Reinventando no Caminho… 3

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Ter uma profissão rentável e segura era o sonho de todos da geração Baby Boomers da qual faço parte. Ser médica, advogada, enfim, profissional liberal era a grande pedida da época. Saí da faculdade de Serviço Social com a impressão de que esta não era uma profissão com a qual eu poderia ter de fato esta liberdade sonhada…

Como me firmar num mercado de trabalho tão difícil naquele momento de ditadura militar onde pensar e questionar era extremamente proibido? O que fazer com minhas ideias revolucionárias do momento? Onde colocar toda a minha rebeldia juvenil sem ser presa pela milicia ditatorial da época?

Mais uma vez fui me reinventar nos princípios de Cristo, de amar ao próximo como a mim mesma, e por isso cuidar dele da forma como Cristo queria que eu cuidasse. Entrar para o trabalho missionário foi uma forma produtiva de reinvenção da vida e do cuidado e de me auto proteger das insanas ideologias do mundo capitalista e ditatorial do momento. Após um tempo no interior de Mato Grosso do Sul, me embrenhei pelos vales montanhosos do Pará, especificamente no local onde se deu a famosa “Guerrilha do Araguaia”.

Fonte: encurtador.com.br/kpyz6

Com 24 anos, lá estava eu me reinventando com os conceitos recebidos do curso emblemático e reconceituado de Serviço Social, para trabalhar numa comunidade como evangelista no meio de um povo marcado pela dor e sofrimento causado pelo poder do Estado.

Trabalhar com mulheres cujos maridos foram esquartejados e jogados ao rio, crianças cujos pais saíram para a mata colher castanhas para sobrevivência e nunca mais voltaram, isso trazia muita dor e desconforto. Homens que não sabiam ler nem escrever o próprio nome, direito que lhes fora negado pelo Estado que lhes oprimia e perseguia… como viver e conviver com toda esta tragédia humana sem se tocar pelos princípios da Palavra de Deus? Como agir de acordo com os ensinos de Cristo e com os valores cristãos verdadeiros? Como conviver com o fato de que naquela mesma região, dois religiosos estrangeiros tinham sido expulsos do país por professarem a fé e ajudarem aos ribeirinhos e pessoas de pouco conhecimento político, dando a eles um pouco de esperança?

Eu, uma evangelista, Assistente Social recém-formada, tinha que dar conta desta dor e conviver com esta dicotomia imposta na sociedade do município de São Geraldo do Araguaia. Fui morar na toca do lobo… Dentro do quartel do exercito (2º BEC – Batalhão de Engenharia e Construção), vigiada por todos os lados, tendo minhas correspondências todas abertas antes de chegar ao destino… como conviver com isso sem perder a fé e a esperança  e tendo que ofertar a mesma fé e esperança aos povos que ali sofriam?

Fonte: encurtador.com.br/aijGL

Reinventar-se é a palavra. Transformar momentos de luta em experiência de vida e de convivência pacífica (nem tanto) com o inimigo que mora ao lado… pude entender nesta fase da vida como é precioso seguir os ensinamentos e os passos de Cristo que foram até a cruz. Se possível eu iria também, pois o ato de me reinventar deu-me coragem para seguir em frente, mudar as situações e crescer como pessoa ajudando outras pessoas a viverem uma vida plena apesar da dor e do sofrimento.

O resultado disso tudo se transformou em alegria ao ver uma comunidade inteira se mobilizando na construção de uma escola feita de palha e na festa de vê-los com uma cartilha construída pelos próprios ribeirinhos a partir da realidade deles, segundo os princípios de Paulo Freire.

Isso é se reinventar, é transformar o luto em luta, a crise em criação.

Carpe Diem

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Marcel Caram: a arte é aliada na produção de saúde mental

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Em entrevista ao (En)Cena, Caram comenta que produz suas obras usando exclusivamente o suporte digital

O (En)Cena entrevista o artista surrealista Marcel Caram, que recebe influência de dois gênios da pintura, Salvador Dali e Chirico. Caram, assim, reverbera uma produção que dá eco a um universo paralelo, por vezes onírico, para além de construções racionais, e que se coloca como uma importante forma de acessar os conteúdos do inconsciente, que são sempre simbólicos.

De acordo com o site Obvious, recentemente a obra de Marcel Caram foi selecionada no SoJie 6, uma espécie de concurso cultural que reúne artistas de diferentes partes do mundo. A exposição, que ocorre em plataforma virtual (bem à moda do artista), reúnes grandes curadores globais e, além de conter arte digital, converge também produções em pintura convencional e fotografia. O festival é uma iniciativa da empresa australiana REDBUBBLE, que funciona como um mercado virtual, possibilitando que novos artistas exponham e vendam seus trabalhos.

En)Cena: O país passa por uma grande crise, crise esta que vai muito além de questões financeiras e que abala, inclusive, a capacidade de desenvolver a imaginação, já que o medo paralisa parte das pessoas. Em que medida o surrealismo poderia colaborar para quebrar estes grilhões?

Marcel Caram – Realmente vivemos momentos difíceis no Brasil e no Mundo. Problemas que vão, como você mencionou, além das questões financeiras. Acredito que o Surrealismo, como qualquer outro tipo de arte, pode ajudar as pessoas no sentido de fazê-las pensar, usar a imaginação. Sendo assim, a arte seria um estímulo para fazer as pessoas criarem.

Fonte: Marcel Caram

(En)Cena: Além de um movimento estético, o Surrealismo também poderia ser considerado um território de discussões políticas?

Marcel Caram – Claro que sim. Se esta for a intensão do artista. Não é o meu caso. Procuro fazer meus desenhos sem conotações políticas.

(En)Cena: Em sua opinião, o pintor René Magritte recebeu o devido valor, pela sua obra?

Marcel Caram – Acho que sim. Magritte é um mestre reconhecido do surreal na mesma grandeza de Dalí.

(En)Cena: A Psicologia, notadamente a partir do trabalho da Arteterapia e da Psicologia Analítica, se utiliza da arte como um dispositivo para ampliar a linguagem das pessoas e promover saúde mental. Já fez alguma intervenção neste sentido? O que acha desta proposta?

Marcel Caram – Não. Nunca fiz uma intervenção neste sentido. Acho a proposta interessante. Sabemos que envolver-se com a arte provoca um profundo estado de relaxamento, em geral, e isso traz saúde mental.

Fonte: Marcel Caram

(En)Cena: Nietzsche vaticinava que o mundo seria insuportavelmente triste sem a arte. De acordo com o seu ponto de vista, os brasileiros reconhecem este valor simbólico da arte? Em que pé estamos, se comparados a países próximos como a Argentina, o Chile e o Uruguai?

Marcel Caram – Não sei dizer se os brasileiros conscientemente reconhecem este valor simbólico da arte. O que eu sei dizer é que o povo brasileiro é muito criativo e produz arte de qualidade em todas as regiões do País. Nesse sentido, se comparado com nossos vizinhos regionais, acho que estamos um pouco na frente em matéria de produção artística.

(En)Cena: Seu trabalho é feito exclusivamente com mídia digital? Quais os benefícios e/ou eventuais gargalos desta escolha?

Marcel Caram – Sim. Meu trabalho é exclusivamente em mídia digital. Como benefício e posso citar a comodidade e a infinidade de recursos para criação. Como gargalo, eu posso citar o ainda pouco reconhecimento da arte digital pelo público em geral.

(En)Cena: Como é o seu processo de criação? É baseado em conteúdos oníricos, em associações livres, visualizações ativas ou algo do gênero?

Marcel Caram – Meu processo de criação é variado. As vezes tenho uma ideia e o desenho já vem pronto na mente. As vezes um objeto ou uma imagem me inspiram. As vezes uma cena corriqueira que eu vejo no dia-a-dia pode iniciar um processo de criação. Como disse, é variado.

(En)Cena: Imaginamos que, além de Magritte, o senhor recebeu influência do Dali. Poderia comentar um pouco sobre este percurso?

Marcel Caram – Acredito que eu tenha sofrido mais influência de Dalí e Chirico do que de Magritte. O percurso para o surrealismo foi natural. Desde criança os trabalhos surrealistas sempre chamaram minha atenção. Especificamente os de Dalí. Então desde que eu comecei a desenhar eu pratico o surrealismo espelhado em seus trabalhos.

(En)Cena: O que gostaria de acrescentar a esta entrevista?

Marcel Caram – Gostaria de acrescentar que eu faço impressões em Fine Art dos meus trabalhos para quadros decorativos e envio para todo o Brasil via Sedex. Quem estiver interessado por favor entre em contado pelo e-mail “marcarambh@yahoo.com.br” ou pelo Facebook @marcarambr. Obrigado! (Com informações do site Obvious)

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A terceirização da infância

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A vida está cada vez mais corrida. Temos que trabalhar para arcar com as despesas, com a escola, com o curso de inglês, com aquele jogo que queremos dar ao nosso filho e aquela viagem que estamos planejando a algum tempo. Em meio a tantas tarefas, como está sendo o tempo que destinamos aos nossos filhos ou como estamos presentes na vida deles?

Na infância criamos a base de confiança e da participação de qualidade na vida de nossos filhos. É dever dos pais ensinar os limites, regras e ajudar no desenvolvimento das principais habilidades sociais e emocionais dessa criança.

Porém, quando os pais estão no limite de suas tarefas ou do seu tempo, os filhos correm o risco de passar pela terceirização da infância. Significa deixar que outra pessoa – avós, tios, babás e/ou a escola – cuide, eduque, leve para passear ou até mesmo faça coisas simples, como, por exemplo, olhar nos olhos das crianças e adolescentes quando se conversa. Ou seja, os pais deixam que essa outra pessoa seja o referencial único para ele.

fonte: https://bit.ly/2UMEe3o

Os pais são os espelhos das crianças e adolescentes. É preciso mostrá-los que trabalhar é importante. No entanto, quando decidirmos ter uma família com filhos e cuidar deles, devemos cumprir com isso. Toda criança ou adolescente necessita conversar e escutar. Precisa ter a validação da fala e atitudes. Mas não significa que os pais devam aceitar tudo como forma de compensar a ausência.

Quando falamos de terceirizar a infância ou a adolescência, falamos da falta de participação destes responsáveis na vida escolar, por exemplo. Atualmente é mais comum as crianças ficarem e passarem a maior parte do tempo com os avós ou babá. Estes que acabam sabendo sobre como a criança foi na escola, notas, desenvolvimento social com os colegas entre outros assuntos.

As babás são cuidadoras e não devem fazer o papel do pai e da mãe. E os avós, será que devem fazer papel de pais? Devem educar? Alguns atuam desta forma em parceria com os pais. Mas os pais não devem dar esta responsabilidade a eles. Da mesma forma, eles não devem pegar esta responsabilidade, quando os pais estão vivos. Eles auxiliam nos cuidados, num momento em que os pais precisam, mas não são os responsáveis pela educação. São um apoio. Por isso, não se pode confundir os papéis.

fonte: https://bit.ly/2GfoyCU

Além do apoio dos avós e babás, temos algumas ferramentas tecnológicas. Uma já velha conhecida é a “babá TV”. Hoje, muitos complementam a atenção das crianças com a TV, internet, vídeo game ou celulares. É só observar os almoços de família. Como esses aparatos eletrônicos tomam o lugar e atenção.

Eu entendo que o ritmo hoje é acelerado. Sou mãe de duas crianças, dona de casa, psicóloga, filha, mãe, escritora, professora universitária entre outras funções. Sim, precisamos realmente trabalhar e termos nossa vida. Mas se decidimos ter filhos, precisamos realmente dar atenção de qualidade e não quantidade sem qualidade.

Educar é difícil. Mas terceirizar pode ser um ponto negativo nesta jornada. Vamos pensar e refletir de forma que possamos ser mais presentes. Oferecer qualidade e participação.

 

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Moana: um mar de emoções

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Com duas indicações ao OSCAR:

Melhor animação e Melhor canção original ( Lin-Manuel Miranda, Mark Mancina e Opetaia Foa’i).

Banner Série Oscar 2017

A animação Moana mostra uma heroína que tem sido bem típica nas animações da Disney pelo fato de não terminar com um príncipe e não se casar ao final. Esse tema da princesa sem príncipe tem sido bem comum e vem para agradar as mulheres em seu recente processo de empoderamento. Se por um lado isso reflete a necessidade da mulher atual em buscar e afirmar sua identidade tão reprimida ao longo dos séculos, por outro transformou certos aspectos da personalidade antes valorizados em verdadeiros tabus. Expressar o desejo de se casar ou encontrar o amor é quase uma ofensa para a mulher moderna.

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No entanto, não é esse assunto que quero abordar nesse texto. Algo maior e de importância coletiva surgiu como tema central em Moana, e é sobre isso que pretendo escrever esse texto. Não que a questão da afirmação da personalidade feminina não seja importante, mas o tema que a animação trouxe é de uma importância coletiva para as mulheres e para a sociedade contemporânea. A animação começa contando uma lenda sobre a grande deusa Te Fiti.

A deusa, que havia criado toda a vida na Terra e se tornou uma ilha, teve seu coração – uma pequena pedra pounamu – roubado pelo semideus Maui. Aparentemente a intenção dele era encontrar o monstro de lava Te Ka, porém o monstro faz com que seu anzol mágico e o coração desapareçam no oceano. Por causa do coração roubado, as ilhas que Te Fiti criou foram amaldiçoadas.

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A animação tem como base a mitologia polinésia. O semideus Maui está presente no panteão polinésio e é utilizado na história. É interessante que a Disney tenha se apoiado em uma mitologia e cultura antiga e pouco conhecida pela sociedade ocidental. A cultura polinésia é pautada por uma ligação entre o homem e a natureza muito intensa. Mesmo que a Disney retrate a cultura polinésia de forma simplificada, esse pequeno contato serve como porta de entrada para o conhecimento de uma cultura e mitologia perdidos.

No início da animação vemos o povo da ilha Motuni sendo retratado. Trata-se de uma sociedade tribal, onde as pessoas possuem uma relação de muito respeito com a natureza, pois dependem dela para viver. É intrigante a escolha de um povo tribal, que zela e preza pela natureza e que ao mesmo tempo adora uma Deusa Mãe criadora. Se trata de uma sociedade e cultura oposta a Ocidental patriarcal, que valoriza a exploração dos recursos naturais e prol do desenvolvimento tecnológico, e que se encontra sob o estigma do Deus pai judaico-cristão.

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A animação então, vem trazer uma compensação para a Consciência Coletiva, de forma a tentar o equilíbrio entre essas duas polaridades matriarcal/patriarcal. Conforme Edinger (1993), a sociedade ocidental já não possui um mito viável, que sustente nossa necessidade intrínseca de estarmos imbuídos em um mito. Sem esse mito estruturante, o indivíduo perde a razão de ser. Por essa razão temos hoje uma epidemia de depressão, ansiedade e pânico, nos grandes centros.

Com a carência de mitos nossos valores são substituídos por motivações elementares de poder e prazer, ou então o indivíduo é exposto ao vazio existencial e ao desespero. Por isso, há uma necessidade urgente da descoberta de um mito central. Von Franz (2010) também aponta que em nossa sociedade ocidental judaico cristã, de tradição estritamente patriarcal, não existe imagem arquetípica da mulher. O resultado é que a mulher, o feminino, o matriarcal e a anima são negligenciados e incompreendidos. Com isso as mulheres se tornaram incertas com o que é ser feminina, não sabem o que são nem o que poderiam ser.

Atualmente, para as mentes mais reflexivas essa atitude unilateral não faz mais sentido e vem trazendo mais malefícios do que benefícios. Uma nova revisão dos valores se faz necessária. Cada dia mais crescem os movimentos de defesa da natureza. A consciência ecológica cresce cada dia mais, bem como os questionamentos e a importância do que é a essência feminina. A Deusa Te Fiti na animação é a grande Deusa da natureza e a criadora de tudo. Ela possui a capacidade de gerar a vida em torno dela. É a responsável pelo crescimento das plantas de todos os tamanhos e pode manipular o terreno ao redor de seu corpo. Com o coração dela, ela pode criar outras ilhas repletas de flora e fauna e afetar esses elementos de longe.

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A Deusa Te Fiti não está no panteão polinésio, mas parece ser uma representante de Gaia, a deusa grega primordial da Terra. Podemos observar, então, características de uma sociedade matriarcal. Diante desse contexto não há nenhuma novidade no fato de Moana ser a nova líder do povo. As sociedades matriarcais valorizavam o cultivo da terra e os alimentos por ela proporcionados. Os povos agrícolas vivam em um estado de fusão com a natureza, como sendo integrantes desse todo. Havia, nesses povos, a predominância da terra e da vegetação. E a terra e a natureza, como fontes de fertilidade e alimento, bem como de morte e também como aquela que devora os filhos.

A Deusa para esses povos era a fonte de fertilidade e o masculino era sempre subserviente dela. Eles não acreditavam e não sabiam que o homem tinha participação na reprodução. Sua função era só romper o hímem para a passagem da criança (Harding, 2007). Além disso, era incumbência da mulher cuidar dos assuntos relativos ao suprimento de alimento, exceto a caça e abatimento de presas. Elas colhiam frutas, ervas, raízes e as preparavam para comer. Plantar, cultivar e colher eram tarefas femininas essencialmente. Acreditava-se que a mulher fazia com que as coisas frutificassem e crescessem devido a sua capacidade de gerar crianças e de ter seus ciclos hormonais em relação direta com a Lua – fonte de fertilidade. Com isso, o feminino sempre foi visto mais próximo a natureza e aos processos corporais.

Ao desenvolvermos então o aspecto patriarcal da psique coletiva, perdemos a ligação com o corpo e consequentemente com a natureza. Nos separamos dela e passamos a enxerga-la como fonte de exploração para o ego humano. Privilegiamos o mental e deixamos o emocional e instintivo de lado. Hoje sentimos novamente essa necessidade de nos reaproximarmos desse lado matriarcal. Urgentemente precisamos encontrar um equilíbrio entre essas duas forças. Vemos esse apelo emocional na animação, que resgata e traz à tona esse nosso lado esquecido.

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Moana é então escolhida pelo mar para a jornada de resgate do coração de Te Fiti. O mar para a psicologia analítica simboliza o útero de onde surge toda vida. Deuses do mar como Posídon são considerados deuses ctônicos e estão ligados a Grande Mãe e aos aspectos da natureza de doador de vida e alimento e destruidor da vida. O fato de termos a Deusa como centro vital da animação e o de ser uma garota escolhida para essa jornada chama bastante a atenção. A tendência de uma divindade encarnar em um filho não é algo desconhecido e revelou-se no cristianismo. A encarnação de Deus no Cristo foi vivida como uma experiência religiosa coletiva de enorme alcance (Von Franz). Mas a tendência da antiga deusa – mãe de encarnar em uma filha ainda não se realizou. Assim a imagem do feminino em sua totalidade ainda não alcançou o humano e a consciência, temos apenas vestígios disso.

O culto a Deusa foi reprimido com o advento do Cristianismo. Isso aconteceu em partes, pois a força de um arquétipo é muito forte, e ocorreu a reaparição da deusa na Virgem Maria, com a subsequente devoção. Contudo essa imagem feminina veio para a nós com sérias restrições. A imagem feminina precisou ser retratada purificada de sua sombra e de forma que agradasse o patriarcado. A sombra da Deusa então, ainda não fez sua reaparição em nossa sociedade. Contudo, essa reaparição parece ser uma necessidade emocional muito forte e algo iminente de ocorrer.

Vemos algumas animações que trazem heroínas que representam “filhas” de deusas antigas. Em Valente vemos uma representante da deusa Artemis em Merida, em Mulan a heroína pode ser considerada uma representante de Atena, a deusa da guerra. Moana também pode se encaixar nessa categoria. Ela representa a jornada da heroína escolhida para humanizar esses aspectos sombrios da antiga Deusa e assim deixando viável a assimilação desses conteúdos para a consciência. Vemos na animação que o coração da deusa é roubado e ela se vinga se transformando no monstro Te Ka, retirando toda a vida e alimentação.

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Esse tema da vingança da deusa é recorrente nos mitos antigos. Demeter outra deusa da fertilidade, se vingou com a esterilidade da terra ao ter sua filha roubada e sequestrada. Hera era a rainha da vingança. Afrodite se vingava quando deixava de ser adorada ou quando alguma humana lhe suplantava em beleza. Atena e Ártemis também possuem episódios de vingança. A vingança feminina é um dos aspectos da Deusa feminino que está ausente da consciência. As mulheres conhecem esse sentimento muito bem, mas não o aceitam e por isso lidam mal com ele. Pois se prega a benevolência feminina.

Para finalizar é importante falar sobre Maui. Maui na mitologia polinésia é um Herói trapaceiro, conhecido por suas aventuras extravagantes e sobrenaturais. Sua lenda diz que ele era um humano nativo das ilhas do Havaí. Sua mãe, o achava fraco ao nascer e preferiu afogá-lo. Maui, porém, sobreviveu às ondas, foi salvo pelo Sol e tornou-se um homem extremamente forte, sem medo em seu coração, um semi-deus. Em uma de suas aventuras, ele vai ao submundo atrás da deusa da morte para conseguir a imortalidade, mas é morto por ela. Diz-se que por causa dessa transgressão a humanidade perdeu a imortalidade. Outra aventura de Maui é o furto do fogo e a posterior entrega para os seres humanos que passaram a utilizar a madeira para fazer fogo.

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Na animação isso se repete de uma forma diferente. Ele rouba o coração de Te Fiti para entregar aos humanos. Na lenda como no filme e ele é uma espécie de Prometeu que rouba algo para a humanidade e é posteriormente punido. Maui simboliza a exploração da natureza em prol do desenvolvimento da humanidade. Pretendemos nos igualar aos deuses para sermos imortais, exploramos a natureza em busca de remédios e imortalidade, mas com isso somos punidos cada vez mais por ela. A natureza vem cobrar seu preço e sua vingança. Sua relação com Moana se desenvolve em uma amizade profunda e duradoura. Algo que se perdeu nas relações aqui é resgatado na relação de Moana e Maui – a amorosidade. A relação entre eles se constrói no conhecimento das fraquezas e virtudes um do outro.

Maui e Moana estabelecem um equilíbrio harmônico e desprovido de competição entre masculino e feminino que precisamos encontrar. A amorosidade, característica do feminino precisa ser resgatada em todas as relações. O amor fraterno ou o romântico se constrói com isso e somente após as projeções serem retiradas. Mas é necessária paciência nesse processo. Não sabemos amar, pensamos que amamos, só saberemos quando aprendermos a construir isso na amorosidade.

REFERÊNCIAS:

EDINGER, E. F. A Criação da Consciência. O mito de Jung para o homem moderno. São Paulo: Cultrix, 1993.

HARDING, E. M. Os Mistérios da Mulher. 4 ed. São Paulo: Paulus, 2007.

NEUMANN, E.História da Origem da Consciência. 10 ed. Cultrix. São Paulo: 1995.

VON FRANZ, M. L. O feminino nos contos de fada. Vozes. São Paulo: 2010.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

cartaz

MOANA

Diretor: Ron Clements e John Musker
Elenco (vozes): 
Auli’i Cravalho, Dwayne Johnson, Rachel House, Temuera Morrison
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: Livre

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Oxalá e o símbolo da criação

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Oxalá é um Orixá masculino bastante cultuado e reverenciado no Brasil, sendo considerado o Orixá mais importante do panteão africano.

Na África é cultuado com o nome de Obatalá. Quando os negros vieram para o Brasil, trouxeram consigo, além do nome do Orixá, outra forma de a ele se referirem, Orixalá, que significa orixá dos orixás. Numa versão contraída, o nome que se acabou popularizando, é Oxalá.

Oxalá é um Orixá Fun Fun. Na África, todos os Orixás relacionados com a criação são designados pelo nome genérico de Fun Fun. Eram cerca de 154 Orixás Fun Fun, mas no Brasil a quantidade reduz-se significativamente, sendo que dois, Oxalufã, valho e sábio, rei de Ifón (Oxalufã) e Orixá Oxaguiã, jovem e guerreiro, o comedor de inhame e rei de Egigbó, se tornaram as suas expressões mais conhecidas.

Oxalá é, então, o criador dos seres humanos. Diz a lenda que Olorum deus supremo dos yorubas e criador do universo enviou seu filho Oxalá para criar o mundo e os seres humanos a partir do barro (ZACHARIAS, 1998).

Outra lenda conta que Oxalá foi encarregado por Olodumaré de criar o mundo com o poder de sugerir e o de realizar. Para cumprir sua missão, antes da partida, Olodumaré entregou-lhe o “saco da criação”. O poder que lhe fora confiado não o dispensava, entretanto, de submeter-se a certas regras e de respeitar diversas obrigações como os outros orixás. Uma história de Ifa conta-nos como, em razão de seu caráter altivo, ele se recusou a fazer alguns sacrifícios e oferendas a Exu, antes de iniciar sua viagem para criar o mundo.

Oxalá pôs-se a caminho apoiado em um grande cajado de estanho, seu opáxorò ou paxorô, o cajado para fazer cerimônias. No momento de ultrapassar a porta do Além, encontrou Exu, que entre as suas múltiplas obrigações, tinha a de fiscalizar as comunicações entre os dois mundos. Exu, descontente com a recusa do Grande Orixá em fazer as oferendas prescritas, vingou-me fazendo-o sentir uma sede intensa.

Oxalá, para matar sua sede, não teve outro recurso senão o de furar, com o seu paxorô, a casca do tronco de um dendezeiro. Um líquido refrescante dele escorreu: era o vinho de palma. Ele bebeu-o ávida e abundantemente. Ficou bêbado, não sabia, mas onde estava e caiu adormecido. Veio então Odùduà, criado por Olodumaré depois de Oxalá é o maior rival deste.

Vendo o Grande Orixá adormecido, roubou-lhe “o saco da criação”, dirigiu-se à presença de Olodumaré para mostrar-lhe seu achado e lhe contar em que estado se encontrava Oxalá. Olodumaré exclamou: “Se ele esta neste estado, vá você, Odùduà! Vá criar o mundo!” Odùduà saiu assim do Além e se encontrou diante de uma extensão ilimitada de água. Deixou cair à substância marrom contida no “saco da criação”. Era terra. Formou-se então um montículo que ultrapassou a superfície das águas. Aí, ele colocou uma galinha cujos pés tinham cinco garros. Esta começou a arranhar e a espalhar a terra sobre a superfície das águas. Onde ciscava, cobria as águas, e a terra ia se alargando cada vez mais. Odùduà aí se estabeleceu, seguido pelos outros orixás, e tornou-se assim o rei da terra.

Quando Oxalá acordou não mais encontrou ao seu lado o “saco da criação”. Despeitado, voltou a Olodumaré. Este, com castigo pela sua embriaguez, proibiu ao Grande Orixá, assim como aos outros de sua família, os orixás funfun, ou “orixás brancos”, beber vinho de palma e mesmo de usar azeite de dendê. Confiou-lhe, entretanto, como consolo, a tarefa de modelar no barro o corpo dos seres humanos, aos quais ele, Olodumaré, insuflaria a vida. Por essa razão, Oxalá é também chamado de, o “proprietário da boa argila”. Pôs-se a modelar o corpo dos homens, mas não levava muito a sério a proibição de beber vinho de palma e, nos dias em que se excedia, os homens saíam de suas mãos contrafeitos, deformados, capengas, corcundas.alguns, retirados do forno antes da hora, saíam mal cozidos e suas cores tornavam-se tristemente pálidas: eram albinos. Todas as pessoas que entravam nessas tristes categorias são-lhe consagradas e tornam-se adoradoras de Orixalá.

É sempre representado com a cor branca. Verger aponta que o hábito de se vestir de branco na sexta-feira estende-se a todas as pessoas filiadas ao candomblé, mesmo aquelas consagradas a outros orixás, tal é o prestígio de Oxalá. Seu dia é a sexta feira e seu símbolo é o opaxoró (um cajado de prata, onde ele se apóia). Na Bahia é sincretizado com o Senhor do Bonfim, devido a um enorme prestígio e inspirar fervorosa devoção aos habitantes de todas as categorias sociais. Também costuma ser associado a Jesus Cristo.

No Xirê (a dança consagrada aos Orixás), Oxalá é homenageado por último porque é o grande símbolo da síntese de todas as origens. Ele representa a totalidade, o único Orixá que, como Exú, reside em todos os seres humanos. Todos são seus filhos, todos são irmãos. Oxalá representa o patriarca, o chefe da família e é o símbolo da procriação masculina e seu poder fertilizante, tanto que um de seus símbolos é o sêmen.

Orixá calmo, paciente e que abomina a guerra, pode ser associado ao trunfo do Tarot, O Hierofante, ou O Papa. Esse trunfo simboliza a moral, as regras, a santidade. Ele rege as leis que dizem respeito à boa conduta aos olhos de Deus. Ele simboliza o pai divino, as regra espirituais. Ele é a ordem pré-estabelecida.

Oxalá forma um par de opostos com Exú. Exú é o que inicia tudo, o começo e Oxalá o fim. Enquanto Oxalá é um guardião da paz, Exú fomenta disputas e catástrofes. Até no sincretismo vemos esse par de opostos: Exú foi associado ao diabo e Oxalá a Jesus. Simbolicamente, Oxalá – como orixá criador – mantém a ordem e Exu desestabiliza essa ordem de forma a criar uma nova. Ou seja, dão dois arquétipos que trabalham juntos.

Oxalá é o movimento de estabilização, de finalização (tanto que é o ultimo orixá a ser saudado no xirê). Após a finalização, um novo movimento deve começar e a velha ordem deve ser desestruturada e invertida. Conforme Zacharias (2010), a psique como um todo possui uma ação transitória. E a atuação do si-mesmo é pluralista em relação à totalidade da psique e centralizadora em função da estruturação do ego. O autor ainda aponta que mesmo em culturas politeístas a prática individual religiosa é a da monolatria, a eleição de um ou mais deuses como imagem de adoração pessoal, apesar de se reconhecer a grande quantidade de outros deuses.

Portanto Oxalá representa essa ação centralizadora, que impõe limites ao ego para que ele possa se desenvolver sem se fragmentar. É possível observar que mesmo diante de inúmeras possibilidades o ego acaba se envolvendo com apenas algumas atividades. E esses limites vêm até nós por meio das leis.

Em nossa infância, após o período matriarcal, em que somos bebês embalados no colo da mãe, começamos a nos ver diante do patriarcado como seu conjunto de regras e leis, que devemos obedecer até para nossa sobrevivência. É ai que Oxalá entra em cena, nos colocando ordens e limites centralizadores. Após isso…bem após isso é uma outra história, que começa novamente com o compadre Exú.

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Afinal, o que é “SER PAI?”

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Já dizia Camões “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”……… Mas afinal, o que mudou?

Cresci ouvindo a expressão PAI É PAI…e pronto! . Talvez por isso a materialização do conceito de PAI seja tão abrangente e difícil de se pescar com a rede das palavras.

Talvez essa seja a razão do amor enigmático, forte e indecifrável que sinto por meu PAI.

Afinal, sou de um tempo em que os comportamentos diferenciavam-se um pouco da contemporaneidade. Pai era sinônimo de total respeito. Logo, sou do tempo de tomar bênção do pai na hora de acordar, na saída, na chegada e antes de dormir. Por incrível que pareça, quando ligo para meu pai, antes de tudo, peço a bênção. E, estamos em pleno século XXI!

Pai para mim era o chefe da casa. Ele sentava sempre à cabeceira da mesa e trabalhava fora para o sustento da nossa família. A última palavra era sempre a dele, embora minha mãe governasse junto, mas ela fizesse com que ele acreditasse que ele governava sozinho. E o interessante que nos entendíamos tão bem. Digamos que era uma espécie de regime político em que meu pai ordenava, com ajuda de minha mãe nas entrelinhas do poder,e esse status de chefe de família era consentido por todos.

Aprendi com meu pai que “Só se vence na vida pelo trabalho” e que “ O nome de um homem precisa refletir sua dignidade”. E como eu achava meu pai digno e admirável! Uma espécie de Deus da Sabedoria. Pois para mim, meu pai sempre soube todas as respostas. Embora eu nem sempre concordasse com elas.

Alguns, que porventura estejam lendo este texto, talvez não se identifiquem com essa descrição de pai. Infelizmente, nem todos convivem ou conviveram com um pai tão sério e ao mesmo tempo tão amável. Lembro que meu pai nos repreendia com um simples olhar. E quando levávamos bronca, recebíamos a mais cruel de todas as surras, porque as palavras proferidas doíam na nossa alma.

Contudo, esse mesmo pai tão austero tinha a capacidade lírica de nos contar histórias à noite. E como éramos oito filhos, ele contava histórias e depois observava nas camas e redes se todos já estávamos dormindo. Verdadeira educação com disciplina e amor.

Hoje quanta coisa mudou…….

Tomar bênção de pai, muitas vezes, se tornou memória de escritor saudosista.

Mas há mudanças que precisam ser compreendidas. Hoje, desmistifiquei a figura do pai-homem, sempre homem.

O tempo me ensinou que pai é todo aquele que trabalha, leva os filhos à escola, paga as contas, dá a primeira e nem sempre a última palavra, que conta histórias, aconselha, dá bronca. Mas , sobretudo, cuida dos filhos. Veio à minha mente um ditado popular “Pai é quem cria”

Entendo que ser pai não é uma regra, mas uma condição que não tem sexo, idade nem status definidos. Observem quantas MÃES que são PAIS.

Importante é constatar que os papéis podem mudar de personagem. Todavia, o conceito de PAI é insubstituível. Essa afirmativa é uma constatação.

Ser PAI é abstração concreta que se manifesta em todo aquele que aceitar a missão de vida de se tornar EXEMPLO DE AMOR E ADMIRAÇÃO. Modelo de personalidade, trabalho e caráter para seus filhos, que podem não ser biológicos, bastam ser do coração.

Então, independente do tempo e das vontades, SER PAI é SER PAI….e pronto!

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