Pesquisa do Instituto TIM mostra impacto da pandemia na saúde mental de professores brasileiros

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Levantamento ouviu docentes de todo o país e revelou dificuldades na adaptação ao ensino remoto, mas sentimento de otimismo em relação à carreira ainda é destaque

Rio de Janeiro, 9 de fevereiro de 2021 – A pandemia acarretou uma revisão geral de modelos e conceitos de trabalho. Na educação não foi diferente. Professores e alunos precisaram se reinventar para dar conta das tão comentadas aulas online. Uma pesquisa promovida pelo Instituto TIM, por meio do projeto “O Círculo da Matemática no Brasil”, buscou identificar como anda a saúde mental dos docentes e quais foram os impactos da Covid-19 no bem-estar desses profissionais. Quase 70% dos professores ouvidos relataram dificuldades em se adaptar às aulas remotas, porém a pandemia trouxe à tona um sentimento de mais eficiência e otimismo em relação à carreira.

“Já estávamos desenvolvendo esse estudo sobre a saúde mental dos professores quando fomos, literalmente, atropelados pela Covid-19. Decidimos, então, avaliar os resultados que havíamos coletado e fazer uma nova rodada de questionários meses depois, para entender os efeitos da crise sanitária no bem-estar dos docentes brasileiros. O ensino remoto trouxe, sim, dificuldades, mas a principal conclusão do estudo é que os professores do país, em geral, já estavam psicologicamente esgotados muito antes da pandemia. O novo modelo de trabalho, inclusive, reduziu o nível de estresse e cansaço em alguns casos. É um alerta importante para a sociedade, os profissionais da educação precisam ser olhados com atenção, inclusive, com avaliações psicológicas periódicas”, explica o economista Flavio Comim, professor da IQS School of Management (Barcelona) e da Universidade de Cambridge, responsável pela pesquisa e um dos idealizadores do projeto “O Círculo da Matemática no Brasil”.

Fonte: Instituto TIM

Apesar das condições para o trabalho remoto serem adversas – com 66,4% dos entrevistados relatando dificuldades de adaptação, 58% contando que não conseguem ministrar as aulas em casa sem barulho ou interrupções e 78% apresentando problemas de insônia ou excesso de sono – ficou constatado que o ambiente em sala de aula é muito mais prejudicial à saúde mental dos professores. Conflitos nas turmas e violência nas localidades onde as escolas estão inseridas foram apontados como os principais fatores negativos do trabalho presencial. Na pesquisa, 64% dos docentes responderam que já presenciaram agressão física ou verbal contra professores ou funcionários, feitas por alunos. Outros 72% relataram já ter presenciado brigas entre estudantes.

Por isso, mesmo com as dificuldades de adaptação ao novo formato de aulas digitais, uma das conclusões do levantamento é que a pandemia trouxe um respiro ao bem-estar mental de quem leciona. O índice foi verificado pela escala WEMWBS (Warwick-Edinburgh Mental Well-Being Scale). De acordo com o estudo, a pandemia também reduziu o índice de Burnout entre os professores. A síndrome se manifesta quando há um esgotamento físico e emocional em relação ao trabalho.

Como consequência, houve aumento do sentimento de autoeficácia dos professores durante a pandemia e o otimismo em relação à carreira. Cerca de 45% dos entrevistados viam possibilidades de desenvolvimento e de promoções, indicador que aumentou 15 pontos percentuais nos questionários feitos mais recentemente. Mais de 80% dos docentes acreditam que suas qualificações continuarão válidas no futuro.

A avaliação, por outro lado, destacou ainda mais as desigualdades da sociedade brasileira: professores pardos e negros foram mais impactados pela pandemia. Entre as pessoas negras, 76% mencionaram dificuldades de adaptação às aulas online, 64% não conseguiram trabalhar bem de casa e 83% tiveram problemas de sono durante a pandemia. O contexto familiar também retrata as diferenças: 79% dos professores negros contaram que suas famílias perderam parte da renda durante a crise sanitária, contra 61% dos profissionais brancos.

Fonte: Instituto TIM

A pesquisa e o Círculo da Matemática
A pesquisa ouviu professores do ensino fundamental em diferentes Estados do Brasil, da rede pública e privada, entre janeiro e novembro de 2020. A amostra foi calculada com um nível de confiança de 95%. Quase 80% trabalham em bairros economicamente mais vulneráveis, dando uma média de 30 horas de aulas por semana, para cerca de 28 alunos por turma. Um quarto dos entrevistados trabalha em duas ou mais escolas e 24% exercem outra atividade para complementar sua renda.

O estudo é um dos desdobramentos do projeto “O Círculo da Matemática do Brasil”, realizado pelo Instituto TIM por sete anos com o objetivo estimular o gosto por essa disciplina. O programa utiliza a abordagem The Math Circle – criada pelos professores Bob e Ellen Kaplan, da Universidade de Harvard – que, dentre outros conceitos, utiliza os erros como ingredientes-chaves na reflexão e fundamentação do pensamento matemático.

A iniciativa beneficiou 27 mil alunos de escolas públicas do ensino fundamental em 33 cidades brasileiras, envolvendo mais de 4 mil educadores. Os detalhes da metodologia, além de materiais didáticos e videoaulas, estão disponíveis no site do Instituto TIM para que mais professores possam aplicar a abordagem com suas turmas. Em 2016, a UNESCO reconheceu a importância do Círculo para o estímulo à educação científica por meio da formação de qualidade de professores em matemática e, em breve, publicará um livro com história dos educadores do projeto e mais informações sobre o programa.

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O simbolismo nas artes plásticas e o trabalho de Nise da Silveira

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Jung, ao falar de simbolismo, parte do pressuposto de que tudo pode tomar significação simbólica.

Carl Gustav Jung em sua obra ‘O homem e seus símbolos’ (1964), mais especificamente no capítulo 4 (O simbolismo nas artes plásticas), correlaciona a importância de determinados símbolos muito presentes nas artes plásticas com estados de manifestação do inconsciente. Em primeiro momento, ele destaca três elementos: a pedra, o animal e o círculo e mostra a correspondência deles nas artes plásticas e sua relação religiosa.

No segundo momento, o autor trata da arte do século XX “não sob o ângulo da sua utilização como símbolo, mas em termos da sua significação como o próprio símbolo” (JUNG, 1964, p. 225). Para tal, ele atribui ao artista o papel de representar o espírito de sua época.

Sobre este tema e adepta as ideias junguianas, Nise da Silveira, psiquiatra brasileira, retorna ao Brasil, após período de exílio, e passa a trabalhar, em 1944, no Hospital Pedro II, antigo Centro Psiquiátrico Nacional, no Rio de Janeiro. Lá, ao recusa-se a utilizar os métodos psiquiátricos da época (eletrochoque e lobotomia), foi realocada para o setor de Terapia Ocupacional, onde iniciou trabalho de artes plásticas com seus pacientes.

Contrariando mais uma vez a lógica psiquiátrica da época, que procurava nas imagens produzidas por pacientes diagnosticados como esquizofrênicos demonstrações de “degenerescência mental” e “embotamento da afetividade”, Nise atribuía a elas a representação do processo espontâneo de reorganização do inconsciente.

Fonte: encurtador.com.br/oxAB9

A simbologia da pedra, do animal e do círculo para Jung

Jung, ao falar de simbolismo, parte do pressuposto de que tudo pode tomar significação simbólica. Sejam elementos naturais como o Sol e montanhas, ou elementos produzidos por pessoas: estátuas, por exemplo. De acordo com o autor, o homem é propenso em criar símbolos e transforma inconscientemente elementos em símbolos.

Levando em consideração que qualquer elemento pode assumir a representação de símbolo, o psicoterapeuta destaca a pedra, o animal e o círculo pelo fato de que “cada um desses símbolos teve uma significação psicológica que se manteve constante, desde as mais primitivas expressões da consciência até as mais sofisticadas formas de arte do século XX” (JUNG, 1964, p.232).

Em relação à pedra, Jung destaca sua importância para as civilizações antigas por representar, muitas vezes, a morada dos deuses. “Podemos considerar este emprego da pedra como uma forma primitiva de escultura — uma primeira tentativa de dar à pedra maior poder expressivo do que o oferecido pelo acaso ou pela natureza” (iden, p.228).

Fonte: encurtador.com.br/wKY15

A animização da pedra é explicada como a projeção de um conteúdo mais ou menos preciso do inconsciente sobre a pedra. A tendência primitiva de apenas sugerir uma figura humana, conservando muito da forma natural da pedra, pode ser encontrada também na escultura moderna. (iden, p.234).

Assim, na tentativa de dar características à pedra, o homem entrelaça arte com religião. Tal fato está extremamente presente, também, no símbolo animal.

As figuras de animais pintadas em cavernas datam entre 60.000 e 10.000 anos a.C. ainda do último período glacial. Jung defende a ideia de que, mais do que uma simples representação, as figuras de animais representam um dublê do original. Assim, quando se representa a caça de um bisão, por exemplo, ensaia-se essa caça, quase como se o desenho fosse uma condição para a realidade.

Além das representações de animais, é possível verificar em muitas dessas gravuras a presença de humanos vestidos/disfarçados de animais, ele são os “Reis dos animais”. Tal simbologia é quase literal em algumas sociedades: entende-se que o chefe é o próprio animal.

Fonte: encurtador.com.br/cvwLU

Um chefe primitivo não se disfarça apenas de animal; quando aparece nos ritos de iniciação inteiramente vestido com sua roupa de animal, ele é o animal. Mais ainda, é o espírito do animal, um demônio aterrador que pratica a circuncisão. Nestas ocasiões ele encarna ou representa o ancestral da tribo e do clã, portanto o próprio deus original. Representa e é o totem animal. Assim, não há engano em vermos na figura do homem-animal que dança na caverna Trois Frères uma espécie de chefe, transformado pelo disfarce em um animal demoníaco (iden, p. 236).

Na concepção de Jung, o símbolo do animal representa a animalidade presente em cada indivíduo, nossos instintos primitivos. O ser humano é o único capaz de domar seu instinto, mas também é capaz de feri-lo, reprimi-lo, distorcê-lo. Instintos reprimidos podem tomar conta da vida de uma pessoa até mesmo destruí-la. A aceitação da alma animal é condição para se ter uma vida plena. “O homem primitivo precisa domar o animal que há dentro dele e torná-lo um companheiro útil; o homem civilizado precisa cuidar do seu eu para dele fazer um amigo”.

Por fim, o símbolo universal do círculo. No aspecto aqui tratado, o círculo representa a totalidade da psique. Independente da forma de representação dessa figura (adoração ao Sol ou mandalas, por exemplo), “ele indica sempre o mais importante aspecto da vida — sua extrema e integral totalização” (id, p.235).

Fonte: encurtador.com.br/fLN26

Nas obras, além do círculo, costuma-se destacar a figura do quadrado. Simbolicamente, este representa a matéria terrestre. A dissociação entre essas duas figuras representa um indivíduo cuja alma que perdeu suas raízes e está ameaçado de dissociação.

A pintura moderna como símbolo

O intuito do artista moderno é exteriorizar o mundo interior humano, desprezando a velha premissa mecânica do concreto e intrínseco, se tornando sensorial e subjetivo. Tendo o artista como um mecanismo de interpretação psíquico, imaterial e espiritual de sua época, por exprimir conscientemente ou não, em suas obras, os valores vigentes no seu período de formação e atuação, “Kandinsky, em 1911, escrevia no seu famoso ensaio A Propósito do Espiritual em Arte: Cada época recebe sua própria dose de liberdade artística, e nem mesmo o mais criador dos gênios consegue transpor as fronteiras dessa liberdade.” (id, p.250)

O que na verdade interessa aos artistas de hoje é a união consciente da sua realidade interior com a realidade do mundo ou da natureza; ou, em última instância, uma nova união de corpo e alma, de matéria e espírito. É a sua maneira de “reconquistar seu peso como ser humano”. Só agora é que a enorme fenda existente na arte moderna entre a “grande abstração” e a “grande realidade” está sendo conscientizada e a caminho de encontrar a sua cicatrização. (iden, p. 268).

Fonte: encurtador.com.br/kwKLM

Nise da Silveira, embasada pela teoria junguiana, também cita Kandinsky, ao falar do conceito de “improvisações”, na análise das obras: “expressões, em grande parte inconscientes e quase sempre formadas de súbito, originadas de acontecimentos interiores, portanto impressões de Natureza Interior” (SILVEIRA, 1981, p. 20 apud TOLEDO, 2012, p.8).

Mergulhando em reflexões predominantemente inconscientes, os artistas se afastaram da realidade, tornando grande parte da produção moderna, “arte abstrata”. Essa “ruptura com o mundo das coisas” culminou no movimento responsável por tornar a “arte esquizofrênica”, conflituosa e instigante, um objeto de anseio no âmbito artístico.

O trabalho de Nise da Silveira

Como visto na introdução, Nise da Silveira foi uma psiquiatra brasileira que se opôs à psiquiatria de sua época. A médica trabalhou com pessoas com esquizofrenia e usou como intervenção a pintura.

Durante seu trabalho, ela observou que muitos de seus pacientes costumavam desenhar figuras geométricas e mandalas. Os quais ela classificou como esforços instintivos para apaziguar tumultos emocionais, classificado a partir de então como “geometrismo sensível” – como da pintura de mandalas, “forças autocurativas da psique”, segundo Jung); o estabelecimento de vínculo com o mundo externo (em especial no caso das pinturas figurativas) (TOLEDO, 2012,  p.6).

Fonte: encurtador.com.br/sxH48

Levando-se em consideração que muitos indivíduos com esquizofrenia não são capazes de exprimir seus sentimentos e ideias, a pintura, na visão de Nise, configura importante meio de comunicação e expressão por revelar estados inconscientes de seu autor.

Junto a Nise trabalhava o artista plástico Almir Mavignier. Ele foi fundamental por montar um ateliê de pintura dentro do hospital, o que possibilitava que outras pessoas pudessem visitar e conhecer as obras produzidas pelos pacientes. O artista organizou vários eventos e convidou artistas renomados para conhecer o trabalho. A partir desse intercâmbio, houve uma discussão acerca da arte produzida no Brasil e suas definições. Por fim, graças ao trabalho de Mavignier, foi fundado o Museu de Imagens do Inconsciente, aberto até a atualidade e constitui campo de pesquisa tanto para profissionais da saúde, quanto para artistas.

Infere-se, então, que os símbolos, no viés histórico, representam a linguagem do inconsciente, com cargas altamente afetivas. Que se fazem presentes mesmo quando há a perda dos sentidos conscientes.

Jung (1964) faz um paralelo entre símbolos comuns nas artes plásticas, religião e manifestações do inconsciente. O autor destaca a pedra como a representação de divindades; o animal como representante do próprio inconsciente humano; e o círculo como a unidade da psique. Além do círculo, formas geométricas como triângulo e quadrado/retângulo também têm sua relação com o inconsciente: este relaciona-se com a parte material humana e aquele à ideia de complementaridade entre opostos.

Assim, observando-se o trabalho de Nise da Silveira com pacientes com esquizofrenia, pôde-se perceber a presença de manifestações de círculos e mandalas, indicando os esforços intuitivos a fim de apaziguar tumultos emocionais.

 

REFERÊNCIAS

JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964.

TOLEDO, Magdalena Sofia. Entre a Arte e a Terapia: as “imagens do inconsciente” e o surgimento de novos artistas. Proa: revista de antropologia e arte, Campinas, n. 3, vol. 1, 2012.

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