“Além da Sala de Aula” – afetividade no processo de ensino-aprendizagem

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O filme “Além da sala de aula”, chocante e impactante, foi inspirado em uma história real, na vida de Stacey Bess, famosa palestrante americana sobre educação. Mais do que uma obra cinematográfica, o filme evidencia a realidade de muitos professores pelo Brasil.

Na história, em essência, uma professora recém-formada vai em busca do seu primeiro emprego e ao contrário do que imaginava é contratada para uma escola pouco convencional, ou seja, tratava-se de um projeto social para os sem-teto. O projeto ficava em uma região de vulnerabilidade social (local de passagem para pessoas sem teto, como um albergue a céu aberto), as pessoas moravam em contêineres adaptados para quartos e ao lado da sala de aula passava a linha férrea que fazia tremer tudo durante a passagem de trens. A “escola” era carente em tudo: não tinha livros, equipamentos para aprendizagem, limpeza; as cadeiras e mesas estavam em condições precárias; assim como a estrutura física do local que tremia quando passava um trem ao lado da escola; e os alunos conviviam com ratos.

A protagonista (professora) inicialmente pensa em desistir já que não era o cenário que esperava e que fora preparada para atuar, todavia, ela reúne forças para encarar o desafio e paulatinamente, com seu esforço, vai conquistando a simpatia dos estudantes, dos pais e até da supervisão da educação local (pois a escola não possui diretor) que, ignorava a dificuldade dos professores e parecia pouco se importar com a situação dos estudantes.

Na tentativa de deixar a escola mais agradável, a professora trabalha na reestruturação da escola e com os próprios recursos compra equipamentos, faz limpeza no local e pinta. Além disso promove momentos de integração com a comunidade envolvendo pessoas do próprio abrigo que se põe a ajudar. Para suprir, pelo menos de maneira paliativa, a fome de alguns alunos, ela chega a levar comida para a classe. Chega, inclusive, a levar para sua casa uma das alunas que tivera o pai expulso do abrigo por ter sido pego com bebida alcoólica.

Enfim, é possível dizer que a presença de Stacey Bess (professora) realmente promove a mudança do lugar, impactando da transformação de estruturas e comportamentos.

Fonte: encurtador.com.br/bCV28

Um paralelo teórico

Ao assistir ao filme o que parece mais evidente é a questão da afetividade e sua importância/impacto no processo de aprendizagem; e nessa perspectiva a escolha foi pelo teórico (e suas discussões) Henri Wallon.

Os grandes estudiosos, Jean Piaget e Lev Vygotsky já atribuíam importância à afetividade no processo evolutivo, mas foi o educador francês Henri Wallon que se aprofundou na questão.

 Diferente de como se trata no senso comum, a afetividade não é simplesmente o mesmo que amor, carinho, ou concordar com tudo, ou seja, sentimento apenas positivo. De acordo com Wallon (apud DANTAS, 1992), o termo afetividade se refere à capacidade do ser humano de ser afetado positiva ou negativamente tanto por sensações internas como externas. A afetividade é, assim, um dos conjuntos funcionais da pessoa e atua, juntamente com a cognição e o ato motor, no processo de desenvolvimento e construção do conhecimento.

A dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da construção da pessoa quanto do conhecimento, destaca Wallon (apud DANTAS, 1992). A emoção, uma das dimensões da afetividade, é instrumento de sobrevivência inerente ao homem, é “fundamentalmente social” e “constitui também uma conduta com profundas raízes na vida orgânica” (DANTAS, 1992, p. 85).

Segundo Wallon, o desenvolvimento humano acontece em cinco estágios, nos quais são expressas as características de cada espécie e revelam todos os elementos que constituem a pessoa. O estágio 1 é o impulsivo-emocional (de 0 a 1 ano), onde o sujeito revela sua afetividade por meio de movimentos, do toque, numa comunicação não-verbal; e estágio 2 é o sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos), em que a criança já fala e anda, tendo o seu interesse voltado para os objetos, para o exterior, para a exploração do meio; o estágio 3 é o personalismo (3 a 6 anos),  fase da diferenciação, da formação do “eu”, da descoberta de ser diferente do “outro”; estágio 4, categorial (6 a 10 anos), em que a organização do mundo em categorias leva a um melhor entendimento das diferenças entre o “eu” e o “outro”; e estágio 5, a – puberdade, adolescência (11 anos em diante), em que acontece uma nova crise de oposição, ou seja, o conflito eu-outro retorna, desta vez como busca de uma identidade autônoma, o que possibilita maior clareza de limites, de autonomia e de dependência (MAHONEY & ALMEIDA, 2005, p. 22). Segundo ainda as autoras (2005), em todos os estágios do desenvolvimento humano, segundo a teoria de Wallon, a afetividade está presente em maior ou menor grau, haja vista a interação indispensável a esse processo, para a formação desse indivíduo como ser social, cultural e inserido, de fato, no meio em que vive.

De acordo com Henri Wallon, o primeiro ano de vida expressa a afetividade com maior intensidade. Por ela, o bebê se expressa e interage com as pessoas que, por sua vez, respondem a tais manifestações. Porém, a afetividade está presente em todas as fases da vida e podem ser exteriorizadas de três formas: (a) emoção, sendo a primeira expressão da afetividade e, normalmente, não controlada pela razão; (b) sentimento, que é a forma de expressão que já tem ligação com o cognitivo, ou seja, o indivíduo consegue sofre aquilo que o afeta; e (c) paixão, que a principal característica é o autocontrole (MAHONEY & ALMEIDA, 2005). Ainda de acordo com elas 92005), a emoção é a mais visível das expressões e pode ser manifestada, inclusive, por meio da fala. Com ela, o indivíduo consegue externalizar o que sente, desde seu nascimento. Trata-se da primeira manifestação de necessidade afetiva da criança, demonstrada quando chora ou quando ri.

Sendo a afetividade a dimensão que ganha mais destaque nas obras de Wallon é, também, aquela que mais se relaciona com a educação. Através dela, o educador consegue visualizar quando seu aluno está entusiasmado com determinada dinâmica e, ao mesmo tempo, se outro está apático ou cansado, podendo usar isso a seu favor.

Assim, é possível dizer que ao chegar à Escola, a criança já traz um arsenal de vivências e experiências (positivas e negativas), que não podem ser negligenciadas. E não se pode simplesmente dizer que “não sou responsável pelo que aconteceu antes de mim”, porque o “antes” tem influência no “depois” e o professor terá tudo a ver com isso (DANTAS, 1992).

Nesse contexto também, o professor não é apenas o responsável por “ensinar” conteúdos, mas o responsável por ajudar o aluno a aprender e isso muda todo o processo, pois se não há aprendizagem, o fracasso é do aluno e do professor. E esse fracasso nem sempre estará relacionado à incompetência do professor, ausência ou deficiência de metodologias e recursos, ou à falta de atenção, indisciplina, “problemas” do aluno. Há um aspecto pouco percebido ou levado em conta por todos, e que pode ser o elemento que está faltando nesse processo e que é determinante para que ocorra a aprendizagem que se quer, e se consiga o sucesso que se busca: a afetividade (DANTAS, 1992).

Pensando nesses apontamentos teóricos e na obra cinematográfica, fazendo um paralelo teórico, é possível destacar a produção de sentimentos e emoções que as diversas situações vivenciadas em sala de aula podem gerar, em todos os atores/sujeitos do processo educacional. E é indiscutível e incontestável, subsidiados por Wallon, o reconhecimento do quanto essas emoções e sentimentos repercutem nos processos de ensino e de aprendizagem. O filme retrata claramente esse cenário.

Ter clareza disso permite ao docente a possibilidade de reflexão sobre o seu fazer, sobre a sua prática pedagógica, bem como identificar e criar estratégias de ação diante de emoções negativas que também possam modificar o ambiente escolar.

Fonte: encurtador.com.br/bCV28

FICHA TÉCNICA DO FILME

 

Título orginal: Beyond the Blackboard
Gênero: Drama
País: EUA
Ano: 2011

Referências:

DANTAS, Heloysa. A afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon. São Paulo: Summus, 1992. Disponível em: < https://repositorio.usp.br/item/000842049>. Acesso em: 11 de maio de 2020.

MAHONEY, Abigail Alvarenga & ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições de Henri Wallon. Revista da Psicologia da Educação, nº 20 – 2005. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752005000100002>. Acesso em: 11 de maio de 2020.

TASSONI, Elvira Cristina Martins; LEITE, Sérgio Antônio da Silva. Afetividade no processo de ensino-aprendizagem: as contribuições da teoria walloniana. Educação, vol. 36, núm. 2, mayo-agosto, 2013, pp. 262-271. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Brasil.

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Kakegurui: Vale tudo pela Vitória?

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O estilo de desenho dos olhos e da boca muda para algo mais detalhado/realista e dá uma identidade visual muito interessante.

Kakegurui é uma série de anime produzida pela MAPPA e exibida no Brasil e em outros países pela Netflix. O significado do nome Kakegurui remete a apostador (a) compulsivo (a); a série retrata justamente essa temática, onde jovens estudantes vivem em um ambiente hostil, onde a maior regra é vencer.

O anime é ambientado no colégio Hyakkaou, uma instituição exclusiva para alunos privilegiados filhos de famílias ricas e influentes. Nesse colégio o desempenho dos estudantes não é medido apenas pelas notas, e sim na capacidade de apostar e ter habilidades de vencer a qualquer custo. O que importa é ganhar e não como ganhar. Os alunos disputam jogos de azar, após as atividades curriculares, usam de estratégias como blefes, mentiras e até trapaças. Eles aguardam de forma ansiosa o momento de se provarem vencedores, quanto mais se vence, mais se consegue subir na cadeia hierárquica da escola. Contudo, os que perdem tem um destino terrível, eles perdem o direito de serem chamados de humanos, são considerados bichos de estimação. A loucura é sustentada e controlada pelos próprios alunos, e os líderes que integram o grêmio estudantil determinam quem está indo bem no sistema ou não. Eles são considerados os melhores jogadores da série, os mais ricos e perversos apostadores compulsivos.

Tudo muda nessa escola quando uma nova aluna chega, Yumeko Jabami, apostadora compulsiva que chama atenção por querer apostar não por status, glória ou dinheiro. Ela gosta de desafiar os colegas e quanto mais ganha, mais se sente motivada a procurar um novo adversário ainda mais habilidoso. A protagonista então vai desafiando um a um dos mais experientes e vencedores na escola. Yumeko não é apenas uma viciada em apostas, ela é obsessiva ao extremo, compulsiva do tipo sádico, corre muitos riscos, que até levam-na ao prazer sexual. Embora ela seja a principal personagem, muitos outros demonstram chegar à loucura ao procurar a satisfação nos jogos.

Fonte: encurtador.com.br/uKX05

A adrenalina, a diversão e a possibilidade de ganhar dinheiro são sempre aspectos a considerar quando o assunto diz respeito aos jogos de azar, no anime os personagens são motivados a vencerem nos jogos da mesma forma que esperam vencer na vida. Um jogador compulsivo não mede esforços para obter a vitória, mesmo que isso lhe custe tudo, inclusive a vida. Apesar de a história relatada parecer um absurdo, isso não fica muito fora da realidade que vivemos hoje. Muitas pessoas jogam para aliviar um estresse, uma tensão e até para melhorar uma situação financeira. O problema disso tudo está no fato da pessoa se sacrificar para alcançar sucesso nos jogos.

Talvez o ponto mais representativo da loucura dos personagens, são expressões faciais. O estilo de desenho dos olhos e da boca muda para algo mais detalhado/realista e dá uma identidade visual muito interessante. Você sente a insanidade transbordando, e é tão absurdo, tão exagerado que dá vontade de rir, e isso é intenso. Você não espera algo próximo do real. Você se torna um espectador daquele coliseu de apostas onde pessoas literalmente podem acabar com suas vidas em uma única rodada. É óbvio que existirá muita trapaça e estratégia, deduções mirabolantes, embora críveis, e situações extremas que somente um anime ou mangá consegue nos proporcionar.

As palavras ‘compulsivo’, ‘patológico’ e ‘dependente’ têm sido utilizadas para descrever jogadores que apresentam problemas pessoais, familiares ou sociais devido ao jogo (OLIVEIRA, 1997). Segundo Dickerson (1977) não há nível fixo de jogo que possa ser considerado problema; algumas pessoas procuram ajuda quando perdem alguns trocados por semana, e outros o fazem somente quando enfrentam divórcio ou falência.

Assim, assistir esse anime é algo diferente do que estamos habituados em animações japonesas comuns. Os personagens são explorados de tal forma, que passamos acreditar que toda essa loucura pode não parecer tão sem sentido assim. Pois somos uma plateia que gosta do pão e circo, queremos muitas vezes ver o circo pegar fogo, testemunhar até onde as pessoas irão para alcançar seus objetivos. Do contrário grandes franquias como Jogos Vorazes, Corrida Mortal e até os famosos jogos de Battle Royale não fariam tanto sucesso. Contudo estamos mesmo preparados para lidar com isso na realidade que vivemos? Uma coisa eu penso, que as pessoas estão cada dia mais fazendo de tudo para obter a vitória e nós como futuros profissionais de Psicologia, temos que estar preparados para lidar com as consequências desta “vitória” humana.

Fonte: encurtador.com.br/ainu2

Ficha Técnica

Título – Kakegurui

Ano produção  – 2017

Dirigido por Yuichiro Hayashi (II)

Estreia – 1 de Julho de 2017 ( Mundial )

Duração – 288 minutos

Gênero – Drama, Mistério, Suspense

País de Origem – Japão

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, M. P. M. T. Jogo Patológico: um estudo sobre jogadores de bingo, videopôquer e jockey club. 1997. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.

DICKERSON, M. Compulsive gamblig as an addiction: dilemas. Scot Med. J. 22: 251- 252, 1997.

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