Como se não houvesse saída: minha história vivendo com a ansiedade

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Relato Anônimo 

Em junho de 2022 comecei a vivenciar alguns momentos pelos quais nunca havia passado antes. Foi um turbilhão de emoções ao mesmo tempo, sendo eles: medos, angústias, raiva, tristeza dentre outros. Muito se fala sobre a importância que devemos ter com a nossa saúde mental, mas a vivência nos permite perceber que a teoria é muito diferente da prática.

Somente após ter tido duas crises fui atrás de tratamento para receber os devidos cuidados médicos e psicológicos. O que deveria ter sido uma rede de apoio se tornou um caos, pois quando fui procurar tratamento em uma Unidade Básica de Saúde (UBS)  não recebi os devidos cuidados que deveria. A partir de então, para uma melhora que pudesse ser mais efetiva, visto que não estava recebendo auxílio que resultasse em uma ajuda significativa, optei por ir em busca da rede de saúde privada, para  começar as intervenções possíveis com o intuito de melhorar as minhas crises que até então eu não sabia rotulá-las corretamente.

Mesmo após algumas sessões de terapia as crises continuavam constantes. Posto isso,  a psicóloga que estava acompanhando o meu caso fez a solicitação para que eu buscasse uma ajuda psiquiátrica. A priori, tive uma grande resistência em ir, pois, além da não aceitação, ainda teria que lidar com os estigmas que são impostos pela sociedade. Após muita relutância busquei ajuda com um médico psiquiatra, também na rede particular, pois na UBS teria que passar por uma lista de espera.

O psiquiatra levantou algumas hipóteses diagnósticas. Com isso,  solicitou que eu entrasse com o uso de três medicações para que houvesse uma diminuição nas crises. Neste período, continuei fazendo acompanhamento com a psicóloga, a fim de ter uma melhora considerável. Entretanto,  mesmo fazendo o tratamento corretamente as crises não estavam cessando,  foi quando veio a confirmação do diagnóstico TAG- Transtorno de Ansiedade Generalizado.

De acordo com o DSM-5, o transtorno de ansiedade generalizado caracteriza-se por ansiedade e preocupação excessivas em relação a diversas atividades ou eventos que estão presentes na maioria dos dias por 6 meses. A causa é desconhecida, embora comumente coexista em pessoas com alcoolismo, depressão maior ou transtorno de pânico.

                                                                                                                           Fonte: Pixabay

Após constantes sessões de terapia, fui conseguindo entender e perceber em mim os gatilhos que ocasionaram as crises. Um  ponto importantíssimo foi identificar o ambiente laboral como um dos fatores que contribuíram para que as crises piorassem, pois se tratava de um ambiente altamente tóxico, causando consequentemente o meu adoecimento mental. Por meio das consultas com o psiquiatra o mesmo suspeitou de um possível Burnout, diagnóstico esse que não veio a se confirmar, já que após alguns meses eu pedi demissão.

Durante todo esse processo, o suporte da família e dos amigos foram de extrema importância. Tê-los como rede de apoio fez com que a minha recuperação ocorresse de maneira mais rápida. O medo de não conseguir era constante, e receber palavras de afeto, ligações e mensagens diariamente me fazia enxergar uma luz para que eu pudesse ter forças para sair da condição em que me encontrava. Com alguns eu pude dividir a  experiência de como estava sendo após ser diagnosticada e como era a sensação de ter que fazer o uso de tarjas pretas, visto que algumas já haviam passado por conjunturas parecidas.

Sem dúvidas, o medo foi a pior parte, pois mesmo com o apoio e ajuda de muitas pessoas eu sempre me via em uma circunstância como se não houvesse saída. Lembro-me de me sentir fraca, já que quase todos que estavam comigo conseguia enxergar uma forma para que eu saísse desse meio, menos eu, pois para mim não existia essa hipótese. Recordo de aos poucos ir me afastando de tudo e de todos, porque o medo de ter crises em qualquer lugar e a qualquer hora do dia ou da noite era imenso.

 

                                                                                                                   Fonte: Pixabay

Acredito que essa tenha sido a pior fase que já vivenciei em toda a minha vida. Contudo, com o tratamento adequado esse cenário foi mudando e, após um ano e meio de terapias intensivas e uso de medicações, as circunstâncias tomaram outro rumo. Já fazem alguns meses que não tenho nenhum indício de crises, mas para conseguir chegar nesse estado de melhor condição de vida foi extremamente crucial passar por todo o processo terapêutico e psiquiátrico.

Castillo et,al (2000) apontam que a ansiedade e o medo passam a ser reconhecidos como patológicos quando são exagerados, desproporcionais em relação ao estímulo, ou qualitativamente diversos do que se observa como norma naquela faixa etária e interferem com a qualidade de vida, o conforto emocional ou o desempenho diário do indivíduo. Diante disso, este relato é também um alerta para que busquem a ajuda necessária a fim de cuidarem da saúde mental.

REFERÊNCIAS

American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5.. 5 Porto Alegre: Artmed, 2014.

Castillo, Ana Regina GL et al. Transtornos de ansiedade. Brazilian Journal of Psychiatry [online]. 2000, v. 22, suppl 2 [Acessado 17 Setembro 2023], pp. 20-23. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600006>. Epub 24 Jan 2001. ISSN 1809-452X. https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600006.

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Primeiros socorros psicológicos enquanto alternativa de intervenção em situações de crise

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A ideia de primeiros socorros psicológicos (PSP) está associada à necessidade imediata de intervenção dessa natureza em situações que configurem urgência ou emergência, como é o caso de uma catástrofe, uma situação de crise, que pode ser natural ou provocada pelo homem e que possa atingir o sujeito de forma material, física ou psicológica.

A intervenção em catástrofes requer metodologias que possam atuar com o objetivo de desenvolver mecanismos de proteção das vítimas de modo que elas possam lidar com o evento traumático, promovendo sua reorganização frente a esse contexto, como forma de reduzir danos relacionados à evolução de quadros psicopatológicos (BEJA, et al., 2018).

Os PSP podem ser conceituados como uma representação de uma abordagem psicossocial voltada para grupos de indivíduos que foram expostos a uma situação de crise, tendo por objetivo principal intervir precocemente no estresse ocasionado pelo evento considerado potencialmente traumático, de maneira a promover um funcionamento adaptativo seja a curto ou a longo prazo (BEJA, et al., 2018).

É importante ressaltar que os PSP podem se constituir em uma importante forma de intervenção, considerando o recolhimento de informações básicas que permita a realização de avaliações rápidas sobre as principais necessidades a serem atendidas ou seja refere-se ao primeiro cuidado prestado para evitar a piora do quadro de saúde, antes de ser ter acesso a um serviço especializado (TOLENTINO, et al., 2015).

Fonte: encurtador.com.br/dnqvV

Em muitas situações a oferta dessa assistência imediata é fundamental para saúde mental do indivíduo exposto a uma situação de perdas, que contribui altera diretamente o seu estado emocional de forma a desorganizá-lo e as reações podem ser das mais diversas diante do contexto, algo que impacta na sua forma de ver a sua vida naquele momento, bem como na sua projeção quanto ao futuro. O profissional abre espaço para a fala e oferece uma escuta acolhedora (LARA, et al., 2019).

Por não ser uma função adstrita ao psicólogo, qualquer profissional ou voluntário em geral devidamente treinado podem prestar os PSP. Sendo portanto, uma intervenção que se justifica diante da urgência ou emergência que surge no contexto de exposição ao risco psicossocial, se constituindo um importante método de apoio nesses casos, com estudos que comprovam sua eficácia na redução dos sintomas pós-traumáticos (LARA, et al., 2019).

É relevante destacar que os PSP não são métodos de diagnóstico ou uma intervenção psicoterapeuta, nem um interrogatório invasivo que visa esse tipo de intervenção, por isso não existir exigências rígidas quanto aos envolvidos nesse processo. Acredita-se que no momento do evento crítico, ter alguém que esteja disponível para escutar a história de vida de cada indivíduo, o quanto a situação o afeta emocionalmente, oportunizando a partilha, seja um fenômeno de proteção à saúde mental no momento, com efeitos positivos posteriormente, por isso a prática dos PSP são importantes nesses casos (BEJA, et al., 2018).

A abordagem preconizada nos PSP, diz respeito a se levantar a possibilidade de sofrimento e adoecimento psíquico frente às perdas causadas pela catástrofe, portanto é necessário que o agente envolvido na prestação da assistência esteja atento as reações iniciais, para que algumas ações possam ser realizadas, como contatar pessoas, aumentando o suporte social, oferecer informações que ajudem a lidar com os aspectos emocionais e principalmente estar disponível a realizar a escuta das suas percepções frente ao ocorrido, de maneira empática e acolhedora (LARA, et al., 2019).

Fonte: encurtador.com.br/qzGM6

Os PSP, portanto representam a possibilidade de oferecer um conforto e segurança, no intuito de tranquilizar as vítimas, garantindo que recebam os procedimentos necessários e apropriados ao processo em que estão expostos. Nem sempre ocorrem as reações mais esperadas, como a desorganização ou mesmo o estresse, muitas vezes as pessoas continuam funcionando de maneira aparentemente normal, desempenhando diversas atividades, no entanto, não quer dizer que não estejam impactadas emocionalmente, por isso é necessário estar atendo, na observação e na escuta ao se aproximar, de forma a estabelecer um vínculo seguro (TOLENTINO, et al., 2015).

As pessoas que estiverem dispostas a prestar os PSP devem estar preparadas ao enfrentamento de muitos desafios, diante de circunstâncias físicas e emocionais, cenários caóticos de destruição e sofrimento, onde intervir nesse contexto se torna também potencialmente adoecedor.  Por isso é de fundamental importância que ao se envolverem nesse trabalho, tenham acesso aos cuidados de saúde necessários à sua manutenção e assim possam dar continuidade a esse tipo de trabalho tão importante (BEJA, et al., 2018).

Os PSP são intervenções que merecem atenção, pois a qualquer momento pode ocorrer um evento crítico, uma crise e contar com o apoio de pessoas que estejam disponíveis a ajudar, até mesmo de forma voluntária, com um suporte emocional adequado, com certeza pode ser um diferencial na vida de grupos de indivíduos que estão inseridos nesse processo, algo que pode impactar positivamente no manejo das consequências de um fenômeno traumático.

REFERÊNCIAS

BEJA, M.J.et al. Primeiros socorros psicológicos: intervenção psicológica na catástrofe. Psychologica, vol. 61 nº 1, p. 125-142, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.14195/1647-8606_61-1_7. Acesso: 30 de ago. 2021.

LARA, P.G. et al. Primeiros socorros psicológicos: intervenção em crise para eventos de violência urbana. Revista Educar Mais, nº especial, p. 9-16, 2019. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.15536/reducarmais.3.2019.9-16.1607. Acesso: 30 de ago. 2021.

TOLENTINO, F. C, et al. Primeiros socorros psicológicos aplicados a reações de estresse em operações militares. Revista Interdisciplinar de Ciências Aplicadas à Atividade Militar, nº1, 2015. Disponível em: http://www.ebrevistas.eb.mil.br/RICAM/article/view/2614/2078. Acesso: 30 de ago. 2021.

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Passo o ponto

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Nas minhas caminhadas, observo as placas de “passo o ponto”, que podem significar “passo meu projeto de vida” ou “o negócio passou do ponto” porque não vinga na era digital, e penso que muitas das pessoas que trabalhavam ali caíram no infortúnio do desemprego.

Fatores externos, fora de nosso controle, como crises que empobrecem um país e seu povo, podem tirar tudo da gente, menos o nosso entusiasmo, que depende só de nós. Temos de lutar para que tragédias econômicas não empobreçam nosso espírito e enriqueçam nossa descrença na vida.

Em 1989, pedi as contas de uma multinacional para abrir uma agência de eventos. Aí veio o Plano Collor e os eventos que mais organizei foram “falta de dinheiro”, “falência relâmpago” e “medo do despejo”.      

Fonte: encurtador.com.br/MQRV4

Para aumentar os infortúnios, capotei meu carro, quebrei a clavícula e ganhei um corpo tatuado de hematomas. Sem plano de saúde e falida, um médico recomendou repouso de três meses. Nem cogitei essa opção. Repouso era um luxo para mim.

Eram tantas as pedras no meu caminho que pensei em construir uma caverna para me enfiar lá. Sem dinheiro para condução, andava horas procurando emprego. Um dia, vi um anúncio de “Assistente de Marketing” e fui até a agência. A selecionadora achou que eu era qualificada para uma vaga de gerente administrativo-financeiro por ter sido empresária. Espantada, respondi-lhe que se tivesse talento para empresária não estaria me candidatando a uma vaga de assistente. Mas ela insistiu na maluquice de me indicar para a posição.

Fui para a entrevista e quando me apresentei ao diretor da empresa, achei que estava diante de outro doido, que fumava cachimbo, quando ele me disse que tínhamos um amigo em comum. Mas ele conhecia meu ex-chefe da multinacional e já tinha as minhas referências. Lembrei-me do velho ditado de sempre deixar uma portinha aberta ao sairmos.

Fonte: encurtador.com.br/ailAO

Porém, disse-lhe, honestamente, que abominava matemática e era incompetente com números. Sem se abalar e fumando seu cachimbo, ele me perguntou se eu tinha entusiasmo. Respondi que até de sobra. Então, ele falou que dominava matemática e que tinha paciência de sobra para me ensinar se eu tivesse entusiasmo para aprender. Aceitei o desafio e os números mudaram minha vida.

Se você me perguntar qual é a receita para se motivar diante dos obstáculos da vida, que a todo instante nos faz escolher entre agir ou reclamar, eu diria que, no meu caso, é a Fé inabalável em Deus, amor à vida e frases de sabedoria, como a de Albert Einstein: “Lembre-se que as pessoas podem tirar tudo de você, menos o seu conhecimento” e eu acrescentaria “menos o seu entusiasmo” também.

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Leonid Afremov - Night Loneliness

Alheio e Adverso

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Isso não é mais um relato da história de vida de um “louco”, é um relato das emoções, de um homem que tinha paixões que de tão intensas o levou a loucura.

Vicent foi um homem que tinha uma visão diferente do mundo que o cercava, sua vida foi marcada pela intensidade de suas emoções e pela forma como as expressava. Era filho de um pastor e, como seu pai, também queria se dedicar a religião, porém não foi bem sucedido. Não foi admitido na universidade de teologia, fracassou nos estudos da escola missionária protestante e sua dedicação a um trabalho temporário como missionário foi tão grande que desagradou seus supervisores. Nesta ocasião, Vicent distribuiu todos os seus bens aos mineiros a que estava ajudando.

Após se decepcionar com a experiência missionária decidiu se dedicar a arte. A vida religiosa não foi o seu único fracasso, ele era financeiramente dependente, não conseguiu construir uma família e era incapaz de estabelecer relações sociais. Com poucos recursos, passou a ser sustentado por seu irmão mais novo, Theodorus, situação esta que o deixava extremamente angustiado. Em certa ocasião escreveu para seu irmão “… em ocorrer sentir-me já velho e fracassado, com tudo ainda suficientemente apaixonado para não ser um entusiasta da pintura. Para ter sucesso preciso ter ambição, e a ambição me parece absurda. Não sei o que será, gostaria especialmente de viver menos a suas custas – e doravante isto não é impossível – pois espero fazer progresso de forma que você possa, sem hesitação, mostrar o que faço sem se comprometer”. (sic)

Em relação a sua vida amorosa, Vicent também teve várias decepções, durante sua adolescência se apaixonou por uma inglesa por quem foi desprezado. Mais tarde, já adulto, apaixonou-se novamente, agora por uma prima. Chegou a pedi-la em casamento e novamente foi rejeitado. Na tentativa de convencê-la do contrário, ele colocou sua mão sobre a chama de uma lâmpada de óleo até se queimar. Esse episódio de auto-flagelo foi o primeiro a ser relatado  sobre sua vida, porém não foi o único.

Seu jeito estranho e hábitos excêntricos não eram bem vistos pela sociedade, seu temperamento não era fácil e suas variações de humor fizeram com que sua amizade com Gauguin, com quem dividiu moradia por dois meses, chegasse ao fim. A rápida convivência entre os amigos teve um ponto final quando, após uma intensa discussão, Vicent foi atrás de Gauguin e o surpreendeu com uma navalha, mas felizmente não chegou a machucá-lo. Vincent voltou para casa e mais uma vez cometeu auto-flagelo: cortou um pedaço de sua orelha esquerda e o enviou para uma prostituta da cidade, com quem tinha um caso.

Alguns dizem que Vicent estava com inveja de Gauguin – que começava a fazer sucesso como pintor; outros dizem que Vicent estava com ciúmes pois tinha descoberto que sua amante estava apaixonada pelo companheiro. Depois deste episódio, Vicent foi internado, permanecendo 14 dias no hospital, e ao retornar para sua casa  fez seu auto-retrato com a orelha cortada. A partir de então, passava a ter sintomas psicóticos, achava que várias pessoas queriam lhe envenenar. Assustados, os moradores da cidadezinha onde morava exigiram que ele fosse internado novamente.

Com 36 anos, após ser abandonado pelo seu amigo Gauguin e com o casamento de seu irmão Theodorus, Vicent sentiu-se muito solitário e caiu em depressão. Desta vez, ele mesmo pediu pra ser internado no hospital psiquiátrico St-Rémy-de-Provence. Na ocasião, foi diagnosticado com perturbações epilépticas, porém o médico que o diagnosticou não era especialista. As crises ocorriam de tempos em tempos e eram precedidas de sonolência e seguidas por apatias. Durante suas crises não conseguia pintar. Nesse período, escreveu para Theodorus, “Após a experiência dos ataques repetidos convém-me a humildade. Assim, pois paciência. Sofrer sem se queixar é a única lição que se deve aprender nesta vida”; “Eu me atrapalhei na vida e meu estado mental não somente é como foi abstraído, de forma que independentemente do que fizerem por mim, eu não posso equilibrar minha vida. Quando eu tenho que seguir uma regra como aqui no hospício, sinto-me tranqüilo”. (sic)

No ano seguinte, já com 37 anos, mudou-se para França para poder ficar mais próximo de seu irmão Theodorus. Entretanto, Vicent deparou-se com o irmão em situação financeira medíocre e ainda com um sobrinho doente. Inconscientemente, culpou-se por tudo que estava ocorrendo e continuou com consultas freqüentes ao psiquiatra. E em 27 de julho de 1890, Vicent pegou suas tintas e seu cavalete e foi para um campo onde pintou seu último quadro. Em mais uma de suas crises, atirou contra seu peito e morreu dois dias depois. Ele foi um homem que teve a vida pessoal marcada pelo fracasso, seu jeito esquisito e fora dos padrões o levou para um isolamento social. Houve vários momentos em que demonstrou um desequilíbrio emocional com variações de humor, porém – em meio a toda essa “loucura” da sua vida pessoal – existia um artista excepcional, cujo reconhecimento só aconteceu após a sua morte.

Vicent Willem Van Gogh é, atualmente, considerado um gênio e, para muitos, um dos maiores artistas de todos os tempos. Tinha uma percepção diferente; ele via beleza e arte no que para os outros era comum. Sua paixão pela pintura e suas emoções eram tão intensas que é possível percebê-las em suas telas. Ao contrário de outros artistas, não gostava de pintar em ateliê. Gostava do ar livre, de sentir a emoção do ambiente e gostava, sobretudo, de pintar pessoas. Admirava-as.

Em trechos de cartas enviadas por Vicent a Theodorus ele narra:

“É uma coisa admirável achar um objeto e acho belo, pensar nele, e dizer em seguida: Vou desenhar e trabalhar então ate que eu esteja produzido. Naturalmente, contudo, esta não e ponto de acreditas que não precisava melhora-la. Mas o caminho para fazer melhor mais tarde é fazer hoje tão bem quanto possível, e então naturalmente haverá progresso amanhã”.

“Com tudo prefiro pintar os olhos dos homens, mais que as catedrais, pois os olhos há algo que nas catedrais não há, mesmo que elas sejam majestosas e se imponham a alma do homem, mesmo que seja um pobre mendigo ou uma prostituta, é mais interessante aos meus olhos”. (sic)

A arte de Van Gogh só ganhou notoriedade 10 anos após sua morte, numa exposição de quadros feita por sua cunhada, em 17 de março de 1901. Durante toda a sua vida, Van Gogh só vendeu uma tela.
Paremos um pouco para pensar: qual era a visão desta época? Por que Van Gohg não fora aceito pela sociedade? Por que ele incomodava?

A sociedade em questão era considerada burguesa,  valorizando o pensamento racional. Van Gogh viveu no século XIX, época em que o modelo asilar da psiquiatria já tinha se consolidado. Os asilos eram locais para onde iam os indivíduos que fugiam dos padrões éticos e morais da época. Tais indivíduos eram aqueles que viviam na ociosidade, que pensavam e agiam de maneira diferente daquela vigente na época, sendo considerados, assim, loucos. Era mais fácil prendê-los em asilos do que tentar compreendê-los.

Vicent Van Gogh era tão diferente na sua forma de ser, de ver o mundo e de expressar suas emoções, que incomodava a sociedade, a ponto de se tornar detestável e isolado. O que nos intriga e nos faz buscar esses questionamentos 120 anos após a sua morte é que, o perfil da  “loucura” para a época era o perfil de Vincent Van Gogh, contudo a visão que se tem dele hoje é completamente diferente. Quem antes era um “louco” hoje é um gênio, um incompreendido. Os costumes mudaram. O que é loucura mudou.

Se for feita uma análise, é ainda mais assustador o fato de que ainda hoje desprezamos o que não entendemos, o que achamos estranho, o que não aceitamos. Os motivos mudaram, mas a prática continua, não mandamos mais as pessoas para asilos mas continuamos a exilá-las das nossas vidas.

E fica a pergunta: daqui a 100 anos, o que será normal e o que será loucura? Qual a visão que se terá da moral e dos costumes do século XXI?

Nota: o texto é resultado de uma atividade da disciplina de Psiquiatria do curso de Medicina do ITPAC – Porto.

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