Sonhos: a interpretação causalista redutiva freudiana

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Os primórdios da psicanálise têm seu gérmen a partir do momento em que Freud entra em contato com a escola de hipnotismo francesa (JUNG, 2013c). Ali, através da hipnose, ele experimenta diretamente a presença e influência do inconsciente na personalidade. Por razões de efetividade terapêutica, mais tarde, junto de Josef Breuer, eles abandonam a prática hipnótica, e passam a usar como prática terapêutica exclusivamente a associação livre. É consolidado assim o método psicanalítico.

Jean Martin Charcot fazendo uma demonstração da hipnose em uma mulher histérica.                                      Fonte: encurtador.com.br/cgJR0

A via para o inconsciente agora se dava através de uma forma interpretativa do discurso, a partir da análise de sintomas e repetições, de forma que o paciente era, ao contrário do método hipnótico, agente participante do seu processo terapêutico. Faltava, porém, uma via direta de diálogo com o inconsciente, sem o filtro da consciência. É nesse contexto então, que se dá a grande descoberta de Freud: o sonho como a via régia para o inconsciente, publicando assim em 1900 a obra “A interpretação dos sonhos”. “[Este livro] contém, mesmo segundo meu julgamento atual, a mais valiosa descoberta que tive a felicidade de fazer. Um insight como esse só nos ocorre uma vez na vida” (FREUD, 2018, contracapa).

Primeira edição da obra “Die Traumdeutung” (1900), traduzido para “A interpretação do sonhos”             Fonte: encurtador.com.br/iwEU0

A partir de 1907, Carl Gustav Jung dá início ao seu contato com Freud, que dura até 1913, período de parceria e coparticipação em descobertas psicanalíticas. É embasado na noção psicanalítica, que se inicia o conhecimento de Jung sobre o sonho. Mais tarde, ele a coloca como parte integrante de sua compreensão sobre a fenomenologia do sonho, a nomeando de perspectiva causalista (JUNG, 2013a).

Sigmund Freud (parte inferior esquerda) e Carl G. Jung (parte inferior direita) na mesma foto durante visita aos Estados Unidos em 1909. Fonte: encurtador.com.br/dUY36

Nessa teoria do sonho, ele é compreendido como produto de uma complicada conexão de fenômenos psíquicos, uma obra que tem seus motivos, advindos de cadeias prévias de associações, sempre referindo-se a algo anterior, um passado psíquico, e possui, portanto, um significado. Esse método baseia-se em um procedimento redutivo, exclusivamente causal, que decompõe o sonho nos componentes de reminiscências e nos processos instintivos que lhe constituem a base (JUNG, 2014). Ante a obscuridade e confusão que se apresenta o sonho como o lembramos, dá-se o nome de conteúdo manifesto. Ele seria a fachada pelo qual se esconde a verdadeira ideia do sonho, o conteúdo latente (FREUD, 2018).

O “sonho manifesto”, isto é, o sonho tal como nos lembramos dele, segundo Freud, é como a fachada de uma casa: à primeira vista nada revela de seu interior, que fica oculto por detrás da chamada censura do sonho. Permitindo-se que a pessoa fale sobre os detalhes de seu sonho – obedecidas determinadas regras técnicas – vemos que as ideias que lhe ocorrem seguem todas uma mesma direção, concentrando-se em torno de um assunto específico, de significado pessoal. Inicialmente, essas ideias assumem um sentido que se dissimulava por trás do enredo do sonho. […] Esse complexo específico de pensamentos em que se concentram todos os fios do sonho é o conflito procurado, que se apresenta numa variação condicionada pelas circunstâncias (JUNG, 2014, § 21).

A forma toda especial que adquirirá o conteúdo manifesto do sonho corresponde a disposição psíquica do indivíduo, ou seja, sua individualidade. Nosso estado de espírito no presente depende de nossa história, e, por isso, os elementos de valores, na diversidade de cada pessoa, são os determinantes da constelação psíquica. Acontecimentos que provocam fortes reações de sentimento são de grande importância para o desenvolvimento psíquico posterior. Essas recordações, dotadas de forte carga emocional, formam complexos de associações mais ou menos extensos, que Jung (2013c) dá o nome de “complexos ideoafetivos”.

São, portanto, as associações consteladas pelos complexos que dão forma para o conteúdo manifesto do sonho, e é através dele que se pode fazer o caminho contrário para compreender seu conteúdo latente. Nesse método interpretativo, se volta ao passado para reconstituir certas experiências anteriores, a partir da manifestação de determinados motivos oníricos. Esse percurso é de utilidade em contexto terapêutico por abrir a possibilidade da conscientização de conteúdos inconscientes, ou de revelar fatos que o paciente não queria contar.

Se alguém sonha, por exemplo, com uma mesa, estamos ainda bem longe de saber o que a palavra “mesa” do sonho significa, embora a palavra “mesa” em si pareça suficientemente precisa. Com efeito, há qualquer coisa que ignoramos, e é que esta “mesa” é precisamente aquela mesa à qual estava sentado o pai do sonhador, quando lhe recusou qualquer ajuda financeira posterior e o expulsou de casa como um sujeito imprestável. A superfície lustrosa desta mesa está ali, diante de seus olhos, como o símbolo de uma inutilidade catastrófica tanto no estado de vigília, como nos sonhos noturnos. Eis o que o sonhador entende por “mesa” (JUNG, 2013a, § 539).

Fonte: encurtador.com.br/cnrzW

Os elementos do conteúdo manifesto, em relação ao conteúdo latente, apresentam-se não só de forma difusa e distorcida, como também uma espécie de resumo de um conglomerado de conteúdos psíquicos inconscientes. Em um único sonho, a partir de uma reflexão sobre o mesmo, é possível obter uma infinidade de observações, percepções e associações subjacentes, de forma que todas façam sentido. Esses, revelam os pensamentos oníricos, que são processos correntes na dinâmica psíquica, uma espécie de pauta inconsciente levantada e eliciada pelos processos vivenciados em vigília. São produtos da constelação psíquica do dia a dia. 

Segundo Freud (2018), essa multiplicidade se dá devido o trabalho de condensação realizado pela elaboração onírica, um processo em que se incute uma diversa cadeia de significantes em um único sonho. Portanto, da mesma forma que um sonho pode se ligar a mais de um fato, um objeto do sonho pode condensar e se referir a mais do que apenas um elemento. Um bom exemplo é quando no sonho, nos deparamos com uma pessoa que se parece com alguém que conhecemos, mas ao mesmo tempo nos lembra outra pessoa.

Fonte: encurtador.com.br/bxAG4

Outro processo comum e importante do sonho é o deslocamento. Aqui, o pensamento onírico é encoberto por uma espécie de disfarce. “[…] seu conteúdo é ordenado em torno de elementos centrais diferentes dos pensamentos oníricos […] ou seja, arrancado do contexto e, dessa maneira, transformado em algo estranho” (FREUD, 2018, p. 328). 

Esse mecanismo do sonho contribui com o processo de censura do conteúdo latente, pois encobre seu significado. A citação usada acima é um ótimo exemplo. A mesa de pinho, como conteúdo manifesto, é um deslocamento do real conteúdo latente: a recusa de auxílio financeiro e expulsão de casa realizada pelo seu pai, que no momento se sentava à mesa de pinho.

Fonte: encurtador.com.br/nuGP8

Freud (2018) em sua teoria interpretativa, postula uma regra geral que se aplicaria ao sentido de todo sonho: ele representa a realização de um desejo reprimido. Todo o processo de censura realizado pelo contudo manifesto – que segundo ele, acontece no processo do acordar – seria justamente para mascarar aquilo que há de recalcado pela consciência. Mesmo os sonhos de angústia seriam distorções devido à defesa contra um desejo que, para a consciência, é insuportável assumir. Para o autor portanto, o sonho teria duas etapas: a realização da fantasia desejante e, após isso, sua censura, que só permite que uma ideia se manifeste quando está tão deformada que o sonhador não a consegue reconhecer, graças a isso, a informação se torna tolerável para consciência.

Tais fantasias se referem a desejos de caráter sexual (FREUD, 1997) que, por demais incompatíveis com a moral do ego, não podem tornar-se conscientes, devido a uma força contraria que se opõe a elas pela consciência: o recalque. A consciência mantém esses conteúdos inconscientes, e isso é sentido durante o processo de análise como resistência, manifestação da força que provocou e mantém o recalque. Para a psicanálise, o recalcado é o protótipo do que é inconsciente (FREUD, 2011). 

Fonte: encurtador.com.br/cnDNY

Sendo o inconsciente, para Freud, um conglomerado de conteúdos recalcados devido sua incompatibilidade para com a consciência. É compreensível que ele postule os sonhos como mera manifestação destes. Já Jung não o considera de forma tão redutiva:

De acordo com a ideia original de Freud, o inconsciente é uma espécie de recipiente, ou porão, para material reprimido, desejos infantis e coisas do gênero. Contudo o inconsciente é bem mais do que isso: ele é, simplesmente, a base, a condição preliminar da consciência.  Representa a função inconsciente do psiquismo. É a vida psíquica antes, durante e depois da tomada de consciência. Como a criança recém-nascida, que chega ao mundo com o cérebro pronto e altamente desenvolvido, e cuja diferenciação foi formada pela experiência acumulada dos seus antepassados, no decorrer de séculos e séculos sem conta. Assim também a psique inconsciente é formada por instintos, funções e formas herdadas, já pertencentes à psique ancestral (JUNG, 2013b, § 61).

Fonte: Jung (2009)

Sendo suas considerações sobre o inconsciente diferentes das de Freud, também suas perspectivas sobre os sonhos se diferenciam das dele. Melhor dizendo: as concepções de Jung sobre o inconsciente e, logo, sobre os sonhos, consideram os conhecimentos freudianos como componentes da psicologia analítica, e uma etapa do processo de análise. Ou seja, a fenomenologia psíquica do sonho – bem como de todo o inconsciente – para a psicologia analítica, não se reduz à lógica causal, onde se dá um porque para um fenômeno, isso compõe uma parte de sua totalidade, ou melhor, um lado.

Dentre vários motivos, Jung busca outras perspectivas para o fenômeno psíquico pelo fato de a psicologia prestar contas àquele que sofre psicologicamente. Para este, nem sempre a conscientização de conteúdos inconscientes resolve seu problema. A partir desse ponto, os sonhos interpretados pelo método causal apenas continuariam a trazer as mesmas informações já sabidas. Não seria uma grande novidade, pois as causas anteriores se reduzem às bases do sujeito, que são sempre as mesmas. 

É necessário compreender também o que o inconsciente e o sonho estão querendo dizer com tal situação, o que ele informa sobre o que pode ser feito. Com isso, entende-se o produto psíquico do ponto de vista de sua finalidade, e o sentido que tende o atual processo psíquico (JUNG, 2014). Não à toa, Carl Jung é um teórico da Individuação.

 

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Porto Alegre, RS: L&PM, 2018. 736p. Tradução do alemão de Renato Zwick, revisão técnica e prefácio de Tânia Rivera, ensaio biobibliográfico de Paulo Endo e Edson Souza.

FREUD, Sigmund; SALOMÃO, Jayme. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Edição ‘Livros do Brasil’, 1997.

FREUD, Sigmund. Obras completes, volume 16:  O eu e o id, “autobiografia” e outros textos (1923-1925). São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2011. Tradução de Paulo César de Souza.

JUNG, Carl G.. A natureza da psique. 10. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 416 p. (OC 8/2). Tradução de Mateus Ramalho Rocha.

JUNG, Carl G.. A prática da psicoterapia: contribuições ao problema da psicoterapia e à psicologia da transferência. 16. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 156 p. (OC 16/1). 

JUNG, Carl Gustav. Ab-reação, análise dos sonhos e transferência. 9. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2012. (OC 16/2). Tradução de Maria Luiza Appy; revisão técnica de Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Freud e a psicanálise. 7. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 366 p. (Obras Comp). Tradução de Lúcia Mathilde Orth; revisão técnica Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2014. 168 p. (OC 7/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl Gustav. The Red Book: liber novus. New York, Ny. London: W. W. Norton & Company, 2009. (Philemon Series). Edited by Sonu Shamdasani; translated by Mark Kyburz, John Peck and Sonu Shamdasani.

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A estruturação da consciência a partir dos complexos

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O modelo teórico desenvolvido por Carl Gustav Jung, um dos grandes nomes da psicologia, se organiza através da observação empírica e clínica do funcionamento humano. A partir do tratamento de doentes mentais no Burghölzli, um hospital psiquiátrico em Zurique, na Suíça, e testagens em pessoas saudáveis, Jung passou a investigar a continuidade do funcionamento psíquico. Através do “Estudos Diagnósticos de Associação” (JUNG, 1995), ele dá um grande passo em sua pesquisa.

No intuito de compreender as leis que regem o curso associativo da consciência, Jung (1995) fez experimentos onde oferecia palavras-estímulo aos testados, que deveriam responder no menor tempo possível a primeira palavra que lhe vinham à mente ao recebê-la, a fim de compreender quais são as leis que regem as oscilações associativas dentro dos limites da pessoa normal. Nesse ínterim, pôde-se perceber que, quando as palavras-estímulo se relacionavam a pontos que pudessem evocar situações pessoais vividas, elas geravam uma perturbação no: tempo de resposta; ligação lógica entre palavra-estímulo e resposta; e a recordação posterior da resposta dada àquela palavra-estímulo.

Tal experimento revelou que, nesses breves momentos, existe uma perturbação da atividade consciente por um fator psíquico que, por vezes, pode passar despercebido pelo sujeito testado. É um breve assalto da consciência por outro fator da psique, que carrega reações afetivo-emocionais de situações outrora vivenciadas, e que estão, atualmente, afastadas da atenção consciente.

Jung deu a esses fatores o nome de complexos, que são a base do funcionamento psíquico individual. Segundo ele, a psique é composta por esses núcleos de carga afetivo-emocionais, que têm relativa identidade, dada sua autonomia em relação à consciencia. Eles se formam a partir de dois componentes: uma experiência, um fato vivido que está causalmente vinculado ao ambiente; e “de uma condição imanente de caráter individual de natureza disposicional” (Id, 2013a, § 18).

“Todas as vezes que uma palavra estímulo toca em alguma coisa ligada ao complexo escondido, a consciência do eu é alterada ou mesmo substituída por uma resposta originária do referido complexo. É como se o complexo fosse um ser autônomo, capaz de perturbar as intenções do eu. Na realidade, os complexos se comportam como personalidade secundárias ou parciais, dotadas de vida espiritual autônoma” (Id., 2012, § 21).

A própria instituição do eu (ou Ego) é também um complexo, tornando-se a centralidade da psique consciente, que tem seu gérmen no período da primeira infância, e vai se estruturando à medida que o indivíduo amadurece.

“Ocorre certa mudança logo que a criança começa a desenvolver a consciência do próprio “eu”; o que fica documentado exteriormente, entre outras coisas, por começar ela a dizer “eu”. Normalmente ocorre essa mudança entre três e cinco anos de idade, mas pode dar-se também antes. A partir desse momento, podemos dizer que já existe uma psique individual” (Id., 2013d, § 107).

O Eu vem a se configurar como um fator complexo, com o qual todos os conteúdos conscientes se relacionam, constituindo-se como o centro do campo da consciência. Sendo ele o sujeito de todos os atos conscientes da pessoa, não há conteúdo consciente que antes não se tenha apresentado ao sujeito (Id, 2013c).

Já outros complexos, provêm normalmente de certos acontecimentos ou impressões que causaram sofrimento ou dor (Id., 2013d). Eles são como centros de gravidade, que tendem a atrair a atenção da consciência quando sua atenção passa perto de sua órbita de significantes, memórias e afetos, influenciando seu funcionamento. Tal disposição se afigura como um céu estrelado, cheio de pontos que, no seu conjunto, formam a totalidade da psique. Não à toa, quando se está sobre a influência de um complexo, diz-se que este foi constelado.

“Este termo exprime o fato de que a situação exterior desencadeia um processo psíquico que consiste na aglutinação e na atualização de determinados conteúdos. A expressão “está constelado” indica que o indivíduo adotou uma atitude preparatória e de expectativa, com base na qual reagirá de forma inteiramente definida. A constelação é um processo automático que ninguém pode deter por própria vontade. Esses conteúdos constelados são determinados complexos que possuem energia específica própria” (Id., 2013b, § 198).

Visto que o Eu é a centralidade da consciência, Jung (2013d) observa que verifica-se nela a atitude tendenciosa de evitar até mesmo a simples possibilidade de recordar-se de objetos aversivos, devida a razão convincente de que sua recordação é penosa e dolorosa. Isso causa um afastamento sistemático desses conteúdos do centro gravitacional do Eu, resvalando-os para fora da consciência, e logo, para o inconsciente.

É aqui que adentramos o reino do não observável, do desconhecido, do não-eu. No inconsciente pessoal, encontra-se todo o pano de fundo do funcionamento psíquico, todas as sólidas bases que estruturam a viabilidade da consciência. Além disso, é onde reside toda incompatibilidade que tornaria inviável a coesão da personalidade do eu. Todas as memórias traumáticas, potencialidades não exercidas e instintos primitivos residem aí, e estão em constante inter-relação com a consciência. Para mais informações, visitar o texto: O inconsciente na perspectiva junguiana

“O inconsciente pessoal contém lembranças perdidas, reprimidas (propositalmente esquecidas), evocações dolorosas, percepções que, por assim dizer, não ultrapassaram o limiar da consciência (subliminais), isto é, percepções dos sentidos que por falta de intensidade não atingiram a consciência e conteúdos que ainda não amadureceram para a consciência” (Id., 2014, § 103).

Referências:

JUNG, Carl Gustav. A energia psíquica. 14. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 99 p. (OC 8/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl G.. A natureza da psique. 10. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 416 p. (OC 8/2). Tradução de Mateus Ramalho Rocha.

JUNG, Carl Gustav. Aion – estudo sobre o simbolismo do si-mesmo. 10. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 383 p. (OC 9/2). Tradução de Dom Mateus Ramalho.

JUNG, Carl Gustav. Estudos experimentais. Petrópolis, Rj: Vozes, 1995. (OC 2). Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth.

JUNG, Carl G.. O desenvolvimento da Personalidade. 14. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 236 p. (OC 17). Tradução de Frei Valdemar do Amaral; revisão técnica de Dora Ferreira da Silva.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2014. 168 p. (OC 7/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião. Editora Vozes Limitada, 2012.

JUNG, Carl Gustav. The Red Book: liber novus. New York, Ny. London: W. W. Norton & Company, 2009. (Philemon Series). Edited by Sonu Shamdasani; translated by Mark Kyburz, John Peck and Sonu Shamdasani.

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Carl Gustav Jung e os Complexos

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É comum ouvirmos – e falarmos também – que alguém tem um complexo de inferioridade, ou de superioridade. O complexo de Édipo também já virou um jargão habitual em nossa comunicação.

Mas o que significam os complexos?

Quando dizemos que uma pessoa tem um complexo de superioridade, queremos com isso afirmar que esse é alguém que se sente superior a todos os outros. É alguém que age com superioridade, arrogância e despreza as habilidades dos demais, por se achar mais inteligente, mais criativo, ou mais forte que o mundo todo. Parece que todo o seu ser é movido por esse sentimento. É uma espécie de possessão que a pessoa não enxerga, mas que os que estão de fora notam de forma acintosa.

É isso o que um complexo faz. Ele “possui” a personalidade da pessoa, transformando a personalidade. Na verdade não “temos” complexos; eles nos “tem”.

Jung verificou nas experiências de associação de palavras, cujo objetivo era determinar a velocidade média das reações e de suas qualidades, acabou sendo um resultado relativamente secundário, comparando-se com a maneira como o método tem sido perturbado pelo comportamento autônomo da psique. Foi então que descobriu os complexos de tonalidade afetiva que anteriormente eram registrados sempre como falhas de reação (Jung, 2000).

E com isso Jung, descobriu uma infinidade de complexos que podem perturbar a personalidade consciente.

Ele percebeu nessas experiências um fenômeno chamado constelação. Onde situação exterior desencadeia um processo psíquico que consiste na aglutinação e na atualização de determinados conteúdos. A constelação é um processo automático que ninguém pode deter por própria vontade. Esses conteúdos constelados são determinados complexos que possuem energia específica própria. Portanto, os complexos quando nos tomam são constelados.

self-actualization
Retirado de: www.conhecendojung.com

Os complexos provocam reações perturbadas. E isso pode acontecer em qualquer conversa entre duas pessoas. Os complexos então constelam e assimilam o interlocutor frustrando as intenções dele, podendo mesmo colocar em seus lábios outras respostas que ele mais tarde não será capaz de recordar.

Os complexos rompem com o postulado ingênuo da supremacia da vontade.

Toda constelação de complexos implica um estado perturbado de consciência. Rompe-se a unidade da consciência e se dificultam mais ou menos as intenções da vontade, quando não se tornam de todo impossíveis. A própria memória, como vimos, é muitas vezes profundamente afetada (JUNG, 2000).

Os complexos nos deixam em um estado de não-liberdade, nossos pensamentos se tornam obsessivos e nossas ações compulsivas, porque eles têm muita energia. Eles fazem as pessoas enlouquecerem por motivos pouco aparentes, tendo comportamentos inexplicáveis. Os complexos muitas vezes se formam devido experiências dolorosas que haviam sido enterradas no inconsciente, e que afetam inconscientemente por meio dos complexos a personalidade consciente.

Conforme Stein (2006), complexos são entidades psíquicas fora da consciência, as quais existem como objetos que, semelhantes a satélites, gravitam em torno da consciência do ego mas são capazes de causar perturbações no ego de uma forma surpreendente e, por vezes, irresistível. São os diabretes e demônios interiores que podem pegar uma pessoa de surpresa.

As áreas da psique carregadas de complexos são como “botões”, que quando apertados disparam os complexos. Quando se aperta um desses botões, obtém-se como resposta uma reação emocional. E assim, constela-se um complexo.

As reações aos complexos são bem previsíveis, uma vez que se saiba quais são os complexos específicos que estruturam o inconsciente de um indivíduo. Depois que convivemos com uma pessoa por algum tempo, sabemos quais são alguns desses botões e podemos ou evitar essas áreas sensíveis ou fazer o possível e o impossível para tocar-lhes, tirando a pessoa do eixo.

Todos nós já tivemos a experiência de perda de controle sobre as emoções e, em certa medida, também sobre o seu comportamento. Reage-se irracionalmente e, com freqüência, lamenta-o, arrepende-se ou pensa melhor sobre o que fazer na próxima oportunidade.

O pior é que reagimos exatamente da mesma maneira em muitas ocasiões e, no entanto, temos uma sensação de profunda impotente para conseguir abster-se de fazer a mesma coisa de novo na próxima vez. Quando o complexo se constela, é como se a pessoa estivesse em poder de um demônio, uma força muito superior à sua vontade.

piedrafilosofals
Retirado de: genericwords.blogspot.com

Para compreender melhor um assunto tão difícil Stein (2006) faz uma comparação bastante didática:

“Os complexos têm energia e manifestam uma espécie de “rodopio” eletrônico próprio como os elétrons que rodeiam o núcleo de um átomo. Quando são estimulados por uma situação ou evento, soltam uma rajada de energia e pulam sucessivos níveis até chegarem à consciência. Essa energia penetra na concha da consciência do ego e inunda-a, influenciando-a assim para rodopiar na mesma direção e descarregar parte da energia emocional que foi liberada por essa colisão. Quando isso acontece, o ego perde por completo o controle da consciência ou, quanto a isso, o do próprio corpo. A pessoa fica sujeita a descargas de energia que não estão sob o controle do ego. O que o ego pode fazer, se for suficientemente forte, é conter em si mesmo parte da energia do complexo e minimizar assim os súbitos impulsos emocionais e físicos.”

Esse núcleo onde “rodopia” o complexo é o arquétipo. Ele é a base do complexo. Por isso existe uma infinidade de complexos, pois existem inúmeros arquétipos.

Nossa psique, então, é composta de muitos centros, cada um deles possuidor de energia e até de alguma consciência e intenção próprias.

Mas como lidar com os complexos que nos tomam?

O ego da maioria das pessoas é normalmente capaz de neutralizar, em certa medida, os efeitos de complexos. Essa capacidade serve aos interesses da adaptação e até da sobrevivência.

Por exemplo, na vida profissional, é essencial que coloquemos de lado os complexos pessoais no interesse do bom desempenho de suas tarefas. Os psicoterapeutas precisam ser capazes de colocar em segundo plano suas próprias emoções e conflitos pessoais quando estão atendendo seus pacientes. Para que sua presença seja eficaz em face de um paciente cuja vida está em total desordem, o terapeuta deve manter-se calmo e frio, ainda que esse seja um momento de caos na sua própria vida.

No entanto, não conseguimos anular por completo o efeito dos complexos e por isso é necessário muito autoconhecimento para conhecermos aquilo que nos toca profundamente e causa emoções fortes e descontroladas.

Conforme Jung (2000) os complexos constituem objetos da experiência interior e não podem ser encontrados em plena luz do dia, na rua ou em praças públicas. É dos complexos que depende o bem-estar ou a infelicidade de nossa vida pessoal. Por isso é tão importante estar ciente deles. Até porque os complexos não são totalmente de natureza mórbida, mas manifestações vitais próprias da psique, seja esta diferenciada ou primitiva.

Portanto conhecer nossos complexos nos auxilia também a conhecer nossas potencialidades e talentos.

Referências

JUNG, C. G. A Natureza da Psique.  Petrópolis: Vozes, 2000.

STEIN, M. Jung – O Mapa da alma – Um Introdução. São Paulo: Cultrix, 2006.

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