“Elize Matsunaga – Era uma vez um crime”: conteúdos psicológicos da controversa série brasileira

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A série brasileira “Elize Matsunaga – Era uma vez um crime” é um documentário televisivo original da Netflix em parceria com a produtora Boutique Filmes, dirigida por Eliza Capai. A produção lançada em julho de 2021, tem conteúdo com censura 14 anos, melancólico focado, especialmente, nos sintomas psicológicos e jurídicos da autora confessa de um dos crimes mais impactantes da história recente do país ocorrido em 19 de maio de 2012.

Figura 1 – (Crédito: Reprodução/Netflix)

A série explora fotos e vídeos de conteúdo intimista do antigo casal, apresenta vasto material jornalístico veiculado à época do julgamento, as falas de amigos, familiares e de especialistas sobre o caso oferecendo, e, por fim, destaca-se por conter muitas horas de declarações diretas de Elize tomadas durante uma saída oficial do ressesso de páscoa da prisão de Tremembé em 2019, falando em primeira pessoa, com iluminação e enquadramentos ajustados para fazer audiência sentir-se em frente a ela, olhando nos olhos, com expressiva proximidade.

Os episódios da série são: 1 – Estado civil: viúva; 2 – Uma vida de princesa; 3 – A infeliz ideia de Eliza e 4 – Ecos de um crime.

Figura 2- (Crédito: Reprodução/Netflix)

São apresentados temas de muito relevo para a psicologia e psicanálise, sadismo, masoquismo, depressão, e psicopatia foram conceitos diversas vezes mencionados pelos que tentavam enquadrar e compreender a subjetividade complexa da autora do crime bárbaro.

No julgamento, tanto a defesa como a acusação fundavam seus argumentos e aspectos psicológicos relativos a Elize. Os primeiros arguiam que a pena do crime deveria ser afastada, atenuada ou reduzida, pois no momento que atitou no marido, e esquartejou o corpo dele e o transportou em malas, ela não respondia por suas ações, pois estava tomada por violenta emoção.

Segundo a defesa, a autora do crime teve uma crise de ansiedade decorrente de longo período do medo que sentia de ser machucada e morta pelo marido, e tal medo estaria justificado no longo período de violência psicológica sofrida por ela contexto do casamento.

Já a acusação também faz uso da psicologia para pedir aumento da pena de Elize, que teria cometido o crime por motivo torpe, por mero ciúme e a associa a figura estigmatizada da mulher que deseja ser Cinderela, e ter “uma vida de princesa”, deixar as raízes humildes e ascender socialmente por meio do casamento do qual ela não estaria disposta a abrir mão.

Figura 3 – (Crédito: Reprodução/Netflix)

Neste contexto, entre argumentos de defesa e de acusação as personalidades de Elize e do marido assassinado tornam-se objeto de diversas discussões e especulações ao longo da série num esforço de compreensão e categorização da barbárie.

Como exemplo, tem-se a apresentação ao público de “fatos novos” que poderiam justificar para o público os comportamentos de Elize. Isso porque, foi descrito o impacto da morte prematura do pai na história dela. Foram retratados a vida difícil em termos de condições materiais que a família enfrentava e o contexto rural e muito rústico que ela viveu a infância e adolescência.

Além disso, tem-se um possível abuso sexual que ela teria sofrido aos 15 anos, perpetrado pelo padrasto e que teria marcado profundamente sua subjetividade e, por fim, a experiência vivida como profissional do sexo que a levou a sair do contexto familiar e a conhecer o futuro marido.

Por fim, vale destacar a releitura feminista que a série se propõe a fazer tanto do crime em si questionando diversos pontos de pré-conceitos ligados ao fato de a autora ser uma mulher, ter sido profissional do sexo e ter agido motivada por ciúmes, destacando, ainda, diversos casos famosos como o de Ângela Dinis morta pelo marido nos anos 60. O crime de Elize teria o mesmo fim caso fosse cometido por um homem? Fica a dúvida necessária e o convite à reflexão.

FICHE TÉCNICA

Elize Matsunaga – “Era uma vez um crime”

Ano produção: 2021

Dirigido por Eliza Capai

Classificação – Não recomendado para menores de 14 anos

Gênero: Documentário

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BORG – A humanidade de uma máquina de jogar tênis

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Se você conseguir encare o triunfo e o desastre e trate esses dois impostores da mesma maneira. A sentença é do poeta britânico, do século XIX, Joseph Kipling, cujo título do poema é “Se…”. Está inscrita em uma das passagens mais marcantes e simbólicas do filme Borg Versus McEnroe, um drama psicológico, que trata da relação de dois dos maiores tenistas da história do esporte: o sueco Bjorn Rune Borg e o norte-americano John MacEnroe. A película (2017) do diretor dinamarquês Janus Metz recebe pinceladas ficcionais para dar um tom emocional à narrativa. Apresenta ao espectador toda a produção do desejo, o desejo de ser o melhor, o número um, a necessidade de ser amado, mostrando como o medo do desamparo nos constitui.

Ao contrário de uma vida dionisíaca fantasiada para as celebridades, Borg pagou com o sofrimento da doença psíquica, a privação, a dor sentida no corpo pelo excesso de treinamento, e a severidade superegóica, que não almeja nada menos que vitória, causando profundos sentimentos de angústia diante da possibilidade de derrota.

Borg era um homem complexo, traços obsessivos marcantes, sinais de inibição, fobias, conflitos existenciais, com sintomas para além de uma neurose, que eclodiram após a aposentadoria, como tentativas de suicídio, uso de drogas, relações com prostitutas, casamentos desfeitos e perda de dinheiro. A infância e juventude foram marcadas por incontáveis momentos de agressividade, impulsividade e de melancolia diante dos fracassos durante a formação como atleta. Pode-se pensar em uma estrutura limítrofe, com o uso de mecanismos de defesas primários, que garantiram, de alguma forma, o mais alto grau de rendimento profissional. Para Bergeret:

Todo o problema econômico da organização limítrofe se desenrolaria nas relações entre esses dois sistemas, ao mesmo tempo adaptativos e defensivos, permitindo ao ego uma certa mobilidade e segurança, porém jamais constituindo uma verdadeira solidez; o sujeito permaneceria demasiado massivamente dependente da realidade exterior e das posições dos objetos, bem como da distâncias deste em relação e ele. (BERGERET, 1988, p. 133).

O trabalho foi organizado a partir de cenas que escolhi, por conta da emergência de aspectos marcantes da personalidade do personagem. Por meio da descrição dos diálogos e dos sintomas, produzi tentativas de interpretação do Borg fictício apresentado na película, tentando identificar os desejos e as defesas no jogo dinâmico do seu psiquismo. Poucos detalhes das relações vinculares com os pais são apresentados, permitindo apenas inferi-los a partir de pequenas cenas, no início do filme.

Fonte: encurtador.com.br/oqxV6

Primeiras sacadas: a descrição do conflito

A primeira cena do filme nos introduz no sofrimento de Borg. O tenista aparece em seu apartamento em Mônaco, de frente para mar, pendurado no parapeito da sacada. o corpo em 90 graus. Um rosto constituído de dor e medo. Era véspera da sua quinta participação no torneio de Wimbledon, já vencido por quatro vezes. Em uma segunda cena, ele surge solitário em uma quadra de tênis, devolvendo com golpes precisos centenas de bolas, que lhe eram jogadas por uma máquina. Após o treinamento, perde a chave do carro e corre para o vestiário. Diante desse infortúnio, resta-lhe ir andando para casa. Coloca um boné, em uma tentativa de disfarce para escapar do assédio das jovens francesas.

Borg era um homem bonito, de cabelos compridos, o que contrastava com sua personalidade inibida, avessa a multidões. Entra em um restaurante e tem um encontro com um gerente do estabelecimento, simpático, que não o reconhece. Pede um café, mas não tem dinheiro para pagar, pois deixará a carteira no carro. O gerente não nega o pedido, mas condiciona ao carregamento de algumas caixas até a dispensa. Leva-as até o local e encontra jornais do dia, que estampavam comentários sobre a sua difícil tarefa para superar o norte-americano John McEnroe, em Wimbledon. As manchetes sugerem a sua decadência técnica. Borg tira o boné e aperta o rosto diante das críticas. Retorna ao balcão. O gerente pergunta o seu nome e o que faz:

– Meu nome é Rune. Eu sou eletricista. 

O gerente ri. Se você é eletricista, eu sou o príncipe Albert. Você gosta de ser eletricista?

 – Sim, é uma profissão normal, responde Borg, sorrindo discretamente.

Nessa primeira cena, somos levados ao conflito de Borg. Percebe-se a angústia do atleta em ser o que é. A cena da sacada, da tentativa de suicídio, revela uma busca pela aniquilação do sofrimento. A segunda cena, durante o diálogo com o gerente do restaurante, há uma saída defensiva de negação da realidade. O ego diante de um superego severo, primitivo, que exige a alta performance, não admite a frustração da derrota e encontra nessa defesa uma saída possível para diminuir a angústia. Maldavsky, Roitman e Stanley (2008, p.31-68)) citam Freud, em O Homem dos Lobos, para explicar a ação patógena das correntes psíquicas, em um caso complexo de neurose infantil:

Ao final, subsistiam nele, lado a lado, duas correntes opostas, uma das quais abominava a castração, enquanto a outra está pronta a aceitá-la e consolar-se com a feminilidade como substituto. A terceira corrente, mais antiga e profunda, que simplesmente havia repudiado a castração, a qual não estava em juízo acerca de sua realidade objetiva, seguia sendo, sem dúvida, passível de ativação.

Fonte: encurtador.com.br/dioJU

O jovem Rune, de Sodertaljie: Potência e agressividade

A narrativa toda ocorre em Flash backs. O diretor nos conduz à adolescência de Borg, do então jovem Rune. Ele surge batendo a bola em uma porta de garagem de seu condomínio. O seu pai grava o momento e lhe pergunta:

– Está jogando a Davis ou Wimbledon, Rune? 

– Wimbledon, responde. 

Já venceu?, pergunta-lhe o pai. 

Sim, diz Borg, sem aparentar – maior emoção.

Assim manifesta-se a projeção também de um Eu Ideal, que aparece na conversa de Borg com o pai, no desejo deste que o filma prazerosamente e, em certa medida, lhe oferece-lhe todo o amor, caso consiga chegar ao estrelato. Bergeret, aqui, é preciso:

Os pais dos sujeitos limítrofes encorajam as fixações em relação estreitamente anaclítica. O plano aparente é tranquilizador. “Se permaneceres em minha órbita, nada de ruim te acontecerá”, mas o plano latente e bastante inquietante: “Não me deixes, senão correrás grande perigos”. Os pais deste tipo, em geral, mostram-se insaciáveis no plano narcísico. (BERGERET, 1988, p. 138) 

A história do jovem com cerca de 15 anos é de ataques raivosos, agressões verbais contra os juízes, durante as partidas. A cada erro seu, ou mesmo uma marcação do juiz que o frustra, gritos são ouvidos e raquetes são quebradas. Manifestação de pulsões orais primitivas, destrutivas. Kusnetzoff (1982, p.30 ), a partir de Abraham, descreve dois períodos libidinais distintos na fase oral. O primeiro caracterizado pela satisfação e o segundo pela agressão, em uma relação ambivalente com os objetos, diante da frustração, o que também caracteriza as patologias limítrofes e narcísicas.

Por este comportamento, o jovem Rune é suspenso do clube que representava. Ouve a reprimenda do pai, que lhe retira a raquete e o chama de cabeça fraca. Um pai severo, frustrado, diante das impossibilidades do filho. A mãe aparece poucas vezes, mas sempre ao lado dele tanto na cena da punição no clube como diante do pai. Infere-se que a relação do garoto com a mãe é muito mais próxima, fazendo pensar sobre a possibilidade de uma relação diádica potente com a mãe e passiva diante do pai, uma relação de objeto anaclítica. Bergeret explica que o “termo grego ‘anaklitos’ trata-se de achar-se virado para trás, deitado sobre o dorso, de forma essencialmente passiva”. (BERGERET, 1988). Nas duas cenas, Rune comportou-se passivamente, sem nunca exprimir nenhum ato de rebeldia, de protesto. Apenas buscou, em seu quarto, o refúgio e chorou, controladamente, em completo e absoluto silêncio.

Fonte: encurtador.com.br/bkoSY

Por sorte, Rune é visto pelo treinador da seleção da Suécia, Lennart Bergellin, extenista, que fracassou por três vezes, em quartas de final de Wimbledon, nos anos 40. Encantado pelo potencial do garoto, convida-o para participar da seleção.

– O que você quer do tênis, Rune?, pergunta o velho treinador. 

Ser o melhor! , responde Rune. 

O melhor da Suécia? 

O melhor do mundo!, diz Rune.

É a reatualização do diálogo que teve com o pai primevo. O desejo de ambos está em articulação. Rune parte para Estocolmo, onde passa por um treinamento rigoroso, revelando todos os seus rituais obsessivos e agressivos a cada erro, a cada frustração, provocada pelo experiente treinador. Em uma das oportunidades, Rune o ataca visceralmente. O treinador corre atrás do garoto e bate nele. Rune sai do ginásio e se perde em uma floresta, despedaçando a raquete em uma árvore. Na mesma noite, ocorre, na minha percepção, o diálogo que produz uma cisão completa do jovem Rune e funda Bjorn Borg, o Ice Man ou Ice Borg:

Vou deixar você jogar a Copa Davis. Mas se você gritar, quebrar a raquete, xingar o juiz, você voltará para a casa. A partir de agora, toda a tua agressividade será colocada em cada bola. Você será uma panela de pressão. Tudo ficará aí dentro. Nada deve sair pra fora. A tua força estará no tênis. Uma bola por vez – ordena o treinador Bergellin. (Borg Versus MacEnroe, 2017)

Percebe-se uma transferência massiva paterna para o treinador, durante todo o processo de treinamento. Dessa vez com manifestações de agressividade ao longo do período. Parece que essa ameaça o atingiu fortemente, por conta, penso, pela possibilidade de lhe abrir uma ferida narcísica insustentável, com riscos de deixar de jogar e voltar à casa do pai temido, que tenta castrá-lo, além de ficar ameaçado de perder o amor dos dois objetos, tanto do pai primevo quanto do pai atualizado, na figura do treinador.

As organizações limítrofes resistem mal às frustrações atuais, que despertam antigas frustrações infantis significativas; estes sujeitos, comumente percebidos como esfolados vivos, facilmente utilizam traços de caráter paranóicos na tentativa de assustar a quem poderia frustrá-los. Seu narcisismo está mal estabelecido e permanece frágil. Existe uma evidente e excessiva necessidade de compreensão, respeito, afeição e apoio. (BERGERET, 1989, p.132).

Fonte: encurtador.com.br/hjvNX

No caso de Borg, esse acontecimento traumático, produziu em seu ego um rearranjo de suas defesas, inaugurando vários sintomas obsessivos, que colaboraram na construção de um dos maiores ídolos da história da Suécia. Bergeret, a partir de Freud, explica esse fenômeno:

O Ego se deforma para não ter justamente, que desdobrar-se. Ele funcionará distinguindo dois setores do mundo exterior: Um setor adaptativo, onde o ego sempre atua livremente no plano relacional, e um setor anaclítico, onde limita-se as relações organizadas segundo a dialética dependência-domínio. (BERGERET, 1989, 140).

O último game: os lances obsessivos

O torneio de Wimbledon, de 1980, foi difícil para o tenista. Imerso em uma angústia fóbica, as partidas se tornaram um desafio para o jogador. A narrativa descreve todos os sintomas obsessivos de Borg. Nas competições viajava com duas pessoas, o treinador e sua noiva, uma ex-tenista romena, que conheceu durante o torneio de Roland Garros, em Paris. O primeiro encontro de ambos teve a companhia de Lennart, que serviu como um ego auxiliar. A preparação para as partidas era cheia de rituais. Alugava o mesmo carro, todo ano, revestido do mesmo estofamento. O treinador, nas vésperas dos jogos, junto com Borg, encordoava, com máxima tensão, cada uma das 50 raquetes, todas alinhadas milimetricamente. O trabalho durava mais de três horas. A temperatura do quarto de hotel -era mantida em 18 graus, pois Borg “precisava controlar o batimento cardíaco”. A mochila para os jogos era cuidadosamente organizada pela noiva, que colocava sempre as mesmas duas toalhas que usava nas partidas. Nunca pisava na linha de fundo da quadra de tênis, porque daria azar, demonstrando um poder mágico do pensamento.

Tanto o treinador como a noiva submetiam-se e participavam de cada um dos rituais. Quando jogava mal, a culpa era de um dos dois porque não realizaram uma das tarefas planejadas. Em um dos jogos, não teve bom desempenho. Culpou o treinador por não ter tensionado as raquetes de maneira adequada. Houve uma discussão entre ambos e, em uma explosão de raiva, Borg demitiu o treinador, lançando mão de defesa projetiva, características dos sujeitos em estados limítrofes. Assim que chegou ao hotel, colocou a noiva para fora do quarto. Disse para a ex-tenista, que ela iria abandoná-lo como o treinador.

Durante as partidas não demonstrava emoção. Nem quando lhe faltava precisão, nem quando encontrava um espaço inimaginável para vencer o adversário. Era absolutamente cordato com os rivais, revelando o asseio moral e ético superegóico. Não tinha quase nenhum amigo no circuito. Borg estava sempre em isolamento, incomodado, com as entrevistas coletivas, que deveria dar por exigência do torneio. Aqui temos outra defesa de evitação, características dos estados fóbicos, fugindo do encontro com as representações perigosas. Uma cena do filme, indica o estado de sua sexualidade, quando entra em um famoso clube de Nova Iorque, no início de sua carreira. Neste lugar havia striptease, casais homossexuais, nudez total, orgias. O jovem Borg mostra grande satisfação e olha, voyeristicamente, ao seu redor, dando conta de uma atuação perversa. Interessante que esse mesmo olhar é a sua grande ferramenta como jogador de tênis.

Para encerrar, nas cenas finais, há uma saída para a saúde, penso, uma defesa sublimatória. No corredor para a final contra MacEnroe, reencontra o ex-treinador, que diz que enfrentarão “essa última partida” juntos. Borg sofre, mostra medo. O treinador tenta usar das velhas táticas desafiadoras. Borg pede silêncio e diz: “Pare, eu sei porque estou aqui. Tudo o que fiz me trouxe até aqui”. Assim, aceita ser quem ele se tornou, em um processo de elaboração. Vai para quadra. E, em uma partida de mais de quatro horas, vence o seu grande rival. Emociona-se e chora. Um grande filme, sobre uma máquina demasiadamente humana de jogar tênis.

Fonte: encurtador.com.br/pBEGR

A DIMENSÃO DO ICE MAN: 

Brevíssimo currículo Bjorn Rune Borg nasceu na pequena cidade sueca Sodertaljie, em seis de junho de 1956. Começou jogar tênis aos 9 anos, quando ganhou a primeira raquete do pai. Aos 11 anos venceu o torneio de sua cidade e, aos 15, participou da Copa Davis, evento mundial que reunia e reúne as seleções da elite do tênis mundial. Ele foi envolvido em uma jogada política da federação de tênis da Suécia, que deseja mostrar o poderio do país na formação de atletas no esporte. Nessa competição, ao vencer um top 20 do tênis, surgiu o mais novo fenômeno do tênis mundial. Borg é detentor na carreira de números que o coloca como um dos maiores de todo os tempos. Conquistou em sua carreira 11 torneios de Grand Slam, sendo cinco títulos consecutivos nas quadras de grama de Wimbledon (1976 a 1980) e outros seis nas quadras de saibro, em Paris, no torneio de Roland Garros. Na carreira teve 62 títulos conquistados. Dos quatro maiores torneios que fazem parte do circuito mundial, incluindo Wimbledon e Roland Garros, nunca venceu o Aberto dos Estados Unidos, o US OPEN, perdendo duas finais, e o aberto da Austrália. Abandonou o tênis aos 26 anos de idade, em 1983. 

REFERÊNCIAS

Bergeret, J (1988). Personalidade normal e patológica. Porto Alegre: Artes Médicas.

Maldavsky, Roitman e Stanley (2008). Correntes psíquicas e defesas: pesquisa sistemática de conceitos psicanalíticos e da prádica clínica com o algoritmo David Liberman (ADL). Sociedade Brasileira de Psicanálise. p. 31-68. Recuperado em http://sbpdepa.org.br/site/wpcontent/uploads/2017/03/Correntes-ps%C3%ADquicas-e-defesas-pesquisasistem%C3%A1tica-de-conceitos-psicanaliticos-e-da-pr%C3%A1tica-cl%C3%ADnica-com-oalgoritimo-David-Liberman.pdf.

Kernberg, O, F, Selzer, A.M, Koenigsberg, W, Carr, C.A & Appelbau, A.H (1991). Psicoterapia Psicodinâmica de Pacientes Borderline. Porto Alegre: Artes Médicas.

Kusntezoff, J.C (1982). Introdução à Psicopatologia Psicanalítica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 

FICHA TÉCNICA DO FILME:

BORG VS MCENROE

Diretor: Janus Metz Pederse
Elenco: Shia LaBeouf, Sverrir Gudnason, Stellan Skarsgård
Gênero: Biografia, Drama
País:Dinamarca, Suécia, Finlândia
Ano: 2017

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O que é violência obstétrica e como se defender na justiça

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Depois da mulher esperar nove meses, vem o tão aguardado momento de ter o bebê. Porém, o sonho pode se tornar pesadelo, principalmente, por conta de maus tratos físicos, verbais, psicológicos, ou até mesmo a negligência, vindos dos profissionais da saúde que seriam, em tese, responsáveis pelos bons cuidados durante a gestação, parto ou o pós-parto. Essas práticas são chamadas de violências obstétricas.

Segundo a psicóloga Raquel Mello, há mulheres que são submetidas a rotinas rígidas e muitas vezes desnecessárias, que não respeitam os seus corpos ou seus desejos. Há casos de enfermeiros e médicos que fazem ameaças, chacotas, omitem informações relevantes. “Há gestantes que, infelizmente, são obrigadas a passar por procedimentos sem sua autorização ou contra sua vontade”.

Mello alerta que quando uma mulher enfrenta tal situação traumática, pode desenvolver com maior risco de quadros depressivos, transtornos de ansiedade, fobias, compulsão alimentar, distúrbios do sono entre outros. “O dano psicológico pode demorar muito tempo para sanar. Vai depender muito de cada mulher e da intensidade que foi o impacto psicológico”.

Fonte: encurtador.com.br/pBJ13

– O suporte emocional será fundamental para a recuperação, que terá uma base muito forte na família. Os parentes precisam apoiar muito a mulher em suas demandas durante a gestação e procurar os cuidados de especialistas responsáveis – ressalta.

Para a advogada Thaisa Beiriz, do escritório Trotta e Beiriz Advocacia, umas das principais razões da violência obstétrica é a ausência de atualização por parte dos médicos, pois muitos são resistentes a mudar as práticas que aprenderam na época da faculdade, bem como estudar a medicina baseada em evidências cientificas.

– Hoje, a medicina com base em evidências é muito utilizada, já que todos os procedimentos analisados passam por extenso estudo pelos especialistas, sempre visando a qualidade da saúde do paciente – comenta.

A advogada lembra que outro problema observado é a falta de humanização e empatia dos profissionais da saúde com as gestantes. Ela diz que os casos mais comuns envolvem negar atendimento ou impor dificuldade para que a gestante receba os serviços a que tem direito, ou quando os profissionais realizam práticas e intervenções desnecessárias e violentas. “Há médicos que forçam a saída do bebê empurrando a barriga da mãe, até mesmo subindo em cima delas, para acelerar o processo”.

Fonte: encurtador.com.br/oKNS8

– Esse procedimento é chamado de Manobra de Kristeller, já banido pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa manobra é agressiva e consiste em pressionar a parte superior do útero para facilitar e acelerar a saída do bebê, podendo causar várias lesões graves – explica.

Ela lembra ainda que há casos que envolvem comentários ofensivos e humilhantes à gestante, inferiorizando-a por sua raça, idade, condição socioeconômica ou número de filhos. “Em outras situações, o profissional causa na mulher sentimentos de medo, abandono, insegurança e instabilidade emocional”.

Como defesa, Thaisa ressalta que a família e a gestante precisam estar atentas para qualquer indício de má conduta médica. Caso suspeite de algo, a primeira coisa a se fazer é se cercar do maior número de provas possíveis, dentre elas, requerer cópia do prontuário médico no hospital. “Não deixe de procurar um profissional qualificado para buscar seus direitos na justiça para ser indenizada pelos danos sofridos”.

– Também não deixe de denunciar o médico no Conselho Regional de Medicina, no Ministério Público, para o Disque-Saúde, no número 136. Faça ainda uma reclamação na ouvidoria do hospital. Caso seja um hospital particular, a denúncia pode ser feita na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Quando não nos calamos, impedimos que mais uma família se torne vítima dessa prática – conclui.

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Toda a sua História: somos capazes de lidar com nossas memórias?

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Black Mirror, uma série britânica criada por Charlie Brooker, traz a cada nova temporada reflexões sobre avanços da sociedade moderna e seus efeitos no cotidiano dos sujeitos mostrando um futuro não muito longínquo.

Buscando uma visão não tão distante do ponto no qual nos encontramos pela diversidade tecnológica que dispomos, o terceiro episódio da primeira temporada, traz uma amostra de tais tecnologias expondo um implante chamado “Grão”, usado na intenção de possibilitar o controle total de memórias a cada um de seus usuários, permitindo-os a reprodução das mesmas através de seus olhos, ou até a projeção em televisões.

Fonte: https://goo.gl/TZqi4r

Fazendo uma analogia visando o contexto da literatura brasileira, a história de Liam e Fi, pode ser observada com os mesmos olhos de Dom Casmurro, uma obra de Machado de Assis, publicada em 1899, na qual toda a trama se desenvolve a partir do questionamento “Capitu traiu ou não Bentinho?”, trazendo certo suspense para o enredo.

Liam (TobyKebbel) é um advogado em emergência, que dá início ao episódio em uma entrevista de emprego. Casado com Fi (Jodie Whittaker), Liam começa a desconfiar da esposa após um encontro de antigos amigos no qual nota certa tensão entre ela e Jonas (Tom Cullen), comportamentos estranhos e determinada omissão de informações por parte de ambos. Obcecado por descobrir qual o tipo de relacionamento existente entre os dois, Liam começa a repassar incansáveis vezes suas memórias sobre a noite passada e confronta sua esposa de uma maneira incessante.

Freud em 1895 postula reflexões sobre os chamados mecanismos de defesa, pelos quais o Ego frente às exigências das demais instâncias psíquicas, Id e Superego, se manifesta de forma a proteger o sujeito de conteúdos que para si sejam potenciais vias de adoecimento. O recalcamento, um dos mais antigos mecanismos, tem como função principal a eliminação de partes inteiras da vida afetiva e relacional profunda do indivíduo. Bergeret (2006) define o recalcamento como um processo ativo, destinado a guardar fora da consciência as representações inaceitáveis para a pessoa.

Fonte: https://goo.gl/1gKWrG

Este episódio da série em especial, traz reflexões sobre as limitações mentais do ser humano e até que ponto o total controle de seus pensamentos, emoções e memórias podem ser considerados saudáveis e sobre o possível distanciamento dessa condição no processo de saúde e doença. Liam, se torna obsessivo em relação a análise de todas as situações vividas por ele, trazendo desconforto ao mesmo de tal maneira, que todas as situações, que possivelmente para todos seriam ignoradas ou menos significativas, para Liam acabavam em pontos de intermináveis discussões. Não obstante o fato da real traição da esposa, a grande reflexão proposta aqui é sobre o uso excessivo do dispositivo, não sobre a ocasião da traição.

Os mecanismos de defesa psicanalíticos na maioria das vezes têm como função principal o alivio de tensão psíquica do ser humano, servindo como via de escape para problemas de pouca (ou maior) importância, possibilitando certa “qualidade de vida” ao sujeito em hipótese. Após incansáveis análises aos fatos ocorridos, Liam chega à conclusão de que realmente ocorrera o ato de infidelidade, entra em conflito com Fi e sai de casa deixando esposa e filha, removendo por conta própria ao final o Grão.

Levando em consideração aspectos ainda não citados, todas as pessoas que por motivos diversos não se utilizavam desta tecnologia, eram tidos como estranhos no meio social, se relacionando a posicionamentos políticos pouco convencionais, divergentes dos meios de vida vigentes. Zygmunt Bauman(2003), sociólogo polonês, trata em sua obra Modernidade Líquida sobre temas como estes, o movimento da sociedade em convergência com o avanço da tecnologia e reflexões sobre o desenvolvimento do ser humano em relação a ela. Como última reflexão, deixo este trecho do livro, que de alguma maneira reflete o que foi discutido aqui.

Fonte: https://goo.gl/TFLTAL

Os adolescentes equipados com confessionários eletrônicos portáteis são apenas aprendizes treinando e treinados na arte de viver numa sociedade confessional – uma sociedade notória por eliminar a fronteira que antes separava o privado e o público, por transformar o ato de expor publicamente o privado numa virtude e num dever público […] (BAUMAN, 2003).

REFERÊNCIAS:

Bergeret, J. O problema das defesas. In: Bergeret, J. …[et al.]. Psicopatologia: teoria e clínica. Porto Alegre: Artmed, 2006.

Freud, Sigmund. (1915). O Recalcamento. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

 

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Em Defesa da Sociedade – Estudos de Biopolítica

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No curso “Em defesa da sociedade” proferido nos anos 1976, Michel Foucault (2002) aponta métodos de entender a questão do poder e seus efeitos no decorrer da história, iniciando seus estudos em biopolitica[1]. O autor apresenta tendências no que se refere à importância dos enfrentamentos e das lutas; de colocar em análise a história e seus respectivos conteúdos, como o poder, a verdade, o corpo social e o direito.

Para Foucault (2002) o poder precisa ser entendido em relação, não existindo poder fora das relações. Portanto, as relações de poder se estabelecem entre soberano e seus súditos, bem como entre professor e aluno, pai e filho. Portanto um dos conceitos centrais do autor é explicado nesse curso, sendo que “o poder não é uma propriedade, não é uma potência; o poder sempre é apenas uma relação. Portanto não se pode fazer a história dos reis, nem a história dos povos, mas a história daquilo que constitui, um em face ao outro,…” (FOUCAULT, 2002, p. 200). E onde há poder sempre há resistência, por que existe uma corelação de forças (FOUCAULT, 1995, 2007), O que podemos evidenciar nas tensões entre o governo e os movimentos sociais, produzido dentro de relações de poder e resistência.

O poder é um conjunto de ações que podem ser verticais e horizontais; ele opera sobre um campo de possibilidade onde se inscreve o comportamento dos sujeitos ativos; ele incita, induz, desvia facilita, ou torna mais difícil, amplia ou limita, torna mais ou menos provável; no limite, ele coage ou impede absolutamente, mas é sempre uma maneira de agir sobre um ou vários sujeitos ativos. Para haver relações de poder que são sempre instáveis e voláteis é necessário que exista pelo menos certo grau de liberdade (FOUCAULT, 2002), como a relação estabelecida na articulação do poder do rei e dos soldados nas guerras analisadas por Foucault no curso “Em defesa da Sociedade”, que vão passando o foco de cuidado do Estado[2] da conquista de territórios para o controle com a população.

Ao longo de sua obra Foucault buscou conhecer como se constitui o sujeito. Sujeito, este que é construído no social e num contexto histórico especifico. Medeiros (2008), a partir de análise arqueológica de Foucault, refere que os discursos formam os objetos de que falam, isto é, discursos são práticas, na medida em que constituem sujeitos. Eles falam e nos fazem falar, constituindo determinados modos de compreender, pensar e viver.  Os múltiplos discursos significam distintas formas de subjetivação. Portanto, os discursos não são subjetivos, mas subjetivam, na medida em que o indivíduo toma para si determinados discursos, considerados legítimos e verdadeiros, modificando-se e identificando as prerrogativas desse discurso como seus.

Michel Foucault, nesse curso, dedicou-se as origens de um discurso que entendeu a política como a continuidade da guerra por outros meios. Discursos históricos que entendiam as lutas, os conflitos ou as guerras como analisadores gerais dos discursos. O discurso histórico-político foi desenvolvido predominantemente na França. Dessa forma, o autor organizou as distinções e rupturas discursivas acerca das análises do poder, diferenciando o discurso filosófico-jurídico do discurso histórico-político. É pela ideia de nação que derivam as noções de nacionalidades, raças e classes.

Assim, o reconhecimento histórico ponderado ao longo dos anos pelos historiadores, fortalecem o poder e a dominação, pois através do registro permanente e sistemático, de exemplos narrados e sua efetiva circulação, acabam por perpetuar esse poder. Temos uma história desenvolvida na dimensão e em função da soberania, ou seja, uma história das glórias dos fortes e dos fracassos dos fracos (FOUCAULT, 2002).

Foucault (2002) não quis tanto mostrar como a nobreza havia representado querer suas reivindicações, através do discurso histórico, mas realmente como em torno dos funcionamentos do poder, se produzirá, se formará certos instrumentos de luta – no poder e contra o poder; e esse instrumento é um saber novo, que é essa nova forma de história.

É importante salientar que Foucault (2002) trabalhou nesse curso a questão de como a análise histórica discursiva vem sendo tomada em diferentes épocas e diferentes narrativas, onde mudam os objetos de análise, do foco na guerra, passa ao foco na nação, seguido pelo terceiro foco no Estado. Afinal, o discurso histórico propõe uma forma de saber-poder – tática discursiva para a “produção” – condição de possibilidade de emergência de tal período e objeto de análise, sua inteligibilidade vai sendo dado conforme a época. Então, Foucault (2002) retoma os estudos de Boulainvilliers que foi precursor da história dos súditos (séc. XIX – história dos povos) ao deslocar o eixo da história do poder, analisando o sob das instituições, dos acontecimentos, dos reis e de do poder por eles exercido. A recusa do modelo jurídico de soberania era a única maneira que se tinha para pensar a relação povo e quem governa.

Mas afinal quem foi Boulainvilliers? Conde Henri Boulainvilliers (1658 – 1722) foi economista e historiador. Defensor de uma monarquia tradicionalista e anti-absolutista, sendo um dos primeiros na França a invocar a ciência política.  Considerava o absolutismo de Luís XIV como despótico, brutal, muito longo, porque não obedeceu a regras ou a uma teoria, vivendo ao sabor dos acontecimentos. Assim, Boulainvilliers traz uma nova inteligibilidade na constituição desse campo histórico-político reconstruindo a nobreza como força no interior das forças do campo social. “… para Boulainvilliers, tomar a palavra na área da história, contar uma história, não é simplesmente descrever uma relação uma relação de força, não é simplesmente reutilizar, em proveito da nobreza, por exemplo, um cálculo de inteligibilidade que era, até então, do governo. Trata-se de modificar, com isso mesmo, em seu próprio dispositivo e em seu equilíbrio atual, as relações de força. A história não é simplesmente um analisador ou um decifrador das forças, é um modificador” (FOUCAULT, 2002, p.204).

Foucault (2002) trouxe também a idéia do historicismo como o nó que prende história à guerra, mas que se apresenta como um nó essencial, em que saber e verdade não podem não pertencer à ordem e à paz, sendo esta ideia que torna insuportável o historicismo pela circularidade entre saber histórico e guerras que são narradas e perpassadas por ele. Ideia esta reimplantada pelo Estado Moderno no “disciplinamento” dos saberes do séc. XVIII. Foucault (2002) retoma que precisamos tentar ser historicistas para analisar a relação perpétua entre a guerra narrada pela história e a história perpassada por essa guerra que ela narra.

Precisava-se de uma história maiúscula, disciplinar e das lutas, não ao acaso se tem um Ministério da História. “O que distingue o que se poderia denominar a história das ciências da genealogia dos saberes é que a história das ciências se situa essencialmente num eixo que é, em linhas gerais, o eixo conhecimento-verdade, ou, em todo caso, o eixo que vai da estrutura do conhecimento à exigência da verdade” (FOUCAULT, 2002, p.213).

Dessa forma o saber funcionava como riqueza, e os saberes maiores se apropriam dos menores havendo uma luta econômica política em tordo dos saberes diante da sua multiplicidade e então há a intervenção do Estado nos saberes (FOUCAULT, 2002). O que parece não ser muito diferente da prática de fomentos e verbas de pesquisa concedidos hoje – afinal o que se pesquisa, o que se estuda e para que isto serve? Pra quem serve? Quem financia? Eis a época que Foucault (2002) pontua como a proliferação da formação técnica.

“Este movimento de organização dos saberes tecnológicos correspondeu toda uma série de práticas, de empreendimentos, de instituições.” (FOUCAULT, 2002, p. 216). O Estado intervém a partir de quatro procedimentos: a eliminação e desqualificação (dos saberes inúteis e dispendiosos), a normalização dos saberes dispersos – comunicação entre eles, derrubada de segredos, a classificação hierárquica dos saberes – encaixá-los uns aos outros e delega os saberes mais gerais e formais como diretrizes para saberes materiais, através da centralização do controle dos saberes pela centralização piramidal – de baixo para cima – conteúdo dos saberes e de cima para baixo – as direções. Então, surge a importância da Enciclopédia onde as grandes investigações, catálogos, métodos de artesanato, de mineração estão ai registradas (FOUCAULT, 2002). Hoje contamos com outras Enciclopédias, dispondo de um dispositivo tecnológico para ter um banco de dados no aparato de pesquisa e investigações, contudo será que tudo o que se produz se publica, ou pode ser publicado com legitimidade? O que tem maior aval para publicações? Pode ser que muito do que se descobre (e o que é esse descobrir) não se publica, por falta de financiamento, um grupo de pesquisa, uma instituição de peso dando o respaldo; ao mesmo tempo em que se publica compulsoriamente o que já foi dito, dizendo de outro jeito e com uma base para tornar verdade – a ciência.

Junto com a Enciclopédia há a hierarquização de grandes escolas e uma inspeção disto com a função de centralização (FOUCAULT, 2002). Na seleção, normalização, hierarquização e centralização dos saberes o saber médico tomam para si a população nas campanhas de higiene pública, então neste momento pode-se pensar no que precede os dois próximos cursos de Foucault – Segurança, Território e População (FOUCAULT, 2008a) e O Nascimento da Biopolítica (FOUCAULT, 2008b) – que trataram junto com este curso da governamentalidade[3], com o deslocamento do foco do governo do território para a população.

 A organização interna de cada saber como disciplina permite descartar o falso saber e o não-saber. No lugar de existir as ciências vai existir ‘a ciência’ (FOUCAULT, 2002). O que é científico? Durante toda nossa escolarização somos interrogados/as por esta questão diante do levantamento de hipóteses ou de probabilidades ou respostas para questões que levantamos. Em especial, neste momento do texto podemos retomar os “As Palavras e as Coisas” e a “Arqueologia do Saber” na (des) (re) construção que o autor faz diante das ciências humanas e dos métodos de investigação cientifica.

Afinal, Foucault (2002) contextualiza que no século XVIII o disciplinamento de saberes polimorfos e heterogêneos surge o aparecimento da Universidade como grande aparelho uniforme dos saberes, então desaparece o cientista amador, afinal a homogeneização dos saberes mantém uma comunidade científica com estatuto e organização do consenso na centralização do Estado e o saber que não nasceu nos organismos oficiais de pesquisa é desclassificado. Dessa forma a ortodoxia eclesiástica é substituída pela disciplina científica, o controle não se dá mais pelo conteúdo, mas pela regularidade das enunciações (quem falou e se era qualificado para falar), ou seja, passou-se da censura dos enunciados para a disciplina de sua enunciação.

Essa forma de disciplinamento provocou desbloqueio epistemológico e nova regularidade na proliferação de saberes estabelecendo um novo modo de relação entre poder e saber, não a regra da verdade, mas a regra da ciência, então aí a história se encaixa como uma disciplina histórica. O saber histórico deixou de ser apenas o discurso do soberano e se transformou num elemento de luta política, em que o poder tenta retomá-lo e discipliná-lo.Da mesma maneira o Estado traça os corpos dos indivíduos, como se fosse a história seguindo numa lógica de ordem cronológica e natural. Afinal, qual o corpo da guerra, de uma nação, de um Estado?

Escolhe-se quem deve ser privilegiado com os benefícios dos serviços de cada Estado: os poderes reguladores de uma estrutura binária (oposição entre o corpo social e quem trabalha pelo Estado) perpassam a sociedade e reinstalam a contra-história que deu origem ao racismo (FOUCAULT, 2002). Os discursos biológicos/racistas propõem a necessidade de se defender a sociedade contra os perigos de uma raça sugerida/proposta como mais fraca, por isso elimina e segrega, como forma de normalizar a sociedade e o indivíduo.

Foucault (2002) encera o curso, problematizando o poder disciplinar situado nas formas como o Estado regula e controla os corpos, o que pode ficar expresso pela forma como cria programas sociais de saúde e de educação para disciplinar os sujeitos. O biopoder, o poder da vida, coloca em questão como operam ou deixam de operar essas estratégias de Estado. Quem são os sujeitos que o Estado deve deixar viver e quais os sujeitos que o Estado deve deixar morrer? (FOUCAULT, 2002).


[1]Biopolitica, pode ser entendido como o poder sobre a vida e sobre os corpos que vai sendo produzido por uma série de tecnologia ligadas às políticas de Estado.

[2] Estado, utilizado em maiúsculo, por que se refere aos estudos foucaultianos de Estado-Nação.

[3]Governamentalidade é um conceito metodológico utilizado para estudar os dispositivos de poder-saber. Trata-se de deslocar o ponto de vista interior por um ponto de vista exterior, ou seja, sair do estudo das instituições e perguntar pelas tecnologias de poder que permitem a constituição dos campos de verdade com seus objetos de saber (FOUCAULT, 2008a).

 

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Adolescentes em conflitos com a lei: a convivência prematura com as drogas

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“Sinto falta de andar de bicicleta, conversar com meus primos e estou decidido quando sair daqui, estudar e mudar de vida”. São palavras de M.R.A, 14, há quase um ano detido no Centro de Atendimento Socioeducativo de Palmas (Case). O menor em conflito com a lei, lamenta ter passado seu aniversário de 14 anos em um lugar fora da família e isolado do mundo.

Foto: Walquerley Ribeiro

Os pais de M.R.A,  se separaram assim que o menino nasceu, sendo criado pela mãe solteira. Quando completou 11 anos, o garoto seguiu destino e realizou o desejo de ir morar com o pai. Segundo a tia, J.B.A, o ambiente em que o pai de M.R.A vivia, tinha em certas ocasiões convívio com drogas e muitas bebidas. Aos 13 anos, M.R.A começou a sair à noite e ficar fora de casa até por três dias.

A tia conta que o menino passou a se envolver com drogas, apresentando um comportamento totalmente diferente de um adolescente normal. Em certa ocasião, M.R.A  foi flagrado pelo pai usando drogas. Isso fez com que ele decidisse arrumar as malas do adolescente de apenas 12 anos despejando o menino e enviando  a ir “morar na rua”. “A partir dai, meu sobrinho começou na companhia de amizades duvidosas, morando em praças e sem residência fixa”, diz a tia, lembrando ainda que, um parente materno ofereceu apoio e o acolheu na própria residência.  “Mas era tarde demais! O menino já estava bastante influenciado pelo uso de drogas e infrações da lei”. A tia conta ainda que, o garoto aos 13 anos, saiu por conta própria da casa do familiar e foi morar com amigos, identificados pela família como traficantes. Seis meses depois M.R.A, foi detido por tráfico de drogas.

Segundo dados da Secretaria de Estado da Defesa Social do Tocantins (Seds), existe hoje em torno de 150 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas em todo o Estado. A história do adolescente M.R.A, é apenas um exemplo de milhares de casos de adolescentes que passam a cometer infrações, causando um dos mais preocupantes e alarmantes problemas sociais de politicas publicas que a sociedade brasileira enfrenta na atualidade. Diante da opinião pública, a sociedade culpa o Estado pela ineficiência no combate e prevenção, já por parte do governo a culpa é creditada a uma péssima base familiar recebida por esses adolescentes.

A responsabilidade social, fica dividida entre as três esferas, a de prevenção que é do município, a segunda etapa é o tratamento em parceria compartilhada com o Estado, e a repreensão que é uma obrigação do Estado junto com o Governo federal.

No caso de medidas de repreensão fechada de internação, quando o adolescente comete um ato infracional grave, ele aguarda a sentença judicial na medida provisória podendo ficar até 45 dias. Ele pode ser liberado ou sentenciado a cumprir medida de Internação, podendo ficar até três anos ou cumprir a semiliberdade para ser acompanhado e avaliado, de acordo com a lei do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

De acordo com o Coordenador das Políticas Anti-Drogas da Prefeitura de Palmas (TO), Ricardo Ribeirinha, o município tem atuado com a sua missão de prevenção ao combate de drogas para menores infratores, com palestras nas escolas da rede municipal. Através do esporte, o depoimento do atleta palmense Hudson Lee, campeão mundial de Jiu Jitsu, tem ministrado palestras motivacionais com o título, “A arte de Sonhar”. O atleta faz um retrospecto da sua trajetória de vida, relatando sobre as dificuldades enfrentadas, a superação, e as oportunidades que a espiritualidade e a prática do esporte lhe proporcionaram. “O Hudson Lee, é um campeão da nossa região, e com toda sua bagagem de um jovem vencedor que venha influenciar e mostrar a esses menores que a verdadeira luta não é com as mãos e sim com a inteligência”, explica Ribeirinha, recordando da sua própria experiência de vida, como ex-recuperando da Fazenda da Esperança nos tempos em que já “sentiu na pele” e conheceu o mundo de um menor infrator, “mudar a nossa vida é muito fácil, mas mudar a vida das outras pessoas é muito difícil, pois depende da boa vontade e disposição do recuperando”, diz.

Ainda de acordo com Ribeirinha, a Prefeitura de Palmas, investiu na reestruturação dos conselhos tutelares, que é o órgão que dá garantia aos adolescentes, com a chegada de novos carros, liberando autonomia para deslocamentos dentro da cidade de Palmas, além de uma integração com as redes das políticas públicas, onde serão desenvolvidos projetos do tipo: A Casa Abrigo, CREAS POP e o consultório de Rua em parceria com o Governo do Estado e federal.  “A preocupação da nova política do governo de Palmas não é com o adolescente preso, e sim, que o jovem não seja preso, o nosso trabalho é silencioso, tímido, pois os jovens que adotam e se interessam a mudar de vida pela prevenção, não podem ser identificados, pois, não saem por ai cometendo infração ou com uso de drogas”, finaliza.

J.B.A, tia do adolescente M.R.A, critica as ações de políticas públicas dos governos em todas suas esferas e lembra que na época que identificou o sobrinho como usuário de drogas, procurou ajuda clínica e não teve facilidades e apoio para uma possível prevenção. “Para internação, o garoto tinha que assinar com o próprio punho aceitando o tratamento clínico, uma criança de 13 anos, às vezes, não compreende e não tem a atitude de fazer uma carta a punho solicitando tratamento e aceitando que tem problema de saúde, ele sempre imagina que a vida tá indo bem e que no futuro isso não trará consequências alarmantes”, a tia lembra ainda que o menino não aceitava ajuda, pois não considerava que maconha fosse droga e não acreditava que a maconha poderia levá-lo a uma detenção. “Foi a maconha que levou ele pra rua e fez ele cometer infrações”, desabafa J.B.A.

Projeto: “Um Novo Caminhar: prevenção e tratamento ao uso de drogas”

O Projeto: “Um Novo Caminhar: prevenção e tratamento ao uso de drogas”, desenvolvido pelo governo do Tocantins, pretende promover ações de prevenção, tratamento e reinserção social desses adolescentes dentro do Centro de Atendimento Socioeducativo de Palmas (Case) e no Centro de Internação Provisória (Ceip).

Através da Secretaria de Estado da Defesa Social (Seds), o projeto será realizado nas Unidades Socioeducativas do Tocantins e conta com o apoio da Universidade Luterana do Brasil (Ceulp/Ulbra), Fazenda da Esperança e diversos parceiros que promoverão ações integradas com a finalidade de gerar o retorno social dos adolescentes a suas famílias.

Segundo a diretora do Departamento de Ações sobre Drogas, Magda Valadares, o projeto tende a promover ações integradas com o objetivo de trabalhar a prevenção e o tratamento de dependências químicas, como também ações profissionalizantes e de lazer. “Não gosto da palavra combate ao uso de drogas, porque nos faz pensar que estamos em guerra contra as drogas e não é isto, precisamos trabalhar e nos unir para proporcionar um novo estilo de vida para as pessoas, seja os adolescentes, jovens ou adultos que estão sofrendo as conseqüências da dependência química e também trabalhar a prevenção”, finaliza.

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