Exaustão e exclusão – (En)Cena entrevista a professora Dra Camila Craveiro

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A cada ano, no mês março, em que se comemora o “Dia da Mulher” em diversos países, é praticamente impossível não esbarrar em textos, frases de efeito e uma infinidade de produções na mídia e nas redes sociais que se propõem a discorrer sobre a dor e delícia de ser mulher. Em muitos casos, “A mulher” é retratada como a mãe devotada que se aproxima da uma figura sagrada da Virgem Maria. Ou ainda, aparece como a heroína dos filmes e quadrinhos criados por homens, que enfrenta suas batalhas sempre sorrindo e luta, habilmente, usando uma maquiagem perfeita e um salto agulha.

Entretanto, essa época do ano também convida a refletir sobre desafios tipicamente atribuídos ao feminino: feminicídio e violência doméstica; dupla ou tripla jornada de trabalho; equilíbrio entre maternagem e mercado de trabalho; indústria da moda e da beleza e outros temas. A partir de tais problemas, é preciso pensar: o que é ser mulher? Será possível reduzir e resumir toda pluralidade do feminino em um conjunto de palavras ou conceitos?

Lacan, psicanalista francês do século XX, afirma que “a mulher não existe”, por não haver um constructo que abarque todas as parcialidades do sujeito feminino. Existem muitas mulheres distintas e é preciso considerá-las uma a uma, em suas especificidades e nos seus lugares de fala. Com isso, diante da necessidade de saber sobre a saúde mental das mulheres, no Brasil e durante a pandemia, apresentam-se entrevistas com sujeitos femininos que falam de si e do seu lugar neste contexto plural.

Dra Camila Craveiro

Na primeira entrevista da “A mulher não existe! O que significa ser mulher, no Brasil, na pandemia?”, o Portal (En)Cena conversou com a professora Dra Camila Craveiro para entender mais sobre:  o que é ser mulher, no Brasil, durante a pandemia da COVID 19.

Camila Craveiro é PhD em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho, em Portugal, coordenadora do curso de Publicidade da UNIGOIÁS, corresponsável pelo podcast Meia Taça e se dedica aos estudos descoloniais de gênero e migração.

(En)Cena – Camila, considerando o seu lugar de fala, de mulher, professora, publicitária, mãe e usuária ativa das redes sociais: o que é ser mulher no Brasil, durante a pandemia da COVID 19?

Dra Camila Craveiro – Quando falamos de mulheres, enquanto um grupo, essa necessariamente é uma superinclusão. Ainda que seja uma estratégia também de criar coletividade, uma ação grupal. Dentro do meu lugar de fala, da minha mulheridade, eu sinto um cansaço mental e psicológico muito grande durante a pandemia. Primeiro porque ela “starta” diferentes medos: da ausência, da morte, do desemprego, de não produzir a contento…E lidar com esse medo cotidianamente é muito complicado. Além disso, há os papéis sociais que eu desempenho enquanto mãe, professora, usuária das redes sociais e produtora de podcast. Tudo isso precisa ter minha atenção, dividida e focada ao mesmo tempo, algo que não é fácil. Mas eu sou uma mulher branca, de classe média alta, no Brasil, durante a pandemia e estou totalmente ciente dos privilégios dos quais eu gozo dentro dessas categorizações.

(En)Cena – Depois de ter estudado mulheres migrantes por 5 anos, na sua opinião, como podemos compreender o sofrimento emocional das venezuelanas que chegam ao Brasil, durante a pandemia?

Dra Camila Craveiro – Eu acho que a gente precisa rever algumas questões que são mesmo do campo da Sociologia das Migrações. A primeira delas diz respeito à dupla vulnerabilidade de ser migrante e ser mulher. Neste caso, destaca-se especialmente as migrantes econômicas.  Segundo Sassen (2003), a feminização das migrações, ou seja, a tendência de aumento da migração de mulheres em relação ao número de homens, deve-se, na verdade, à feminização da pobreza, à feminização da sobrevivência. Então, são mulheres que deixam as suas casas e, em alguns contextos, deixam suas famílias, para migrarem para países em que haveria maiores recursos de emprego e recursos materiais, para que elas possam também enviar dinheiro aos seus lares de origem. (…) À vulnerabilidade das venezuelanas, sexual e econômica, se soma o estereótipo negativo, pois criou-se no Brasil a ideia de uma invasão. Uma invasão de venezuelanos famintos, miseráveis e que aqui estão para concorrer pelos postos de trabalho e por alguns dos benefícios sociais dos quais gozamos.

No contexto de pandemia, as mulheres imigrantes encontram um país fechado em termos de oportunidades, especialmente, no caso das mulheres indocumentadas. Isso quer dizer de mais uma vulnerabilidade, ou seja, as assimetrias sociais que elas vivenciam as colocam numa posição de vulnerabilidade e de restrição do seu poder de margem de agência, de estratégia de sobrevivência, o que, sim, causa um dano emocional e uma subjetividade ferida.

Fonte: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Na sua opinião, qual seria o caminho para as mulheres no pós-pandemia?

Dra Camila Craveiro – Eu torço, eu espero, eu anseio que o caminho pós-pandemia seja um caminho de ressurgimento. Ressurgimento da capacidade de mobilização, de estratégias de luta, da força que se perdeu ou que foi minada durante a pandemia. Essa exaustão que a gente falou anteriormente, foi uma exaustão sentida em todas as camadas sociais de mulheres. Eu espero que uma vez superado este contexto (quando estivermos todas vacinadas), que possamos retomar planos, sonhos e estratégias. Eu espero que a gente ressurja mais fortes, dispostas a lutar por aqueles que são nossos direitos, para garantir a promoção daquilo que já foi assegurado e pela conquista do que ainda está no nosso horizonte. Minha esperança é uma esperança de luta e de resiliência, para que a gente comece também a construção de uma sociedade que promova a igualdade de gêneros, ou seja, a igualdade de oportunidades.

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Hoje não é um dia romântico, hoje é um dia político!

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Todo dia 8 de março é a mesma ladainha: flores, parabéns, frases sobre força e garra. Não estou dizendo que não deve haver flores, parabéns e frases sobre força e garra, pelo contrário, eu particularmente até gosto de flores. O ponto principal é: há criticidade nessas palavras? Há reflexão sobre o que de fato significa não somente o dia da mulher, mas SER mulher e EXISTIR como mulher? Sem pensamento crítico não há felicitações.

Quem é a mulher guerreira que todo mundo tanto fala no dia das mulheres? Quem é a mulher forte, inabalável e que é capaz de suportar tudo? É a mulher sobrecarregada, a mulher exausta, a mulher cuidadora, a mulher que assume todos os cuidados com o lar, com a família e com a criação dos filhos (às vezes nem são dela).

É a mulher que trabalha fora de casa e quando chega tem mais um turno de trabalho doméstico. É a mulher que tem que dar conta de tudo, afinal, ela é forte e guerreira. É a mulher que ganha menos, que trabalha mais, que se especializa mais. Mas que é cada vez menos valorizada profissionalmente, que tem sua voz silenciada e sua existência assediada moral e sexualmente.

E quando a mulher não aguenta tudo isso, cai no choro, cai aos prantos, cai no grito e no desespero, ela é louca! Histérica! A mulher tem que aguentar calada, quieta e silenciada. Esse silenciamento da voz das mulheres tem origem histórica dentro da psiquiatria que se construiu em cima de homens psiquiatras sobre as mulheres loucas (SHOWALTER, 1987).

A autora traz o manicômio como símbolo das instituições que foram construídas pelos homens desde o casamento até as leis. Instituições essas que foram construídas em cima do aprisionamento e do isolamento das mulheres, deixando-as loucas. O homem então é associado a racionalidade, a mulher é associada à loucura, a insanidade como parte da essência de ser mulher (SHOWALTER, 1987). O homem quando associado a loucura é de forma simbólica que remete ao feminino.

Fonte: encurtador.com.br/dAEOT

De acordo com Valeska Zanello, que um dos maiores nomes da psicologia no Brasil, o sofrimento psíquico é construído socialmente e acontece a partir dos valores de gênero (ZANELLO, 2011).  As mulheres tendem a ser mais acometidas pelos transtornos depressivos, ansiosos, distúrbios de sono e comorbidades do que os homens.

Como não viver sob a ameaça do adoecimento psíquico quando estamos incessantemente lutando por espaço, por voz, por validação, por segurança? A mulher vive sob a ameaça do estupro o tempo inteiro. Saímos de casa e temos que estar sempre em alerta sobre onde vamos, com quem e quando. Temos que prestar atenção ao nosso redor, observar se estamos sendo seguidas, se há algo estranho. Temos que estar atentas ao pegar um taxi ou serviço por aplicativo para viagens.

Como não viver à mercê do adoecimento psíquico quando somos bombardeadas sobre nossos corpos, nossas medidas, nossas curvas, nossas características físicas e a nossa personalidade? Afinal, a mulher tem que ser magra, mas não muito. Tem que ter bunda grande, peito duro, mas deve ser proporcional. Não pode ter estria nem celulite, pelos então nem pensar por que não é nada higiênico. Cuidado! Desse jeito nenhum homem vai te querer!

No que tange a saúde mental, o sofrimento psíquico da mulher está atrelado ao ideal estético, matrimonio e maternidade (ZANELLO; FIUZA; COSTA; 2015). A mulher é socialmente pressionada a estar dentro dos padrões estéticos, sobretudo o padrão lipofóbico.

Esse padrão lipofóbico exige que as mulheres sejam magras, esbeltas e joviais, essa exigência faz com que aquelas que não consigam alcançar esse padrão sejam hostilizadas e taxadas de inferiores (NOVAES, 2006). Dessa forma, as mulheres que não se adequam, logo não servem. São invalidadas, criticadas e recebem ataques odiosos sobre seu desleixo e descuido com o corpo.

O corpo da mulher perpassa a transformação estética para princípios éticos, que faz com que ela seja obrigada a exercer cuidados com o corpo e o dever moral de se tornar bonita e atraente (ZANELLO, 2015). Além de tudo isso, a mulher ainda tem que cuidar das tarefas domésticas, do lar, da família, do marido e dos filhos. Tudo isso depois de passar o expediente inteiro sofrendo assédio moral e sexual do ambiente de trabalho.

Ser mulher é sofrer, é sentir dor, é sentir medo. Ser mulher é ser luta, é ser resistência. Ser forte não é uma opção, é o que nos resta. Mas estamos cansadas, estamos exaustas, estamos no limite. Só queríamos ser mulher. Ser tratadas como seres humanos, não como incubadoras ou cuidadoras. Nesse dia da mulher não queremos só flores e mensagens bonitas, queremos lutas por direitos, queremos respeito e igualdade. Afinal, Dias Mulheres Virão!

Referências

NOVAES, Joana de Vilhena. O intolerável peso da feiura: sobre as mulheres e seus corpos. Rio de Janeiro: PUC-Rio/Garamond, 2006.

SHOWALTER, E. Anarquia Sexual: sexo e cultura no fin de siècle. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.

ZANELLO, Valeska.; BUKOWITZ, B. Loucura e cultura: uma escuta das relações de gênero nas falas de pacientes psiquiatrizados. Revista Labrys Estudos Feministas. v. 20-21, 2011.

ZANELLO, Valeska. A saúde mental sob o viés do gênero: uma releitura gendrada da epidemiologia, da semiologia e da interpretação diagnóstica. In: ZANELLO, V.; ANDRADE, A. P. M. (Org.). Saúde mental e gênero: diálogos, práticas e interdisciplinaridade. Curitiba: Appris, 2014.

ZANELLO, Valeska; FIUZA, Gabriela; COSTA, Humberto Soares. Saúde mental e gênero: facetas gendradas do sofrimento psíquico. Fractal: Revista de Psicologia, [s.l.], v. 27, n. 3, p.238-246, dez. 2015. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/1483

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Os desafios de Ser mulher – (En)Cena entrevista a Bombeira Fernanda Cerqueira

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Em entrevista ao Portal (En)Cena, a Bombeira Militar, Fernanda Cerqueira Martins.

Foto: Arquivo pessoal

(En)cena –  Como funciona o seu trabalho? É interno ou externo? E quais os maiores desafios do mesmo?

Fernanda Cerqueira – Trabalho diretamente nas viaturas do Corpo de Bombeiros Militar do Tocantins, alternando entre prestação de primeiros socorros e combate a incêndio. A profissão Bombeiro Militar exige habilidade, controle emocional, força física, e segurança. Características que podem ser treinadas tanto em Homens quanto Mulheres, desde que estes tenham afinidade com a profissão. Portanto o maior desafio é buscar por essas características.

(En)cena – Em relação a atuação profissional, em algum momento foi perceptível o olhar de dúvida dos colegas ou civis, de que não conseguiria dar conta da execução da tarefa? Como foi esta experiência?

Fernanda Cerqueira – Diariamente nos deparamos com o olhar de espanto e dúvida quanto a boa execução do serviço, advindas tantos de colegas de profissão quanto de civis. Como por exemplo: levantar uma maca com vítima, tenho que provar a cada troca de guarnição que sou capaz de realizar tal atividade. Já quanto a civis já me deparei com situações em que a vítima pediu para levantar da maca e ir até a viatura andando por não acreditar que eu a poderia levar. Provei a esta que poderia levá-la sim e com tranqüilidade.

(En)cena – Há assédios na rua? Se sim, como se deu e qual foi seu comportamento e sentimento diante do acontecido?

Fernanda Cerqueira – Poucas vezes me deparei com assédio na ruas, mantive a postura. E evito ficar levando tal situação a sério. O assédio infelizmente é uma realidade na vida de nós mulheres independente da profissão e do lugar que se frequenta.

(En)Cena – Sempre sonhou em ser bombeira? Qual foi a reação da família e amigos diante de sua decisão? Desde adolescente já havia escolhido a profissão de ser Bombeira Militar, escolha muito bem aceita por minha família e amigos.

Fernanda Cerqueira – Percebo uma grande admiração pela profissão por grande parte das pessoas, principalmente o público feminino, acredito que estas se sentem bem representadas.

(En)Cena – Como é o relacionamento com os colegas de trabalho, sendo que é uma profissão dominada pelo sexo masculino?

Fernanda Cerqueira – No início me sentir acanhada por ser a única mulher na guarnição, observando as bombeiras mais antigas, observei que estas já estavam acostumadas e não se esquivavam de nada por serem minoria. Aos poucos acostumei e hoje me sinto muito a vontade e tenho uma ótima relação com os colegas, apesar de sempre ter que ficar provando que consigo executar minhas atividades tão quanto eles.

(En)Cena – Qual sua mensagem para outras mulheres que queiram entrar nessa profissão?

Fernanda Cerqueira – É uma profissão desafiadora, porém muito prazerosa, onde se descobre que nossos limites vão muito além do que imaginamos. Experimente.

(En)Cena – Quais os benefícios e as vantagens da mulher nessa profissão?

Fernanda Cerqueira – A profissão, por sua natureza, nos torna mais fortes, seguras e decididas.

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Os desafios de Ser mulher- (En)Cena entrevista a Jornalista e Advogada Gleidy Braga

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Em entrevista ao Portal (En)Cena, a Jornalista e Advogada Gleidy Ribeiro, que é especialista em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e Mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Tocantins, expõe sua opinião sobre os desafios e conquistas das mulheres na política e no mercado de trabalho.

Fonte: Arquivo pessoal

(En)cena – De acordo com o IBGE, as mulheres possuem nível de escolaridade superior ao dos homens, representando 53,5% dos mestres do país. No entanto, as mulheres possuem um salário inferior, computando em torno de 30% menos que o dos homens. O que você tem a falar sobre este cenário?

Gleidy Ribeiro – A posição inferior de nós mulheres  no mundo do trabalho é fruto de um processo histórico, cultural, social e econômico.  Alguns estudos destacam a nossa contribuição histórica e  rejeitam  o discurso de que somos naturalmente pré-determinadas para trabalhos secundários e pouco valorizados em função do sexo. Ao contrario do que querem nos fazer acreditar, o trabalho, principalmente nas sociedades primitivas,  sempre esteve presente em nosso cotidiano, seja na esfera pública ou privada. Fomos as primeiras cientistas, médicas professoras e artesãs, entre tantas outras profissões. No entanto, enfrentamos há séculos, sobretudo pós-revolução industrial, uma desvalorização do nosso trabalho, mesmo que tenhamos mais escolaridade. Este é um cenário perverso que só se descontrói investindo em educação para promoção de sociedade mais inclusiva e igualitária, sobretudo no mercado de trabalho.

(En)cena – Muitas instituições evitam a contratação da mulher por conta da maternidade. Diante deste cenário, para uma mulher construir uma carreira sólida muitas vezes se é preciso abdicar-se da maternidade? Qual o peso da maternidade na construção de uma carreira sólida? Há mais prós ou contra?

Gleidy Ribeiro – O Brasil possui uma legislação que busca proteger à maternidade. E essa legislação busca justamente dar estabilidade das mulheres no mercado de trabalho. Contundo, na pratica existem barreiras que acabam impedindo que as mulheres continuem trabalhando. Isso porque são as mulheres, em sua maioria, que se ocupam das responsabilidades domésticas e dos filhos. Não diria que a maternidade é um problema para a construção de uma carreira solida, mas sim a falta de compartilhamento de responsabilidades com a criação dos filhos e pouco investimentos públicos em  políticas públicas que favoreçam a permanência das mulheres no mercado de trabalho.

(En)cena – Hoje, no Brasil, há apenas em torno de 10% de mulheres no Congresso Nacional. No México já chega em torno de 40% de mulheres no parlamento. Na Argentina se vê um número maior. Em sua opinião, o que acontece aqui no Brasil, e o que podemos fazer para reverter este quadro?

Gleidy Ribeiro – Li em uma entrevista da  diretora de operações do facebook, Sheryl Sandberg, a executiva mais poderosa do setor de tecnologia da empresa, que as pessoas  não sentem  confortáveis com mulheres no poder. Porque o estereótipo das mulheres diz que devemos nutrir, ajudar, cuidar dos outros, enquanto os homens devem ser poderosos. Isso explica muito porque nós mulheres não estamos nos espaços de poder. Não fomos educadas para ocupar espaços públicos e sim espaços privados, sobretudo o espaço doméstico. Quando mulheres ocupam espaços públicos quase sempre elas são chamadas de agressivas, duras, insensíveis e intransigentes. Para reverter essa situação, volta a defender a necessidade de uma educação inclusiva e igualitária. Nossas meninas precisam entender desde cedo, que elas podem sim ocupar espaços na vida pública. Por outro lado, para mudar a curto prazo essa realidade, os partidos precisam investir na formação politica das mulheres para que de fato tenhamos mais mulheres nos espaços públicos de representação.

(En)cena – Muitas mulheres participam de eleições somente como ´´tapa buraco“, isto se dá por conta da obrigatoriedade de um número especifico de mulheres por partido, e quem devem fazer parte das chapas. São poucas mulheres que disputam com projetos, garra e visão de mudança? Você percebe que este cenário se dá por falta de oportunidade/apoio ou por falta de interesse/ação por parte da própria mulher?

Gleidy Ribeiro – Os partidos não investem a longo prazo na formação política das mulheres, por isso, quando tem eleições as mulheres surgem apenas para tapar buraco. Mas essa postura dos partidos reflete uma construção histórica e social, que sempre limitou a participação política das mulheres na política.  Ao homem sempre foi dado o direito de definir os rumos da coletividade, a mulher a obrigação com cuidado e os afazeres domésticos. E mesmo no mercado de trabalho, não temos a mesma valorização econômica  que o trabalho do homem. Esses papeis socialmente definidos acabam limitando a participação das mulheres na disputa eleitoral e consequentemente no baixo número de mulheres eleitas em nosso país.

(En)cena – Como você vê a eleição da Dilma Rousseff (PT), a primeira presidente mulher do país? O que é uma mulher no poder? Muda o jeito de governar?

Gleidy Ribeiro – Eu tive a oportunidade de trabalhar por dois anos no primeiro governo da Presidente Dilma. E posso dizer que foi uma honra e um grande aprendizado. Infelizmente, ocorreu com a Dilma a materialização do que chamamos de cultura machista. Infelizmente ela sofreu um impeachment por um Congresso, que a todo momento tentou desconstruir sua condição de mulher à frente da Presidência da Republica. Atualmente todos já entenderam que foi um golpe de estado, onde uma das estratégias era desqualificar sua capacidade para comandar a nação.  Não era raro acompanhamos nos noticiários, os dirigentes de partidos políticos, mandatários, adjetivar a Presidente de autoritária e intransigente, buscando fortalecer no imaginário social o discurso de que o exercício do poder não é tarefa para as mulheres, pois são elas naturalmente despreparadas para comandar.

(En)cena – Na sua opinião, em que se concentrará a força feminista nesse ano de 2018?

Gleidy Ribeiro – Eu acho que não teremos muitas mudanças, continuaremos a ser minorias nos espaços de poder. Os partidos não estão trabalhando efetivamente para ampliar nossa participação. O trabalho tem que ser a longo prazo, investindo na formação politica das mulheres.

(En)cena – Como você avalia a sua atuação frente a Secretaria de Cidadania e Justiça. A senhora sofreu  algum tipo de violência de gênero?

Gleidy Ribeiro – Fui a primeira mulher a ocupar esse cargo, então eu trabalhei muito para não decepcionar  os tocantinenses, sobretudo as mulheres. E deixamos uma marca de competência e firmeza para enfrentar os problemas complexos dos sistemas penitenciário e socioeducativo.  Coordenamos ações educativas de promoção dos Direitos Humanos, da Politica sobre drogas, mulheres e de defesa do consumidor. Captamos mais de 45 milhões de reais do Fundo Nacional Penitenciário garantindo equipamentos, armamento, veículos e recursos para construção da penitenciaria de cariri. Demos posse para o primeiro quadro de servidores para os sistemas penitenciário e socioeducativo. Foram quase 1200 servidores empossados.  E sempre priorizamos o trabalho transparente, baseado no diálogo franco e verdadeiro. Nossa  atuação foi reconhecida nacionalmente, e cheguei a ser eleita a vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Estado de Justiça, Direitos Humanos e administração penitenciária  de todo brasil. Não posso dizer que não sofri violência de gênero, não é comum uma mulher na área de segurança, sobretudo na área de segurança prisional, mas nunca deixei me abater, mantinha o foco, e buscava ser reconhecida pelo trabalho e pela competência.

(En)cena – Você como mulher, de boa experiência, que estratégia você usa  para não ser seduzida, a ponto de reproduzir a violência de gênero?

Gleidy Ribeiro – Tento me policiar e estudar para entender como funciona os mecanismos da  cultura machista para tentar desconstruí-los na vida, mas não é fácil,  porque estamos inseridas nessa sociedade e ninguém está imune a reprodução dessa cultura machista, inclusive nos  mulheres.

(En)cena – O feminismo fragiliza a figura feminina ao mostrá-la como vítima da sociedade dominada por homens. É preciso deixar de pensar que a mulher é sempre uma vítima?

Gleidy Ribeiro – Não. Existe uma compreensão equivocada do feminismo. O feminismo não é o machismo ao contrário. É  um movimento que busca tão somente a igualdade de condições entre homens e mulheres na sociedade. E muitas conquistas que nos mulheres usufruímos  hoje vem dessa luta histórica do feminismo.

(En)cena – Enquanto conselheira Nacional dos Direitos da Mulher, fazendo uma analise, o que nos pode falar a respeito de sua experiência?

Gleidy Ribeiro – Fui empossada conselheira nacional dos direitos da mulher aos 29 anos representando a secretaria geral da presidência da republica, no primeiro governo Dilma. Foi uma honra ajudar a construir a agenda das políticas públicas para as mulheres. Participei ativamente da 3 conferências de políticas para as mulheres.

 

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Livros conscientizam sobre o papel da mulher na contemporaneidade

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Nesta quinta-feira celebra-se o dia internacional da mulher! Além de uma forma de homenagem, a data serve também como uma forma de se discutir e de aprender mais sobre o papel da mulher na sociedade. Pensando nisso, gostaria de sugerir uma lista com quatro livros que de alguma forma abordam o empoderamento feminino e a luta feminista em diversas áreas.
Seja como obra de ficção ou como livros históricos as indicações ajudarão os leitores a entender o papel da mulher na sociedade atual.

A Política Sexual da Carne

Fonte: goo.gl/Paajbw

Nessa obra, a autora, Carol J. Adams, analisa as ligações estreitas entre os movimentos sociais feministas e as práticas vegetarianas. Seja para destacar-se do restante dos seres vivos ou para afirmar sua masculinidade e virilidade, o homem branco e hétero fez com que o consumo da carne traga em suas raízes o machismo. A autora mostra que, ao enxergar a existência dos pontos de intersecção entre a forma com que as sociedades patriarcais tratam a mulher e os animais, os leitores entenderão também, que combater a violência praticada contra esses dois grupos é o único caminho para uma sociedade mais igualitária.

 Um teto todo seu

Fonte: goo.gl/SmNuJt

O livro nasceu a partir de duas palestras chamadas “As mulheres e a ficção”, proferidas por Virginia para a plateia essencialmente feminina da Sociedade das Artes, na Londres de outubro de 1928. O texto de Virginia tem a qualidade estupenda de seus livros da época. Mrs. Dalloway (1925), Passeio ao Farol (1927) e Orlando (1928) foram seus predecessores; As Ondas (1931) deu continuidade à série de obras-primas. O livro, escrito nove anos após as mulheres obterem direito de voto na Inglaterra, é uma ampla análise da situação da mulher e de sua relação com o dinheiro. Virginia Woolf insiste em que as mulheres precisam de duas coisas para criarem uma nova literatura: um teto todo seu, ou seja, um quarto que pudesse ser trancado à chave para escrever, e uma renda de aproximadamente 500 libras anuais. Para tanto, a mulher deveria trabalhar (Virginia fazia parte da Liga do Trabalho Feminino) a fim de obter alguma independência.

 O lado invisível da economia

Fonte: goo.gl/q7QLBd

Escrito pela jornalista sueca Katrine Marçal, O lado invisível da economia questiona o modelo masculino do pensamento econômico e discute como a economia ignora o trabalho duplo das mulheres ao gerir carreira e família. “Os homens sempre tiveram permissão para agir em nome do interesse pessoal – tanto na economia quanto no sexo. Para as mulheres, essa liberdade é um tabu. […]. As mulheres nunca tiveram permissão para ser tão egoístas como os homens. Se a economia é a ciência do interesse pessoal, como a mulher se encaixa nela?” (Trecho do livro)

Considerado o Freakonomics feminista, o livro questiona o modelo masculino do pensamento econômico, explicando como as bases teóricas da economia ignoram a mulher, cujo papel era cuidar do lar. Séculos depois, essa mesma lógica continua excluindo a mulher, que precisa fazer jornada dupla ao gerir carreira e família. Com linguagem envolvente e perspicaz, e recheada de dados, a autora explica o funcionamento do mercado baseado na figura do homem econômico e defende que a única solução para uma sociedade mais igualitária é um pensamento econômico mais feminista.

 O pomar das almas perdidas

Fonte: goo.gl/q7QLBd

na cidade de Hargeisa, na Somália, às vésperas do conflito que engoliu o país, O pomar das almas perdidas conta a história de violências e perdas de três mulheres de gerações distintas. Deqo, Kawsar e Filsan se encontram pela primeira vez em um estádio, na festa de aniversário da revolução que colocara no poder uma ditadura militar. Aos 9 anos, Deqo, que só conhecia a existência no campo de refugiados onde nascera, fará uma apresentação de dança e por ela receberá um desejado par de sapatos. Mas ela erra a coreografia e recebe uma punição. Das arquibancadas, a viúva Kawsar, em seu eterno luto pela morte da filha adolescente, vê a agressão e decide intervir. É presa por Filsan, uma jovem soldado ambiciosa que em breve aprenderá uma lição dura sobre si mesma e o mundo dos homens. Os eventos que se desenrolam do momento da prisão de Kawsar até a volta de Filsan à delegacia são dramáticos e determinantes do que virá a seguir.

O livro acompanha então a vida de cada uma das mulheres. Deqo se perde pelas ruas da cidade, perambulando pelas bancas do mercado até encontrar refúgio na casa de prostitutas. Machucada, impossibilitada de se mover, Kawsar volta para seu bangalô e passa a viver com a ajuda de uma jovem. Filsan retorna ao quartel e ao seu trabalho de patrulha. Nesse momento, a narrativa cresce e ganha uma qualidade poética admirável, para a qual muito contribui a musicalidade das palavras somalis sussurradas aqui e ali.

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