Oxalá e o símbolo da criação

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Oxalá é um Orixá masculino bastante cultuado e reverenciado no Brasil, sendo considerado o Orixá mais importante do panteão africano.

Na África é cultuado com o nome de Obatalá. Quando os negros vieram para o Brasil, trouxeram consigo, além do nome do Orixá, outra forma de a ele se referirem, Orixalá, que significa orixá dos orixás. Numa versão contraída, o nome que se acabou popularizando, é Oxalá.

Oxalá é um Orixá Fun Fun. Na África, todos os Orixás relacionados com a criação são designados pelo nome genérico de Fun Fun. Eram cerca de 154 Orixás Fun Fun, mas no Brasil a quantidade reduz-se significativamente, sendo que dois, Oxalufã, valho e sábio, rei de Ifón (Oxalufã) e Orixá Oxaguiã, jovem e guerreiro, o comedor de inhame e rei de Egigbó, se tornaram as suas expressões mais conhecidas.

Oxalá é, então, o criador dos seres humanos. Diz a lenda que Olorum deus supremo dos yorubas e criador do universo enviou seu filho Oxalá para criar o mundo e os seres humanos a partir do barro (ZACHARIAS, 1998).

Outra lenda conta que Oxalá foi encarregado por Olodumaré de criar o mundo com o poder de sugerir e o de realizar. Para cumprir sua missão, antes da partida, Olodumaré entregou-lhe o “saco da criação”. O poder que lhe fora confiado não o dispensava, entretanto, de submeter-se a certas regras e de respeitar diversas obrigações como os outros orixás. Uma história de Ifa conta-nos como, em razão de seu caráter altivo, ele se recusou a fazer alguns sacrifícios e oferendas a Exu, antes de iniciar sua viagem para criar o mundo.

Oxalá pôs-se a caminho apoiado em um grande cajado de estanho, seu opáxorò ou paxorô, o cajado para fazer cerimônias. No momento de ultrapassar a porta do Além, encontrou Exu, que entre as suas múltiplas obrigações, tinha a de fiscalizar as comunicações entre os dois mundos. Exu, descontente com a recusa do Grande Orixá em fazer as oferendas prescritas, vingou-me fazendo-o sentir uma sede intensa.

Oxalá, para matar sua sede, não teve outro recurso senão o de furar, com o seu paxorô, a casca do tronco de um dendezeiro. Um líquido refrescante dele escorreu: era o vinho de palma. Ele bebeu-o ávida e abundantemente. Ficou bêbado, não sabia, mas onde estava e caiu adormecido. Veio então Odùduà, criado por Olodumaré depois de Oxalá é o maior rival deste.

Vendo o Grande Orixá adormecido, roubou-lhe “o saco da criação”, dirigiu-se à presença de Olodumaré para mostrar-lhe seu achado e lhe contar em que estado se encontrava Oxalá. Olodumaré exclamou: “Se ele esta neste estado, vá você, Odùduà! Vá criar o mundo!” Odùduà saiu assim do Além e se encontrou diante de uma extensão ilimitada de água. Deixou cair à substância marrom contida no “saco da criação”. Era terra. Formou-se então um montículo que ultrapassou a superfície das águas. Aí, ele colocou uma galinha cujos pés tinham cinco garros. Esta começou a arranhar e a espalhar a terra sobre a superfície das águas. Onde ciscava, cobria as águas, e a terra ia se alargando cada vez mais. Odùduà aí se estabeleceu, seguido pelos outros orixás, e tornou-se assim o rei da terra.

Quando Oxalá acordou não mais encontrou ao seu lado o “saco da criação”. Despeitado, voltou a Olodumaré. Este, com castigo pela sua embriaguez, proibiu ao Grande Orixá, assim como aos outros de sua família, os orixás funfun, ou “orixás brancos”, beber vinho de palma e mesmo de usar azeite de dendê. Confiou-lhe, entretanto, como consolo, a tarefa de modelar no barro o corpo dos seres humanos, aos quais ele, Olodumaré, insuflaria a vida. Por essa razão, Oxalá é também chamado de, o “proprietário da boa argila”. Pôs-se a modelar o corpo dos homens, mas não levava muito a sério a proibição de beber vinho de palma e, nos dias em que se excedia, os homens saíam de suas mãos contrafeitos, deformados, capengas, corcundas.alguns, retirados do forno antes da hora, saíam mal cozidos e suas cores tornavam-se tristemente pálidas: eram albinos. Todas as pessoas que entravam nessas tristes categorias são-lhe consagradas e tornam-se adoradoras de Orixalá.

É sempre representado com a cor branca. Verger aponta que o hábito de se vestir de branco na sexta-feira estende-se a todas as pessoas filiadas ao candomblé, mesmo aquelas consagradas a outros orixás, tal é o prestígio de Oxalá. Seu dia é a sexta feira e seu símbolo é o opaxoró (um cajado de prata, onde ele se apóia). Na Bahia é sincretizado com o Senhor do Bonfim, devido a um enorme prestígio e inspirar fervorosa devoção aos habitantes de todas as categorias sociais. Também costuma ser associado a Jesus Cristo.

No Xirê (a dança consagrada aos Orixás), Oxalá é homenageado por último porque é o grande símbolo da síntese de todas as origens. Ele representa a totalidade, o único Orixá que, como Exú, reside em todos os seres humanos. Todos são seus filhos, todos são irmãos. Oxalá representa o patriarca, o chefe da família e é o símbolo da procriação masculina e seu poder fertilizante, tanto que um de seus símbolos é o sêmen.

Orixá calmo, paciente e que abomina a guerra, pode ser associado ao trunfo do Tarot, O Hierofante, ou O Papa. Esse trunfo simboliza a moral, as regras, a santidade. Ele rege as leis que dizem respeito à boa conduta aos olhos de Deus. Ele simboliza o pai divino, as regra espirituais. Ele é a ordem pré-estabelecida.

Oxalá forma um par de opostos com Exú. Exú é o que inicia tudo, o começo e Oxalá o fim. Enquanto Oxalá é um guardião da paz, Exú fomenta disputas e catástrofes. Até no sincretismo vemos esse par de opostos: Exú foi associado ao diabo e Oxalá a Jesus. Simbolicamente, Oxalá – como orixá criador – mantém a ordem e Exu desestabiliza essa ordem de forma a criar uma nova. Ou seja, dão dois arquétipos que trabalham juntos.

Oxalá é o movimento de estabilização, de finalização (tanto que é o ultimo orixá a ser saudado no xirê). Após a finalização, um novo movimento deve começar e a velha ordem deve ser desestruturada e invertida. Conforme Zacharias (2010), a psique como um todo possui uma ação transitória. E a atuação do si-mesmo é pluralista em relação à totalidade da psique e centralizadora em função da estruturação do ego. O autor ainda aponta que mesmo em culturas politeístas a prática individual religiosa é a da monolatria, a eleição de um ou mais deuses como imagem de adoração pessoal, apesar de se reconhecer a grande quantidade de outros deuses.

Portanto Oxalá representa essa ação centralizadora, que impõe limites ao ego para que ele possa se desenvolver sem se fragmentar. É possível observar que mesmo diante de inúmeras possibilidades o ego acaba se envolvendo com apenas algumas atividades. E esses limites vêm até nós por meio das leis.

Em nossa infância, após o período matriarcal, em que somos bebês embalados no colo da mãe, começamos a nos ver diante do patriarcado como seu conjunto de regras e leis, que devemos obedecer até para nossa sobrevivência. É ai que Oxalá entra em cena, nos colocando ordens e limites centralizadores. Após isso…bem após isso é uma outra história, que começa novamente com o compadre Exú.

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A Árvore da Vida: o universo diante de cada um de nós

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Com três indicações ao Oscar 2012: Melhor Filme, Melhor Diretor (Terrence Malick), Melhor Fotografia (Emmanuel Lubezki)

“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por meio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez”. (João 1:1-3)

A árvore da vida poderia ser apenas mais um filme que tenta responder perguntas que, talvez, nem devessem ter sido formuladas, dada a impossibilidade lógica das respostas.  No entanto, não há tentativas de elaborar respostas em A Árvore da Vida, há questionamentos murmurados em meio a uma impactante sequência de imagens, que vai desde a origem do universo e o desenvolvimento da vida na Terra até a casa de uma família atingida por uma tragédia.

No início do filme, tem-se um monólogo feito pela mãe em uma tentativa de descrever em palavras sua visão da vida e do ser humano. De uma forma simples, ela separa as pessoas em duas categorias, mas o que vamos presenciar no decorrer da história é que o ser humano, talvez como reflexo do seu próprio Criador, não é tão facilmente categorizável, assim, muitas vezes há intersecções e uniões que desafiam nossa lógica e nossa tão domesticada lucidez.

“O coração de um homem tem duas formas de encarar a vida: a forma da natureza e a forma da graça. Você deve escolher qual das duas seguir. A graça não tenta agradar a si mesma. Ela aceita ser desprezada, esquecida, rejeitada.
Ela aceita insultos e machucados. A Natureza apenas tenta agradar a si própria. Ela gosta do poder.
De ter suas próprias escolhas.” 

Com a morte de um dos seus filhos, a mãe começa a questionar até o sentido da sua Fé. Especialmente quando recebe palavras de conforto do tipo: “Ele agora está nas mãos de Deus”. Ao que ela responde: “Ele sempre esteve”. E é essa a angústia que separa os dois estados: em um momento o filho existe e pertence a Deus, em outro momento ele não existe, mas ainda pertence a Deus.  “Deus dá e Deus tira. É assim que Ele é. Ele envia moscas à ferida que Ele deveria curar”, diz a avó do menino, cansada demais para qualquer busca por sentido.

É nesse ponto que inicia-se na tela o que muitos consideram a parte mais ousada do filme, já que estamos em uma época em que a velocidade é primordial para manter o interesse do público e que efeitos visuais devem ser capazes de mudar a direção da nossa atenção a cada fração de segundo, e isso definitivamente não acontece nesse filme em particular. Mas há a força de um questionamento que marca o início de um fantástico balé de cores e sons.

Deus, por quê? Onde você estava? (a mãe)

Então, o silêncio é quebrado por uma trilha sonora profunda em meio a imagens que tentam contar uma história que, de certa forma, é impossível de ser contada. Ou seja, tem-se a tentativa do diretor de mostrar a Criação do Universo, os caminhos que foram necessários para que a nossa espécie, enfim, pudesse existir, mesmo que muitas outras desaparecessem nessa trajetória.

Onde você estava? Deixou um garoto morrer. Nada poderia ser feito? Por que devo ser bom se Você não é? (Jack)

Esse é o grande questionamento de Jack, que é iniciado ainda na infância e o assombrará por grande parte de sua vida. Uma vida marcada pela morte prematura do irmão e por tantas outras perdas. São dele as principais lembranças descritas no filme, desde a sua relação conturbada com o pai até seus momentos de extrema felicidade com a mãe e os irmãos. Em alguns momentos, o pai, na tentativa de fazer com que os filhos possam ter um futuro melhor do que o dele (um músico e inventor frustrado), cria um ambiente de medo e exige uma obediência cega, sem questionamentos.

Por favor, Deus, mate-o. Deixe-o morrer. Tire-o daqui. (Jack)

Paradoxalmente, Jack questiona Deus por não interceder e evitar a morte de um menino, mas pede que esse mesmo Deus mate seu pai. Natureza e Graça. Em que categoria o menino se encontra? Em que categoria podemos nos colocar, se a própria dinâmica da vida modifica o nosso sentido das coisas e de nós mesmos? Até que ponto o que desejamos é aquilo que sentimos? Talvez essas perguntas possam ser respondidas em um livro de autoajuda, pois só nesses livros as contradições são facilmente resolvidas. Agora, parece-me mais coerente concluir a questão sem apontar respostas, já que, para cada um de nós, tanto as perguntas quanto as respostas podem ter um sentido diferente. Os personagens do filme em um dado nível não são apenas contraditórios, são também relativos.

Eu queria ser amado. Ser um grande homem. Eu não sou nada. […]. Sou um homem tolo. (o pai)

Em meio a uma história de vida que não reflete um sonho (de ser um músico famoso, por exemplo), o pai tenta impor à sua família um conjunto de verdades simples e isso mostra-se insuficiente quando, mesmo com sua conduta tão correta (perante seus princípios), ele perde o emprego, a casa e, principalmente, um filho.  O homem que se pensava tão justo e inventivo não alcançou a graça, nem tão pouco pôde viver conforme a sua natureza.

Ao presenciar o pai, aos poucos, perdendo a força das suas crenças, Jack sussurra: “Pai! Mãe! Sempre a sua inquietação dentro de mim”.  Ele é, inevitavelmente, parte deles.

Se você não amar, sua vida passará em frente aos seus olhos. Admire. Acredite.  (a mãe)

Em um dado momento, temos a impressão, pelo recurso de imagem usado, que a personagem da mãe não está em um espaço/tempo definidos, logo ela pode vivenciar todas as fases que compõem sua trajetória, como se fosse, simultaneamente, a criança, a adolescente e a mãe. É como se ela e Deus (em forma do universo) estivessem em sintonia. Daí tem-se a aceitação e, quem sabe, o entendimento não somente da perda, mas, especialmente, do universo que há diante de cada um de nós.

Entrego-o à Você.Entrego-Te meu filho. (a mãe)

FICHA TÉCNICA DO FILME

ÁRVORE DA VIDA

Título Original: The Tree of Life
Direção e Roteiro: Terrence Malick
Elenco: Brad Pitt, Jessica Chastain, Sean Penn, Hunter McCracken, Laramie Eppler, Tye Sheridan
Ano: 2011

Prêmio:
Palma de Ouro no Festival de Cannes

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