitalista. Ênfase no narcisismo, superinvestimento da vida privada com enfoque em aspectos como: consumo exacerbado, imediatismo, individualismo e competitividade.

[2] Bióloga, filósofa, escritora e professora emérita estadunidense. É autora de diversos livros e artigos que trazem questões como a ciência e o feminismo, tendo como uma de suas obras mais famosas: A Cyborg Manifesto (1985).

[3] Ciência nascida em 1942 e foi impulsionada inicialmente por Nobert Wiener e Arturo Rosenblueth Stearns e tem como objetivo “o controle e comunicação no animal e na máquina” ou “desenvolver uma linguagem e técnicas que nos permitam abordar o problema do controlo e a comunicação em geral”.

[4] Um espaço existente no mundo de comunicação em que não é necessária a presença física do homem para constituir a comunicação como fonte de relacionamento, dando ênfase ao ato da imaginação, necessária para a criação de uma imagem anônima.

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O meio digital como disparador do direito a saúde humanizada

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A Rede HumanizaSUS (http://www.redehumanizasus.net/) vem se firmando como um dos principais canais de divulgação, problematização, criação e trocas de experiências entre a Política Nacional de Humanização, usuários, militantes, trabalhadores e gestores do SUS em todo o Brasil. Desde sua fundação, há mais de cinco anos, a rede social já tem mais de 15 mil pessoas cadastradas em seu portal, além de contabilizar cerca de 1,3 milhão de visitantes e acima de 4 milhões de visualizações em suas páginas, segundo informou Ricardo Teixeira, consultor da Política Nacional de Humanização – PNH, de São Paulo. “Desses, mais de um milhão de usuários individuais que acessaram a rede nesses cinco anos, quinze mil são cadastrados, ou seja, vários acessam e navegam, levantam informações, mas navegam como “anônimos”, pessoas não logadas no sistema”, disse.

Ricardo Teixeira, ao participar do Seminário Norte de Humanização, em Manaus – AM, em março, explicou que os interesses dos usuários são os mais diversos possíveis. “Muitos vão e trocam informações, ou seja, é um acervo de conhecimento, através das conversas, das postagens, das práticas do SUS que são encontrados nos mecanismos de busca e que acabam interessando muitos usuários”, afirmou.

Ricardo Teixeira no Seminário Norte de Humanização com Bruno Mariani, em Manaus /AM
Foto: Michel Rodrigues

“Temos aproximadamente mil e duzentos blogs individuais, ou seja, das quinze mil pessoas [cadastradas] setecentas publicaram pelo menos um post, muitas delas publicaram vários posts. Há também dezenas de usuários que são blogueiros da RHS. [A RHS] É uma comunidade de blogs da saúde, sendo a essa altura, aproximadamente seis mil posts, mostrando assim a magnitude da rede”, completou o consultor.

Ao portal (En)Cena, que acompanhou toda a realização do Seminário Norte, Ricardo Teixeira cedeu a entrevista que segue.

(En)Cena – Como é a presença da Rede HumanizaSUS na internet?

Ricardo Teixeira – A Rede HumanizaSUS é uma rede colaborativa, uma rede social. É mais uma oferta da Política Nacional de Humanização (PNH) para humanização dos serviços do SUS. Possui cerca de cinco anos de existência, foi lançada em 22 de fevereiro de 2008, sendo uma proposta que desde o início se lançou com uma perspectiva inteiramente aberta, sendo uma plataforma com cadastramento livre na web, onde qualquer usuário pode se cadastrar. Esse caráter aberto é intrínseco à proposta, por que ainda que houvesse algumas ideias dos usos possíveis dessa rede na política, a aposta acertada foi a de que o sucesso dependeria das apropriações que os usuários fariam daquele espaço virtual. Sendo assim, torna-se difícil falar sobre o que ocorre na Rede HumanizaSUS, pois acontecem diversas coisas a partir de uma ferramenta simples que é o blog. O blog foi escolhido por sua popularidade na internet e devido à sua fácil estrutura de postagem e comentários que vai abrindo linhas de conversação.

(En)Cena – Por esse canal, além do usuário deixar queixas e sugestões, pode-se também solicitar serviços?

Ricardo Teixeira – As finalidades para esse blog são múltiplas. Os usuários são principalmente trabalhadores e gestores da saúde. A participação do usuário do Sistema Único de Saúde ainda é minoritária, apesar de estar crescendo nos últimos anos. Isso reflete as dificuldades da inclusão do usuário na construção do SUS. Há um canal de comunicação oferecido pela rede que tem sido muito utilizado pelos usuários, que é o “formulário de contato”(uma espécie de “fale conosco” disponível na plataforma). Sendo bem sincero, o uso desse canal se deve a certa confusão que é feita a respeito do caráter daquele site. Se você entrar no Google e digitar a palavra “ajuda” e “SUS”, procurando por algum serviço do SUS, na primeira página de resultados várias correspondem às páginas da RHS. Quando o usuário clica ali, ele vê uma série de matérias sobre serviços do SUS, posts, comentários e ele rapidamente a identifica como sendo uma página do Ministério da Saúde ou Ouvidoria, e eles mandam suas mensagens às vezes pedindo uma consulta, às vezes fazendo uma denúncia. Então por essa via, a participação do usuário é muito grande e bem frequente.

(En)Cena – Esses usuários recebem um feedback?

Ricardo Teixeira – Apesar dessa confusão, ele recebe o feedback  da equipe de editores/cuidadores do site e, dependendo da demanda, poderá ser orientado a utilizar um canal de expressão existente mais apropriado como a Ouvidoria do SUS. Esse canal de comunicação tem sido uma oportunidade da gente entender e conhecer o SUS e as grandes dificuldades que o usuário ainda tem tido com o quesito acesso.  Eu diria que 8 em 10 demandas de usuários que chegam por essa via dizem respeito à dificuldade de acessar algum bem ou serviço que o SUS deve de fato disponibilizar, seja por uma dificuldade real, ele está experimentando esse caminho e não está conseguindo, ou porque desconhece os caminhos, sendo esse um dos retornos que a RHS dá: orientar melhor  a como acessar o direito á saúde pública.

(En)Cena – Qual a dimensão da rede em relação ao número de acesso?

Ricardo Teixeira – Hoje a RHS tem mais de quinze mil cadastrados, ao longo desses cinco anos de existência da Rede. Ela já recebeu a visita de aproximadamente um milhão e trezentos mil usuários individuais, que realizaram aproximadamente um milhão e oitocentas mil visitas. Desses mais de um milhão de usuários individuais que acessaram a Rede nesses cinco anos, quinze mil são cadastrados, ou seja, vários acessam e navegam, levantam informações, mas navegam como “anônimos”, pessoas não logadas no sistema. Temos aproximadamente mil e duzentos blogs individuais, ou seja, das quinze mil pessoas, mil e duzentas publicaram pelo menos um post, muitas delas publicaram vários posts, há também dezenas de usuários que são blogueiros da RHS. Ela é uma comunidade de blogs da saúde, tendo, a essa altura, mais de seis mil posts, mostrando assim a magnitude da rede.

(En)Cena – Como você observa a Internet nesse campo da comunicação com usuários e também como um canal de serviço da RHS?

Ricardo Teixeira – É uma experimentação em curso. A resposta para a sua questão é uma resposta que nós estamos colhendo, acompanhando, monitorando, analisando e apostamos na ideia de usos que essa poderia ter para a qualificação do SUS.

(En)Cena – Há um estudo aprofundado nesse campo da comunicação (da internet) em relação ao SUS?

Ricardo Teixeira – Há uma questão que se coloca no plano das estratégias de mídia, das estratégias de comunicação em massa, que é o tipo de visibilidade que o SUS tem na mídia, principalmente na mídia de radiodifusão, de broadcasting, onde você tem uma instância central de onde parte a informação e se legitima pelo poder daquela empresa, sendo a televisão, o rádio, a mídia impressa, onde se expressaria inicialmente uma imagem dos problemas do SUS. Isto a partir das grandes dificuldades que são conhecidas, mas que acaba reproduzindo uma imagem deteriorada da política pública de saúde, onde acaba se constituindo aquela ideia de que o Sistema Único de Saúde não vai dar certo, de que é do governo, de que é direcionado aos pobres, criando um conjunto de preconceitos que vai se constituindo em torno da política pública por características desse tipo de mídia, do que ela considera relevante, reproduzindo uma imagem desqualificada da política pública.

(En)Cena – A Internet gera várias possibilidades, até mesmo de romper a fronteira entre a mídia convencional e o usuário…

Ricardo Teixeira – Então, em primeiro lugar, e isso é uma virtude dos novos meios de comunicação em rede eletrônica, onde então o jogo que fixa claramente quem é o emissor e quem é o receptor se embaralha, onde o receptor se torna o emissor de informação. Eu poderia dizer que a RHS tem sido um lócus importante de expressão de um SUS que dá certo, porque a grande convocação da Rede Humaniza SUS tem sido a de mostrar a sua cara, e o que tem sido feito para qualificar o SUS no cotidiano de trabalho, esse seria o primeiro papel muito importante, ou seja, criamos uma zona na web de informação onde você pode acessar outro tipo de informação a respeito do que se produz no cotidiano do SUS.

(En)Cena – Já houve alguma prática apresentada no SUS, que partiu de uma ideia apresentada no portal?

Ricardo Teixeira – Este seria um dos papéis dessa mídia, ao mostrar um SUS que dá certo. É uma de suas virtudes em potencial. Eu diria que não é a aposta principal, mas quando um trabalhador que atua em um determinado serviço, de maneira, às vezes isolada, desconectada, ele dá visibilidade ao que ele tem feito na Rede e ele recebe um retorno daquilo, no qual poderá ser um elogio, uma confirmação, reconhecimento da qualidade daquele trabalho, assim como também críticas, sugestões, associações de ideias suscitados a partir daquele experimento. Isso tem um efeito afetivo para o trabalhador.

(En)Cena – O que você vai relatar sobre esse Seminário Norte de Humanização? Vai ter alguma coisa sobre esse evento?

Ricardo Teixeira – Sim, já está tendo. Há dois dias que estou muito mergulhado nas atividades presenciais do Seminário, mas sei que já está sendo postado em tempo real o que está acontecendo aqui na RHS, e não só na rede, mas também nas outras redes sociais com as quais a RHS está conectada, facebook, twitter, sites de nossos parceiros, as redes eletrônicas. Uma postagem no espaço do nosso blog, do nosso site é imediatamente postada para as demais redes sociais.

(En)Cena – Como você percebe a parceria com o (En)Cena?

Ricardo Teixeira – Primeiramente, essa parceria se estabelece na própria web: se você entrar na Rede HumanizaSUS e ver entres os links de parceria dos sites, lá estará o (En)Cena e alguns outros sites, blogs. Acho importante dizer que a Rede Humaniza SUS tem cinco anos e, na época em que foi criada, esse tipo de rede, criando um espaço colaborativo, tipo rede social, ligada à questões do SUS, da defesa e organização de trabalho do SUS, era uma raridade. Hoje em dia, para nossa alegria, vemos que experiências similares se multiplicam, algumas em áreas mais específicas como a saúde mental, como o (En)Cena. Percebo essa parceria como uma sinergia de nossas forças e de nossa alegria de lutar por um mundo melhor.

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