Tocantinenses são destaque no 2º Festival de Cinema Negro Zélia Amador de Deus

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Evento on-line começa nesta quarta-feira (25) e busca valorizar a produção audiovisual amazônica

Discutir o racismo através do audiovisual e valorizar a produção de cinema realizada por afro-brasileiros, sobretudo da Região Amazônica, são os objetivos do II Festival de Cinema Negro Zélia Amador de Deus. O evento ocorre entre os dias 25 de novembro e 10 de dezembro de 2020 de forma virtual por meio da plataforma www.todesplay.com.br e redes sociais do Cine Diáspora.

Esta edição homenageia a diretora de cinema e atriz Rosilene Cordeiro, que também é professora, produtora e colaborou com o curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Pará (UFPA). A programação inclui debates, premiação e exibição de filmes. A abertura será feita através de live nas redes sociais, com a exibição do filme Princesa do Meu Lugar, de Pablo Monteiro (São Luís/MA).

Nesta edição, 135 produções foram recebidas, sendo 56 (41,48%) da Região Amazônica e 79 (58,52%) de outras regiões do país. Desses, 21 projetos de cineastas amazônicos foram selecionados e concorrem ao prêmio Zélia Amador de Deus nas categorias: Clipe da Região Amazônica; Projeto para Web da Região Amazônica; e Curta-Metragem da Região Amazônica. Dentre eles, destacam-se as obras A Sússia, de Lucrécia Dias (Arraias/TO), e Romana, de Helen Lopes (Natividade/TO).

Cena de “Romana” por: Helen Lopes

Acessibilidade – Visando a ampliação do entretenimento, o Festival de Cinema Negro também terá uma sessão especial com ferramentas de acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva e surdas. Com interpretação na Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) e dirigidas por negras, Blackout, de Rossandra Leone (RJ), e Seremos Ouvidas, de Larissa Nepomuceno (PR), são duas das obras selecionadas.

Confira as sinopses: Seremos Ouvidas – “Como existir em uma estrutura sexista e ouvinte? Gabriela, Celma e Klicia, 3 mulheres surdas com realidades distintas, compartilham suas lutas e trajetórias no movimento feminista surdo”.

Blackout – “Em um Rio de Janeiro futurista nada parece ter mudado. Abuso de autoridade, violações de direitos, racismo e machismo ainda dão o tom da relação do poder público com a favela. Dessa vez, entretanto, algo parece estar para mudar”.

O projeto – A primeira edição do festival ocorreu em novembro de 2019, e recebeu 107 filmes de todo o Brasil – a maioria da Região Amazônica, e teve 14 pontos de exibição nas periferias da Grande Belém. A iniciativa, batizada com o nome da professora emérita da UFPA, ativista e atriz Zélia Amador de Deus, é uma realização da produtora audiovisual Cine Diáspora e tem o apoio do Prêmio Preamar de Cultura e Arte da Secretaria de Estado de Cultura do Pará (Secult).

“O II Festival Zélia Amador de Deus parte de uma construção coletiva feita a partir de uma reunião de amigos artistas, cineastas e produtores culturais negros, que sentem em suas vidas a importância do cinema, o percebem como instrumento de mudança de mentalidades, incentivando práticas antirracistas e de valorização da produção artística afrodiáspórica e africana”, conta Fernanda Vera Cruz, da curadoria e produção da iniciativa, que contribui na renda de 24 profissionais negros e periféricos da periferia de Belém.

Serviço – II Festival de Cinema Negro Zélia Amador de Deus ocorrerá entre os dias 25 de novembro e 10 de dezembro via www.todesplay.com.br e Instagram (@cinediaspora) e Facebook (/cinediasporapa).

Indicados por categoria:

Clipe da Região Amazônica
– Estorvo – Mc Super Shock por Saturação (Macapá/AP)
– Batidão – Enme por Jessica Lauane (São Luís/MA)
– Pretinha – Taslim por Nádia D’Cassia (São Luís/MA)
– Eu sou Tambor – Vanessa Mendonça (Belém/PA)
– Retomada Ancestral – Vanessa Mendonça (Belém/PA)
– Pesadelos – Bruna BG por Anna Suav (Belém/PA)

Projeto para Web da Região Amazônica
– Enme No Corre – Enme Paixão (São Luís/MA)
– AfricAmazônia – Amérika Bonifácio (Icoaraci-Belém/PA)
– Teia de Aranha – Emily Cassandra Bonifácio (Belém/PA)
– Medo de Travesty – Attews Shamaxy (Ananindeua/PA)
– Turva Preamar Marejante – Samily Maria (Belém/PA)

Curta-Metragem da Região Amazônica
– Brilhos Apagados – Nilce Braga (São Luís/MA e Buenos Aires/ARG)
– Quedaria – Brenna Maria (São Luís/MA)
– Sobre Aquilo que Fica – Thais Sombra (Belém/PA)
– Mametu Muagile Rainha de Angola – Elizabeth Leite Pantoja (Belém/PA)
– Que Liberdade é Essa? – Sol Oliver (Belém/PA)
– A Sússia – Lucrécia Dias (Arraias/TO)
– Romana – Helen Lopes (Natividade/TO)
– Minguante – Maurício Moraes (Belém/PA)
– Traçados – Rudyeri Ribeiro (Belém/PA)
– São Geraldo – Homem de Música e Planta – Keila dos Santos (Manaus/AM)

Curta-Metragem Nacional
– Blackout – Rossandra Leone (RJ)
– Alfazema – Sabrina Fidalgo (RJ)
– 111+ – Ivaldo Correa (RJ)
– Um Grito Parado no Ar – Leonardo Souza (RJ)
– Joãosinho da Goméa – O Rei do Candomblé – Janaina Oliveira Refem e Rodrigo Dutra (RJ)
– A Cama, o Carma e o Querer – Daniel Fagundes (SP)
– Alforria Social Beat – Rodjéli Salvi (SP)
– Minha Deusa e Eu – Gabrela Vieira (SP)
– Barco de Papel – Thais Scabio (SP)
– Dádiva – Evelyn Santos (SP)
– Aurora – Everlane Moraes (SP)
– Corre – Carolen Meneses e Sidjonathas Araújo (SE)
– Filhas de Lavadeira – Edileuza Penha de Souza (DF)
– Pernambués – Quilombo Urbano de Lúcio Lima (BA)
– Adventício – Abdiel Anselmo (CE)
– Live – Adriano Monteiro (ES)
– Rio das Almas e Negras Memórias – Taize Inácia Thaynara Rezende (GO)
– Nove Águas – Gabriel Martins e Quilombo dos Marques (MG)
– Reflexo Reverso: O Outro em Branco – Fernanda Thomaz (MG)
– Banho de Flor – Hiura F. (PB)
– Seremos Ouvidas – Larissa Nepomuceno (PR)
– 2704 km – Letícia Batista (PE)
– Notícias de São Paulo – Priscila Nascimento (PE)
– Os Verdadeiros Lugares Não Estão no Mapa – João Araió (PI)
– Por Gerações – Leila Xavier (RJ)
– Encruza – Bruna Andrade, Gleyser Ferreira, Maíra Oliveira e Uilton Oliveira (RJ)
– Por Trás das Tintas –  Alek Lean (RJ)

Filmes Convidados

– Princesa do Meu Lugar – Pablo Monteiro (São Luís/MA)
– O Nikse é Que Nos Socorre – Weverton Ruan Vieira Rodrigues (Belém/PA)

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Purl e a difícil entrada das mulheres em um mundo dominado por homens

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A criadora do curta-metragem Kristen Lester, contou durante um vídeo do canal da Pixar que baseou a animação Purl na experiência que teve em seu primeiro trabalho

Purl é o novo curta-metragem da Disney Pixar, criado pela diretora e roteirista Kristen Lester que mostra a realidade de muitas mulheres que decidem entrar em um mercado de trabalho que é dominado por homens. No curta, conhecemos Purl, uma bola de lã rosa muito animada para começar em seu novo emprego e conhecer seus colegas de trabalho.

A bola de lã rosa chega bastante falante, cumprimentando a todos e tentando se encaixar em um grupo, no entanto, há um grande problema. Ela é uma bola de lã rosa e baixinha. Todos se afastam de Purl quando ela se aproxima, ninguém ri de suas piadas, as pessoas, todos homens, a excluem ao máximo para que ela não tenha uma voz ativa na empresa.

Fonte: https://bit.ly/2EkD35S

Purl, querendo muito ser inserida no meio, decide alterar toda a sua essência. Podemos ver isso quando ela vai ao banheiro e começa tricotar uma nova versão dela. Sua cor rosa chiclete fica em um tom mais claro e ao mesmo tempo fechado, agora está usando um terno e sua – antes divertida e viva – expressão, agora se tornou séria e grosseira.

Assim, ocorre uma enorme mudança na forma de tratamento dos homens da empresa para com Purl. Eles a respeitam. Agora, Purl não é mais fofa e nem delicada. Ela começa a ter voz na empresa pois tem abordagem agressiva e “sem noção”, assim como os homens da empresa.

Fonte: https://bit.ly/2EkD35S

Quando Purl já está totalmente integrada ao grupo masculino, outra bola de lã entra para a empresa, e inicialmente, não querendo ser desprezada pelos seus colegas de trabalho, faz uma piada sobre a nova integrante da empresa e acompanha os homens para uma saída ao “Happy Hour”. Mas Purl para e começa a pensar que ela já esteve na mesma situação da outra bola de lã e de última hora, decide ajudar a novata. Seus colegas homens ficam confusos e constrangidos e a deixam.

É bem evidente que a bola de lã Purl e a outra bola amarela representam mulheres e suas grandes dificuldades em serem inseridas em um emprego onde a grande maioria é composta por homens. Pois mulheres são comumente vistas como bolas de lãs frágeis e delicadas demais para conseguirem tomar uma decisão que leve a empresa para um bom rumo. Isso é verdade? Não. Mas é o que é propagado? Também não.

Fonte: https://bit.ly/2EkD35S

Infelizmente, o que acontece são mulheres mudando suas características para conseguir ter o mesmo tipo de voz que um homem teria, e acabam perdendo sua identidade. Por que características femininas como a delicadeza são tão rejeitadas? Porque é isso o que acontece quando você tem que enfrentar um “mundo de homens” para atingir seus objetivos.

A criadora do curta-metragem Kristen Lester, contou durante um vídeo do canal da Pixar que baseou a animação Purl na experiência que teve em seu primeiro trabalho, onde era a única mulher presente no ambiente e que para continuar a fazer o que gostava, teve que “se tornar um dos caras” sic. Contou também que quando encontrou um novo trabalho, com uma equipe na qual havia mulheres, teve consciência que seu antigo emprego a fez deixar seu aspecto feminino para trás para ser incluída em um grupo. (Você pode assistir o vídeo de Kristen por meio deste link).

Fonte: https://bit.ly/2EkD35S

O final do curta é bem admirável, pois encontramos o ambiente de trabalho de Purl com várias outras bolas de lã, ou seja, mulheres, compartilhando com harmonia e amizade o espaço com os “caras”. A atitude de Purl ao ajudar Lacey (bola de lã amarela), foi significativa para que o local totalmente guiado por homens comece a dar espaço para as mulheres também.

A desigualdade de gênero no mercado de trabalho é uma realidade mundial.  Há, obviamente, as poucas exceções onde pode se encontrar um ambiente trabalhista onde mulheres e homens dispõem dos mesmos direitos, mas como vemos em Purl, é uma caminhada a ser seguida para que esses direitos sejam obtidos. Haverá um dia onde nenhuma mulher precisará alterar sua identidade para conseguir um cargo e os mesmo direitos que homens têm sem fazer grandes esforços. Já estamos caminhando para essa realidade. Ainda bem.

FICHA TÉCNICA DO FILME: 

PURL

Título original: Purl
Direção: Kristen Lester
País: Estados Unidos da América
Ano: 2019
Gênero: Animação

REFERÊNCIAS:

Pixar drops first short film from new animation program SparkShorts. Disponível em: <https://ew.com/movies/2019/02/04/pixar-purl/>. Acesso em 12 de Fevereiro de 2019.

Pixar’s Purl Is a Charming and Insightful Yarn About Women in the Workplace. Disponível em: <https://www.themarysue.com/pixar-purl-short/>. Acesso em 12 de Fevereiro de 2019.

Pixar’s new short “Purl” takes on toxic workplace bro culture. Disponível em: <https://www.fastcompany.com/90303807/pixars-new-short-purl-takes-on-toxic-workplace-bro-culture>. Acesso em 13 de Fevereiro de 2019.

Pixar’s new short stars a swearing ball of feminist yarn. Disponível em: <https://www.polygon.com/2019/2/4/18210951/purl-pixar-short-film-sparkshorts>. Acesso em 13 de Fevereiro de 2019.

Mulheres e o mercado de trabalho: os desafios da igualdade. Disponível em: <https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/tendencias-de-consumo/mulheres-e-o-mercado-de-trabalho-os-desafios-da-igualdade/>. Acesso em 13 de Fevereiro de 2019.

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‘Bao’ e o crescimento que se impõe com a força da vida

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Concorre com 1 indicação ao OSCAR:

Melhor animação.

Em situações recorrentes, os filhos são educados e preparados para experimentarem autonomia e, chegada a maturidade, saírem de casa e cuidarem de suas próprias vidas.

O curta metragem de animação Bao, vencedor do Oscar deste ano em sua categoria, é dirigido por Domee Shi e aborda de modo terno e emocionante o delicado tema da ‘Síndrome do Ninho Vazio’, problema psicológico que acomete inúmeros pais – sobretudo mães – ao redor do mundo.

Bao foi lançado pela Disney através da Pixar. A exibição, de modo inicial, ocorreu paralelamente aos ‘Incríveis 2’ e, de saída, já era o favorito para levar a estatueta mais cobiçada do cinema. Tem duração aproximada de 8 minutos e relata a estória de uma mãe que sofre com o ‘ninho vazio’ após seus filhos saírem de casa, num movimento natural rumo à independência.

De modo bastante criativo e com a assessoria de sua mãe, a diretora Domee Shi dá vida aos bolinhos artesanais produzidos pela mãe/personagem do curta. Neste sentido, quando a vida eclode em um dos bolinhos, a experiência da maternidade é colocada novamente diante da genitora e, similarmente ao que já havia ocorrido com os outros filhos, esta mãe é convidada a perceber que, no passar do tempo, a vida impõe o seu próprio ritmo e as ‘crias’ – mesmo as mais ‘doces’ e, eventualmente, apegadas – acabam por buscar a própria independência e identidade. Foi isso o que ocorreu com o bolinho artesanal. Ele cresce, se envolve com outras pessoas e não quer viver sob a influência exclusiva dos pais. Até desenvolve certa rejeição pela família nuclear – o que, em linhas gerais, ocorre com parte dos jovens em situação similar.

A mamãe da animação, então, vivencia e atualiza as mesmas frustrações e desencontros, o que causa profundo sofrimento psíquico. Este fenômeno abordado no curta metragem é a famosa ‘Síndrome do Ninho Vazio’, que em psicologia é caracterizada como um estado psicológico perturbador – patológico, quando associado a quadros depressivos –, marcada por sentimentos de tristeza e desânimo (sobretudo por parte da mãe) diante do processo de amadurecimento e independência dos filhos.

Foto: https://www.collater.al/en/bao-pixars-short/

Em situações recorrentes, os filhos são educados e preparados para experimentarem autonomia e, chegada a maturidade, saírem de casa e cuidarem de suas próprias vidas (conseguir emprego, relacionar-se afetivamente, constituir família, etc.). Alguns pais, no entanto, ao perceberem que dedicaram boa parte de suas vidas para os filhos, sem que tivessem a oportunidade de criar novos papeis para suas vidas, têm dificuldades de aceitar este processo de separação. Como já pontuado anteriormente, este movimento acomete, sobretudo, as mães, notadamente num cenário sociocultural de enfraquecimento da imago paterna, que pela Psicanálise edipiana é tradicionalmente vinculada a figura daquele que se responsabiliza por ‘acelerar’ a entrada dos filhos na dimensão pública (de enfrentamento do mundo).

Alguns dos desdobramentos da ‘Síndrome do Ninho Vazio’ abordados na animação e que, de fato, acometem muitas mulheres são distúrbios do sono, depressão, melancolia, raiva, distúrbios alimentares e diminuição da libido. Também há casos na literatura psicanalítica – no que se refere às fases do desenvolvimento humano e da psicologia das relações familiares – de pais que acabam por entrar num período de crise, após a saída dos filhos. Isso ocorre porque muitos casais giram em torno das demandas dos filhos e, na ausência destes, não conseguem reavaliar e ressignificar a própria relação. É neste momento que, em alguns casos, percebem não haver mais nenhum projeto em comum entre eles. É como se, inconscientemente, o vínculo marital só sobrevivesse à garantia da educação e independência dos filhos.

Para superar o ‘luto’ da saída dos filhos e a ‘Síndrome do Ninho Vazio’, a maioria das correntes teóricas da Psicologia prescrevem que é necessário reconhecer a naturalidade da saída dos filhos – isso pode ocorrer com a ajuda de um processo psicoterápico –, ao se debruçar sobre o fato de que a fase de proteção já passou. Algumas técnicas são aliadas poderosas deste processo, como a prática de atividades físicas, o engajamento no trabalho, em serviços comunitários e no próprio relacionamento afetivo, além da busca por atividades que reforcem o autodesenvolvimento e o desenvolvimento espiritual.

Fonte: https://goo.gl/NDmuu9

Os filhos de pais que desenvolvem a ‘Síndrome do Ninho Vazio’, de acordo com a literatura especializada, tendem a fazer um movimento de afastamento e de atrito em relação aos progenitores. Isto porque observam que o próprio princípio da liberdade está em crise, e em alguns casos passam a culpar os pais pelas suas demandas mais elementares, para a idade, como eventuais dificuldades para estabelecer vínculos e/ou outras inadequações que consideram ser fruto do processo de criação. Mais à frente, já como adultos, muito provavelmente estes filhos terão que se reconciliar com as imagos paternas e maternas, sob pena de carregarem um mal estar que pode interferir de modo negativo em suas ações cotidianas.

E é justamente neste cenário de resgate dos afetos que ocorre o desfecho de Bao, a partir de um enredo poético e emocionante em que mãe e filho se reconciliam, depois do tempo necessário para que a compreensão chegue e a cura se instale. O curta faz jus ao Oscar pela qualidade e função pedagógica que exerce. Um modo criativo de abordar um tema atual e desafiador.

FICHA TÉCNICA:

BAO

Título original: Bao
Direção:
Domee Shi
Elenco: Daniel Kailin – TV Son – e Sindy Lau – Mom
Ano: 2018
País: EUA
Gênero: Animação

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O espaço entre seis paredes em “Cubo”

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“No more talking. No more guessing. Don’t even think about nothing that’s not right in front of you. That’s the real challenge. You’ve gotta save yourselves from yourselves” (Rennes, Cube).

Figura: Cena do filme Cubo
Fonte: Cubo (1997)

A linguagem fílmica é uma das mais ricas formas de expressão da atualidade, e, em meio a várias obras lançadas diariamente é possível, devido a gama temática existente, se extrair alguns exemplos analíticos de rica expressividade em sua forma de linguagem, propondo reflexões sobre seus significados, representações e interpretações dos mais diversificados gêneros e alcances.

Na segunda metade dos anos de 1990 houve uma onda criativa considerável nos cinemas, recheada por uma plêiade de longas metragens que ajudaram à época, a direcionar alguns dos rumos da indústria cinematográfica até os dias atuais com uma riqueza peculiar de conteúdo e visualização.

Alguns dos principais títulos que compõem este período da sétima arte são: Ghost in the Shell/O Fantasma do Futuro (1995), Abre los ojos (1997), Sev7n/ Sev7n – Os Sete Crimes Capitais (1997), Fight Club/Clube da Luta (1999), Lola Rennt/Corra, Lola, Corra (1998), Cinzas do Paraíso (1997), The Matrix (1999), The Sixth Sense/O Sexto Sentido (1999), L.A. Confidential/Los Angeles – Cidade Proibida (1997), Trainspotting/Trainsportting – Sem Limites (1996), La Cité des enfants perdus/A cidade das crianças perdidas (1995), Magnolia/Magnólia (1999), eXistenZ (1999), entre outros.

Dentre as películas que podem se enquadrar neste movimento criativo peculiar é possível destacar o filme Cubo de 1997 – dirigido e roteirizado por Vincenzo Natali –, objeto de reflexão desta resenha, na qual serão levantadas algumas das principais questões que este filme trouxe consigo em inovação, linguagem cinemática e possiblidades representativas.

Antes da virada do milênio a tônica nas produções cinematográficas, principalmente hollywoodianas, era de pessimismo, enredos com teor intimista, e uma grande dose de descrença na natureza humana, conforme pode ser observado na listagem de títulos contemporâneos à Cubo, e estes elementos, colocados na medida certa de coadunação narrativa é que o destaca na miríade deste olhar cinzento do cinema para com a sociedade que aprecia (ou consome) sua arte.

A alegoria geométrica: molduras de uma espacialidade hermética

Figura: Cena do filme Cubo
Fonte: Cubo (1997)

Em Cubo, num período de simultaneidade com nossa instituições governamentais constroem um novo “equipamento” para testes sobre o comportamento humano: um complexo de cubos, em que cada quarto possui uma dimensão de 4,27m de lado, seis pequenas passagens com portas para os outros ambientes, que formam fileiras de 26 cubos, num total de 17.576 quartos, totalizando um imenso labirinto cúbico, como um Cubo de Rubik (Cubo Mágico) gigante.

O elemento extra para cada um destes cubos é sua organização labiríntica, a presença de armadilhas em cinco das seis possiblidades de passagem de um ambiente para outro, como ácido, gás tóxico, lasers, etc. Além disto, fica claro em vários momentos o componente vigilante sobre os indivíduos que são inseridos nesta estrutura cúbica colossal. Basicamente o filme se move como um pêndulo entre estes extremos, os humanos e o cubo, e o degringolar das relações surgidas, estabelecidas ou dilaceradas a partir deste limiar.

O elemento da observação individual e coletiva é explorado em outros filmes como O Sobrevivente (1987), O Show de Truman (1998) e Inimigo do Estado (1998), Janela Indiscreta (1954), Dogville (2003), tendo como principal herdeiro sua a cine-série Jogos Mortais (Saw) a partir de 2004. Se a arte imita a vida e vice-versa, tais obras da sétima arte não poderiam compor exemplo mais contundente, já que em seus conteúdos propõem (re) leituras ora mais ajustadas ora mais ficcionais de nossa própria sociedade cotidiana.

No entanto, o que muda em relação à Cubo, em relação aos outros filmes de temática semelhante, é a abordagem escolhida, já que seu confinamento não busca auxílio em subtextos de grande profundidade sobre os personagens, pelo contrário, a exposição das pessoas como sacos de carne em exposição, busca chocar o espectador, deixando de lado grandes arcos heroicos, curvas de superação catártica ou elaboradas desventuras na trama, explorando temas como o medo, o desespero, a angústia, a solidão e descrença social.

O filme Cubo tem por característica de utilização de padrões estereotípicos em relação às pessoas que vivenciam o ambiente do cubo durante o longa-metragem, e neste ponto a direção se rende a certos arquétipos sobre os personagens, que se torna justificável em prol das propostas de reflexão da narrativa. Desta forma podemos ir um pouco mais além no olhar ao observarmos com mais apuro que o “personagem” principal do filme é o próprio cubo no qual todos ali estão aprisionados.

Ironicamente a frenesi do voyeurismo viria se tornar algo comum no início do terceiro milênio, com inúmeros programas televisivos que exploram a visualidade “oculta” da rotina alheia como argumento de entretenimento, os já saturados realities shows: Big Brother, Expedition Robinson, Survivor e os inúmeros shows de talentos.  Em outras palavras, há a conversão do mundo real em espetáculo, e os indivíduos que se sujeitam à apresentação como roedores entretendo grandes massas.

A espacialidade do cubo humano do longa é sombria, metálica e fria, composta por rarefação de cores, com exceção dos momentos em que o sangue de algum dos “prisioneiros” escorre pelas faces das milhares de salas cúbicas. Este visual, que mistura elementos do cyberpunk com certa distopia e tecnofobia, colocam as sensações claustrofóbicas, de medo e histeria ainda maiores.

Não há especialistas capazes de burlar o sentido do cubo, o máximo que os elementos que nele passam podem almejar é torcer para a unificação de causalidades, suas condições humanas foram completamente eliminadas a partir do momento que acordam em meio àquelas seis paredes.

Sentidos do oco cúbico


Figura:
O cubo por dentro
Fonte: Cubo (1997)

Medo, Paranoia e Desespero são as adjetivações que aparecem nas capas internacionais do filme Cubo de 1997. E tais menções semânticas não são exagero quando nos debruçamos sobre a obra, que, em seus primeiros minutos já retiram dos indivíduos suas histórias pessoais, relegando ao próprio cubo megalômano o papel principal do filme que recebe seu nome.

As paredes do ente geométrico gigantesco oferecerão apenas os interstícios de sua vastidão oca, passível de preenchimento apenas pela rarefação de toda racionalidade daqueles que tentar compreendê-lo.  O cubo, assim como a esfera sempre fez parte do rol de objetos de fascínio humano, por representarem, de alguma maneira, aspectos de uma perfeição de forma que provoca um misto de admiração e inquietude em sua estética. E é de se impressionar com filmes de baixo orçamento, mas, sustentados por boas ideias conseguem arrebatar não apenas fundos de retorno financeiros, mas aclamação crítica e agrado do público.

Natali, com seu filme de 1997 alcançou, por meio do fascínio geométrico do cubo, e a decomposição da humanidade do humano, colocar muitas questões sobre sociabilidade, desenvolvimento tecnológico, impessoalidade das relações humanas, indústria do entretenimento, dentre outros.

Há de certo modo uma analogia do megacubo de confinamento humano para testes com o desenfreado desenvolvimento da tecnologia nos dias atuais, pois, ao se dar o start no funcionamento da máquina ela toma vida própria, e aqueles que nela e por ela estiverem inseridos ou dependentes tornam-se vulneráveis da grandiosidade de seu poder de automanutenção, algo como a criatura superando seu criador, recurso narrativo amplamente utilizado em outras obras fílmicas, artísticas e culturais nos dias atuais.

No filme de 1997 esta peculiaridade do cubo é explorada em seu tom mais enigmático, aliado à uma ambientação de sobrevivência, horror e claustrofobia. Como aprofundamento dos próprios horizontes interpretativos de Cubo, há suas continuações, Cubo²: Hipercubo (2002) e Cubo Zero (2004) que falham no quesito originalidade de seu predecessor, mas acrescentam maiores arestas do debate diegético proposto no primeiro longa, agraciado com prêmios em festivais como Brussels International Festival of Fantasy Film, Canadian Society of Cinematographers Awards, Fantasporto, Gérardmer Film Festival, Puchon International Fantastic Film Festival, Sitges – Catalonian International Film Festival e Sudbury Cinéfest.

Por fim, a contar da última parte da trilogia, em mais há mais de dez anos, é notável que não tenha surgido, mesmo que por experimentação estilística, algo que se assemelhe ao exercício apresentado em Cubo. Trabalhar com questões sobre o conflito entre as decisões emocionais e racionais, gênero e etnia, os valores éticos e morais do apelo punitivo em sua jurisprudência, dentre outros aspectos, é algo raro de encontrar nas atuais propostas fílmicas.

Enquanto isso, a linguagem “cúbica” de Vincenzo Natali ainda surge como uma obra de vanguarda, ao tratar com secura e frigidez as arestas da desumanidade do ser humano, capaz de apreciar meticulosamente o decaimento existencial dos seus iguais, mesmo como mera apreciação sádica de uma estrutura tecnológica quase senciente de sua desumanização.

FICHA TÉCNICA DO FILME

CUBO

Direção: NATALI, Vincenzo.
Produção: MEH, Mehra; ORR, Betty.
Roteiro: BIJELIC, André; NATALI, Vincenzo; MANSON, Graeme.
[Filme] Canadá: Cube Libre e Feature Film Project.
Ano: 1997.

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