O “Encanto” das relações transgeracionais na formação das crenças

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Encanto, filme da Walt Disney Animation Studios, lançado em dezembro de 2021, literalmente “encantou” o público e está prestes a concorrer ao Oscar de 2022 na categoria de Melhor Filme de Animação e Melhor Trilha Sonora.

O filme conta uma história extraordinária sobre uma família que possui poderes únicos, e vivem nas montanhas da Colômbia em uma casa mágica.

A história e a construção dessa narrativa iniciam quando a jovem Alma Madrigal foge com seu marido e seus filhos trigêmeos, Julieta, Pepa e Bruno por causa de um conflito armado, e o marido acaba morrendo tentando proteger eles e outras pessoas da vila. Alma consegue salvar seus filhos, e a vela que ela estava segurando adquire poderes mágicos – um “milagre” – e acaba derrotando seus perseguidores. Depois disso eles se refugiam nas montanhas, e formam uma comunidade ali.

 Cada membro da família em um dado momento da vida é contemplado com um dom único, com habilidades sobre-humanas, e com esses dons eles servem esta comunidade, todos com excessão de Mirabel, a filha mais velha de Julieta, que é a protagosnista calorosa e espirituosa do filme.

Desde o início do filme, se pode perceber na fala da Mirabel um pouco da dinâmica desta família. A avó trata ela de forma diferente dos outros, ela é vulnerável ao desprezo desta família, que a exclui em vários momentos por ela não ter recebido um presente (por razões desconhecidas). A própria existência de Mirabel é vista como prejudicial à família. Espera-se que ela permaneça em um canto, fora de vista. Ela é deixada de fora dos retratos de família e menosprezada.

Fonte: encurtador.com.br/nxCRX

A postura da avó é de muita arrogância, é autoritária, impondo e centralizando o seu poder. Durante o enredo percebemos sua rigidez e agressividade, inclusive responsabilizando a neta da possível destruição da família, após uma previsão feita por seu filho Bruno, que tem uma visão que ameaça a morada mágica da família e, após isso ele se retira para um exílio para proteger ela e a si mesmo, bem como sua família, pois a matriarca Madrigal não tolera rachaduras em suas fundações.

Dentro da psicologia chamamos isso de ambiente invalidante, onde por mais que a família pode ser a coisa mais importante para um indivíduo,  ainda assim pode ser impregnada de toxicidade e ser motivo de adoecimento psíquico. No enredo, por exemplo, a sensação dela de não fazer parte daquela família, de não conseguir corresponder às expectativas da matriarca, o peso de tudo isso, somados ao medo e à culpa impactam muito Maribel. E neste olhar psicológico, podemos perceber a autenticidade emocional da protagonista.

Ao contrário do que muitos pensam, sentir-se bem ou feliz o tempo todo não é uma receita para o bem-estar, como descobriram os pesquisadores da emoção.

Pessoas com maior flexibilidade de experimentar emoções positivas e negativas em seu ambiente apropriado mostram maior capacidade de resiliência do que pessoas com menos flexibilidade. Embora Mirabel abra o filme com uma introdução otimista dos poderes da família, desviando as perguntas das crianças da vila sobre o dom dela, e mesmo que durante a cerimônia milagrosa de seu primo mais novo ela diz para si mesma: “Não fique chateada ou com raiva. “Não se sinta arrependida ou triste.” “E eu estou bem, estou bem demais; mas me sinto deixada pra trás, não dá mais…, e mais pra frente, “eu não estou bem”, ela continua expressando sua frustração por não ter um dom mágico e estar cansada de “esperar por um milagre”.

Fonte: encurtador.com.br/fpzDE

Talvez seja exatamente porque ela não está completamente emaranhada na família que ela adquire a capacidade de ver as coisas como elas são, não como elas idealmente deveriam ser. Assim, só ela pode ver as rachaduras na casa da família muito antes de qualquer outra pessoa (exceto o tio Bruno). A avó acha suas preocupações ameaçadoras e a repreende fortemente, dizendo que ela está imaginando coisas, ou pior, causando a destruição da família.

“Honrar o milagre” era a coisa mais importante para esta avó. Para ela, o valor desta família esta intimamente atralado ao milagre, desta forma percebemos as crenças e o funcionamento dessa família, a tradição, no que eles acreditam, e o que fala mais alto. Eles deveriam manter esses dons a qualquer custo (inclusive ao custo da saúde psicológica dos familiares).

Luíza, por exemplo, se mostra muito ansiosa, tendo que aguentar um peso que ela já não sente que tem forças para suportar. Ela não sabia dizer não, assumia a responsabilidade de ajudar e satisfazer as expectativas de todos. Izabela também, por ter que ser perfeita, fazer tudo certinho, manter seu padrão de beleza, e o custo desta autoimagem. Mas o dom estava acima de tudo, da liberdade e das necessidades dos membros dessa família. A avó se mostra completamente decepcionada com Mirabel, e fica claro como ela não estava disponível para validar as emoções dos seus filhos e netos.

Nenhum deles tinha liberdade de escolha, e nem abertura para falar como se sentiam em relação ao dom recebido, e o que ele representava na sua vida.

Vai se percebendo os inúmeros sofrimentos e prejuízos emocionais, inclusive na formação nas crenças nucleares de todos eles. A forma como o adulto se relaciona com a criança é internalizado pra ela, essa percepção do mundo a criança aprende na relação estabelecida com a família. Onde tem aceitação, amor, liberdade, ela começa a perceber o mundo a partir dessa relação, e da mesma forma quando existe uma relação disfuncional, autoritária, rigorosa, exigente e rígida vai trazer a criação de crenças disfuncionais que acompanham o indivíduo ao longo de toda a vida.

Segundo a Terapia Cognitivo Comportamental, as crenças nucleares são formadas desde a infância, se solidificam e se fortalecem ao longo da vida. Elas representam o nível cognitivo mais profundo, são ideias absolutistas e rígidas, enraizadas e cristalizadas, e formam como é chamada – a tríade cognitiva, que nada mais é do que o jeito de se perceber como pessoa, perceber os outros e enxergar o mundo.

Um terapeuta da TCC consegue fornecer ferramentas suficientes para colaborar com a mudança do sistema de crenças distorcidas do paciente, para assim, permitir que o sujeito que sofre com a visão irreal de si, dos outros e do mundo consiga fazer uma reestruturação cognitiva e adquirir uma flexibilidade psicológica, conseguindo modificar sua percepção, sua forma de se sentir e de se comportar para melhor, proporcionando à pessoa uma vida mais realista, adaptativa e leve.

O filme consegue captar esse belo encontro entre as gerações, cheio de dor e tristeza, mas também de esperança, nesta dualidade da família.

No final, a avó Alma encontra Mirabel chorando no rio onde seu marido Pedro morreu, e finalmente assume a responsabilidade por colocar muita pressão sobre a família e admite que esqueceu que seu verdadeiro presente não eram seus poderes e milagres, mas sim a própria família. Seu modo rígido de conduzir a família se tornou disfuncional, e ela então flexibilizou esse modo de funcionamento para haver a reconciliação entre elas.

Na conclusão do filme, Mirabel não recebe poderes em forma de magia, mas ela recebe seu lugar na família e, por sua vez, descobre como a geração de sua mãe e a dela carregavam o peso de seus poderes. Seu dom especial é o amor e seu controle sobre o grande coração da família. Assim como a casa foi sendo construída ao redor deles, os Madrigals se reconstroem como uma família que pode ser inteira e estável. Eles ganham uma nova base, uma fundação que lhes permitirá ser quem eles querem ser, com dons ou sem dons. Eles são mais fortes do que eram no início, tudo graças à capacidade de Mirabel de ser vulnerável. A beleza e o amor que vem das histórias das famílias, as pressões implacáveis e a tristeza muitas vezes produzida deste contexto familiar, é um convite a olharmos mais de perto, de entender a história e a origem das tradições. Podemos conhecer os pais e familiares que enterraram seus traumas em nós e aprender com eles, assim como Maribel fez quando perdoou a avó. Podemos tentar enxergar além do sofrimento transgeracional, esta bagagem trazida pelos nossos antepassados, buscando tirar o melhor proveito dessas experiências, tanto boas como ruins, e aprender com elas.

FICHA TÉCNICA

Título original: Encanto

Ano de Produção: 2021

Diretores: Byron Howard, Charise Castro Smith e Jared Bush

Gênero: Animação, Família, Fantasia

Países de Origem: Colômbia e EUA

REFERÊNCIAS

Encanto, Disney, 2021. Disponível em: https://disney.com.br/filmes/encanto. Acesso em 18/03/2022.

Encanto, Wikipedia, 2021. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Encanto_(filme). Acesso em 18/03/2022.

O que é um Trauma Transgeracional, A mente é maravilhosa, 2021. Disponível em: https://amenteemaravilhosa.com.br/trauma-transgeracional/. Acesso em 18/03/2022.

Saiba o que são crenças e como trabalhá-las na TCC, CETCC, 2020. Disponível em: encurtador.com.br/fuF14. Acesso em 21/03/2022.

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Sexta-feira 13: a incerteza faz o supersticioso?

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Por coincidência ou não, vários eventos traumáticos aconteceram numa sextafeira 13

Além de ser sexta-feira 13º, hoje também é dia de lua cheia, o que faz com que muitos superticiosos fiquem de “cabelo em pé”. Há quase 2 décadas aconteceu tal junção mística e só voltará acontecer em 2049. No entanto há quem espera ansiosamente pela lua cheia, já que para os habitantes do hemisfério Norte, esta é a “lua de colheita”, e os fazendeiros trabalham até mais tarde, pois aproveita a luz da lua. Mas há quem já tenha feito planos de ficar em casa e já se abasteceu de sal grosso e alfazema.

Em matéria publicada pelo Extra, a astróloga Glória Britho afirma que esta junção de sexta-feira 13 com lua cheia pode ser perigosa. De acordo a astróloga, tal fase lunar “emite mais energias e magnetismo sobre a Terra, provocando mais euforia e maximizando os sentimentos”. O que a faz crer que sensações negativas possam ser ampliadas. Mas como surgiu a superstição da sexta-feira 13?

Em diversas fontes há diferentes explicações sobre a origem, mas duas bastante comentadas. No mundo cristão está relacionado à Última Ceia, numa quinta-feira santa, na qual participaram 13 pessoas (Jesus e seus 12 discípulos). No dia seguinte, sexta-feira 13, Jesus foi crucificado. E o número 13 está associado a Judas, o 13º a chegar a ceia. A segunda origem tem a ver com a criação da Ordem dos Cavaleiros Templários, no século 12. O grupo tinha a missão de proteger os cristãos, mas o rei francês Filipe IV ficou incomodado com o grau de influência produzida pelos cavalheiros, o que resultou numa perseguição a eles no dia 13 de outubro de 1307, resultando em prisões e mortes.

Com o surgimento de tal crença, algumas regiões seguem rituais severos, um exemplo é a Carolina do Norte. De acordo com o Stress Management Center and Phobia Institute, de Asheville, mais de 80% dos edifícios altos de Carolina do Norte (EUA) não têm um 13º andar. Assim como a maioria dos hotéis, hospitais e aeroportos evitam o uso do número em portas e portões.

Fonte: encurtador.com.br/kwG68

Por coincidência ou não, vários eventos traumáticos aconteceram numa sexta-feira 13, tais como: o bombardeio alemão ao Palácio de Buckingham (setembro de 1940); um ciclone que matou mais de 300 mil pessoas em Bangladesh (novembro de 1970); o desaparecimento de um avião da Força Aérea do Chile nos Andes (outubro de 1972); a morte do rapper Tupac Shakur (setembro de 1996); o acidente do navio de cruzeiro Costa Concordia na costa da Itália, que matou 30 pessoas (janeiro de 2012).

O biólogo evolucionista Kevin Foster afirma que “num mundo de incertezas, você tem de escolher se acredita ou não acredita”, pois se você não tem a resposta e não sabe onde encontrar, os conflitos terão grande força e a qualidade de vida tende a diminuir.  Para o biólogo, neste mundo de incerteza, faz todo sentido ser supersticioso, já que as espécies que são supersticiosas tendem a se preservar mais do que as que não são tão cautelosas, e assim alongam os anos de vida.

Já o psicólogo Elidio Almeida afirma que o comportamento supersticioso nada mais é do que associações e crenças que surgem através de ´uma inclinação que nós, humanos, temos para estabelecer padrões e significados para as coisas, ainda que elas não tenham relação entre si.` Ou seja, quando alguém não consegue estabelecer uma relação de causa e efeito entre dois eventos, mas nota coincidências entre eles. O que faz entender que as crenças são frutos do imaginário.

Assim como desastres acontecem em diferentes datas, coisas ruins acontecem com diferentes pessoas todos os dias. Elídio afirma que com tais crenças, as pessoas ficam predispostas a interpretar como má sorte qualquer coisa que possa acontecer nesse dia, mas em dias ´comuns` encaram como dificuldades da vida.

Fonte: encurtador.com.br/diFW0

Crenças também podem gerar muito sofrimento psicológico, por mais que não aconteça absolutamente nada de ruim, várias pessoas passam o dia prevendo o pior e o observando o mesmo sob filtro do negativismo. A notícia boa é que a sexta-feira 13 está quase no fim, e a próxima será só no mês de dezembro. É de suma importância ressaltar que o medo pode causar crises de ansiedade e pânico, e caso o indivíduo não consiga se ajustar e vivencie intenso sofrimento em tais ocasiões, é de grande importância procurar ajuda de profissional de um psicólogo.

Referências

AMORIM,D. Primeira sexta-feira 13 do ano com noite de lua cheia pode ser perigosa, alerta taróloga. Acessado em < https://extra.globo.com/noticias/rio/primeira-sexta-feira-13-do-ano-com-noite-de-lua-cheia-pode-ser-perigosa-alerta-tarologa-23943702.html > no dia 13/09/2019.

CURIOSIDADE. Sexta-feira 13: dez curiosidades sobre o dia da má sorte. Acessado em <

https://www.revistaplaneta.com.br/sexta-feira-13-dez-curiosidades-sobre-o-dia-da-ma-sorte/ > no dia 13/09/2019.

ASTRONOMIA. Sexta-feira 13 terá lua cheia e “lua de colheita” no Norte. Acessado em < https://www.revistaplaneta.com.br/sexta-feira-13-tera-lua-especial-no-hemisferio-norte/ no dia 13/09/2019.

SOUSA, R. Ciência A ciência analisa as superstições. Acessado em < https://www.revistaplaneta.com.br/a-ciencia-analisa-as-supersticoes/  no dia 13/09/2019.

ALMEIDA, E. Sexta-feira 13 e o comportamento supersticioso! Acessado em < https://elidioalmeida.com/blog/sexta-feira-13-comportamento-supersticioso-e-a-crendice-humana/ no dia 13/09/2019.

 

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Contexto lança livro ‘Crônicas Despidas e Vestidas’, da antropóloga Betty Mindlin

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Autora compartilha sua experiência e impressões com povos indígenas e importantes personagens intelectuais

A editora Contexto lança no fim de setembro Crônicas Despidas e Vestidas, da antropóloga Betty Mindlin. A obra, com 216 páginas, divide-se em duas partes. Na primeira delas, “Crônicas Despidas”, a autora expõe uma variedade de assuntos relacionados ao universo indígena e contempla diversos povos.

Com diversos mitos perpassando os relatos, essa parte do livro dedica um olhar sobre aqueles que não cobriam o corpo em tempos antigos e para quem a nudez não era proibida. “Muita gente me pergunta como minha vida mudou depois que comecei a passar grandes temporadas com os índios, tentando aprender seu jeito de ser. Sempre desconverso, pois foi uma transformação tão extraordinária que jamais contei a ninguém o que hoje resolvo explicar”, relata a autora Betty Mindlin.

Já nas “Crônicas Vestidas”, personagens marcantes de diversas áreas do conhecimento – literatura, pintura, cinema – surgem, com “seus trajes habituais”, por vezes com base na admiração que despertam nela, em outras, a partir de convivência verdadeira. Assim, estas crônicas “despidas” e “vestidas” são relances de um percurso de vida. “Erigir memória em patrimônio intangível contém riscos. Tradições, costumes, crenças, para se manterem e serem transmitidos estão ligados a formas de sobrevivência e recursos materiais, à educação, a oportunidades sociais”, conclui a autora.

Foto: Lúcia Mindlin Loeb. Fonte: https://goo.gl/cWjZML

Autora

Betty Mindlin é antropóloga, autora de Diários da floresta e de sete livros em coautoria com narradores indígenas, como Vozes da origem e Moqueca de maridos, traduzido para várias línguas. Pela Contexto, é coautora de As religiões que o mundo esqueceu.

 

Fonte: https://goo.gl/u7KwmC

Serviço:

Crônicas Despidas e Vestidas

Editora Contexto

Autora: Betty Mindlin
Páginas: 216
Preço: R$ 29,90

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