A Luta de classes no Capitalismo Cognitivo no filme “Parasita”

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Concorre com 6 indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original, Melhor Filme Internacional, Melhor Montagem, Melhor Direção de Arte. 

O pano de fundo de Parasita é o empobrecimento e o acirramento da desigualdade na Coréia do Sul atual – após o desmoronamento de um contrato social confuciano de décadas. 

O diretor sul-coreano Joon-ho Bong é um especialista no tema luta de classes. Seus filmes como O “Expresso do Amanhã” e “Okja” são variações sobre um tema cada vez mais aprofundado pelo diretor. Até chegar a “Parasita” (Gisaengchung, 2019), Palma de Ouro em Cannes, sua reflexão mais profunda tomando como cenário o chamado “Capitalismo Cognitivo”: “não-pessoas” com seus celulares e cercados de tutoriais e aplicativos, prontos para subempregos terceirizados – forma avançada de capitalismo na qual os patrões tornam-se invisíveis e a luta de classes oculta em camadas de apps. Desempregados e “uberizados”, a família Kin-taek passa a se interessar pela família Park. Ricos, terceirizam na sua residência todos as necessidades cotidianas. É a chance dos Kin-taek arrumarem um emprego mais estável. Mas uma perturbadora revelação trará consequências catastróficas para todos os envolvidos.

Lá no distante ano de 1982, a filósofa Marilena Chauí dizia em uma matéria na revista Isto É: “não tenho empregada porque não quero levar a luta de classes para dentro de minha casa”. Eram épocas da ascensão do PT após as grandes greves dos metalúrgicos na região do ABC/SP e Lula firmava-se como líder político. O grande tema era a luta de classes decorrente do eixo Capital versus Trabalho e as formas capitalistas de expansão da exploração (a “mais-valia”) e suas expressões políticas, como a própria ditadura militar do período.

Porém, o capitalismo sofisticou-se política e tecnologicamente e o eixo Capital-Trabalho não ficou mais tão exposto. Por assim dizer, a luta de classes se “capilarizou” com o crescimento da “uberização” e os trabalhos mediados por plataformas tecnológicas atrás das quais os patrões tornam-se invisíveis.

Capilarizada, a luta de classes deixa de ser exclusiva do eixo clássico do Capitalismo para se espalhar pela sociedade através terceirização de qualquer atividade: o Capital criou uma elite da alta administração e finanças (CEOs, diretores, altos executivos etc.) com polpudas remunerações e bônus. Da criação dos próprios filhos à prosaica compra num supermercado, tudo se torna objeto de terceirização para essa nova elite: alguém será pago para fazer serviços que, outrora, a própria família dava conta. Daí, o temor da filósofa da USP: trazer a luta de classes para um novo eixo – a própria vida doméstica. Principalmente na atualidade, na qual a uberização e terceirizações generalizadas alargam ainda mais o fosso da desigualdade social.

Esse é o tema do filme sul-coreano Parasita (Gisaengchung, 2019) do diretor Joon-ho Bong. Um especialista em filmes sobre conflitos de classes, incluindo Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2013) e Okja (2017). Mas Parasita é o filme mais ousado em sua análise sobre as desigualdades estruturais do capitalismo moderno (Capitalismo Cognitivo) – de como alta tecnologia, a flexibilização das relações trabalhistas e a radicalização da meritocracia empurram o ressentimento social a situações tragicômicas.

O pano de fundo de Parasita é o empobrecimento e o acirramento da desigualdade na Coréia do Sul atual – após o desmoronamento de um contrato social confuciano de décadas (empregos vitalícios e um equilibrado sistema de aposentadorias) provocados pela imposição do pensamento único de um neoliberalismo triunfante, hoje o país convive com 30% das famílias abaixo dos níveis de pobreza.

Tragédias sociais como a transformação de homens e mulheres em “não-pessoas”, cidadão abandonados por falta de lugar na vida social, e a condição extrema de pobreza na qual famílias não conseguem nem recuperar o corpo de um familiar falecido para um velório digno, são cenas comuns na Coréia do Sul.

O Filme

Uma dessas “não-pessoas” é o jovem Kim Ki-taek (Kang-ho Song) e sua família de desempregados que vivem à beira da pobreza. Ganham algum dinheiro em um serviço terceirizado de dobrar caixas de pizza (aprendem a dobrar mais velozmente em tutoriais no YouTube) para uma empresa de entregas por aplicativo, roubam o sinal de wi-fi de um café das proximidades e vivem em uma espécie de porão no fundo de um beco frequentado por bêbados que ali urinam e vomitam.

Infestados de ratos e baratas, aproveitam a fumigação da saúde pública nas ruas para abrir as janelas ao nível da calçada e deixar que a fumaça entre, quase sufocando todos. Mas, exterminando temporariamente as pragas. Mas a sorte da família muda quando um amigo universitário de Kim Ki-woo se oferece para recomendá-lo como um professor de inglês particular para substituí-lo: ele terá que viajar para os EUA – a influência dos EUA é onipresente nas linhas de diálogo de Parasita.

Ele dará aulas particulares para a jovem So-dam Park (Ki-jung Kim), filha da afluente família Park – o pai, Dong-ik Park (Sun-kyun Lee)  – CEO de uma grande empresa de tecnologia. Sua família vive numa espaçosa casa planejada por um famoso arquiteto, o Oscar Niemeyer coreano. Kim muda seu nome para Kevin e com a ajuda da irmã falsifica seus diplomas e certificados com um Photoshop em uma Lan House do bairro.

Ao chegar na residência da família e ser aprovado pela ingênua mãe chamada Yeon-kyo Park (Yeon-Jeong Jo), Kevin percebe que todo o cotidiano dos Parks é terceirizado: motorista, governanta, a terapia do pequeno filho hiperativo com tendências artísticas, compras no supermercado etc. Vislumbra, então, a possibilidade de empregar toda a sua família naquela casa – desde que ponha em ação um plano para forçar a demissão de todos e substituí-los pela desempregada família Kim.

O pai torna-se motorista, a mãe governante e a irmã a tutora de arte e terapeuta da pequena pestinha hiperativa, após a demissão forçada dos antigos serviçais terceirizados.

A capilaridade da luta de classes

Tudo vai bem e os Park também parecem felizes e satisfeitos com os novos prestadores de serviços. Porém, a trama acaba ficando fora de controle com uma surpreendente revelação, gerando consequências inesperadas e catastróficas para todos os envolvidos. Os críticos têm considerado Parasita inovador e inclassificável – começa como uma comédia de costumes para evoluir para a sátira, o suspense, o drama do conflito de classes sociais, até atingir o ápice do horror. As variações do tema da luta de classes nos filmes anteriores do diretor, chega ao estado da arte de reflexão, ironia e humor negro em Parasita.

Após ganhar a Palma de Ouro em Cannes, o filme já é um sucesso de bilheteria na Coréia do Sul. Apesar de toda hipérbole e exagero (principalmente na sequência final), Parasita parece expressar de forma realista a tragédia social e econômica do país, fazendo os coreanos rirem de si mesmos – principalmente a periferia que se agarra aos trabalhos uberizados para viverem das sobras das classes altas.

A virtude de Parasita é a de fazer uma sátira do atual estágio do chamado “Capitalismo Cognitivo”: miseráveis munidos de celulares e cercados de tutoriais e aplicativos, prontos para serem uberizados e viverem dos restos pagos pelas classes superiores. O conflito Capital versus Trabalho ainda existe, mas está escamoteado pela tecnologia que torna os patrões invisíveis e relações trabalhistas flexíveis.

Resultado: a luta de classes se capilariza em pequenos dramas cotidianos. Sem qualquer consciência de classe, fragmentados e isolados, as não-pessoas apenas acumulam decepção e ressentimento tornando-se presas fáceis ou do atual populismo de extrema-direita ou da explosão da violência incontida. Como Joon-ho Bong nos mostra no apoteótico final.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

PARASITA

Título original: Parasite
Diretor: Bong Joon-ho 
Elenco: Cho Yeo-jeong, Park So-dam, Choi Woo-shik, Song Kang-ho;
Gênero: Suspense, humor.
País: Coreia do Sul
Ano: 2019

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Jean-Jacques Rousseau: a razão ameaçando a inocência e a liberdade

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Jean-Jacques Rousseau foi um homem a frente de seu tempo, precursor das ideias do Romantismo em um tempo Iluminista, sendo até mesmo considerado um opositor ao iluminismo. As ideias do seu período eram fundamentadas na razão, e ele pregou a emoção e o natural como fundamental, transformando esta racionalização na grande vilã da vida humana. Rousseau acreditava que a natureza humana era boa e gentil, o que a corrompeu foi a sociedade civil, que iniciou o sistema de propriedade, e com ele vieram leis que afetam a todos com a finalidade de beneficiar apenas alguns poucos, gerando o maior problema dos homens, a desigualdade, baseada em um preceito de injustiça.

Em uma declaração no início de sua mais importante obra, o autor afirma em desafio a sociedade que “O homem nasce livre e por toda parte encontra-se acorrentado”, segundo ele fato demostrado desde Adão e Eva quando adquiriram o conhecimento, passando assim a uma vida infeliz e egoísta, que os levou a uma escravização, e até hoje isto é passado de geração em geração através da educação, das ciências e das artes. As duas principais obras lançados pelo filosofo suíço em 1762 (O Contrato Social e Emilio), não só apresentam a sua visão dos problemas da humanidade, mas também a possível solução para eles, que seria uma mudança radical no sistema de governo, com fundamentos da democracia, na qual todos os cidadãos interferem na formulação das leis.

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Fonte: http://www.cefuria.org.br/2015/10/30/educacao-popular-trocando-saberes-construindo-sabedoria/

Anos após a morte de Rousseau sua filosofia de livramento de correntes, por assim dizer, serviu de apoio para a Nova República Francesa, que tinha como lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, o eternizando na história. Jean Jacques Rousseau (1712-1778) vê o homem como um ser naturalmente bom e essa bondade foi corrompida pela sociedade. Acreditava ainda que o estado da humanidade é inocente, feliz e independente e o homem nasce livre. E que as pessoas são dotadas de virtudes inatas como compaixão e empatia, porém quando a razão diferencia o homem da natureza, as pessoas se afastam de suas virtudes (BURNHAM, BUCKINGHAM, 2011).

Ferrari (s/d) acrescenta que, para Rousseau, uma das falhas da civilização em atingir o bem comum, é a desigualdade, que pode ser dividida em dois tipos: a que se deve às características individuais de cada ser humano e aquela causada por circunstâncias sociais. Para ele:

A imposição da sociedade civil sobre o estado de natureza resulta de um afastamento da virtude em direção ao vicio – e da felicidade idílica em direção a miséria. A sociedade impõe leis injustas, feitas para proteger a propriedade e infligidas aos pobres pelos ricos. O deslocamento de um estado natural para um estado civilizado ocasionaria deslocamento da Inocência e da liberdade para a injustiça e a escravização. A humanidade é corrompida pela humanidade e embora o homem nasça livre, as leis impostas pela sociedade condenam-no a uma vida “acorrentada” (BURNHAM, BUCKINGHAM, 2011, p.158).

Ferrari (s/d) corrobora com Burnham e Buckingham e acrescenta que para Rousseau, o homem, ao renunciar à liberdade, abre mão do que o define como humano e para recuperar sua liberdade perdida através das imposições da sociedade, o filósofo sugere um aprofundamento interior rumo ao autoconhecimento, que se dá por meio da emoção, com uma entrega sensorial à natureza.

Criador do Mito do Bom Selvagem, de forma geral, Rousseau defendia a prioridade da emoção e afirmava que o corpo social havia afastado o ser humano da felicidade; pregava a experiência direta, a simplicidade e a intuição em lugar da erudição; rejeitava o racionalismo ateu e recomendava a religião natural, pela qual cada um deve buscar Deus em si mesmo e na natureza (FERRARI, s/d). Suas principais obras são: O contrato social e Emílio (1762). Em o contrato social explicou sua concepção de sociedade civil alternativa, governada pelos cidadãos, que participariam da formulação das leis, ou seja, em sua visão os cidadãos operariam como uma unidade prescrevendo leis de acordo com a vontade geral.

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Fonte: http://carinzoca.tumblr.com/page/2

Para Rousseau, a realização do eu comum e da vontade geral implicam um contrato social, uma livre associação de pessoas, que resolvem formar certo tipo de sociedade, à qual passam a prestar obediência. Esse contrato social seria a única base legítima para uma comunidade que deseja viver de acordo com os pressupostos da liberdade humana (CHAUÍ, 1997). As leis proviriam de todos e se aplicariam a todos a partir de um princípio de igualdade, pois ele acreditava que a participação no processo legislativo levaria a uma eliminação da desigualdade e da injustiça e promoveria um sentimento de participação (BURNHAM, BUCKINGHAM, 2011).

De acordo com Chauí (1997), para Rousseau, a lei, vista como ato da vontade geral e expressão da soberania, é indispensável, pois determina o destino do Estado e dessa forma, os legisladores têm um papel importante no Contrato Social, é deles que o cidadão “recebe, de certa forma, sua vida e seu ser” e transforma-se superando a existência independente, que usufrui no estado natural, e para uma vida moral como um ser comunitário. Na obra Emílio, ou da educação, segundo Ferrari (s/d), Rousseau explicou que a educação era responsável por corromper o estado de natureza e propagar os males da sociedade moderna.

Não há escola em Emílio, mas a descrição, em forma vaga de romance, dos primeiros anos de vida de um personagem fictício, filho de um homem rico, entregue a um preceptor para que obtenha uma educação ideal. O jovem Emílio é educado no convívio com a natureza, resguardado ao máximo das coerções sociais. O objetivo de Rousseau, revolucionário para seu tempo, é não só planejar uma educação com vistas à formação futura, na idade adulta, mas também com a intenção de propiciar felicidade à criança enquanto ela ainda é criança (FERRARI, S/D, p. 02).

Para Rousseau, a criança devia ser educada em liberdade e viver cada fase da infância na totalidade de seus sentidos. Ele também preconizava que a educação tinha que se preocupar com a formação moral e política (FERRARI, s/d).

De acordo com BURNHAM e BUCKINGHAM (2011) Rousseau está ligado à Revolução Francesa, pois sua ideia de um contrato social no qual a vontade do corpo controlaria o processo legislativo ofereceu aos revolucionários uma alternativa viável ao sistema vigente. Além disso, sua influencia também se estendeu a filosofia, tendo maior alcance no século XIX. Corrobora com essa afirmação Ferrari (s/d) ao afirmar que não foi por acaso que Rousseau publicou simultaneamente, em 1762, suas duas principais obras, Do Contrato Social ­ em que expõe sua concepção de ordem política ­ e Emílio, tratado sobre educação, no qual prescreve a formação de um jovem do nascimento aos 25 anos.

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Fonte: https://jornaldaluz.wordpress.com/author/cacaide/

Em todas as suas obras, os processos educativos e as relações sociais são vistos a partir do ponto de vista da liberdade, que ele vê como direito e dever. Ele afirmou a liberdade como direito inalienável e exigência para a vida, principalmente, espiritual do homem. Assim, Rousseau se distancia do individualismo, pois propõe uma coletividade e o valor do individuo enquanto indivíduo. Ele postula a consciência da dignidade do homem em geral e valoriza a personalidade humana, que se traduz na universalidade do amor de si. O amor de si constitui a interioridade, é a ponte que liga o eu individual ao eu comum, a vontade particular à vontade geral. Dessa forma, todos os cidadãos poderão chegar a identificar-se com o Todo maior, sentir-se membros da pátria e amá-la (CHAUÍ, 1997).

Nota-se que em suas obras prevalece a ideia de que a razão ameaça a inocência, a liberdade e a felicidade humana e que para ele, liberdade não significa a realização de seus impulsos e desejos, mas uma dependência das coisas. Assim, em vista dos aspectos observados conclui-se que se Rousseau acreditava que o homem nasce livre, mas através das exigências coletivas, sua é bondade degradada. No entanto, para ele é possível readquirir essa autonomia através de uma investigação interior em direção ao conhecimento de si próprio, que acontece por intermédio da emoção, com uma rendição sensível à natureza.

REFERÊNCIAS:

 

BURNHAM, Douglas; BUCKINGHAM, Will. O Livro Da filosofia. Globo Editora, 2011.

 

CHAUÍ, Marilene. ROUSSEAU: Vida e Obra. Círculo do Livro LTDA, 1997.

 

FERRARI, Márcio. Jean-Jacques Rousseau, o filósofo da liberdade como valor supremo. Disponível em< http://novaescola.org.br/formacao/filosofo-liberdade-como-valor-supremo-423134.shtml>. Acesso em: 24 ago 2016.

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