18 de março de 2022 Josélia Martins Araújo da Silva Santos
Insight
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É socialmente aceito quando uma pessoa que está com sobrepeso ou não, e se recusa a comer um determinado alimento alegado que está de dieta. O uso indiscriminado de inibidores de apetite, geralmente anfetaminas, também não suscita maiores condenações. No entanto, esses tipos de comportamentos podem ser sinais de alerta de um problema global que atinge cerca de 4,7% da população do Brasil que já apresentaram sinais de transtornos alimentares, de acordo com levantamento da OMS, constando a maior incidência em mulheres jovens de 14 a 18 anos.
Os transtornos alimentares são uma verdadeira “epidemia” que assola as sociedades industrializadas e desenvolvidas, afetando principalmente adolescentes e adultos jovens. Quais são os sintomas dessa epidemia de humor? Geralmente, os pensamentos falhos e insalubres das pessoas com esses distúrbios são caracterizados por uma obsessão pela perfeição física. Na verdade, trata-se de uma “epidemia de culto ao corpo”, multiplicando-se em uma população mórbida preocupada com a estética e influenciada por mudanças psicológicas associadas a padrões corporais. É por isso que a incidência de distúrbios alimentares está aumentando perigosamente e começou a alarmar especialistas da área da saúde.
Fonte: Pixabay
Appolinário (2001) evidencia que a obsessão pela perfeição física se manifesta de muitas maneiras, algumas das quais bem diferentes. Existem distúrbios alimentares mais tradicionais, nomeados anorexia e bulimia. Porém, há outras condições que são estimuladas e desenvolvidas nas chamadas “culturas magras”. As pessoas com a condição, também ficam obcecadas com a forma do corpo e distorcem sua autoimagem a ponto de se sentirem gordas mesmo com 38 kg. O resultado é uma deterioração física e mental progressiva, desde sintomas inicialmente leves, como queda de cabelo, até complicações cardiovasculares, renais e endócrinas que podem ser graves o suficiente para resultar em morte. Excesso de cautela, medo da mudança, alergias e gosto pela ordem também podem ser umas das características de quem tem o transtorno alimentar.
IDA (2007) aponta que vários estudos epidemiológicos têm mostrado um aumento na incidência de alguns transtornos alimentares com o desenvolvimento de padrões de beleza femininos para corpos mais magros, como citado especialmente na anorexia e bulimia nervosa. Anorexia e bulimia parecem ser mais prevalentes nos países ocidentais e significativamente mais comuns entre as mulheres mais jovens, especialmente aquelas pertencentes a essas classes sociais mais altas, o que reforça sua associação com fatores socioculturais, razão pela qual alguns pesquisadores entendem os transtornos alimentares como síndromes estão culturalmente relacionadas. As síndromes relacionadas à cultura são um conjunto de sinais e sintomas limitados a determinadas culturas devido às suas características únicas os quais associada com aspectos biológicos, psicológicos e familiares geram uma preocupação exacerbada com o corpo, um temor descontrolado em engordar juntamente com uma ansiedade específica atrelada a mudança física corporal.
Appolinário (2001) aponta que a alimentação precária, aliadas a uma cultura de perda de peso, podem favorecer o aumento dos transtornos alimentares. E eles se tornaram mais comuns entre as mulheres, talvez por causa de uma cultura de emagrecimento mais forte entre elas. Sentindo uma vontade incontrolável de ser tão magra quanto as “top models” dos comerciais e da mídia presente todos os dias com glamour e sucesso. Mais importante ainda, as mensagens que são transmitidas a todo instante cultuam que ter o corpo magro é ter sucesso, e vivenciar o processo para você alcançá-lo apesar de ser por vezes uma experiência de muitas anulações, te torna uma pessoa esforçada.
Assim o impacto causado pela cultura da magreza torna-se extenso, podendo influenciar na forma que as pessoas se veem, fazendo as acreditar que o seu corpo não é ideal se não estiver dentro dos padrões, causando também um sofrimento psíquico que pode afetar diretamente a sua qualidade de vida. Desse modo, é necessário que seja normalizado o corpo real, com suas particularidades evidenciando que não existe uma perfeição corporal, e muito menos um padrão a ser seguido, até mesmo porque as pessoas são diferentes porque seria diferente com seus corpos.
Referências
OMS. Organização Mundial de Saúde. Relatório Mundial de Saúde. Brasil, 2021.
Appolinário, José Carlos e Claudino, Angélica. Transtornos alimentares. Brazilian Journal of Psychiatry [online]. 2000, v. 22, acessado 16 março 2022, pp. 28-31. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600008>. Epub 24 Jan 2001. ISSN 1809-452X. https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600008.
IDA, Sheila Weremchuk; SILVA, Rosane Neves da. Transtornos alimentares: uma perspectiva social. Rev. Mal-Estar Subj., Fortaleza , v. 7, n. 2, p. 417-432, set. 2007.Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482007000200010&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 16 mar. 2022.
A ideia de perfeição é geradora de comércio, lucro, cujos corpos no mundo capitalista também “estão à venda”, e os modelos inadequados estão sujeitos a “rejeição e descarte”
Anorexia Nervosa é um transtorno psicológico pelo qual o indivíduo passa a ter uma obsessão por emagrecer, mesmo que esse já tenha o corpo magro, estando por vezes abaixo do parâmetro recomendado pelo IMC (Índice de Massa Corporal). Identifica-se a pessoa com Anorexia, quando esta apresenta o índice igual ou inferior a 17,5 kg/m 2.
O termo Anorexia deriva do grego orexis = apetite, acrescido do prefixo an = privação, ausência. Nessa patologia há perda do apetite em decorrência de aspectos psicológicos. A negação do apetite e o controle obsessivo para com o corpo, fazem parte de suas características (CORDÁS, 2004).
Em 1970, o psiquiatra inglês Gerald Russell sugeriu três critérios para o diagnóstico da anorexia nervosa. Eles são válidos até hoje. Trata-se do comportamento dirigido a produzir perda de peso; medo mórbido de engordar e distúrbio endócrino (RUSSELL, 1970). Os critérios atualmente vigentes nos principais sistemas classificatórios estão fortemente embasados por Russell.
Fonte: encurtador.com.br/ahjq5
Hodiernamente, pode-se compreender como comportamento que se enquadra no distúrbio a recusa de se manter no peso adequado a idade e altura, mantido geralmente 15% abaixo do esperado. No caso de pacientes pré-púberes, têm-se dificuldade de alcançar o peso esperado, existência de medo intenso em ganhar peso, perda de peso induzida pela evitação de “alimentos gordurosos”, as vezes seguidas da utilização de anorexígenos e diuréticos conjunto a exercícios físicos em excesso, indução de vômito, negação do baixo peso atual, discurso auto avaliativo fora da realidade e distorção da imagem corporal (CRISTINA, 2012). Nessa situação, qualquer ganho de peso gera grande angústia, e a cada “meta” do corpo almejado e mais magro, é motivo de comemoração, assim como motivador para a progressão da obsessão.
O possível gatilho para o início deste transtorno seria a passagem por momentos conturbados, geradores de sentimentos negativos e/ou pensamentos disfuncionais. Um fator importante na discussão é o meio social, que tem grande poder influenciador e que alicia os corpos, a fim de que haja a padronização, causando angústia as pessoas que não contemplam o dito corpo “perfeito”, ou que desejam se adequar a estéticas inalcançáveis. Colocando-se em situações que põe em risco a saúde e a vida à mercê da idealização do corpo “bonito e ideal”. A ansiedade é presente, levando-se a busca imediata de formas de emagrecimento a qualquer custo.
A ideia de perfeição é geradora de comércio, lucro, cujos corpos no mundo capitalista também “estão à venda”, e os modelos inadequados estão sujeitos a “rejeição e descarte”. Os indivíduos compram este ideal mas, por vezes, o preço a ser pego é o aumento progressivo de transtornos mentais.
Fonte: encurtador.com.br/kERT5
Gordofobia
A anorexia nervosa faz parte das consequências da gordofobia que permeiam a sociedade, causando medo da inadequação, ou fixação no desejo de ser ‘magra o suficiente’. No contexto anoréxico, há sempre uma busca de um padrão que foge da condição natural do corpo biológico, gerando uma negação psicológica de si, e de qualquer fator que leva a resultante do corpo gordo, ou simplesmente não magro; sendo a restrição de alimento, a resultante final, esta é a prática de um processo do transtorno psíquico sobre sua própria imagem. A causa exata da anorexia ainda é desconhecida, mas acredita-se que fatores biológicos, psicológicos e ambientais estejam envolvidos nas possíveis variantes de onde emergem a condição do ser.
Na questão biológica, os anoréxicos têm sempre o desejo de ser magros, entretanto essa doença pode atingir públicos de diferentes tipos corpóreos, inclusive os gordos, que sofrem a pressão social de serem o que são. Eles ingerem pouca ou nenhuma comida, tem uma perda de peso muito rápida e acentuada. Geralmente podem ficar sem três ou mais ciclos menstruais por conta da desnutrição, que também pode causar infertilidade. Esse distúrbio acomete em maior parte mulheres entre 12 a 18 anos. E pode matar o indivíduo rapidamente, pois a desnutrição pode levar a falência de órgãos, insuficiência renal, parada cardíaca, dentre outros (HIRATA, 2018).
As questões psicológicas são diversas e variam de acordo com a vida de cada pessoa. Relações sociais, o bullying na infância, eventos traumáticos, problemas que geraram conflitos internos, e a padronização vinculada aos corpos, podem ser o pontapé para o desenvolvimento da anorexia, entretanto, não existe respostas que aponte com exatidão o que causou tal problemática. É importante que haja a procura do acompanhamento psicológico, para que as raízes do problema possam ser encontradas antes de agravar ainda mais a saúde psicológica e biológica do indivíduo.
Fonte: encurtador.com.br/diknM
Pessoas com transtornos alimentares tendem a negar a doença, e consequentemente não procuram tratamento (HUDSON et al., 2007). A identificação precoce de sintomas sugestivos de transtornos alimentares, bem como a identificação de fatores de risco não tradicionais, certamente auxiliará na prevenção do aumento da incidência de transtornos alimentares.
Geralmente o início da patologia se dá durante a adolescência ou pré-adolescência, muitos dos sintomas podem não ser levados a sério pelas famílias, sendo subjugados como passageiros e pertencentes a faixa etária. Entretanto, os dados afirmam com exatidão que é um problema de extremo risco, já que 17% das anoréxicas acabam morrendo por conta de questões diretas e indiretas da doença (SOARES, 2013). Muitas famílias não compreendem o perigo e a complexidade para que se encontre uma solução; terapias em famílias se fazem muito necessárias, para deixar o contexto em que essas pessoas vivem menos letais às mentes que já se encontram em sofrimento.
A maior parte das mortes de mulheres anoréxicas se dá por suicídio. Segundo um artigo publicado em 1995 por Sullivan, a anorexia obtinha as maiores taxas de suicídio entre demais causas psiquiátricas. Embora possamos definir que a patologia seja, em síntese, um suicídio lento, pode-se concluir que é importante alertar, e compreender o desenvolvimento dos comportamentos anoréxicos e, principalmente, fazer com que a prevenção se estenda com cuidado e enfrentamento de discursos romantizados, para proteger aqueles que nos rodeiam dessa terrível guerra para o alcance do inalcançável corpo ideal.
Cai as fronteiras entre os famosos e seus seguidores. Os próprios jovens e adultos jovens – ou qualquer outro indivíduo comum –, hoje, se veem impelidos a aspirar à fama
A excessiva preocupação com o corpo, sobretudo no que se refere a um ideal de corpo para homens jovens, não é algo que tenha eclodido do século XX para o XXI e, logo, não se trata de uma invenção contemporânea e/ou disciplinar ao estilo foucaltiano, mas, antes, um modo de encarar a masculinidade que remete desde a Grécia Clássica (GOLDIHILL, 2007). Ainda assim, é inegável o papel que as modernas tecnologias de informação (através das mais variadas plataformas e mídias) exercem para que o corpo, na contemporaneidade, ocupe o lugar central na constituição de um modelo de bem-estar subjetivo (LIPOVETSKY, 2007) calcado em discursos tecnocientíficos e mercadológicos que chancelam o autocuidado como uma das instâncias inalienáveis deste período histórico (BAUMAN, 2008).
Neste contexto, os jovens contemporâneos superam o ideal de sucesso e felicidade não com a perspectiva de acréscimo de bens materiais e conquistas de longo e médio prazos, algo que pautava a Modernidade Sólida – numa referência que Bauman (2008) faz a busca por segurança que marcou os séculos XIX e XX – mas, antes, ao encontrarem no corpo a última fronteira para um dos mais disputados territórios pós-modernos, o uso dos prazeres (LOCKE, 1997). E esta dinâmica, em parte pode ocorrer por um processo de assimilação e/ou aprendizagem oriunda da mídia (DEBORD, 1997).
Ora, se o Renascimento e, mais à frente o Iluminismo, é uma ruptura com aproximadamente mil anos de desprezo pelo corpo, num extremo que Nietzsche (2005) identifica como o niilismo e a moral asceta cristã, por outro lado, num desdobramento sem precedentes, o momento atual é de uma afirmação da imanência onde a dialética da positividade – num cenário onde se é proibido proibir – (HAN, 2015) aponta para o corpo como uma das últimas fronteiras de autorrealização – num cenário de defesa da saúde e educação pelo corpo –, já que a felicidade como algo a ser alcançada pelo corpo coletivo, pela sociedade como um todo, parece ser uma utopia que foi enterrada desde a queda do Muro de Berlin (PONDÉ, 2014).
Vale ressaltar que ainda nas décadas de 70 e 80 do século XX (FOUCAULT, 1999) observou-se que as tentativas de padronização e, depois, realce dos corpos configuraram-se, na verdade, como uma espécie de docilização, que nada mais é que uma tentativa de a sociedade exercer poder sobre os corpos individuais dos sujeitos, seja para docilizá-los, no sentido de discipliná-los a um conjunto de regras, seja para que estes alcancem o máximo de eficácia dentro do sistema liberal de produção.
A configuração destas relações de forças ocorre de maneira sistêmica, onde ainda não se pode dizer que as diretrizes sobre um ideal de corpo saem exclusivamente desta ou daquela instituição de caráter hegemônico. Antes, é fruto de acordos que envolvem vários dispositivos. Não se pode negar que entre estes dispositivos se destacam os produtos midiáticos de teor pegagógico – aqui apontados como filmes, programas de TV, novelas, jornais, telejornais, webjornais, propagandas, tutoriais em redes sociais eletrônicas, etc –, que apresentam modelos identitários que, de longe, mostram um sujeito para além de um ‘homem de massa’ (EHRENBERG, 2010), agora revestido de uma performance aparentemente individual – só aparentemente, pois a performatividade deixa de ser original quando o que a move, ou seja, o desejo de realização pessoal pela espetacularização da própria vida (DEBORD, 1997) não se restringe mais a uma classe artística distante. Qualquer um, pelo disciplinamento adequado em relação ao corpo e, seguidas as formas de interações nas mídias sociais eletrônicas, estaria apto a alcançar tal patamar. Surge a era do protagonismo. Neste caso em particular, é de se chamar a atenção a quantidade de personais trainers, por exemplo, que têm perfis em redes sociais online de compartilhamento de fotos e vídeos entre seus usuários, e que exercem discursos de autoridade diante de uma plateia virtual que replica tais categorias para suas relações cotidianas, notadamente no que se refere a construção de um ideal de corpo.
Neste ínterim, para Dornelas; França (2014) a ostentação se generaliza entre os jovens de todas as camadas sociais. Um marco foram os chamados “rolezinhos” ocorridos em São Paulo-SP em 2013, quando muitos jovens de periferia – negros, em sua maioria – ocuparam alguns dos maiores shoppings da capital paulista para fazer uma celebração ao consumo. Isso ocorre porque parte da música consumida por estes jovens – o funk, sobretudo – não mais faz referência exclusiva a atos de resistência e denúncias sociais. Os modos de inserção, de aceitação pelo outro agora são atravessados pela esfera do consumo. Mesmo que não ocorra o ato em si do consumo, estar num templo do consumo, entre amigos, já cria a esfera de pertencimento. Desta forma, na esteira das tentativas de se fazerem reconhecidos e levando-se em conta que o consumo substitui simbolicamente a cidadania (KEHL, 2012), os jovens não apenas têm que comprar, eles precisam se adornar e tornar públicos estes adereços (DORNELAS; FRANÇA, 2014), seja através de encontros presenciais, seja através da publicização em redes sociais eletrônicas.
Por trás deste movimento – o que em alguma medida pode configurar, também, parte da motivação da procura por ideais de corpo – é a busca do sucesso como meta. Desta forma, cai as fronteiras entre os famosos e seus seguidores. Os próprios jovens e adultos jovens – ou qualquer outro indivíduo comum –, hoje, se veem impelidos a aspirar à fama, afinal um dos maiores medos da contemporaneidade é a invisibilidade (BAUMAN, 2007). Neste sentido, a ostentação tem sido traço balizador de socialização, configurando como poder de barganha e indicativo de percursos que almejam o sucesso, mesmo que não se possa saber, ao certo, se tal contenda irá se concretizar.
Sobre este tema Baudrillard (1995) sustenta que o consumo pode se configurar como um desejo de ascendência social, já que se configura como uma oportunidade rápida de inclusão. O consumo material ou cultural como compulsão, por esta ótica, funciona como um compensador das deficiências sociais historicamente estabelecidas, possibilitando a aparente ascensão de classe. Ostentar pelo consumo ou afirmação do corpo como instrumento de poder (BIRMAN, 2012), assim, são tentativas de se criar espaços de afirmação e de reconhecimento (PEREIRA, 2013).
Já a pedagogia do corpo (EHRENBERG, 2010), que passa a ser medido, aumentado ou diminuído (no sentido de obter hipertrofia ou perder peso) e tonificado, antes mesmo de ser amplamente disseminado nas redes sociais foi a tônica de ideais corporificados em filmes e, no campo empresarial, saudado como exemplo a ser seguido no que tange aos protocolos de ascese que levam a mudanças rápidas no mercado de trabalho, pois o cuidado com o corpo é um dos exemplos da materialização da hiper-racionalização das práticas sociais (BIRMAN, 2012).
É possível mudar o corpo com relativa facilidade, num sistema de autogestão que realça a individualidade e o sentido de protagonismo pessoal, também é possível impingir tais transformações em outras esferas da vida, como no campo afetivo e profissional, e nas relações de comunicação, agora mediadas pelas mídias sociais eletrônicas (BAUMAN, 2008).
Mas, neste ínterim, indaga-se qual o peso dos produtos midiáticos sobre a base subjetiva dos jovens, e se é possível aferir que tais produtos midiáticos impactam na forma como os sujeitos traçam suas estratégias de vida. Para Ehrenberg (2010) e Chauí (2006), estes produtos – notadamente os que estão de acordo com um ideal de bioascese (excesso de autogerenciamento com o próprio corpo, que gera autorreferencialidade subjetiva) se assemelham aos programas de treinamento dos atletas e, por sua vez, podem se configurar como um convite implícito a uma dinâmica performativa por parte do sujeito. As redes sociais eletrônicas, neste contexto, se apresentam como um cenário perfeito de troca do espaço privado pela dimensão da exposição pública, já que o protagonismo não pode ocorrer às escuras, é necessário publicizá-lo. Ainda não se pode aferir com exatidão, no entanto, qual o real impacto dos produtos midiáticos sobre este ideal de corpo, embora se saiba que a mídia produz simulacros (CHAUÍ, 2006) que acabam servindo de fontes balizadoras de padrões comportamentais, em que pese a pouca quantidade de estudos sobre o tema no país.
De qualquer forma, no cenário sociológico (BAUMAN, 2008) e filosófico (DEBORD, 1997) se percebe, através de métodos dedutivos e estudos de casos, que à medida que as sociedades se desenvolvem tecnologicamente elas tendem a comportar – ou até mesmo a estimular – a espetacularização individual das vidas de seus componentes, que se alternam entre ‘atores’ e ‘espectadores’ numa dinâmica que se retroalimenta e se expande a uma velocidade relativamente constante. Desta forma, o corpo como palco de representação de um modo de ser não mais se restringe aos ambientes puramente esportivos. Ele é perseguido nas corporações, nas relações afetivas e, também, nos modelos identitários interpelados pelos produtos midiáticos (EHRENBERG, 2010).
O corpo esculpido então passa a ser a explicitação de um ideal de realização do sujeito, ideação esta implícita na dinâmica de forças políticas e nos discursos que permeiam as narrativas midiáticas, particularmente a partir dos heróis retratados nos cinemas, nos protagonistas de programas de TVs e nos tutoriais diversos de redes sociais eletrônicas, onde o discurso de autossuperação ganha a tônica e norteia o paradigma da autorreferencialidade que, em casos extremos, pode levar ao narcisismo patológico (FREIRE COSTA, 2004).
Assim, um corpo esculpido e tonificado pela ascese resultante de atividades físicas regulares, estimuladas pelos produtos midiáticos com teor pedagógico, configura-se então como uma forma de capital pessoal (GOLDENBERG, 2010) – assim como o processo educativo, em si, já se inscreve em tal cenário – que na contemporaneidade pode ser exaltado de diferentes formas, notadamente a partir de uma comunicação não linear, constituída a partir da exaltação de um sujeito individual, que produz e (re)produz a si próprio, sobretudo na forma como se apresenta esteticamente para o mundo.
BAUMAN, Z. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. São Paulo: J. Zahar, 2008.
BIRMAN, J. O sujeito na contemporaneidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
CHAUÍ, M. Simulacro e poder. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.
DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
DORNELAS, R.; FRANÇA, V. No Bonde da Ostentação O que os “rolezinhos” estão dizendo sobre os valores e a sociabilidade da juventude brasileira? Revista Eco Pós, v. 17, n. 3, 2014. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/eco_pos/article/view/1384>. Acesso em: 02 dez. 2017.
EHRENBERG, A. O culto da performance: da aventura empreendedora à depressão nervosa. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2010.
FOULCAULT, M. A ordem do discurso. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1999.
FREIRE COSTA, J. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
GOLDENBERG, M. O corpo como capital. Rio de Janeiro: Estação das Letras, 2010.
GOLDHILL, S. Amor, sexo & tragédia: como os gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
HAN, B. C. Sociedade do Cansaço. São Paulo: Vozes, 2015.
KEHL, M. R. A juventude como sintoma da cultura. 2012. Disponível em: <https://pt.scribd.com/doc/166494178/A-Juventude-Como-Sintoma-Da-Cultura>. Acesso em: 01 dez. 2017.
LIPOVESTKY, G. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
LOCKE, D. Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1997. (Coleção Os Pensadores).
PEREIRA, A. B. Rolezinhos: o que esses jovens estão roubando da classe média do Brasil? [25 dez. 2013]. Portal Geledés. Entrevista concedida a Eliane Brum. Disponível em: <www.geledes.org.br/em-debate/colunistas/22538-rolezinhos-o-que-estes-jovens-estao-roubando-da-classe-media-brasileira-poreliane-brum>. Acesso em: 28 jan. 2014.
PONDÉ, L. F. A era do ressentimento. São Paulo: Leya Brasil, 2014.
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Videoinstalação como uma estratégia de narrativa corporal
Atualmente, com base no que pode ser notado, percebe-se o quanto os meios de comunicações alcançam milhares de pessoas em um pequeno espaço de tempo, e como uma de suas consequências, induz o público a ser, pensar e agir a partir de um padrão que eles julgam o mais adequado. São pessoas que lutam contra a balança e o espelho constantemente, arriscam-se em dietas perigosas – disponibilizadas, intensa e qualitativamente, pela internet – vivem praticando exercícios físicos, buscam algumas vezes profissionais voltados a saúde física, e em casos mais extremos chegam a realizar cirurgias estéticas, mesmo sabendo que não precisam ou não podem no momento, mas sentem sede de poder, o mais rápido possível, alcançar o peso e o corpo ideal.
A influência midiática sob o corpo visual humano está cada vez mais forte e arraigada na nossa cultura, uma vez que pouco se têm consciência acerca dos males que isso traz e sobre a sua real finalidade, compra-se e usa-se sem um por quê individual. Isso é completamente notório em crianças, por exemplo, que desde cedo já acreditam que o padrão da boneca Barbie é o bonito, que falar em beleza é fazer referência a ela, e isso acaba por refletir em si quando os próprios pais inferem brutalmente no vestir-se de seus filhos, quando as meninas usam maquiagem e anseiam pelas roupas que são vendidas pela mídia.
Quando não se tem consciência dos males causados pelos padrões sociais a tendência é existir uma sociedade cada vez mais doentia e frustrada, que não conhece seus próprios limites e quer sempre mais, várias patologias então passam a se desenvolver de acordo com que o magro e o objeto vendido se tornam belo, e o que passa disso é anormal, automaticamente rejeitado; têm-se adoecimentos pelas duas esferas: no excesso e na falta.
O destaque que está sendo dado ao corpo humano em nossa sociedade atual tem gerado diversas discussões e reflexões de diversos autores, a apresentação do corpo na arte videográfica é o tema abordado em um dos capítulos do livro de Danillo Barata “Corpos Mutantes”, que em suma fala da fusão entre a arte e a tecnologia que por sua vez proporcionou o surgimento da videoarte que em seus primórdios foi o pontencializador das performances. Nos anos 60 e 70 a inquietação dos artistas tomados pela chamada antiarte, despertou novas maneiras de redefinir a estética e a instituição da arte através do corpo.
Fonte: http://migre.me/vkoZs
Para fazer uma análise mais detalhada sobre o corpo é preciso entendê-lo como um corpo histórico, que segundo Barata (2009, p. 107) é o corpo que assume um lugar de acontecimentos e é fruto das transformações culturais, sociais, econômicas e estéticas. Na contemporaneidade podemos observar claramente as influências e destaques que o corpo vem recebendo principalmente no universo da moda e da publicidade. Os padrões estéticos ditados ao homem ocidental vão muito além do que somente o modo de se vestir mais também interferem na construção social do corpo. Em tempo algum se viu tanta banalização com o corpo, tantas dietas, exercícios físicos, tratamentos cirúrgicos e outras formas de se alcançar o corpo ideal que muitas vezes é inalcançável.
Dantas (2011, p. 4) afirma que este é um tema de fundamental importância para a Psicologia, pois o corpo se tornou centro de preocupação e investimentos no contexto atual. Barata (2009, p. 106) complementa esta ideia afirmando em seu trabalho que esta preocupação em atingir os padrões que a moda e a publicidade imporam geram um vazio que pode aumentar a insatisfação do homem moderno. Sendo assim este tema gera um possível campo de intervenção da psicologia.
Dentro das esferas públicas as regras e metas a serem alcançadas para um bom convívio social, e para alcançar a aceitação e admiração de todos tem se tornado cada vez mais cruéis. Barata (2009, p. 108) em sua obra relata um exemplo de totens midiáticos que exibiam modelos vigorosos de homens e mulheres em televisores na entrada de uma loja de roupas. As pessoas que ali entravam buscavam a aceitação através dos expositores daquela loja.
Os meios para conseguir o “corpo perfeito” vão desde academias com diversas atividades físicas, cosméticos “milagrosos”, dietas “infalíveis” a modificações corporais advindas de cirurgias plásticas. Sendo o homem contemporâneo mais imediatista, a segunda opção ganha mais destaque. No início do século XX as mudanças corporais partiam do externo, o uso de espartilho por exemplo, porém, nos anos 90 as cirurgias plásticas se popularizaram, dando inicio as modificações internas de forma desenfreada. Ter um corpo “jovial”, seios “siliconados”, uma pele “perfeita” se tornou mais simples e acessível, sendo essa prática não só restrita aos adultos, “…a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica apresenta uma estimativa de que cerca de 130 mil crianças e adolescentes submeteram-se no ano de 2009 a operações plásticas” (CAMARGO, 2012).
Fonte: http://migre.me/vkqzV
Segundo a ISAPS (International Society of Aesthetic Plastic Surgery) o Brasil no ano de 2013, foi o numero 1 em cirurgias plásticas, totalizando 23 milhões de operações realizadas. Logo, o que se têm atualmente, é uma busca incessante para ter um corpo segundo os padrões videográficos, recorrendo a diversos recursos estéticos e assim, “os desfiles parecem não se resumir apenas às passarelas dos grandes eventos de moda, mas invadem também as ruas e avenidas…” (BARATA, 2009, p. 110).
Danilo Barata traz em seu ensaio, algumas imagens de corpos nus, masculino e feminino. Através das imagens que foram mostradas do seu trabalho, foram formados discursos sobre conceitos morais e o que realmente poderia ser designado como o corpo perfeito. A promessa atraente de um corpo ideal e as possibilidades de adiar a velhice, ter o corpo esbelto, vêm cada vez mais conquistando milhares de pessoas. A mídia, os cientistas, em todos os meios, traz essa possível realização da tal juventude deseja.
Esse corpo inacabado considerado como um objeto sempre disponível a reformas devem aumentar os seus níveis performáticos. Para vencer os perigos crescentes de tornar-se obsoleto, o corpo deve ser continuadamente turbinado para acompanhar a sofisticação das máquinas, atender as novas demandas de prazer e liberdade próprios da atualidade (SANT´ANNA, 2001).
O propósito de ter um corpo nomeado como perfeito, vem acompanhando a modernidade, o vicio de mudar o corpo em movimento, a busca incansável e cada vez mais precoce, requer uma conduta de disciplina rigorosa, envolvendo alimentação e disposição física.
Em diversas ocasiões passa de um processo sadio para um ato de doença. O atual momento é o que glorifica o emagrecer, e em contrapartida existe uma sociedade que se torna cada vez mais obesa. Uma sociedade que exalta a beleza física, e considera-se saudável apenas pela aparência. Conforme assegurou Barata, “podemos disfarçar as inscrições dos acontecimentos na superfície da pele. Mas por trás do aparente, dentro de nós, estão todas as marcas, sofrimentos e alegrias perdidas, imperfeições e incompletudes que traduzem o que somos” (Couto, 2003, p.133 a 148).
Fonte: http://migre.me/vkrMP
Para Bauman (2011), a preocupação com o corpo não está relacionada com saúde, mas com a forma física.
Diferentemente da saúde, que pode ser identificada como normal ou anormal, a boa forma não pode ser mensurada e quantificada; é pertencente à individualidade do sujeito, o qual está fadado a jamais atingir o nível desejado de perfeição em relação ao seu corpo. Sempre é possível receber novas sensações, e o Mercado está empenhado para oferecer o maior número e as mais variadas possibilidades de prazeres e sensações corporais (BAUMAN, 2011, p. 157).
A forma física “não conhece limite superior; na verdade, ela é definida pela ausência de limites – mais especificamente, por sua inadmissibilidade” (BAUMAN, 2009, p. 122). Não há meios em que possa separar o estético da saúde, mas a sociedade está vinculada a essa necessidade constante de mudanças, que abusa dos limites do próprio corpo. Danillo Barata, em sua amostra, conseguiu demonstrar através de fotografias e vídeos, o corpo real. A mudança constante do corpo, causando impacto a todos os participantes do evento.
É possível perceber que durante a pesquisa do autor Danillo Barata, que a ênfase dada ao corpo humano na atual sociedade, principalmente quando se trata do universo da moda e publicidade, onde o corpo é o principal instrumento de trabalho e é necessário ser “perfeito”, constitui-se um objetivo de frequente reflexão e pesquisa artística. Esses padrões ditados por esse universo da moda e publicidade vão além do que a pessoa deve ou não vestir, comer ou não comer e interfere na construção social do corpo, fazendo com que o homem se torne escravo da sociedade de consumo desenfreado onde é possibilitado às pessoas a construção de uma imagem ideal onde se encaixe nos padrões atuais.
Fonte: http://migre.me/vku88
Dentro da esfera pública do mundo moderno, é possível observar que ser uma pessoa notada e consequentemente admirada, tem se virado um alvo a ser alcançado e quem não se adéqua a esses padrões e exigências desse universo de beleza, não alcançam aceitação e admiração sendo seguidamente excluídos. Beleza, vigor, juventude. Em torno desses vetores são elaborados os discursos e os modelos do corpo considerado perfeito. Para atingir os padrões de perfeição, cada vez mais o corpo vital se alimenta com técnicas estimulantes capazes de construir e acentuar os traços tidos como graciosos, a resistência e a aparência sempre jovem e saudável. De diversas maneiras, é necessário acelerar o organismo, extrair dele mais movimento e prazer. É preciso testá-lo, perseguir o máximo de rendimento, superar obstáculos, romper limites, quebrar recordes (Couto 2002).
O uso do corpo como meio de expressão artística tende hoje a retomar as pesquisas das artes no caminho das necessidades humanas básicas. A forma de se expressar através da mídia e fotografias, que permitiu o rompimento de valores pictóricos, revelaram a dinâmica moderna e suas mudanças. Buscou-se entender e dialogar e compreender através das imagens, os medos e revelações do universo moderno. Segundo Milton Santos (2002, p.21): “Esse momento no qual vivemos, para repetir Chesnaux, é de uma sociedade sincrônica, integral, na qual o homem vive sob a obsessão do tempo, sociedade essa que é, ao mesmo tempo cronofágica.”
A abordagem do corpo no decorrer da pesquisa de Danillo Barata, direcionou sempre ao desejo, e à busca de sua identidade. Por fim, foi constatado que o corpo é uma fonte inquietante e transversal de comunicação, sendo palco de apresentações e de celebrações na cultura ocidental, ampliando o sentido do fazer artístico e trabalhando as potencialidades dos novos meios.
REFERÊNCIAS:
BAUMAN, Z.Vida em Fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, pag. 157.
BAUMAN, Z.Vida Líquida. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009, pag. 122.
COUTO, Edvaldo Souza. Corpos interditados: notas sobre anatomias depreciadas. Em STREY, Marlene Neves e CABEDA, Sonia T. Lisboa. Corpos e Subjetividades em Exercício Interdisciplinar. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2004, pp. 133-148.
DANTAS, Jurema Barros.Um Ensaio Sobre o Culto ao Corpo na Contemporaneidade. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/8342/6136/>
SANT´ANNA, Denise. Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. São Paulo, Estação Liberdade, 2001.
CAMARGO, Orson. “Mídia e o culto à beleza do corpo”; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/sociologia/a-influencia-midia-sobre-os-padroes-beleza.htm>. Acesso em 06 de setembro de 2016.