As eleições e o inconsciente coletivo

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Em pleno 2022, ano de Copa… digo! Nos últimos anos temos visto a história de grandes eventos serem criados, vivenciamos grandes feitos em prol da humanidade, mas também observamos situações críticas e alarmantes, dentre elas a pandemia do Covid-19 é a que mais se destaca.

Neste ano as coisas não são diferentes, grandes eventos se iniciaram, outros estão acontecendo e alguns ainda estão por vir (Dá-lhe Hexa!). O último grande evento que se iniciou e ainda está em curso é a política nacional e estadual no Brasil.

Fonte: l1nq.com/TpJ6g

A escolha do Presidente, Senadores, Deputados Federais, Governadores e Deputados Estaduais ocorreram no último dia 02 de outubro de 2022. Para o cargo principal, a apuração de votos se mostrou bem diversificada.

Sem externar opinião política ou qualquer viés que possa influenciar o espectador, os dados oficiais demonstram que, para presidente, os candidatos mais votados receberam, respectivamente, 57.259.504 (cinquenta e sete milhões duzentos e cinquenta e nove mil e quinhentos e quatro) votos para o 1º lugar e, 51.072.345 (cinquenta e um milhões e setenta e dois mil e trezentos e quarenta e sete) votos para o 2º lugar.

Um fato que chama bastante atenção é a quantidade de Abstenções, no total, cerca de 32.770.982 (trinta e dois milhões setecentos e setenta mil e novecentos e oitenta e duas) pessoas se abstiveram de votar, um número extremamente significativo que, caso tivessem votado, com certeza definiriam as eleições ainda em primeiro turno.

Mas então, por que não votaram? Além disso, por que certas pessoas votaram no político A ou no B? E a pergunta mais importante, o que o Inconsciente Coletivo nos diz sobre isso?

Óbvio que de forma inconsciente você já deu sua opinião sobre cada uma das perguntas, certo? Bom, vamos lá!

O estudo sobre o inconsciente coletivo é muito extenso, porém, a fim de reduzi-lo em uma pequena explicação, podemos resumi-lo como sendo uma parte da psique que não pertence exclusivamente a um único indivíduo e suas experiências pessoais, mas de todos aqueles que ali residem.

Fonte: Google Imagens

Jung fala que o inconsciente coletivo é devido a hereditariedade, de modo que é algo que sempre esteve presente e não foi vivenciado exclusivamente por uma pessoa. Para simplificar trago o exemplo do Arquétipo da mãe. Independente da cultura, viés político, quando se fala da figura materna, todos pensam unanimemente na proteção e cuidado que todas as mães possuem, mesmo que suas histórias sejam totalmente incompatíveis e de classes sociais incomunicáveis.

Dito isto, temos que o inconsciente coletivo é algo que se faz presente, de forma inconsciente, na vida de grande parcela da sociedade, seja através de suas crenças e valores ou por uma questão episódica que ocorreu na sua região geográfica.

Outra informação relevante sobre o inconsciente coletivo é que Jung, em suas pesquisas, o dividiu em doze principais arquétipos que são comumente presentes na sociedade.

Respondida a última pergunta, agora fica mais fácil compreender e responder as duas primeiras.

A política, principalmente nos períodos de eleição, pode ser comparada a uma grande entrevista de emprego em que o empregador é o público votante que definirá quem irá representa-lo por um período (talvez) de quatro anos de mandato. 

Fonte: l1nq.com/OKgEl

Ocorre que para sejam eleitos, os políticos (vamos definir nesse texto que políticos são somente as pessoas que levam esse ofício como uma “profissão”, ok?) acabam por terem que utilizar-se de diversos recursos para atrair a maior quantidade de votos possíveis para garantir a ocupação de sua cadeira no cargo que almeja.

Uma das artimanhas que já é muito conhecida pelos políticos profissionais é a exploração dos arquétipos. Ora, não é incomum observamos propagandas em que colocam o candidato X que pretende ocupar o cargo Y alegando que ele é a única opção viável para salvar o país.

O arquétipo do herói é um dos mais utilizados nesse meio, principalmente no atual cenário de eleições presidenciais em que os candidatos se apresentam como antagonistas de ideais e caráter, com pautas extremamente definidas. Ambos buscam descreditar os argumentos do adversário para enaltecer a própria candidatura.

Arquétipos como o governante, o prestativo, o homem comum, até mesmo o inocente é usado neste cenário para atrair o maior público possível que se identifique com o candidato de sua preferência. É claro que existem outros fatores que induzem um indivíduo a escolher entre o político A ou B, mas vamos desconsidera-los neste texto.

Mas e a abstenção, como podemos explica-la? Bom, usando o raciocínio acima indicado é possível observar que, na maioria das vezes, aqueles que exercem o poder de escolha da presidência do país o fazem por se identificar com aspectos particulares de cada candidato. Viés político, pauta ideológica, projetos de governança, até mesmo histórico de erros e acertos. Podemos inferir que a auto identificação com o candidato ou a expectativa deste ser aquilo que almeja para solucionar os problemas pessoais é o que contribui para dar o voto.

Na contrapartida, a abstenção é exatamente a falta desta identidade similar, seja por decepção ou mesmo por questões ideológicas ou, simplesmente, por não estarem se comunicando de forma adequada com este público através dos arquétipos.

Uma coisa é certa, na política e em qualquer aspecto social, não é possível agradar a todos, mas é necessário que a maioria democrática opte por aquele que irá ditar o futuro do país.

REFERÊNCIAS

JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo.Tradução: Maria Luíza Appy, Dora Mariana R. Ferreira da Silva]. – Perrópolis, RJ. ed. Vozes, 2000.

DESCONHECIDO. ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE. Portal G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/apuracao/presidente.ghtml> acesso em 10 out 2022.

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Por que há mulheres que votam em Bolsonaro?

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Um dos grandes feitos de Freud foi entender que aquilo que se manifesta na singularidade de cada sujeito, também pode ser lido no campo da cultura. É nesse sentido que o inconsciente para a psicanálise, não é algo que está nas profundezas da nossa intimidade, o inconsciente está na superfície, pairando sobre nós.

Assim sendo, para compreender nosso caldo social às vésperas da eleição, decidi procurar entender como os possíveis eleitores do Bolsonaro pensam e como justificam o próprio voto. Que propostas ou características do candidato os seduziram? O que esperam do mesmo, caso eleito? Essas foram minhas perguntas básicas e, para respondê-las, me dispus a conversar com alguns de seus potenciais eleitores e os “stalkeei” no Facebook tentando apreender suas ideias. Na verdade, eleitoras; escolhi apenas mulheres.

Fonte: https://bit.ly/2xYXaT4

Desse modo, analisados por minha lupa, as possíveis eleitoras de Bolsonaro que “escutei” são movidas, principalmente, por duas vertentes do discurso do candidato: aquela relacionada à segurança pública: facilitação do porte de arma, redução da maioridade penal e maior rigidez com criminosos. E a que possui apelo moral: dizer não a “ideologia de gênero” (elas realmente acreditam no tal “kit gay”), ou a quaisquer outros modos de exposição da sociedade a temas relacionados à sexualidade.

Ora, podemos extrair desses temas, nada mais do que as duas questões que mais tememos, exatamente pela dificuldade de simbolizá-las, de explicá-las: a morte e o sexo. Morte e sexo são nossos maiores medos, diante deles somos todos desamparados; a psicanálise assim nos ensina. Desse modo, a motivação que leva essas eleitoras em direção à Bolsonaro é, basicamente, medo. Elas se sentem inseguras, desorientadas, fragilizadas e buscam alguém que vá socorrê-las.  E, psicologicamente falando, numa sociedade patriarcal como a nossa, qual é primeiro recurso usado para lidar com o medo e a insegurança? O pai.

Fonte: https://abr.ai/2QgWuQw

Freud dizia que a nostalgia do pai é como uma espécie de cicatriz resultante da fundação da cultura. Em algum momento mítico, foi necessário “matar o pai” para fundar uma sociedade de irmãos.  No entanto, a cicatriz que ficou deste assassinato, sempre nos faz, inconscientemente, mergulhar na nostalgia de um pai que cuide de nós e nos proteja. E em última instância, que nos proteja do sexo e da morte. E vale destacar que, quanto mais adoecida e fragilizada uma sociedade está, mais esta busca por um pai se torna iminente. Diante do desamparo: o pai – nosso recurso mais simples e mais infantil.

Mas, obviamente, que no caso da sociedade brasileira atual, este pai poderia ser evocado de muitos modos. Lula, não por acaso, chamado de “pai dos pobres”, também encarna ou encarnou este pai, tal como Bolsonaro hoje o encarna, para uma determinada parte da população. No entanto, existe uma diferença abissal entre o pai que Lula encarna e o pai que Bolsonaro encarna, vejamos:

Fonte: https://bit.ly/2NQwjTJ

Lula é um pai castrado (tem um dedo amputado, nordestino, de origem humilde), desconstruído, emotivo, um pai que faz a política do diálogo e da negociação. Lula apesar de ser um pai popular, é de longe um pai totalitário ou autoritário, ao contrário. Maquiavel dizia que um líder precisa ser amado ou temido. E se não conseguir ser amado, que seja temido. Lula soube ser amado e isso faz dele, obviamente, um pai mais saudável. Lula é um pai menos macho, mais feminino. Lula é devir-mulher, para usar o termo Deleuzeano.

Bolsonaro, por sua vez, é um pai macho, autoritário, tradicional, que fala o que quer sem medo de ser odiado. Tem fetiche por armas e abomina qualquer atitude ou comportamento feminino. Não por acaso considera a mulher “uma fraquejada” e os homossexuais um erro ser corrigido. Ao contrário de Lula, Bolsonaro precisa exercer sua autoridade pelo medo, para isso, é capaz de ser agressivo com as mulheres e com seus filhos. Reprimir a sexualidade deles, obviamente, também é uma estratégia de poder. Para exercer poder sem amor é preciso incitar medo e controlar o corpo.

Fonte: https://bit.ly/2P2QCKw

Faz algum tempo que nós perdemos o pai que amamos… Perdemos, num primeiro momento, com o fim do seu mandato, e perdemos, num segundo momento, com sua desconstrução simbólica até a prisão, que não conseguiu ser resgatada para disputar as eleições. Além disso, o fracasso político do segundo governo Dilma – contestado logo no dia seguinte do resultado das urnas – seguido do golpe parlamentar, jogou o Brasil num descrédito total em suas instituições, e a uma insegurança política que a sociedade sentiu, obviamente. “Bagunça”, “caos”, “libertinagem”, “confusão”, foram os substantivos mais usados pelas mulheres que justificaram comigo, o voto em Bolsonaro.

E foi assim que nossa política, sustentada nessa versão infantil da necessidade de um pai, e mergulhada no caos político, migrou de um pai amado, para um pai temido, de um pai castrado para um pai castrador. E no consultório de psicanálise, testemunhamos isso a todo tempo com nossos pacientes e suas queixas infantis: melhor um pai a quem eu preciso temer, do que pai nenhum.

Fonte: https://bit.ly/2NTujKH

Todavia, é obvio que sair da infância e da neurose coletiva é aprender a prescindir do pai para seguir adiante. Talvez Bolsonaro seja o último suspiro, a última tentativa de resgatar o pai forte e castrador da sociedade patriarcal. Na iminência da decadência do patriarcado, Bolsonaro é um último espasmo desesperado para resgatar o homem/chefe/ castrador, que mesmo que à custa da saúde mental e da integridade física de mulheres e filhos, promete botar “a casa em ordem”.  Bolsonaro é quase uma caricatura de homem, parece ter chegado do passado em uma máquina do tempo.

Pensando assim, não é por acaso que a força das mulheres tem sido e será fundamental no enfrentamento a Bolsonaro, sobretudo, a todo retrocesso que ele representa.  São as mulheres e os gays com sua castração à mostra que Bolsonaro teme, e com razão. Nós mostramos aquilo que ele não suporta deixar aparecer, daí sua postura sempre arrogante e agressiva, ou usando a autoridade de Deus como se o tivesse a tiracolo. É por isso que, mesmo rasgado e cortado no real do seu corpo, ainda no hospital, ele mostra os dedos em riste, a dizer que a castração não se deu, que ele continua fálico, poderoso e forte.

Fonte: https://bit.ly/2Iq9ctb

Talvez o feminismo nunca tenha sido tão urgente por aqui. Não o feminismo de regras e protocolos de comportamento, mas o feminismo de verdade, que é aquele que diz: “somos todos castrados” – homens e mulheres – portanto, ninguém será adorado ou respeitado simplesmente por erigir um falo, ainda que ele venha travestido de prepotência, promessa de leis mais rígidas ou porte de arma. Afinal, ninguém mais do que as mulheres e os gays sabem o que homems como Bolsonaro podem fazer tendo o poder nas mãos. Não pode haver medo suficiente que nos leve a sustentar um sujeito desses liderando nosso país. E quem sabe nosso voto, dessa vez, amadureça e avance para a escolha de alguém que nos represente, e não de alguém que cuide de nós?

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