Para quando se sentir triste

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Caminhar pelo parque às duas da manhã talvez não fosse a ideia mais comum, mas ali, na escuridão, eu encontrava alguma paz. A brisa fria tocava o rosto como um lembrete de que, mesmo nas horas mais solitárias, a vida seguia seu curso. As folhas caídas no chão faziam ecoar meus passos, enquanto eu pensava sobre a sociedade, os relacionamentos, e o curioso modo como as coisas se entrelaçam.

A vida, afinal, é uma série de encontros e desencontros. Amigos que se vão, amores que nascem e morrem, e nós, que ficamos tentando entender como tudo isso faz sentido. No fundo, talvez não faça. A solidão de uma madrugada como essa tem um certo humor cruel, como se o Universo quisesse nos lembrar de que, em meio ao caos, é preciso encontrar um pouco de leveza.

Enquanto passo por um banco molhado pela garoa da noite, me pego pensando sobre a estranha relação que temos com a tristeza. Na sociedade, a tristeza é quase um tabu. Somos empurrados a sorrir, a seguir em frente sem refletir muito sobre o que realmente sentimos. Mas e se, ao invés de fugir dela, aceitássemos que ela também tem um propósito? Que a tristeza, por mais dolorosa que seja, é uma espécie de freio, nos obrigando a parar e olhar ao redor?

As árvores ao meu redor se mexem ao ritmo do vento, e penso que a vida também é assim. Às vezes, os ventos da tristeza balançam nossos galhos, nos fazem perder algumas folhas, mas, eventualmente, vem a calmaria. Ninguém gosta de sentir dor, mas será que não são nesses momentos que mais aprendemos sobre nós mesmos? A tristeza nos mostra o que realmente importa, o que realmente queremos.

Talvez a vida seja sobre isso: caminhar sozinho às duas da manhã, refletindo sobre tudo que foi, sobre tudo que poderia ter sido, e ainda assim, sorrir com a ironia de tudo isso. Porque, apesar da dor, sempre há beleza. Na paisagem, nas pessoas, e até nas perguntas que não têm resposta.

Então, se algum dia você se sentir triste, lembre-se de que é apenas uma parte da caminhada. Às vezes, é preciso atravessar noites escuras para apreciar melhor os dias ensolarados. E, quem sabe, você também encontre algo profundo em uma caminhada às duas da manhã. Talvez uma nova pergunta, ou apenas a lembrança de que, mesmo na escuridão, a vida segue, e você faz parte dela.

A caminhada me leva de volta à realidade, mas uma realidade transformada. Sim, a tristeza existe, mas não como um fim. Ela é o início de uma nova compreensão, de uma nova fase. Assim como o amanhecer sempre vem após a noite, também o sol voltará a brilhar, mesmo que agora ele esteja escondido atrás de nuvens escuras.

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O amor e outras coisas

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Por Marcos Antônio Silva Carneiro

Há o amor pelas coisas e o amor das coisas. O primeiro é aquele desejo por um sapato, um carro, uma bolsa cara. Tudo está ligado ao valor material que os outros dão e que você paga.

Mas o amor das coisas é aquela dedicatória num livro que você compra num sebo e dá a alguém que ama. E é aí que minha estória começa. Minha mãe, uma vez, me deu um livro, cuja edição dos anos de 1950, era uma peça de Shakespeare, Ricardo III. O livro era tão difícil ler, que lia quase uma página por dia, mas ele era um tesouro pra mim. Não apenas pelo esmero que ela teve em escolher algo de tão bom gosto. Capa dura, camurça vermelha, letras em dourado. O que realmente me encantou naquele livro antigo é que ele tinha duas dedicatórias. A primeira era dela para mim, e dizia “espero que enriqueça sua cultura e seu vocabulário”, e outra, essa sim datada de 23 de abril de 1957, era de um Felipe para uma Maysa com apenas um “com amor, Felipe”.

Isso é o mais puro amor das coisas. É o sentimento, a vida, a exclusividade de uma subjetividade que, voluntariamente, damos a algo inanimado. Não é apenas um objeto, no caso o livro, é um objetivo, o de dar sentido a algo por alguém que se ama.

Tempos atrás eu dei um buquê de rosas para minha mãe, coisa que ela sempre gostou. Aproveitei a ocasião e tirei uma pétala de umas das flores e coloquei dentro daquele livro que ela havia me dado muitos anos antes, esse sim, um hábito meu. Por vezes abria o livro e checava se a pétala estava lá, até que um dia não a encontrei mais entre aquelas páginas.

Não me entristeci, sequer uma melancolia senti. Tudo naquele livro havia cumprido seu ciclo. Um livro que Felipe deu à Maysa, e Francisca deu Marcos, e que continha uma pétala que se perdeu com o tempo, tinha tanto amor, tanto sentimento, que a gente nem se lembrava que era Shakespeare. Era uma estória dentro da estória dentro da estória…

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Cada coisa em seu lugar

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A Terra não gira ao contrário, mas a vida, essa sim, tem uma outra dinâmica. Ela para, volta, pula, vai rápido ou devagar, às vezes, ela chegar a voltar para o ponto em que você se encontrava em uma bifurcação do destino e escolheu um caminho.

Eu estou passando por esse momento, em que volto para a bifurcação. Como já fiz um caminho, e o cumpri até o fim, vou pegar o outro e ver até onde ele vai me levar.

Meses atrás eu comprei um quadro de um artista que curto. A peça foi até cara para quem aprecia, mas que não consumia esse tipo de arte. Por mais que eu e meu, agora, ex-namorado ensaiávamos pendurar o quadro, nunca o fizemos, e ele ficava de um lado pra outro da casa. De móvel em móvel, testemunha de nossa relação, praticamente do começo ao fim.

Me pergunto por que não penduramos o tal quadro, se tantas outras coisas fizemos para dar a nossa cara àquela outra casa. Investimos em iluminação, mudamos móveis, compramos objetos e até chuveiros trocamos, mas o quadro não viu um prego.

Quando passei a procurar um novo apartamento, foi uma surpresa pra mim, me deparar com o mesmo imóvel para onde eu iria, antes de decidirmos morar juntos. Assinei o contrato de aluguel, e me mudei para o novo lugar. A primeira coisa que fiz foi pendurar a peça.

Hoje, ela tem sua parede e é testemunha da história de apenas uma pessoa.

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Mulheres Modernas – O preço da modernidade

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O sonho de ser uma mulher moderna e independente remete à minha infância. Naquele tempo, a ingenuidade me fazia acreditar que a vida de mulher moderna e independente seria como naquelas típicas cenas de filme. Lembram? A mulher chegando à sua bela casa branca com janelas azuis, descendo do seu lindo carro, usando um vestido vermelho com echarpee botas azul turquesa, carregando nas mãos um buquê de rosas vermelhas que ela acabara de comprar na floricultura. Então, ela adentraria na casa, toda mobiliada com tons verde piscina que contrastavam com o vermelho das almofadas de seda, daria comida para o peixe encarnado de cauda azul que nadava tranquilamente no aquário, arrumaria o buquê de rosas no vaso da sala. E iria para o quarto arrumar suas malas, pois, como era final de semana, ela iria viajar, como de costume, para um lugar bem exótico e encantador. Desta vez, iria fazer a trilha Embu das Artes.

Que sonho! Mas…PARE TUDO, caro leitor!

Para iniciar esta crônica, aproprio-me da letra da música do Kid Abelha que diz

A vida que me ensinaram como uma vida normal
Tinha trabalho, dinheiro, família, filhos e tal
Era tudo tão perfeito, se tudo fosse só isso
Mas isso é menos do que tudo
É menos do que eu preciso
Agora, você vai embora
E eu não sei o que fazer
Ninguém me ensinou na escola
Ninguém vai me responder

O fato é que a vida real difere um pouco da idealização dos filmes e contos de fadas. Afinal, como diz a letra da música “Ninguém me ensinou na escola” que a vida de Mulher Moderna e Independente não se resume ao enredo previsível com finais felizes. Essa é a temática deste texto, refletir acerca do preço que se paga pela liberdade e independência na Modernidade.

Primeiramente, fomos educadas a “brincar de casinha”, fazer “comidinha”, ser “comportadinha” e, leitores, acrescentem os outros “inhas” que julgarem necessários. Então, crescemos pensando em “cozinha”, “modinha” para andar “arrumadinha” , ser “prendadinha” para morrer “casadinha” na vida “lindinha” com a sua “prolinha” e ser “amadinha”. Como diz a letra da música “família , filhos e tal”. Mas, e se “tudo que nos ensinaram como uma vida normal” não acontecer? Vou perguntar com rima clichê “O que fazer”?

Por exemplo, imaginem que, abruptamente, você precisa aprender a dirigir e cuidar sozinha do seu carro. Para algumas mulheres, entende-se que para o pleno funcionamento do carro se precisa cumprir uma regra única e básica: SOMENTE ABASTECER O CARRO.

 

 

Então, um belo dia, você chega feliz ao posto de gasolina para ABASTECER o carro, quando é interpelada pelo gentil frentista:

– Seu carro precisa trocar o óleo – pronuncia com ar preocupado.

– Como você sabe disso? – retruco com ar de desconfiança.

– Porque estou vendo nesse papelzinho colado aqui no seu vidro- responde com tom de afirmação.

–  Como assim trocar o óleo?  Comprei esse carro há pouco mais de um ano. Já precisa trocar o óleo? – pergunto com ar de surpresa. (Para ser bem sincera, nem sabia de que óleo ele estava falando. Só conseguia lembrar do óleo da cozinha)

– Sim, seu carro já rodou mais de 3.000 km com óleo vencido. Há quanto tempo fez a última revisão? – perguntou com interesse sincero.

Lembrei que nunca me preocupei com isso, até porque nem sabia que tinha que fazer revisão, mas fiquei com vergonha de dizer, por isso preferi mentir:

–  Faz tempo- respondi desviando o olhar.

Então, senti meus ouvidos serem metralhados por palavras que “não aprendi na escola” como seu carro precisa“trocar o filtro de ar, filtro de óleo, olhar o bico da bateria, a pastilha de freio, balancear e alinhar os pneus, verificar ser tem água no tanque”( Meu Deus! Sempre achei que no tanque só cabia gasolina) e fazer “o rodízio dos pneus” do carro ( até então, o único rodízio que eu conhecia era o da churrascaria)

Então, fui convidada a responder uma das perguntas mais difíceis de toda a minha vida:

– O estepe do carro está em boas condições?- perguntou o frentista que me olhava com ar de quase súplica.

– Misericórdia! Como ele pode me perguntar isso?- pensei. E o pior, como eu poderia responder se eu nem sabia onde ficava o estepe! Calma, leitor! O motor do carro eu sabia onde ficava. Espero que essa informação melhore sua avaliação sobre minha pessoa.

Saí do posto de gasolina imaginando que meu carro estava depredado, arruinado, acabado, inutilizado. Por isso, entrei no primeiro lugar que vi escrito “Troca de óleo e balanceamento de carro”.

Quando o funcionário perguntou:

– Pra trocar tudo moça? – com ar de pontualidade.

– Tudo o que for preciso – respondi com ar de desespero.

Quando ele me devolveu o carro com o orçamento exorbitante, imaginei que ele deveria ter trocado até o motor do carro. Pensei em contestar, mas reivindicar o que você desconhece é missão impossível. Por isso, paguei o exigido e voltei para casa com a sensação de que eu deveria ter frequentado junto com as aulas de arte culinária, aulas de mecânica para carros.

Cheguei à minha casa (que não tem janelas azuis e nem peixe no aquário) e lembrei que mulher moderna precisa lavar roupa ( Engraçado! Nos filmes, as mulheres modernas nunca lavavam roupas. Será que lavavam sempre na lavanderia?)

Quando fui colocar as roupas na máquina, a mangueira estoura e, simplesmente, o apartamento é inundado. Não sei você, caro leitor, mas comigo as coisas ruins nunca vem sozinhas, elas sempre acontecem acompanhadas.

Então, ligo para a assistência técnica, ninguém atende. Mas como poderiam atender se o relógio já marcava18h30min. Imediatamente, optei pelo plano B, liguei para uma amiga e ouvi o que faltava para completar essa cena desoladora “Ligue para o Disk- Marido. Essas coisas, só homem resolve”.

Desliguei o telefone, permaneci em silêncio durante uns minutos com tempo de eternidade. Questionei-me do porquê de, no término do meu último relacionamento, eu não haver determinado como obrigação para a separação, que ele deixasse um MANUAL DE INSTRUÇÕES de sobrevivência na selva. Mas nem tive tempo de pensar mais comprido, pois lembrei que posso ser uma mulher que não entende muito de mecânica de carros e encanação. Mas, ainda assim,sou uma mulher  inteligente.

Por isso, olhei para aquela máquina de lavar e proferi com voz de guerreira da modernidade “Se Joana D’arc, uma mulher, conduziu todo um exército francês, eu, uma MULHER MODERNA e INTELIGENTE, também consertarei essa máquina.”

Dito isto, ordenei a meus neurônios que fizessem fila para que eu pensasse com mais organização e precisão, fiz uma acoplação à mangueira e….. a máquina voltou a funcionar, desta vez sem inundar o apartamento.

Descansei o sorriso no Olimpo dos VENCEDORES. Constatei que, realmente, a vida de Mulher Independente precisa ser aprendida no cotidiano. Cada dia nos ensina algo novo que “não aprendemos na escola”, fatos que fogem do ”padrão normal”. Mas, nem por isso, deixamos de nos encantar com os aprendizados e desafios dessa VIDA DE MULHER MODERNA!

Afinal, quem disse que é preciso ser fácil para ser feliz e se viver? Por isso, continuamos dispostas e seduzidas a pagar o preço da Modernidade.

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Checklist de Mulheres Modernas – Porque modernidade exige critérios

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Inicio esta crônica com um conselho a todas as mulheres, que esperam por um príncipe encantado e um casamento de conto de fadas, para que não desistam de seus sonhos. Afinal, acredito, sinceramente, que existam príncipes encantados e amor para toda a vida.

Mas, queridas, casem jovens porque com a maturidade nosso nível de exigências vai se aprimorando a patamares inimagináveis. É inevitável! Por isso, talvez, para nós, mulheres modernas, torne-se bem mais difícil encontrar o tão sonhado príncipe encantado.

Este episódio busca a reflexão acerca das exigências das mulheres modernas que, pelo seu grau de organização, criaram checklists dignas dessa crônica. Reflitam e se deliciem com a leitura.

Três amigas supermodernas resolveram marcar um encontro em um lugar aprazível, na capital do eterno sol do meio dia, para fazer o que mais amavam “conversar” e rir muito de suas aventuras do dia-a-dia.

Como a vida é repleta de novidades, mulheres conversam pelo whattsApp, skype, celular, porém, pessoalmente, tudo fica muito mais interessante, divertido e necessário. Então, observe que as mulheres, embora se comunicando rotineiramente, ainda, conseguem, depois das despedidas, passar horas conversando no estacionamento, antes de entrarem no carro. E , mesmo assim, voltam para casa com a sensação de que o tempo foi curto para tanta informação sobre os encantamentos dessa vida.

Nesta noite de encontro, assim que sentaram à mesa, foram surpreendidas com a visita de um amigo em comum. Como eram magnificamente educadas e gentis, convidaram-lhe para sentar. Convite aceito imediatamente com um sorriso de prazer e satisfação.

Recordem que citei, no início deste texto, que o encontro era para conversarem assuntos comumente pertencentes ao universo feminino, contudo aquela presença masculina fez com que os planos iniciais fossem alterados. Porém, como toda mulher moderna é camaleoa, mudaram-se as estratégias e houve adequação dos assuntos à nova realidade da noite. Então, passaram a conversar de futebol à UFC. Isso porque mulher moderna domina várias áreas do conhecimento, mesmo aquelas que julgam pouco interessantes.

Convenhamos que a noite possui seus mistérios insondáveis e imprevisíveis. Fato constatado, pois quando estavam conversando sobre o calor dantesco daquela noite, eis que o amigo surpreendeu com a pergunta inesperada “Por que vocês estão desacompanhadas nesta noite?”

Percebam que nas mentes masculinas, e na maioria das cabeças pensantes deste planeta, podem estar reunidas dez mulheres, entretanto se não houver os pares homem e mulher, sempre estaremos desacompanhadas. Logo, uma mulher não pode ser companhia para outra. Compreenderam?

Diante desta interrogativa tão paradoxalmente previsível e imprevisível, as amigas ficaram meio atônitas, mas como sempre estão preparadas para a guerra, existem sempre planos e respostas estratégicas para as situações mais adversas, como esta. Então, entreolharam-se de forma quase que mafiosa. Sabe quando você está jogando cartas e combina uma jogada pelo olhar? Esse foi o intuito daquelas mulheres que estavam armadas para ganhar esse jogo. Na realidade, dada suas extremas sensibilidades e apuros mentais, buscou-se uma convergência de pensamentos para uma resposta perfeita.

Porém, antes que respondessem, o amigo justificou “Acho que vocês são exigentes demais, por isso estão sozinhas”. Logo, percebeu-se que ele estava com forte artilharia para perguntas e constatações. Era preciso armamento argumentativo e persuasivo pesado para essa batalha de interrogativas e respostas.

– Claro que possuímos uma lista de exigências. Isso nunca foi segredo para ninguém. Qual a mulher inteligente que não possui critérios? – respondeu a mais ousada e femininamente impetuosa das três amigas.

– Se não é segredo, qual o checklist de cada uma de vocês? – desafiou o amigo.

Vou ser bem sincera que imagino, nesta hora, ter ocorrido um pouco de arrependimento por tê-lo convidado para sentar. Ser machadiana é tentador, sinceridade sempre é bom, vocês não concordam?

Ele nem teve tempo para fechar a boca, quando a amiga impetuosamente felina respondeu abruptamente, sem delongas ou hesitações:

– Item nº 1: obrigatoriamente deve ser inteligente, culto, bem humorado, goste de viajar, atencioso, gentil. Ah! Que nunca esqueça da data do meu aniversário e que me presenteie a qualquer dia, ainda que seja o Dia da Árvore. Minha existência seja sua alegria. Alguém que me surpreenda. Que seja homem de verdade, mas com sensibilidade.

O amigo conteve a gargalhada, mas não conseguiu omitir o sorriso ironicamente depravado quando retrucou:

– Parem de sonhar! Esse homem não existe. Vocês estão procurando as qualidades de uma mulher em um homem. Nenhum homem nesta galáxia é assim.

Exageros à parte, não vou mentir que, nesse momento, ao escrever este texto, meus pensamentos extrapolaram o sistema solar à procura desse homem ideal. Será que realmente, ele não existe?

A outra amiga, a mais programada de todas, acrescentou:

– Outro item obrigatório é a escolaridade, no mínimo, pós-graduado, caráter inegociável. Afinal, conversar com alguém sem conteúdo consiste algo inaceitável.

– Eu penso diferente, para mim só graduado é suficiente. Mas que seja inteligente. Porque há tantos homens cheios de títulos e sem conhecimento, por isso não sou tão exigente assim – discordou a amiga mais romântica de todas.

– Pois eu sou bem condescendente neste critério, pois para mim, ser inteligente, sagaz é o que basta. Por isso, se tiver ensino médio está ótimo – desabafou a amiga mais impetuosa de todas.

A mesa tremeu com essa fala. Foi como uma bomba que desestruturou os alicerces dos ideais da modernidade. Tanto que se falou em uníssono “Meu Deus! Você está baixando todos os critérios. Somos mulheres pós-graduadas, falamos mais de um idioma, publicamos trabalhos científicos. Precisamos nos valorizar”

A resposta foi, no mínimo, cômica:

– Baixar critérios? Vocês ainda não viram nada. Vou apresentar a vocês uma amiga que decidiu esquecer o critério “escolaridade”. Optou por um homem bem-humorado e que tenha “pegada”. Só isso! Para ela, qualquer semialfabetizado está valendo!

Foi uma comoção e um descontentamento geral. As outras duas amigas se sentiram como na Inconfidência Mineira. Aquela mulher do semialfabetizado era uma traidora, merecia, no mínimo, o exílio.

Para quem está lendo esse texto e se questionando “E o amigo que perguntou sobre o checklist e promoveu o enredo desta crônica? Informo-lhes que ele assistia a tudo com um olhar atentíssimo a todos os pronunciamentos feitos até o presente momento.

Então, como na arte da guerra, um dos segredos é O ATAQUE. Por isso, as três amigas se olharam mafiosamente, outra vez, e buscaram destruir o amigo com a pergunta que saiu da boca mais impetuosa como um míssil MOSKIT. Naquele momento, elas contemplavam o amigo como um destroier russo. A pergunta foi proferida com a velocidade de 3.600 km/h:

– E você não tem checklist? – perguntou-se com o hálito que exauria o odor da maldade e da vingança.

– Claro que tenho, mas minha checklist só possui dois itens – respondeu o amigo com uma calma que lembrou a música de Vinícius de Moraes.

 – O Item 1 é obrigatório: Ser MULHER. O Item 2 é fundamental: Gostar de sexo – finalizou o amigo que quase se tornou inimigo com esse arroubo de sinceridade e profanação das idealizações femininas.

Como disse Machado de Assis “Ao vencedor, as batatas”.

A amiga mais ousada resolveu arriscar o comentário que finaliza e potencializa esta crônica:

 – E ainda somos nós quem nos julgamos MODERNAS!

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Páginas da vida de uma Mulher Moderna – O Jantar

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O jantar estava marcado para as19h30min, mas é incrível como nunca consigo chegar no horário definido. A razão vem do fato de eu trabalhar manhã, tarde e noite. Para quem está escandalizado com essa informação, informo que amo o que faço e não sou a única no planeta nessa situação. Embora eu considere que, para algumas pessoas, às vezes pareço um ser de outra galáxia.

A respeito dessa afirmativa, para quem julga que sou exagerada, tirem suas próprias conclusões com a narrativa acerca desse jantar.

Recebi a mensagem no celular “Amiga, vc não vem?”. Então, constatei que já eram 21 horas. Respondi à mensagem, imediatamente, com o clichê “Estou chegando”. Quando uma mulher envia uma mensagem com essa informação, imagine que ela chegará daqui a uma hora, no mínimo. No nosso dicionário, os significados das expressões são um pouco diferentes do convencional.

Assim, cheguei,ao apartamento de minha amiga, 65 minutos depois. E ela me recebeu com aquele sorriso de compreensão pela “minha pontualidade”.

Então, imaginem que o jantar já ocorrera há séculos, que todo mundo já conversou e se enturmou. Ou seja, você chega exatamente nesse momento de plena harmonia entre os presentes. Ah! Eu falei que nesse jantar havia só mulheres? Não?! Acrescentem essa informação, por gentileza. Ela é primordial para o entendimento desta narrativa.

Seguiram-se as apresentações de praxe, sorrisos, apertos de mãos, abraços, elogios. Tudo tipicamente e maravilhosamente habitual nas relações gentilmente femininas.

Sentei à mesa, e passei a observar o assunto em questão. Percebi logo que todas falavam sobre filhos. Filhos na escola, filhos e o plano de saúde, filhos e os problemas do dia a dia, filhos, filhos, filhos… Enfim, o prazer de ter filhos. Foi o veredicto final.

Enquanto ouvia a tudo com uma atenção distante, permaneci em silêncio, sorrindo de vez em quando. Senti-me como alguém lendo um livro em japonês. Eu sabia que o assunto era interessante, mas, por não saber japonês, não entedia muita coisa do que estava escrito naquele livro. Por isso, eu sorria quando todas sorriam e ficava pensativa e preocupada quando todas assim se comportavam. É como seguir um trio elétrico fazendo as coreografias, sem entender, algumas vezes, o porquê de você estar fazendo aquilo.

Na realidade, eu torcia para que virassem logo a página daquele livro para falarmos de outro assunto. Quando a página do livro ia sendo virada. Eis a pergunta inevitável a mim direcionada:

– Você tem filhos?

Todas se voltam para mim abruptamente.

– Não! Respondo com um sorriso tranquilo nos lábios.

Sempre admiro as pessoas corajosas e foi a mais corajosa delas que me questionou:

– É casada?

– Também não! Respondi como o mesmo sorriso tranquilo.

– Mas já foi casada? Perguntaram com um certo desespero.

– Tive um relacionamento de 8 anos. E outros também bem longos – respondi com ar de justificativa.

– Ah! – responderam todas aliviadas.

Entendi esse “Ah!” como uma aceitação. Eu tive um relacionamento, logo eu era uma mulher solteira, sem filhos, mas que teve um relacionamento. Esse é um critério obrigatório a ser cumprido. Como um silogismo vital impregnado nas mentes femininas.Confesso que, diante desta constatação,tive vontade de ligar para o meu ex-namorado e agradecer: “Obrigada por termos tido um relacionamento. Sou aceita na sociedade por sua causa”. Mas foi uma ideia passageira, admito.

– Você não pensa em ter filhos? Insistiram com olhar de desafio.

– Estou tentando. Comecei criando uma planta. Depois crio um peixe. Em seguida, o cachorro. Se todos sobreviverem, começo a pensar na criança– respondi sem poder me conter. Foi automático. Mereço felicitações pela minha sinceridade.

– Nossa! Que diferente pensar assim– comentou-se com um ar de sutil descaso.

– Mas, a planta está viva ainda?- perguntaram com um ar de sincera curiosidade.

– Não, infelizmente! Morreu há dez dias. Viajei e a esqueci na sacada. Foram 15 dias de férias. Acho que ela morreu de saudades.

Espero que acreditem que, realmente, considero que a causa mortis da planta foi SAUDADES.

– Hum! Que triste! Suspiraram todas.

Minha amigaresolveu fazer uma intervenção naquele diálogo que caminhava para as lágrimas e sugeriu mudarmos de assunto. Então, começamos a falar sobre carros.

– Vamos trocar de carro. Meu marido está pensando em comprar um sedã com um mega porta-malas para acomodar melhor nossa bagagem quando formos viajar, principalmente agora que as crianças cresceram. Mas, estamos em dúvida entre tantos modelos de carro–informou uma das mulheres mais simpáticas, dentre todas as simpáticas que estavam no jantar.

– Também quero trocar de carro e confesso que é uma tarefa muito estressante mesmo–contribui com a conversa.

– Por qual modelo você quer trocar? –perguntaram com ar agradável.

– Estou em dúvida entre um Troller, Pajero ou um Jipe– respondi com entusiasmo.

– Nossa! Que exótico! – comentaram meio assustadas.

– Quero conhecer o Jalapão. Fazer trilhas. Conhecer o Brasil estilo OFF ROAD. Carpe Diem!!!! – sentenciei a máxima da minha vida.

Fez-se o silêncio das horas tardias, como citou Stanislaw Ponte Preta. Parecia que não falávamos a mesma língua. Porém, quem disse que a diversidade não tem seus encantos?

Despedimo-nos com alegria. Eu desejei a elas que seus filhos fossem muito felizes na escola, em casa, para toda a vida. Até dei dicas de bons colégios e excelentes cursos (disso, eu entendo!). Ah! E trocamos telefone para nos ajudarmos a escolher o melhor carro.

Em troca, todas desejaram que eu me saia melhor na segunda etapa da preparação para os filhos. Disseram que o melhor é criar um beta por conviverem melhor com a solidão. Fiquei pensativa com essa palavra “Solidão”.

Cada uma entrou no seu carro e fomos continuar vivendo nossas vidas. Elas com seus maridos, filhos, escola e carros sedã. Eu, com meus planos de conhecer a Europa como mochileira e pensando se realmente quero criar um peixe. Ou seja, cada qual feliz a sua maneira, vivendo seu Carpe Diem de forma particular.

Nós somos adoráveis por sermos assim, diversas na unidade múltipla enigmática e fascinante de ser MULHER.

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