Dinheiro: problema ou solução?

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A vida financeira é sempre uma preocupação no universo dos adultos, em especial, quando os compromissos não são efetuados com as instituições financeiras, e precisa socorrer a empréstimos para efetuar a dívida. O tão conhecido efeito bola de neve, onde, o indivíduo não consegui honrar com suas obrigações financeiras, e vive no vermelho.  Esse desequilíbrio em pagar contas está relacionado com à falta de saúde emocional, a qual prejudica o seu relacionamento com o dinheiro, bem como muitas noites sem sono.

Nesse contexto, Botelho (2002) explica que nos grandes centros o comportamento de certos indivíduos diante da carência efetiva, tristeza, solidão, estresse e simples tédio, vão as compras. Segundo ele, a sociedade é influenciada pelas propagandas veiculadas pelos meios de comunicação, de forma massiva.  E, diante disso, “são influenciadas por estímulos culturais e ambientais”, com o objetivo de manter um status social determinado pelos veículos, atualmente pelas redes sociais, por meio dos digitais influencers em seus perfis.

Por outro lado, Almeida, Cavalcante, Santos e Castro (2010) explicam que a compulsão por compras, relacionada aos problemas financeiros de muitas pessoas, é uma forma de aliviar o estresse emocional provocado pelas obrigações do dia a dia. Ou seja, a compra traz uma fuga, mesmo que momentânea para as preocupações do cotidiano. De acordo com os autores supracitados “O consumismo é uma patologia que trará problemas futuros” fazendo com que a pessoa consuma sem necessidade de ter o objeto como uso diário, sendo que, “dentre os vários tipos de compulsões, podemos considerar o ato de comprar compulsivamente, o acumular, guardar ou colecionar coisas inúteis”.

Nesse aspecto, Skinner (1987) reforça que o consumismo sem consciência traz problemas drásticos a longo prazo, como o acúmulo de dívidas. Segundo ele, isso ocorre porque o indivíduo sente-se recompensado quando compra algo, mesmo sabendo que irá ter uma obrigação financeira a pagar pela frente.  Mesmo com dívidas, o “efeito agradável da compra” fala mais alto e reforça esse tipo de comportamento compulsivo, que tende a se reforçar a cada ida ao shopping para comprar algo que não precisa.

Fonte: Imagem por jcomp no Freepik

Outros aspectos relacionados aos problemas financeiros foram os ocasionados pela pandemia da Covid-19, que deixou muitas famílias desempregadas, e afetou ainda mais o emocional dos gastadores compulsivos. De acordo com, Silva et al. (2020), o isolamento social prejudicou 35% da renda das famílias brasileiras, em especial, àquelas com baixa renda e escolaridade. “Os impactos do isolamento se refletem nos diversos segmentos da sociedade, seja em função da renda, sexo, escolaridade, condições de habitação. também revelaram. As populações mais pobres já estão sofrendo um impacto maior do isolamento, especialmente em relação à renda”. Silva et al. (2020).

Conforme a Associação de Psicologia dos Estados Unidos (APA) (2020), o dinheiro está entre os principais motivos do aumento do estresse da sociedade, de uma forma em geral. A pesquisa aponta que 30% dos provedores de lares se preocupam em ter dinheiro suficiente para sustentar a família, em especial, com os filhos, no período escolar, além disso, os problemas de cunho financeiro podem afetar a saúde física e emocional do ser humano. Ademais, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a pandemia da Covid 19, deixou muitas pessoas desempregadas, em todos os quatros cantos do mundo.

Nesse sentido, a educação financeira precisa ser mais discutida e colocada em prática em momentos de crises, como foi o caso da pandemia que afetou o bolso de muitas pessoas, e em casos mais críticos deixou muitas famílias passando fome. Savaio, Sato e Santana (2007) destacam que “a educação financeira é fundamental na sociedade brasileira contemporânea, visto que influencia diretamente as decisões econômicas dos indivíduos e das famílias” sendo preciso aumentar a visão sobre o assunto e “discutir os paradigmas que surgem da inserção da educação financeira no contexto político”.

A educação financeira precisa ser ensinada desde criança no sentindo de controlar os gastos, e pagar as dívidas. No entanto, quando os problemas financeiros estão relacionados ao emocional, é preciso procurar ajuda profissional para tentar entender os motivos do comportamento compulsivo em gastar com coisas desnecessárias. Ademais, a educação financeira tem como consequência uma qualidade de vida melhor, por isso é necessária sua expansão na mentalidade de cada um.  Se os seus gastos têm sido uma dor de cabeça diariamente, entre em contato com um psicólogo, assim, sua saúde emocional e financeira estará em uma melhor sintonia.

 

Fonte: Freepik

Referências

Almeida, I; Cavalcante, P Santos, G e Castro, L (2010). TOC e o consumismo na contemporaneidade Disponível em <https://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0223.pdf> Acesso 16, de nov, de 2021.

Associação de Psicologia dos Estados Unidos (APA) (2020). Disponível em <https://www.apa.org/topics/money>  Acesso 16, de nov, de 2021.

Silva, Bezerra, Soares e Silva(2020). Fatores associados ao comportamento da população durante o isolamento social na pandemia de COVID-19. Disponível em <https://www.scielosp.org/pdf/csc/2020.v25suppl1/2411-2421/pt> Acesso 16, de nov, de 2021.

Botelho, Maurício Lima. Contribuições da crítica da economia política para a problematização do consumismo moderno. (2002).

Savio, Sato e Santana (2007) Paradigmas da educação financeira no Brasil. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rap/a/XhqxBt4Cr9FLctVvzh8gLPb/?format=pdf&lang=pt> Acesso 16, de nov, de 2021.

Skinner, Frederic. Ciência e Comportamento Humano (1987).

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E se a busca excessiva pela felicidade nos torna infelizes?

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Adotar pensamentos positivos de sucesso e felicidade, livrar-se dos negativos, esquecer-se de fracassos e viver sob a lógica de “você atrai o que você pensa” ou sob o culto ao “evangelho” do otimismo parece não chegar à solução desejada.

Pergunte a si próprio se você é feliz, e você deixa de sê-lo.
John Stuart Mill

Em uma sociedade obcecada pela busca da felicidade, somos paradoxalmente fracassados para encontrá-la. Ao contrário do que se imagina, a vida moderna pouco contribui para o aumento da felicidade da população. O acréscimo do capital das grandes nações e toda a facilidade advinda dos meios tecnológicos parece não ter ocorrido concomitante ao aumento do bem estar das pessoas. Talvez, sejamos a sociedade mais deprimida e cansada de todos os tempos.

Os adoecimentos psíquicos de hoje com alta prevalência tais como depressão, burnout, TDAH são, na perspectiva do filósofo contemporâneo Byung-chull Han, efeitos de uma sociedade da positividade, que se alimenta do excesso de tudo que maximize o desempenho das pessoas:  superprodução, superdesempenho e supercomunicação. Essa sociedade, na visão do filósofo, consequencia em uma geração vítima de infartos psíquicos: esgotamento e depressão. E este mesmo sujeito, esgotado e deprimido, encontra-se em uma busca desesperada por liberdade, maximização do desempenho, prazer e felicidade (HAN, 2017).

 Os livros de autoajuda, talvez a apoteose da sociedade pós-moderna na busca pela felicidade, são repletos de conteúdos tais como: 10 passos para a felicidade, 7 hábitos de pessoas de sucesso, como influenciar pessoas, como ter uma mente milionária e como desenvolver liderança etc. Eles demonstram que a busca por soluções simplistas para os problemas complexos dos homens é bastante rentável e popular. Alguns autores chamam de regra dos 18 meses para explicar que a pessoa mais inclinada para comprar um livro de autoajuda é a mesma que 18 meses antes comprou um livro deste gênero que, obviamente, não solucionou seus problemas e não trouxe a desejada felicidade. Não há pesquisas, de rigor científico, que comprovem a eficácia desses conteúdos.

Paradoxalmente,  as tentativas de eliminar tudo o que é negativo, como os  fracassos, as incertezas, tristezas, sofrimentos e a ansiedade não só não resolvem o problema, como podem torná-los mais poderosos, gerando vidas sufocantes e sem sentido. O fracasso dessas tentativas é exemplificado pelo psicólogo Daniel Wegner (1994) e a teoria do processo irônico: nosso esforço para evitar e eliminar pensamentos  e comportamentos negativos os tornam predominantes. Não existe abordagem simples para a felicidade. A imersão no positivismo e otimismo não nos deixa mais felizes.

Sem o propósito de demonizar a busca por soluções práticas aos incômodos da vida (eventualmente, elas são bem-vindas e necessárias), a intenção é estimular a reflexão que essa busca excessiva da felicidade, centrada no culto ao otimismo e anulação do negativo, é contraproducente! Isto porque as estratégias utilizadas são baseadas em soluções simplistas e universais que não comportam os problemas humanos complexos. Contraditoriamente, podem produzir resultados indesejados, ou seja, pode gerar mais infelicidade e insatisfação. Adotar pensamentos positivos de sucesso e felicidade, livrar-se dos negativos, esquecer-se de fracassos e viver sob a lógica de “você atrai o que você pensa” ou sob o culto ao “evangelho” do otimismo parece não chegar à solução desejada.

O psicólogo Steve Hayes tem uma abordagem interessante para explicar como a fuga de situações emocionalmente difíceis pode ser uma armadilha e acabar aumentando o problema. A linguagem teria um papel protagonista nesse cenário, isto porque somos ensinados, desde criancinhas, a discriminar e nomear não apenas componentes externos do mundo objetivo, mas também pensamentos, memórias, sentimentos e sensações corporais, os denominados eventos privados (SKINNER, 2003) ou subjetivos.  Nossa cultura e sociedade nos ensina que a felicidade é cotidiana e almejada e a tristeza é ruim e deve ser evitada, e se nos sentirmos tristes é porque temos um problema que deve ser encontrado e eliminado (SABAN, 2015).

Por meio da aprendizagem, somos instruídos  a atribuir o status de causalidade à sentimentos e pensamentos para explicar porque estamos em um determinado estado ou porque fizemos o que fizemos. Hayes denominou de “silogismo lógico” o sistema em que esse processo ocorre, que funcionaria sob cinco aspectos de raciocínio. 1) Todo comportamento é causado; 2) razões são causas; 3) pensamentos e sentimentos são boas razões; 4) os pensamentos e os sentimentos são causas e, finalmente, 5) para controlar o resultado devemos controlar as suas causas. Logo, por associação, acabamos chegando ao resultado de para controlar o resultado devemos controlar os sentimentos e pensamentos. (HAYES, 1987). Assim, trazendo esse raciocínio para nosso tema específico, a felicidade (um efeito) seria produto (causa) de pensamentos e sentimentos positivos. Talvez o mercado dos livros de autoajuda e o evangelho do otimismo  e da motivação sejam fundamentados nessa perspectiva.

Mas esse caminho é cheio de armadilhas! Sentimentos e outros estados privados não são passíveis de controle direto. Um exercício bobo, porém didático, para ilustrar esse pressuposto: experimente não pensar, durante um minuto, em urso polar. Conseguiu? Eu imagino que não. Vamos tentar mais uma vez: agora imagine que você está conectado a um detector de mentiras de excelente precisão  e que pode captar qualquer reação de ansiedade sua. Então, você recebe a instrução de que você não pode de maneira alguma sentir ansiedade e, caso você sinta, levará um tiro na cabeça. Advinha o que você sentirá?

Hayes (1987) assinala que não precisamos mudar sentimentos e pensamentos para modificar outros comportamentos ou ter uma vida bem sucedida. O problema, na verdade, não seriam os pensamentos e sentimentos, mas nossa tentativas de controle e nossa fugas que visam eliminar vivências subjetivas aprendidas como “negativas” tal como a tristeza, o oposto da felicidade.

Quantas decisões tomamos na tentativa de eliminar incômodos, desconfortos, incertezas?  Vivências subjetivas estas que aprendemos serem negativas e contraditórias à felicidade. É claro que fugir de eventos difíceis e dolorosos (os aversivos!) têm um valor importante para nossa sobrevivência. No entanto, se dependermos de eliminar tudo o que é negativo para sermos felizes, jamais seremos. E negar esse “lado” da experiência humana pode resultar em alívio imediato (um reforço negativo), mas em longo prazo produz vidas de desespero, medo, ansiedade e, conforme bem colocou Sidman (1995, p. 231) “esmaga a engenhosidade e a produtividade, transforma a alegria em sofrimento, confiança em si em medo e amor em ódio.” As coisas dão errado, relacionamentos acabam, demissões acontecem e as pessoas morrem! A vida não é um laboratório! Uma porção de eventos são incontroláveis e nos esquivar de tudo que é ruim e tentar cultivar sempre pensamentos positivos não parece produzir os resultados que são vendidos por aí.

Viver plenamente, na abordagem do psicólogo Hayes, não significa não vivenciar sentimentos, pensamentos, sensações corporais e memórias, mas vivenciá-los como de fato são: sentimentos, pensamentos, sensações corporais e memórias que se transformam em um fluxo contínuo de experiências e contextos. Ou seja, seus pensamentos e sentimentos fazem parte de você, mas  não são você.

 Precisamos superar a ruminação e planejar saídas reais para o que nos paralisa, para o que nos torna infelizes. Aprendemos a primeiro nos sentir motivados e com vontade de agir para, então, agir, mas que sentido tem esperar se sentir como se estivesse fazendo algo ANTES de fazê-lo? Somos tão incrivelmente dinâmicos e versáteis e temos a capacidade de coexistir com a “vontade de não fazer” e, ainda assim, fazer, por exemplo.

Para além do que já foi discutido, não podemos deixar de lado a existência de uma “indústria da felicidade” que associa o consumo de bens à experiências felizes e produz lucros gigantescos para o capitalismo. A Coca-Cola indica: abra a felicidade! O Magazine Luiza chama: vem ser feliz! E o Baú da Felicidade está há 50 anos associando produtos e dinheiro à felicidade. Através da mídia, somos bombardeados de narrativas e imagens de pessoas alegres, sorridentes e esteticamente consistentes com o padrão cultural vigente e suas histórias de sucesso e  felicidade emparelhadas a roupas, calçados, celulares, cerveja, carros, status social etc. Em contrapartida, a “felicidade” gerada pelo consumo de bens parece não ter duração e profundidade em sua natureza. Ao que é possível perceber, é, na verdade, instantânea,  frágil e fugaz. Pegando emprestado o termo de Bauman sobre a sociedade pós-moderna, é possível compreender que esse tipo de felicidade (se é que podemos denominar assim) é, na verdade, líquida: ela escorre pelas mãos e não tem durabilidade. Citando a psicóloga Lauriane Santos em seu post em uma rede social: sapatos novos calçam pés, roupas novas vestem corpos. Nenhum deles traz felicidade… talvez tragam uma euforia pontual, a qual é dissolvida na próxima coleção primavera-verão.

Ser feliz é uma meta? Certamente, muitas pessoas responderiam que sim. Quando somos questionados sobre o que desejamos da vida é comum a resposta: ser feliz! Ou mesmo, ter dinheiro e ser bem sucedido, muitas vezes concebidos como sinônimos de felicidade.

Metas são objetivos a serem alcançados e são planejadas com tempo pré-definido para ser operada e gerar os resultados. Mas se a felicidade é uma meta, e metas têm prazos de validade, estaria a felicidade condicionada ao eterno cumprimento de metas? Eleger a felicidade como meta talvez não seja efetivo. O filósofo Han é categórico ao afirmar que  “o sentimento de ter alcançado uma meta definitiva jamais se instaura […] não é capaz de chegar à conclusão. A coação do desempenho o força a produzir mais. Assim, jamais alcança um ponto de repouso da gratificação” (2015, p. 85). Nos aniversários, nas festas de réveillon, nas mudanças e conquistas, desejar felicidade ao outro faz parte de uma prática verbal culturalmente estabelecida e mantida.  E aqui cabe mais uma reflexão: a felicidade parece estar sempre em algum lugar que não seja o presente; parece que habita não o agora, mas um futuro que custa chegar (ou nunca chega). Parece que as coisas que mais tememos e desejamos se encontram em um lugar não vivido: o futuro.

Essa é mais uma armadilha da felicidade. É óbvio que podemos (e devemos) planejar e prever situações futuras que nos gerem boas vivências subjetivas. O problema reside no fato de estarmos demasiadamente presos às expectativas de felicidade futura e nos resignarmos do único momento que nos pertence: o agora.

Outra “face” da felicidade é a segurança, que seria consequência de controle, previsibilidade e rigidez. No entanto, há um erro importante já explorado anteriormente: o controle é frágil e a busca desenfreada por segurança pode até nos deixar mais inseguros. A única constante da vida é sua impermanência! E se viver é estar em um constante fluxo de experiências, interações com outrem e com coisas, alternâncias entre perdas e ganhos, dor e gozo… se a vida é, em uma inerência, finita, talvez o que nos paralisa, o que nos entristece não seja essa “sentença”, mas a tentativa contraproducente de eliminá-la e de fugir dela. Mais uma vez reitero que a busca por segurança também tem um valor importante para a sobrevivência, a questão discutida são os excessos do controle de processo naturais da vida, mas que são aprendidos como negativos e acabam se tornando alvos de esquivas, como as tristezas e ansiedades.

E então, o que deixa as pessoas felizes? A famosa pesquisa de Harvard do Departamento de Desenvolvimento Humano,  respondeu ao questionamento sobre o que faz as pessoas felizes e saudáveis.  Por 75 anos, monitoraram 724 homens. Dois grupos: secundaristas de Harvard e garotos de um dos bairros mais pobres de Boston. A abordagem da pesquisa envolveu desde questionários e conversas com familiares, a exames de sangue e tomografia dos  cérebros. Não é a fama, a riqueza, ou trabalhar mais e mais, a mensagem mais clara é: bons relacionamentos nos mantém felizes e saudáveis.  Conexões sociais com a família, comunidade e amigos são importantes e a solidão mata. Não se trata da quantidade de pessoas próximas e não é casual estar em um relacionamento amoroso ou casado produzir, necessariamente, felicidade. O importante é a qualidade dos relacionamentos de proximidade que as pessoas nutrem (MINEO, 2017).

No leito de morte, é provável que seja difícil encontrar alguém que deseja ter passado mais tempo trabalhando, por exemplo. Em síntese, relacionamentos íntimos de qualidade são melhores preditores de felicidade e saúde do que genes, QI, status social e dinheiro (MINEO, 2017). É uma conclusão que vai ao encontros de sabedorias antigas e confronta o culto vigente da felicidade condicionada a consumo de bens.

“O dinheiro não traz felicidade!” Talvez Bill Gates e um morador de rua tenham visões diferentes ante essa afirmativa. A questão que fica é: tendo suas necessidades básicas contempladas,  o dinheiro traz felicidade? No Japão, uma das maiores potências  do mundo, é um país rico, mas infeliz. A “obsessão “ dos japoneses pelo desenvolvimento econômico pode ter sua raiz na necessidade de reerguer o país após destruição da Segunda Guerra Mundial. A questão é que o índice de suicídio e overworking (morte por excesso de trabalho, originalmente conhecido lá como “karoshi”) são assustadores e ascendentes. As pessoas estão morrendo de tanto trabalhar! (GORVETT, 2016)

Paralelamente, o pequeno país Butão concebe a felicidade como responsabilidade do governo, que tem o dever de dispor condições favoráveis a ela para sua população. Lá foi criado a Felicidade Interna Bruta (FIB) como indicador de desenvolvimento da nação, pautada em valores de colaboração, convivência com a comunidade, respeito a natureza, espiritualidade. É um modelo alvo de algumas críticas, no entanto, apresenta parâmetros na direção de sérias pesquisas sobre a felicidade como sendo uma consequência não do consumo de coisas, mas de relações de qualidade.

A Dinamarca, nação com alto padrão de vida e igualdade social, com educação gratuita até a faculdade e saúde universal para toda a vida é um dos países mais felizes do mundo. Para além disso, o que deixa realmente os dinamarqueses felizes, de acordo com o economista Cristian Bjonrskov, é o alto nível de confiança que as pessoas têm entre si e nas instituições (PREVIDELLI, 2014).

Por fim, este texto não tem a pretensão de esgotar as discussões sobre a felicidade nos tempos atuais e outras perspectivas, não abordadas aqui, podem dialogar e até mesmo apresentar posicionamentos contrários ao que foi exposto. O diálogo é bem vindo e deve acontecer. Mas por ora, é isto! E para finalizar, gostaria de levar o leitor a uma última reflexão: imagine a felicidade de algo muito bom te acontecer, como realizar um grande sonho…

Ainda terá sentido se você não tiver alguém importante para compartilhar?

Happiness only real when shared (Into the wild, 2008)

REFERÊNCIAS: 

GORVETT, Z. ‘Morrer de tanto trabalhar’ gera debate e onda de indenizações no Japão. BBC News, 2016. Disponível em:<https://www.bbc.com/portuguese/vert-cap-37463801>. Acesso em 01 dez. 2016.

HAN, B. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.

HAYES. S. C. A Contextual approach to therapeutic change. In N. Jacobson (Ed.) Psychotherapists in clinical practice: Cognitive and Behavioral Perspectives. New York: Guilford, 1987, p. 327-387. Tradução experimental Adriana C. B. Barcelos; Verônica Bender Haydu. Disponível em: <http://www.uel.br/grupo-estudo/analisedocomportamento/pages/arquivos/Hayes_%20Texto%20ACT.pdf>. Acesso em 20 mar. 2017.

MINEO, L. Goog genes are nice, but joy is better. The Harvard Gazette. Health & Medicine. 2017. Disponível em:<https://bsc.harvard.edu/links/good-genes-are-nice-joy-better>

SABAN, M. T. Introdução à Terapia de Aceitação e Compromisso. Belo Horizonte: Artesã. 2015.

SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

SIDMAN, Murray. Coerção e suas Implicações. Campinas: Psy. 1995.

PREVIDELLI, A. O que torna a Dinamarca o país mais feliz do mundo. Abril, 2014. Disponível em:<https://exame.abril.com.br/mundo/o-que-torna-a-dinamarca-o-pais-mais-feliz-do-mundo/>. Acesso 01 dez. 2018.

WEGNER,  .D. M. Ironic processes of mental control. Psychol Rev. 1994 Jan;101(1):34-52. Disponível em:<https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8121959>. Acesso em 02 dez. 2018.

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A Sociedade Individualizada: a dinâmica pós-moderna no trabalho

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O livro “A Sociedade Individualizada: Vidas contadas e histórias vividas” de Zygmunt Bauman começa abordando o significado da palavra “trabalho” em seu primeiro uso e primeiros significados. Assim, de acordo com Oxford English Dictionary, a palavra trabalho se referia a um tipo de trabalho físico para suprir as necessidades de uma comunidade. Porém, séculos depois, já adquire um significado mais complexo de plural de trabalhadores que participam da produção.

Com isso, formaram-se sindicatos e associações que vincularam os dois significados e tornaram isso, uma questão política. O texto traz a ideia do economista Daniel Cohen que fala sobre a desigualdade entre as nações, que é de origem recente e que é um produto dos dois últimos séculos, época em que surgiu a concepção de que o trabalho era a fonte de riqueza e assim, surgiram também as políticas guiadas por essa suposição.

Fonte: http://zip.net/bqtJmr

A nova desigualdade global adquiriu novas noções fornecidas pela nova ciência da economia, a qual substituíra as ideias fisiocráticas e mercantilistas que estava acompanhando a Europa no caminho de sua fase moderna até o limiar da Revolução Industrial. Tais noções foram cunhadas na Escócia, país no qual estava totalmente preparado para ser o epicentro da ordem industrial emergente, mas que estava afastado do impacto cultural e econômico do vizinho. Assim, a Escócia afirma que, o trabalho é talvez, a única fonte de riqueza porque, concordando com o autor, a predisposição de formas de ação no “centro”, são sempre percebidas mais rapidamente e trabalhadas, articuladas, objetivadas e moldadas pelas “periferias” (subúrbio dos centros civilizacionais).

A criação da nova ordem industrial foi a “grande transformação” que se deu a partir da separação dos trabalhadores de seus meios de sustento, como sugeriu Karl Polanyi muitos anos mais tarde ao atualizar a visão de Marx. A partir desse ponto, o trabalho pode ser considerado uma simples mercadoria, pois a produção e a troca passaram a ser deixados do modo de vida mais amplo. Além de que o trabalho passou a ser tratado como tal mercadoria, como a terra e o dinheiro. Essa desconexão deixou a capacidade de trabalhar livre, por conseguinte, ela pode ser colocada, recombinada, de diferentes formas, bem melhores, sendo assim, o exercício mental e físico se tornou um fenômeno de direito próprio.

“Sem que essa desconexão acontecesse, haveria pouca chance de que o trabalho pudesse ser mentalmente separado da totalidade a que ele por natureza pertencia e se condensasse em um objeto autocontido.” (BAUMAN, 2008, p.29). Onde, na visão pré-industrial da riqueza, a terra era a “totalidade”. Porém, já na nova era industrial, que foi proclamado o advento de uma sociedade distinta (Inglaterra), o que dentre fatores, destruiu o campesinato e o vínculo natural entre terra e trabalhador. Como consequência, parecia aos contemporâneos da Revolução Industrial, a emancipação do trabalho.

Fonte: http://zip.net/bbtHg8

Essa emancipação do trabalho, não se estendeu livremente por muito tempo para estabelecer seus próprios caminhos. A forma de vida não tradicional, que já não era mais viável, a qual tinha o trabalho antes de sua emancipação, seria substituído por outra ordem, desta vez, já projetada e construída, produto de uma racionalização e pensamento, já que tinham descoberto que o trabalho levava a riqueza, agora explorara essa fonte de forma eficiente e planejada.

Para um novo começo era necessárias mudanças, de forma com que os antigos hábitos de convívio fossem exorbitados e deixados de lado, dando lugar a um sensacional e visível início de uma mudança que levara a diversas indagações. O real valor para o que havia acontecido estava sendo encarado de forma séria e com entusiasmo sabendo que a mudança só ocorreu mediante a auto avaliação de como seria o futuro em questão a partir da li, naquele momento a capacidade de pensar, sonhar, projetar estava sendo encarado com seriedade, pois a liberdade descoberta era motivo de grande especulação, levando assim a busca daquilo que era novo e por mais que fosse desconhecida teria que ser passada adiante para que fosse introduzida a rotina diária.

Henry Ford faz uma indagação para que possamos refletir a respeito da real forma no qual queremos viver se e com a famosa tradição imposta por muitos que outrora passada de geração a geração leva especulação, mas que de outra forma percebe que o ser humano vive bastante o hoje, porém alguns atos feitos por Ford para ganhar dinheiro fazem com que refletimos sobre a real forma de ser e estar imposta a seus funcionários, porém teve iniciativa e disse o que os outros queriam dizer a tempos.

Linha de montagem de Henry Ford. Fonte: http://zip.net/bntHn2

O tempo da modernidade pesada fez com que houvesse uma necessidade que o trabalho e o capital teriam que andar juntos um dando segmento ao outro claro que isso não viria se não fosse o fato de que os trabalhadores necessitavam sustentar suas famílias e seguir suas vidas e o capital necessitavam deles para crescerem e expandirem-se, ou seja, um depende do outro. “Para que ambos – capital e trabalho – pudessem se manter vivos, cada um precisava ser mantido como mercadoria: os donos do capital tinham de ser capazes de continuar comprando trabalho, e os donos deste precisavam estar alertas, saudáveis, fortes e de certo modo atraentes para não afastar os possíveis compradores” (BAUMAN, 2008, p.33).

Os desempregados começaram a ser vistos como substitutos ou sucessores daqueles que já trabalhavam, ou seja, o trabalho não poderia parar o capital que estava em jogo. Pensar no bem-estar social nessa situação se tornava meio ambíguo, mesmo nessas circunstâncias o bem-estar era de certa forma visto como algo que iria passar. Na Ford, mesmo com a carga horária um pouco exorbitante, ainda havia um pouco de cuidado com os jovens aprendizes que conseguiam emprego fixo na mesma, visando e uma em um pensamento duradouro sobre o futuro não só do jovem empregado como também da empresa.

A medida que se assumia que ficar na companhia do outro iria durar, as regras desse estar juntos eram de foco de intensas negociações. Os sindicatos refundaram a importância dos trabalhadores e resultou em restrições à liberdade de manobra dos empregadores. Essa situação mudou-se e o motivo é a nova mentalidade de curto prazo que substitui a de longo prazo.  Flexibilidade quando aplicado ao mercado de trabalho significa fim de emprego, trabalha com contratos de curto prazo. É também preciso acrescentar, porque o modo como o trabalho é conduzido do pouco, cada vez menos espaço para as suas habilidades. De maneira distinta dos tempos de dependência mútua de longo prazo, dificilmente existe qualquer estímulo para se ter um interesse sério.

Robert Reich sugere que as pessoas hoje empenhadas em atividades econômicas podem ser grosseiramente divididas em quatro grandes categorias.  “Manipuladores de símbolos”, pessoas que inventam ideias e formas de fazê-las desejáveis e vendáveis, formam a primeira categoria. Aqueles empenhados na reprodução do trabalho, educadores ou vários funcionários do Estado de bem-estar social, pertencem à segunda categoria. A terceira cobre pessoas empregadas em “serviços pessoais”. E por fim a quarta, à qual pertencem as pessoas que durante os últimos 150 anos formaram o “substrato social” do movimento trabalhista.

Fonte: http://zip.net/bmtHf2

Peyrefitte distingue a empresa que oferece empregos como o lugar mais importante para semear e cultivar a confiança. Se os empregados lutaram por seus direitos, foi porque eles estavam confiantes no “poder de controle” da estrutura na qual, como eles esperavam e desejavam, seus direitos seriam inscritos; confiavam na empresa. A procrastinação é o ato de adiar uma ação, neste sentido ela tem uma tendência a romper qualquer limite de tempo e a estender-se indefinidamente. A satisfação por sua vez fica relegada ao adiamento como uma provação simples e pura, uma problemática que sinaliza certo desarranjo social e ou inadequação pessoal.

No fundo o trabalho na modernidade leve, condensa as incertezas quanto ao futuro e ao planejamento em longo prazo, a insegurança estabelecida nas relações e a falta de garantias entre as partes. No mundo do desemprego estrutural ninguém se sente suficientemente seguro ou amparado, ou seja, a flexibilidade é o termo que rege os novos tempos. Assim a satisfação instantânea é perseguida, ao contrário do adiamento da mesma, uma oportunidade não aproveitada é uma oportunidade perdida. Não obstante, a satisfação instantânea é a única maneira de sufocar o sentimento de insegurança, recolocada aqui, não a única, mas sim uma das formas para dominar o sentimento de insegurança, haja vista, que existem outros subterfúgios a serem aplicados no campo da psicologia com esse intuito.

FICHA TÉCNICA:

A SOCIEDADE INDIVIDUALIZADA: VIDAS CONTADAS E HISTÓRIAS VIVIDAS

Autor: Zigmunt Bauman
Tradução: José Mauricio Gradel
Editora: Zahar
Páginas: 324
Ano: 2008

REFERÊNCIAS:

BAUMAN, Zigmunt. A sociedade individualizada: Vidas contadas e histórias vividas. 1. ed. Editora Zahar. Rio de Janeiro, 2008.

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Casamento, casamento, negócios à parte

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A autora Maria de Fátima Araújo traz em seu texto Amor, casamento e sexualidade: velhas e novas configurações, um apanhado sobre as modificações ocorridas ao longo do tempo nos arranjos maritais. Ela diz que a união que associa amor, sexualidade e casamento é uma invenção da era burguesa, com surgimento na modernidade. Quando o amor tornou-se fundamento do casamento, ocorreu uma revolução, mudando a ordem das coisas, passando de um casamento meramente formal e por questões econômicas para um casamento como busca de felicidade.

Fonte: http://zip.net/bttDQw
Fonte: http://zip.net/bttDQw

O amor como quesito para a escolha do parceiro é algo novo, pois, de modo geral, não existia nos casamentos, e a sexualidade não estava no campo do prazer, estava apenas no campo da reprodução. Antes, o casamento não representava um relacionamento amoroso, e sim, um negócio de família, sendo da antiguidade à idade média, arranjado pelos pais para os filhos.

A autora cita Lèvi-Straus, o qual diz que as sociedades arcaicas eram marcadas por alianças, sendo o casamento, de certo modo, um sistema de trocas, em que a divisão sexual do trabalho se justifica pela necessidade de bens essenciais para a sobrevivência que se encontravam escassos, sendo a união uma forma de mesclar todos os bens dos grupos para torná-los mais fortes.

Atualmente, há uma imposição para que pessoas se unam em prol do amor e até mesmo do erotismo, considerando a relação sexual como ato de prazer. Isso transforma o casamento em uma expectativa de felicidade e sucesso pessoal. Caso não aconteça, é possível que haja o divórcio, não para reparar erros, mas como aceitação de um sentimento que não durará para sempre e que deve dar lugar ao próximo (Ariès apud Araújo, 2002).

Fonte: http://zip.net/bftC38
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Todas as mudanças ocorridas ao longo da história matrimonial trazem transformações radicais na vida e intimidade dos indivíduos, bem representadas pela revolução sexual e a emancipação feminina. Segundo Anthony Giddens (apud Araújo, 2002) as novas formas de relacionamento que resultaram dessas mudanças têm como base a igualdade e os princípios democráticos, em que a consensualidade se faz evidente.

Por fim, percebe-se atualmente uma pluralidade nos relacionamentos amorosos, tanto hétero quanto homossexuais. Há também grande pluralidade nos objetivos de se unir a outra pessoa, podendo ser por questões econômicas ou por segurança, mas principalmente pelo amor. O casamento como negócio não é mais regra, dando lugar ao sentimento e a escolha pessoal de cada um.

Fonte: http://zip.net/bttDQy
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REFERÊNCIAS: 

ARAÚJO, Maria de Fátima. Amor, casamento e sexualidade: velhas e novas configurações. Psicol. cienc. prof. [online]. 2002, vol.22, n.2, pp.70-77. ISSN 1414-9893. Disponível em:  <http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932002000200009>.

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