Entrevista com Sonielson Sousa: desafios e conquistas na docência
13 de junho de 2022 Sandra Aparecida Lopes Ramalho
Entrevista
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A vida acadêmica faz (ou já fez) parte do cotidiano de todos os profissionais com ensino superior e técnico; o início de tudo é nas salas de aula, com a apresentação de conteúdos teóricos e práticos até a execução em estágio para que o sucesso na práxis de uma atividade seja o mais adequado possível.
Algumas pessoas passam pela academia e não voltam a ter contato com a graduação, outros fazem especializações constantemente e, ainda, tem aqueles que se apaixonam pelo saber de forma avassaladora e buscam o caminho da docência, uma forma de se manter perto das poltronas estudantis e de estar contribuindo para o futuro de uma profissão, a partir da formação de novos profissionais.
A vida de um docente não é fácil, os estudos e aperfeiçoamentos nunca acabam, novos desafios surgem a cada semestre, as vezes o mesmo tipo de desafio é reprisado em personagens diferentes e requer uma nova abordagem. O professor tem um papel grandioso que transcende o repasse de conhecimento, estende-se ao incentivo e inspiração para as novas mentes e futuros profissionais.
Pensando nisto, o (En)Cena tem o prazer de entrevistar o professor e psicólogo Sonielson Luciano de Sousa, para narrar suas experiências, visão profissional e pessoal da carreira escolhida e o impacto que toda sua vivência profissional teve (e ainda tem) na sua visão como eterno aprendiz.
Apesar de dispensar apresentações, aqui vai um breve (se é que é possível) resumo do enorme currículo do brilhante mestre Sonielson. Além de ser Professor em diversas disciplinas no CEULP/ULBRA (ultimamente estas disciplinas estão focadas no curso de Psicologia), é coordenador de Editorial do portal (En)Cena; coordenador do núcleo de Meditação Daissen, de Palmas; sócio fundador e editor do portal de notícias O Girassol; É bacharel em Psicologia e Comunicação Social, ambas pelo Ceulp/Ulbra; Mestre em Comunicação e Sociedade (UFT); Licenciado pela Universidade Católica de Brasília em Filosofia; tem formação livre em Terapia Focada na Compaixão (na interface com a Psicologia Evolucionista e Psicologia Junguiana); formado em Práticas Integrativas e Complementares (com enfoque em Tai Chi Chuan e Mindfulness) – pela SBTCC e Brasil Mindfulness (respectivamente); Pós-graduado em Educação, Comunicação e Novas Tecnologias, com ênfase em Docência Universitária pela UNITINS; pós-graduado em Psicologia Analítica pela Unyleya-DF. Também é autor dos livros “Budismo e Cristianismo: aproximações possíveis” (Amazon), “Mídia e Corpo Masculino” (Editora Fi); e colaborador com um capítulo no livro “Saúde Mental – compilado de práticas integrativas e complementares” (pela UFT).
(En)Cena – Como ocorreu a transformação de aluno para professor?
Sonielson – Eu tenho a impressão que nunca vou abandonar o lugar de aluno. Isso se levarmos em conta que o docente é aquela pessoa que deve se atualizar sempre, seja a partir do caminho formal, ao ocupar o lugar de aluno na pós-graduação e nas formações livres, seja por acompanhar de forma ativa a evolução e atualização das epistemologias. Sinto-me confortável neste lugar de eterno aprendiz.
A vida acadêmica sempre te encantou ou foi uma junção de fatores que te levaram a trilhar os caminhos da docência?
Tenho uma família enorme e, boa parte dos primos e tios optou pela docência. Isso sempre me fascinou. No entanto, minha primeira formação foi um bacharelado em Comunicação. Passei muitos anos dedicado à produção de textos para jornal impresso. Basicamente um trabalho de redação (e de investigação e checagem de fatos). Com 20 e poucos anos fui convidado a lecionar no curso de Jornalismo da UFT, como professor substituto. Passei uns três anos lá. A experiência foi incrível. Depois, por volta dos 27 anos, fui fazer graduação em Filosofia (licenciatura) e aumentou a sensação de que a sala de aula me potencializava. Não parei mais. Já se vão uns 11 anos de sala de aula, ao todo.
Os desafios como professor são renovados a cada semestre com a chegada de novas mentes nas universidades ou com o início de novas matérias complexas. Existe algo que tenha lhe marcado como extremamente desafiador e que ocorra constantemente em suas aulas ou estes desafios são pontuais?
Não considero, até o momento, nenhum episódio ou marcador que tenha me desafiado ao ponto de repensar a minha estadia na profissão. No entanto, por ter um tipo psicológico Introvertido-Racional, no começo foi extremamente desafiador ter que administrar as inseguranças internas diante de um público vasto, heterogêneo e crítico (no sentido de, felizmente, não comprar qualquer ideia). Uma vez ultrapassada esta barreira, os encontros (em sala de aula) são muito autênticos e afetuosos. Também percebo que é preciso ter um cuidado a mais, como docente/mediador de conhecimento, porque como já dizia o Lacan, entre o que eu digo (minha intenção) e o que o outro escuta (interpretação) há um enorme abismo. Então, numa sala de aula lotada há sempre a possibilidade de interpretações enviesadas que podem gerar enormes mal-entendidos. De qualquer forma, até o momento nunca ocorreu nada que fosse mais grave. Em todos os casos, opto pelo diálogo e pelo desenvolvimento da capacidade de sustentar os conflitos (para que novos insights possam ser gerados).
Como professor, o que você considera como vitória profissional?
Poder colaborar com a sociedade, oferecendo o meu melhor para que isso seja reverberado socialmente a partir da atuação profissional dos acadêmicos que convivem ou conviveram comigo no ambiente formativo.
Seu currículo demonstra uma vida espetacularmente ativa de aprendizados e aperfeiçoamentos, a fome pelo saber é movida por uma paixão interna ou fruto da necessidade de estar sempre conectado com as novidades do mercado profissional e dos campos científicos?
Creio que os dois (risos)… Claro, busco averiguar, sempre que possível, quais necessidades quero atender a partir das minhas escolhas profissionais e pessoais. Busco perguntar a mim mesmo qual o lugar da minha sombra nestas escolhas, para evitar ser apoderado por um desejo de poder (e isso é muito tentador na academia). No meu caso em particular, tento conciliar minhas aspirações pessoais com as acadêmicas, sendo que tudo isso deve ser balizado por um sentido de vida. A pergunta que faço, com muita frequência, é: a minha vida cotidiana (pessoal e profissional) está de acordo com meus princípios? Esta vida colabora com o desenvolvimento do ser humano e da sociedade? É algo de que eu possa me orgulhar de ter dedicado tempo e energia, quando puder olhar para trás (lá na velhice) para avaliar a minha trajetória?… E, confrontado com estas questões, tenho como resposta de que não me vejo fazendo outra coisa. Disto estou muito seguro e feliz! A dedicação à docência, à clínica (como psicólogo) e à comunicação (esta área que está embrenhada em todas as relações humanas) me faz sentir-se vivo e ativo, colaborando efetivamente não apenas para o meu crescimento pessoal e espiritual (sim, vejo as profissões como sagradas) mas, sobretudo, para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa.
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O Empoderamento (invisível) feminino: a rotina de uma mãe solteira empreendedora
22 de fevereiro de 2022 Josélia Martins Araújo da Silva Santos
Entrevista
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Uma mulher que tem o árduo dever de criar e educar seus filhos sozinha, muitas vezes, não tem o devido reconhecimento de suas habilidades. Quando esta se arrisca, enfrenta as dificuldades e adversidades no campo empreendedor, seus feitos passam desapercebidos, mesmo que tenham impacto extremamente significativo na sociedade diante de suas contribuições.
Pensando nisto, o Portal (En)Cena entrevista Luciene Vieira Mota, mãe, recém formada em Pedagogia, e empreendedora, para que esta conte um pouco de sua experiência profissional e das dificuldades e sucessos adquiridos durante sua jornada como mulher.
(En)Cena – A Covid-19 alterou o modo de vida de quase toda humanidade. Medidas de restrição, uso de máscaras, dentre outras ordens para conter sua propagação e evitar, com isto, maiores prejuízos para a sociedade em geral. Quando iniciou a quarentena, qual era sua realidade familiar e profissional?
Luciene Mota: Então, sem dúvida que a Covid-19 modificou a vida e a rotina de todos (as) nós. Porém, a minha realidade diante da quarentena era: um contrato de auxiliar de sala no município, com data para finalizar, isso em 2020. Seria uma situação que expressava preocupação diante daquela realidade, e, para a minha surpresa tudo melhorou no âmbito profissional e financeiro, pois comece a dar aulas particulares e alfabetização.
(En)Cena – Sua profissão, pedagoga, é essencial para a sociedade, pois tem como finalidade o preparo das jovens mentes para o futuro. Você consegue descrever os principais desafios da sua profissão neste cenário pandêmico?
Luciene Mota: Bem, eu consigo descrever cada um dos meus desafios vividos. Porém, vou abreviar aqui o mais importante: desde quando decidi me tornar Pedagoga, foi um desafio atrás do outro. Cursar Pedagogia seria uma válvula de escape para ter trabalho como professora de educação infantil, na qual sempre me identifiquei. Então, com a pandemia montei uma sala para alfabetizar. No começo, não foi fácil, mas, aos poucos presenciei a mudança e amei o resultado da mesma. Redescobri-me como educadora e tive a plena certeza do que quero ser, Pedagoga, educadora, para fazer a diferença na vida das crianças e viver essa mesma diferença em minha vida.
Fonte: Acervo pessoal da entrevistada
(En)Cena – Para solucionar os problemas financeiros de uma mãe solo, como foi a forma que encontrou para ter renda com seu curso superior?
Luciene Mota: Montando a minha salinha de aula em minha residência, ao passo que ao mesmo tempo, faço meu papel de mãe, pai, dona de casa, mulher, empreendedora, pedagoga e etc.
(En)Cena – Quais são seus planos para o futuro, em que área (as) pretende atuar, e porque escolheu atuar na área da educação?
Luciene Mota: Meus planos para o futuro??…eu vejo a minha escolha e vejo a mesma sendo modelo de transformação no cenário da educação, e sem dúvida pretendo sim atual e me aperfeiçoar cada vez mais nessa área, por que foi a descoberta de um amor tão grande por ensinar, por aprender, por mudar e promover a mudança, e tudo isso é o que me faz seguir adiante, é minha base.
(En)Cena – Você acha que é possível ir além da sala de aula, além de outros papéis que desempenha como mãe, mulher, etc., e se engajar em estudos externos para se aperfeiçoar na docência?
Luciene Mota: Acho???…tenho a mais plena certeza que sim, que posso ser muitas coisas sem deixar de ser mãe, mulher, enfim. E, afirmo que busco todos os dias me aprimorar. E, assim como foi um desafio a escolha do tema do meu TCC pelo qual eu defendi com esplendor (Libras e inclusão social no ensino regular”), um desafio que deu certo e que me trouxe a certeza de que “sou capaz de fazer o que eu quiser”.
(En)Cena – Há algo a mais que você gostaria de dizer aos estudantes não só do curso que escolheu como de outras áreas? E, baseado em tudo o que você disse até aqui até onde pretende chegar com seus estudos?
Luciene Mota: O que eu gostaria de dizer para todos os estudantes é que tenham sonhos, que busquem à vontade, que saiam da sua zona de conforto, que lutem pela realização daquilo que querem e que aprendam sempre!
No momento, ainda estou fazendo uma pós na área da psicopedagogia. Mas, quero sim chegar no doutorado, e o principal motivo disso é desafiar-me cada vez mais e mais, sentir aquele frio na barriga, enfim, chegar ao título de Dra. Muito obrigada, Luciene Mota, “TIA LU”!
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Os impactos psicológicos e financeiros de uma vida sem planejamento
A falta de planejamento sempre foi um carma na vida de muitas pessoas que buscam mudança, desenvolvimento pessoal e profissional, posto que, parafraseando o Gato Cheshire de Alice no País das Maravilhas (Lewis Carroll) aquele que não sabe para onde ir, qualquer caminho serve, até mesmo o fracasso.
Em um país de proporções continentais, é de se esperar problemas em proporções continentais, em todos os campos da vida social e coletiva, o que resulta em diversos conflitos de interesses que acabam virando processos judiciais, lotando assim o Poder Judiciário com demandas que poderiam facilmente ser evitadas com um diálogo saudável e com bastante planejamento.
Diante disso é que se tem observado um interesse crescente da sociedade em se prevenir, de entender os riscos dos próprios atos, de otimizar os serviços que ofertam, principalmente após a pandemia que virtualizou uma boa parte do comércio em geral, com um aumento disparado no setor de entregas e transportes.
Diante deste conjunto, o (En)Cena entrevista o advogado Alcides Ferreira, advogado, atuante na área de compliance, planejamento e prevenção familiar e tributário para pessoas e empresas, para falar sobre a importância de um bom planejamento estratégico e os impactos psicológicos que podem ocorrer na ausência destes, principalmente neste cenário pandêmico que o mundo vive.
Fonte: Arquivo Pessoal
(En)Cena – Fale sobre sua formação e como é o seu cotidiano de trabalho?
Alcides Ferreira: Minha formação acadêmica foi repleta de aprendizados importantíssimos. Contei com a ajuda de diversos docentes que possuíam uma extensa bagagem de experiência e busquei absorver ao máximo tudo que era desenvolvido em sala. Sempre demonstrei uma pré-disposição para matérias contratuais e tributárias, por essa razão fui monitor nas disciplinas de Direito Civil – Contratos e Direito Tributário, ambas com o professor e advogado Thiago Perez.
Além da experiência acadêmica, estagiei em diversos órgãos, escritórios de advocacia, tendo diversos profissionais que impulsionaram meus conhecimentos jurídicos e métodos de atuação. Destaco, mais uma vez a importância do professor Thiago Perez que foi professor e mentor e hoje é um grande amigo.
Na vida profissional, busquei pôr em prática todos os conhecimentos adquiridos, além da própria experiência agregada com o passar dos anos.
Hoje atuo, principalmente, fora do Poder Judiciário, visando trabalhos de prevenção, planejamento, estratégias de atuação, projeção de riscos etc., buscando auxiliar o cliente a ter uma redução de gastos e uma contenção de possíveis riscos.
(En)Cena – Por que escolheu atuar com prevenção e planejamento?
Alcides Ferreira: Atuar especificamente com prevenção e planejamento é o resultado de ter observado todo o cenário jurídico brasileiro e perceber que uma boa parte de todas as contendas judiciais poderiam ser evitadas caso houvesse um conhecimento prévio dos riscos de atuação, além de planejamentos a longo prazo.
Um exemplo que pode ser citado são os processos relacionados ao divórcio, inventários e partilhas de bens. Na maioria esmagadora dos casos há um litígio intenso entre as partes, há manipulação de herança, chegando a situações até de assassinato, como o caso do advogado Danilo Sandes, em Araguaína-TO.
A máxima “o combinado não sai caro” é um exemplo da importância da prevenção. Um bom planejamento é peça fundamental para se evitar dores de cabeça futuras. Um contrato pré-nupcial, evita discussões e contendas no divórcio. Um planejamento tributário evita o pagamento indevido e/ou desnecessários, sobrando mais recursos para serem investidos. Um planejamento sucessório, evita brigas entre herdeiros além dos gastos exorbitantes nessa etapa tão dolorosa da vida.
Fonte: https://url.gratis/l2uiTg
(En)Cena – Qual o resultado prático e psicológico de uma prevenção no âmbito familiar?
Alcides Ferreira: Já temos uma resposta sobre o resultado prático de uma atuação preventiva no âmbito familiar.
Traçar um planejamento de acordo com o perfil familiar é extremamente importante, sabendo que existirão contendas em um divórcio, por exemplo, a elaboração de um contrato que disponha todas as regras e divisão de bens; os deveres para com os filhos; o tipo de guarda, evita cerca de 70% (setenta por cento) dos problemas.
Já em um inventário, um bom planejamento evita discussões desnecessárias e brigas irracionais sobre o que é de direito de cada um dos herdeiros, já que isto será previamente estabelecido.
É sempre importante lembrar que a prevenção e o planejamento são mecanismo para minimizar os riscos e prejuízos, não há uma garantia de que estes não ocorrerão. Mas, se ocorrer, serão em pequena escala em vista ao que poderia ser.
(En)Cena – Um processo judicial será sempre uma tormenta na vida dos envolvidos?
Alcides Ferreira: Nem sempre! Hoje o próprio judiciário tem tomado iniciativas para ter um processo mais humanizado. Existem sistemas de apoio aos familiares em processos da Vara de Infância e Família, além das audiências de conciliação do CEJUSC – Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, que buscam sempre a resolução pacífica de um imbróglio judicial.
Mas, infelizmente, muitas das vezes os processos judiciais são intensos, de modo que além do próprio resultado do processo, há ainda o abalo de ter que enfrentar todas a brigas que surgem, além dos argumentos lançados nos autos e em audiências de instruções, oitivas de testemunhas que mais se parecem com inquisições.
Em suma, dada às proporções do nosso país, há de tudo um pouco nos processos judiciais, mas é fato que o impacto psicológico é gritante.
Existe um texto de uma colega advogada, aqui no (Em)Cena, salvo engano se chama Bravura e Sobrevivência, onde ela dá dicas importantíssimas para a saúde mental da mulher durante um processo judicial, recomendo a leitura.
(En)Cena – Um bom planejamento evita dores de cabeça?
Alcides Ferreira: Não, mas reduz significativamente. A nação brasileira, no geral, não possui hábitos saudáveis quando se trata de prevenir. Temos aquele ditado “é melhor prevenir que remediar”, mas, na prática, a maioria das pessoas levam as situações no famoso “deixa acontecer”.
Cito um exemplo dentro da própria psicologia. Se desde a primeira infância houvesse uma preocupação com a saúde mental efetiva por parte da maioria dos brasileiros, uma boa parte dos problemas da vida adulta relacionados à psiquê poderiam ser evitados.
Hábitos alimentares e os cuidados com a saúde física são outros pontos que indicam o quão importante é saber planejar, pois, este só será colocado em cheque no futuro.
É sempre bom lembrar que não basta planejar, tem que saber analisar os possíveis riscos, criar as mais variadas projeções de cenários, por mais desagradáveis que seja, até aquelas em que a possibilidade de ocorrer seja remota, só assim poderá ter uma redução efetiva nas dores de cabeça em situações emocionalmente instáveis.
(En)Cena – Quais seriam os principais métodos de planejamento?
Alcides Ferreira: Vou delimitar a resposta dessa pergunta no âmbito familiar. Os métodos de planejamento irão variar em cada caso, a fim de ter uma adequação a situação vivida pelos indivíduos.
Dentro do planejamento sucessório, por exemplo, existe o testamento, uma prática muito conhecida de determinar, ainda em vida como irá ocorrer a sucessão dos bens.
Outra forma de planejamento sucessório são doações com reserva de usufruto vitalício, situação em que a pessoa já passa os bens para os herdeiros, nas devidas proporções, mas continua detentor da posse, podendo usufruir dos bens e dos frutos que sobrevier destes.
Além das situações já citadas, um método novo, eficaz, e econômico que vêm ganhando força, são as chamadas Holdings, que dão a mesma proteção que os métodos anteriores, além de garantir uma proteção maior para o patrimônio de cada pessoa.
Fonte: https://url.gratis/eGp7KT
(En)Cena – Os impactos psicológicos da pandemia são fatores que influenciam a instabilidade de relacionamentos, além da própria mortalidade. Como a falta de preparo pode prejudicar a vida de um indivíduo?
Alcides Ferreira: A pandemia do Covid-19 criou um marco na história, forçou a mudança de hábitos em todo o globo. Medidas de contenção, lockdowns, uso de máscaras, todas as medidas restritivas impactaram a psiquê de cada indivíduo. Tanto é que houve um crescimento, no começo da pandemia, de pedidos de divórcio, pois algumas pessoas não conseguiram lidar com esse novo cenário.
O despreparo nestes casos resulta nas situações que já citei: prejuízos e problemas no momento do divórcio; o luto intensificado pelo doloroso, oneroso e moroso processo de inventário.
A falta de planejamento fechou diversas empresas que não possuíam um planejamento estratégico ou não conseguiu elaborar um plano tático de atuação nesses meses de intenso clamor social.
A falta de prevenção, por exemplo, com relação ao uso de máscaras e o distanciamento social, ceifou a vida de várias pessoas que foram contaminadas pelo vírus da Covid-19.
Estar preparado para as adversidades da vida é compreender que elas podem nunca ocorrer, mas, se porventura chegarem, haverá um preparo para lidar passar pelos momentos de turbulência.
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Como mães feministas têm criado/educado seus filhos?
O curso de Psicologia conta, em sua grade curricular, com o Estágio Específico em Processos institucionais e de Saúde, contexto em que o portal (EN)Cena é um dos cenários de prática. Durante o estágio foi percebido o quanto questões culturais afetam a saúde mental das pessoas, e com intuito de estudar e aprofundar esses aspectos no que tange principalmente a saúde mental da mulher, propusemos essa roda de conversa com a intenção de conhecer e entender como mães feministas têm criado/educado seus filhos (meninos).
O bate papo foi mediado pelas estagiárias, Bárbara Fronza e Mayara Bezerra e pela supervisora de campo Mayelle Batista da Silva. As participantes do bate papo foram escolhidas e convidadas a partir de indicações das estagiárias, sendo A. mãe de dois meninos de idades 6 e 9, M. mãe de dois meninos com idade 6 e 8, e R. mãe de dois meninos com idades de 2 e 7 anos.
O bate papo ocorreu virtualmente na plataforma Google Meet, o formato foi diretivo, porém livre para assuntos e temas fora das questões estruturadas, que apesar de não atuarem diretamente no tema proposto, acabam por entrar no cotidiano das mães, suas famílias e rotinas.
Foram apresentadas algumas questões disparadoras para promover as discussões, conforme apresentado a seguir:
(En)Cena: Como vocês se descobriram feministas?
sic [quando eu descobri que o meu segundo menino era menino, eu falei graças a Deus, eu já entrei nessa loucura, vamos endoidar de vez, a casa vai ser barulhenta e pendurada, do jeito que já era o primeiro. Não que a menina não pudesse né, mas que eu já estava acostumada naquele ritmo e eu sempre falei tenho medo de ter filha mulher porque eu não sou delicada e não sei ser delicada, fui criada em um meio muito conservador, então naquele momento da minha vida tudo isso representava uma quebra muito grande da imagem que a gente tem de que uma menina tem que ser assim].
sic [sempre fui muito contestadora, meus pais sempre foram muito machistas, criaram eu e minha irmã de forma muito machista, do tipo ‘tem que casar virgem meninas são pra casar’, mas eu só queria saber de estudar. Me assumir feminista foi um processo natural, eu já era feminista antes de ser mãe, ser mãe de menino só reforçou minha preocupação, a partir do momento que fiquei grávida e vi que era um menino, pensei “e agora, como vou criar esse menino diferente dos homens que eu conheço?”, “como vou fazer isso em mundo extremamente machista?”, a gente tá cercado o tempo todo de atitudes machistas e muitas vezes as pessoas nem se dão conta que alguns comportamentos são comportamentos machistas].
sic [eu sempre fui a ovelha negra da família, tenho quatro irmãos, tem a minha irmã, ela é mais velha e temos a diferença de 10 anos e no meio de nós tem três homens então praticamente fui criada com eles, sempre vivi no meio de homens, meus pais não eram preconceituosos, mas também não entendiam, não incentivavam, tinham atitudes diferentes, era o que é sociedade achava e colocava como normal para eles né então tem muitas coisas do tipo de dormir na casa de amiga, viajar sozinha escolher que faculdade queria fazer, colocavam barreiras, não eram explícito o que eu não poderia fazer mas eles também não gostavam e não incentivaram, mas enfim, eu sempre quis fazer minhas coisas].
Durante o bate papo as convidadas trouxeram assuntos que são relevantes, mas que na prática acontecem diferentemente de como são abordados na teoria tipo: inclusão social, sentimentos, tarefas domésticas e divisão de afazeres, machismo e diversidade de gêneros.
(En)Cena: Qual é a maior dificuldade em educar meninos sendo uma mãe feminista?
sic [os meninos são ensinados a não chorar, aqui em casa fazemos diferente, os meninos choram, demonstram fragilidade, mas a minha maior dificuldade é ensinar eles a expressarem sentimentos e ao mesmo tempo serem fortes.]
O assunto “expressão de sentimentos” foi muito explorado durante o bate papo, e elas trouxeram questões sobre o quanto abordar esse assunto é relevante, tal como uma das convidadas aponta:
sic [tratar de sentimentos é muito importante, principalmente porque hoje existe muito o fato de inclusão social e meu filho estuda com um colega especial (autista) por isso tento explicar que existe uma diferença, mas as vezes fico em dúvida se é bom falar mesmo sobre essa diferença ou não, por causa de brincadeiras que podem não ser interpretadas da mesma forma, mas eu tento explicar.]
Do mesmo modo, elas trouxeram a questão da diversidade em várias perspectivas, incluindo assuntos sobre gênero e família:
sic [existem diversos formatos de família e fazer ele entender isso com naturalidade é a melhor coisa, achamos que não vamos dar conta, mas sendo mãe a gente dá. É responder apenas o que é perguntado e eles vão entendendo de forma natural e sem preconceitos.]
sic [como não convivemos com nenhum casal homoafetivo, fico pensando que se eles não conviveram não vão entender, e por isso tenho exposto eles a conteúdos que tratam sobre esse assunto, para que eles aprendam de forma natural sem que eu tenha que sentar e conversar sobre esse assunto.]
(En)Cena: Sobre a afirmação “ser mãe é sinônimo de culpa!”, vocês sentem esse sentimento?
sic [a culpa é uma coisa que me acompanha em todos os aspectos da minha vida, com os meus filhos ela é terrível, então assim, se não tá comendo a quantidade de vegetais que eu queria, é minha culpa e aí eu me sinto mal por causa disso, eu me culpo e acho que a culpa acaba atrapalhando a gente de prosseguir, não é uma definição ou uma estratégia ela só é um peso, não é nada que ajuda em muita coisa mas eu me sinto culpada em tudo e em todos os aspectos da vida deles.]
sic [nunca tive, sempre quis ser mãe, desde pequena essa foi a única decisão que tive e não mudei ao longo da vida, que quando veio para mim foi muito resolvido, outra questão que sempre tive é que eu teria uma profissão e iria exercer essa profissão, que eu não renunciaria a ela por nada e nem por ninguém.]
sic [essa questão de mãe que abre mão é algo que queria fazer se tivesse disponibilidade financeira, mas não, também nunca tive aspiração de ser só dona de casa, a maioria das mulheres que conheço e que fizeram isso, hoje são mulheres de meia idade e são frustradas, pois deixaram de viver a vida delas para viver a da família.]
sic [sou bem resolvida nessa questão da minha vida, graças a Deus cheguei nela pelos caminhos que foram me levando, trazendo onde estou, tanto é que tive filho mais velha, fiz minhas coisas, quando chegou a maternidade eu estava mais madura, então a maternidade veio realmente para somar no meu relacionamento e na minha vida, então em relação a ter tido essa escolha de ficar em casa e cuidar dos meninos foi uma escolha minha mesmo, sempre tive uma rede de apoio muito boa, de mãe, sogra, pai, irmãos e condições financeiras também, mas comigo já foi o contrário quando eu estava no meu trabalho eu não estava completa eu ficava só pensando no meu filho, então quando resolvi sair do emprego e fui para dentro de casa cuidar 24 horas, ficar por conta de ensinar e participar e está ali junto isso me completou e me deixou bastante feliz.]
Além desses assuntos, foram abordadas outras temáticas relevantes associadas ao modo de como a cultura influencia na educação e no modo de como essas mães se posicionam em relação ao ambiente e a cultura que elas estão inseridas, mas isso será assunto de outra produção, considerando a relevância que esses temas têm para a sociedade em geral, bem como em relação a saúde mental da mulher.
As mães participaram de forma muito ativa e descontraída, trazendo relatos e experiências pessoais e familiares, com exemplos de como ensinam os seus filhos assuntos como: divisão de papéis, tolerância à frustração e como naturalizam isso, instruindo eles a demonstrarem sentimentos e ao mesmo tempo se defenderem, respeitando as diversidades mesmo quando essas não são do convívio deles, tornando assim, esses assuntos mais naturais construindo novos repertórios comportamentais numa direção muito mais diversa e de aceitação.
Embora as convidadas tenham relatado sobre essas experiências, ainda assim, estas são passivas de generalidade, considerando que são muitos os fatores que influenciam na realidade social e cultural de cada indivíduo e família.
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Mãe e psicóloga utilizando a técnica Teacch: (En)Cena entrevista com Egídia Neves (Entrevista – Parte II)
Como escolher a melhor técnica para quem está no espectro autista e conseguir os melhores resultados. Uma dúvida que gera ansiedade, medo, insegurança e muitos sentimentos que são verdadeiros desafios para os pais e cuidadores de crianças no espectro autista. Continuando entrevista com Egídia Neves, vamos entender por que ela escolheu a Técnica Teach para usar com seu filho com autismo severo, e como essa técnica funciona.
Egídia e seu filho.
(En)Cena – COMO ESCOLHER O MELHOR MÉTODO PARA A CRIANÇA COM AUTISMO?
Veja bem, é quase uma práxis, os pais, ao receber o diagnóstico de autismo do filho (a), entrar num estado ansioso, doloroso e complexo. Na pressa de ajudar a criança, busca na Internet informações das melhores terapias e terapeutas. Isto, aconteceu comigo. Logo no começo, busquei implantar o SON-RISE (Metodologia de Intervenção para crianças com autismo). Em seguida, o ABA (Análise do Comportamento Aplicada) em casa, na escola, e em todos os momentos da vida do Enrico. Utilizei esta técnica por 2 anos e meio. Por 3 anos, frequentou terapeutas especialistas em Estimulação Sensorial. E há 6 anos, suas terapias e sua vida, são norteadas pelo MÉTODO TEACCH (Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Déficits relacionados com a Comunicação) de ensino e desenvolvimento. Este conjunto de técnicas me foi apresentado por profissional competente e com um atrativo que eu buscava e até então não havia encontrado: uma avaliação eficaz das habilidades que estavam em atraso e que deveriam ser trabalhadas. Outro ponto que me seduziu foi a origem do método que se deu por iniciativa de pais de crianças no espectro autista, em conjunto com o Departamento de Psiquiatria da Universidade da Carolina do Norte (EUA), há mais de 40 anos. A filosofia da Intervenção terapêutica é bem motivadora, pois promove atendimento pela vida inteira, além de parceria com a família e uma forma de ensino muito bem estruturado. É composto por um arcabouço de estratégias de ensino com o objetivo de ensinar competências e promover a independência do indivíduo, que é algo fundamental para o autismo. Com uma vivência de sucesso do método dentro de casa,
a extensão para o consultório, seria inevitável.
(En)Cena – O QUE É A TERAPIA TEACCH ?
O método TEACCH fundamenta-se em pressupostos da psicologia linguística, da teoria comportamental e da psicopedagogia. O Programa TEACCH é um treinamento e programa clínico que teve sua origem como método por iniciativa de pais de crianças no espectro autista, em conjunto com o Departamento de Psiquiatria da Universidade da Carolina do Norte (EUA), há mais de 40 anos. A filosofia da Intervenção terapêutica é bem motivadora, pois promove atendimento pela vida inteira, além de parceria com a família e uma forma de ensino muito bem estruturado. É composto por um arcabouço de estratégias de ensino com o objetivo de ensinar competências e promover a independência do indivíduo, que é algo fundamental para o autismo.
Surge a partir destas pesquisas realizadas na Universidade da Carolina do Norte, desenvolvidas pelos doutores Eric Schopler e Robert Reichler na década 60. Esse programa com base teórica comportamental, desenvolveu a abordagem de intervenção chamada “structured TEACCHing” (em português “ensino estruturado”, mais uma intervenção em ABA -Applied Behavior Analysis). O que chamamos no Brasil de TEACCH é o “structural TEACCHing”, uma matriz de ensino com base nas características de aprendizagem dos indivíduos com autismo. Em resposta as dificuldades apresentada por esses indivíduos, o “structured TEACCHing”inclui:
Suporte e organização externa para enfrentar os desafios com atenção e função executiva
Uso de informação visual e escrita para complementar a comunicação verbal
Suporte estruturado para a comunicação social
(En)Cena – QUAIS AS QUALIFICAÇÕES E FORMAÇÃO QUE O PROFISSIONAL-CUIDADOR PRECISA TER E PARA QUEM ESSA TERAPIA É INDICADA ?
O uso da técnica TEACCH não é exclusivo de nenhuma área, é um modelo generalista. Profissionais diversos que atuam com crianças com autismo podem se valer do programa. Esses programas estruturados para apoiar a execução dos objetivos educacionais e terapêuticos. Essa estrutura inclui:
Organização física; Horários individualizados; Sistema de trabalho (atividade); Estrutura e apoio visual em tarefas e atividades.
Existem pós-graduações para TEACCH, treinamentos nacionais e internacionais, modelos. No Brasil a técnica Teacch é uma intervenção utilizada em muitas APAES, e parece se adequar bem as necessidades especificas desse tipo de instituição, assim como família que se identifiquem com a técnica para apoiar esse desenvolvimento.
(En)Cena – COMO A TERAPIA ACONTECE, SUA PERIODICIDADE E SEUS RESULTADOS?
As bases teóricas para a técnica Teacch são a Teoria Behaviorista e a Psicolinguística. Sendo a teoria comportamental e a psicolinguística – bases epistemológicas do TEACCH – convergem para uma prática funcional e pragmática. Além disso, o entendimento da condição neurobiológica da Síndrome é fundamental neste modelo. O método TEACCH utiliza uma avaliação denominada PEP-R (Perfil Psicoeducacional Revisado) para avaliar a criança e determinar seus pontos fortes e de maior interesse, e suas dificuldades. A partir desses pontos, monta-se um programa individualizado composto por um arcabouço de estratégias de ensino, com o objetivo de construir competências e promover a independência do indivíduo, que é algo fundamental para o autismo, sendo variada esta conquista de acordo com cada um, com o grau de autismo e a constância no tratamento, quanto mais frequente maior o desenvolvimento.
(En)Cena – QUAL A PARTICIPAÇÂO DA FAMÍLIA NESSA TERAPIA?
A participação da família é fundamental nesta técnica, que olha mais para as necessidades individuais da criança no espectro e faz os arranjos necessários no ambiente para que esta criança ou pessoa adulta se desenvolva de forma mais livre e autônoma.
Tende a trazer todos para um movimento de aprendizado para lidar com os fatores e demandas da criança em desenvolvimento. Todos precisam se organizar para ajudar no processo psicoeducativo do atendido e na forma de se relacionar.
(En)Cena – QUAIS OS RESULTADOS QUE A FAMILIA PODE ESPERAR?
Como não existe cura para o autismo, o que existem são conquistas diárias de uma vida com significado na autonomia Os resultados variam de criança para criança, varia de acordo com o grau do espectro e como cada criança recebe e responde aos estímulos. Os resultados são maravilhosos para a criança e muitas vezes cansativo para os envolvidos, acompanhar o tempo da criança e vibrar com cada conquista.
(En)Cena – QUANDO BUSCAR ESTA TERAPIA ?
A identificação com a terapia é importante, a participação de todas família, das pessoas que se relacionam com a criança é fundamental e perceber como se adequa na rotina da criança e da família, como os ajustes são feitos e os resultados são percebidos é individual para cada criança, para cada família e cuidador. Assim quem se identifica por organizar um ambiente que possa se conectar com as necessidades da criança ou pessoa com autismo.
(En)Cena – QUAL O INVESTIMENTO DESSA TERAPIA ?
Ainda existe um pequeno número de artigos publicados no Brasil sobre esta técnica, que busca um arranjo de contingência para o paciente. Poucas pessoas treinadas e preparadas para atender com conhecimento em teacch, ouve-se mais sobre a técnica ABA. Assim a formação é internacional, sendo apenas duas pessoas preparadas no Brasil para fazer este treinamento : Maria Elisa Granchi Fonseca e Viviane Costa de Leon.
MINICURRICULO
Egídia Neves de Carvalho Paula, casada, 2 filhos, sendo um deles portador de autismo severo, hoje com 14 anos.
Psicóloga, formada PUC-Goiás, 1995. Atuou como sócia da Konsult – Assessoria em RH em Anápolis-Goiás,1995 a 1999, atendeu como psicóloga clínica em consultório particular em Gurupi-To, 2000 a 2004. Concursada Psicóloga Oficial Quadro Saúde PM – To, 2005 a 2015. Formação STRUCTURED TEACCHING, 2018. Atende na clínica PSICOEDUCAR como psicóloga clínica e sócia-proprietária desde 2019.
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Neurodiversidade: sentimentos e experiências de uma mãe e psicóloga com filho no espectro autista (Entrevista – Parte I)
São muitas as variáveis que compõe as famílias com um membro autista, essas variáveis se distinguem conforme o grau do transtorno e dos recursos para lidar com este. A mãe ou cuidadores responsáveis, geralmente figuras centrais de apego, sentem-se vulneráveis diante da caminhada que é longa e desconfortável, são muito requisitados e muito cobrados, se cobram e sentem-se impotentes, as vezes culpados por não conseguir dar mais, diante das possibilidades. Nem sempre são amparados em suas demandas internas e nas demandas com o autismo, a família passa por uma intensa adaptação. Há casos em que a Síndrome do Espectro Autista invade de forma agressiva e severa a vida, não apenas da pessoa portadora, mas da família toda, chamando todos a uma nova postura diante dessa relação. (EGÍDIA, psicóloga e mãe de autista, 2021)
Entrevistamos Egídia Neves, casada, mãe de 2 filhos, sendo um deles portador de autismo severo, hoje com 14 anos. Egídia também é Psicóloga e nos fala dessa mistura de sentimentos, pensamentos e comportamentos como mãe e profissional que atende crianças no espectro autista.
Entrevistada
(En)Cena: COMO VOCÊ VÊ E VIVENCIA A NEURODIVERSIDADE?
Eu percebo que na tentativa de ajudar, os termos as vezes nos confundem. E este, por ser relativamente novo, se não buscarmos entendê-lo como deve, acaba gerando complexidade na finalidade para o qual foi criado. Ele ficou bastante atrelado ao autismo, devido ao fato de a pessoa que criou ter um filho com TEA. Com isto, é comum ver seu uso errôneo, quando se referem a alguém com autismo ou outro transtorno, como “neurodiverso”, levando a um pensamento de exclusão. E, ao contrário disto, o conceito de Neurodiversidade veio para quebrar estigmas e paradigmas e promover uma visão inclusiva por todas as pessoas. Então, ele parte do ponto de vista que nenhum de nós é igual ao outro; que somos únicos em nossa organização neurológica, que determina um modo de ser único, com características pessoais, qualidades, dificuldades e defeitos peculiares. No entanto, ele nos leva a compreender que somos todos neurodiversos e fazemos parte dessa Neurodiversidade presente no mundo. Gostaria de ressaltar aqui, que para mim, conviver diariamente com uma pessoa com diagnóstico de TEA severo, é bastante “trabalhoso”, em contrapartida, sem qualquer dúvida é bastante grandioso. Esta experiência me capacita cada dia mais, a exercer com mais eficiência e eficácia, minha empatia e o respeito por todas as pessoas, independentemente se suas dificuldades são visíveis ou invisíveis; de terem algum diagnóstico de transtorno ou não.
(En)Cena: PARA VOCÊ O QUE É DOENÇA E O QUE É DIFERENÇA?
Desde os primórdios, em busca de organizar nossa vida em sociedade, os conceitos sempre existiram. Mas, o que se vê em algumas situações, é uma divisão contrapondo a coesão. A última definição de Saúde pela OMS, foi de caráter inclusivo, pois se refere não apenas à enfermidade física, mas também a condições subjetivas, como bem-estar emocional, social e mental. Também está relacionado a tratamento e a cura. Nesse sentido, entendo que o autismo não é uma doença, pois não tem cura. E o conceito de DIFERENÇA surgiu também com o intuito de diminuir o preconceito e a exclusão daquele que por uma característica ou outra, se difere da maioria das pessoas. Mas, o que se nota, é o uso inadequado do termo, que acaba por refletir a exclusão. Pois, como já falamos anteriormente, cada ser humano é único e somos todos diferentes uns dos outros. Não é incomum, termos notícia de pessoas consideradas “normais”, cometendo atos bizarros que não eram esperados da sua personalidade e caráter. Então, vejamos: neste momento, um autista torna-se mais “normal” que este último. Creio que seria mais positivo se diminuíssemos ou evitássemos o uso de terminologias (normal e anormal, típico e atípico…) para definir pessoas e grupos. Por fim, penso que ninguém deveria ser definido como DOENTE OU DIFERENTE, porque ora podemos adoecer e diferente uns dos outros, todos nós somos.
(En)Cena: VOCÊ JÁ ERA PSICÓLOGA QUANDO TEVE SEU FILHO. COMO FOI DESCOBRIR O DIAGNÓSTICO? COMO MÃE E COMO PROFISSIONAL QUE TRABALHA NA ÁREA, COMO SE SENTE EM CADA PAPEL?
Muito difícil!! Meu filho do Espectro Autista nasceu 1 ano e 5 meses após o primeiro. Eu tinha 37 anos; ele nasceu muito quieto, era muito bonzinho; foi crescendo, amamentei, ele olhava para mim, respondia aos meus estímulos e eu sentia algo diferente nele, porque já tinha sido mãe e notava algo; mas não deixei estas impressões de lado. Visitei muitos profissionais da saúde e não havia dados suficientes para fechar um diagnóstico. Existiam muitos sinais, mas ainda eram considerados leves. Tudo mudou quando ele fez 3 anos, que veio a poda neural. Ele que já vinha tendo quedas no desenvolvimento, mas que falava e expressava suas vontades, sofreu um impacto regressivo, rápido e avassalador. Realmente foi global e invasivo; tomou conta dele. Ele piorou bastante e todos nós da família ficamos imensamente abalados. Eu sofri muito com o diagnóstico, mas tinha esperança de que ele fosse melhorar, mas piorou fortemente. Como mãe nunca me culpei, pois acredito que este transtorno faz parte de uma gênese, da biologia dele; que a minha idade mais avançada pode ter contribuído e que também meu organismo pudesse estar desnutrido e ter menos soluções para reagir. Mas enfim, não senti culpa e sempre busquei ajuda. É claro que por ser psicóloga, usei tudo que pude e sabia para ajudar e trazer adaptações para gerar possibilidades e desenvolvimento para meu filho, mas não consegui ser sua terapeuta, mesmo exercendo muitas tentativas. Porém no consultório, com os pacientes, eu levo o amor e a compreensão de mãe. “Amo de paixão, minhas criancinhas”!
(En)Cena: FALAM EM TAXAS ALTAS DE SUICÍDIO ENTRE AUTISTAS E FAMILIARES. ONDE PESQUISAR SOBRE ESTE PONTO ?
É verdade. A Gestão Pública de Saúde tem-se preocupado bastante com o número de suicídios e essa preocupação também se estende ao público TEA. Mas, é notável uma carência de pesquisas e de estudos na área. Se buscarmos no Google, o que vamos encontrar são algumas pesquisas nos EUA, afirmando que os autistas são realmente vulneráveis ao suicídio. O estudo mais conhecido é o da Revista Lancet Psychiatry que traz vários dados sobre o tema.
(En)Cena: COMO FOI SUA EXPERIÊNCIA FORA DO BRASIL. PODE CONTAR COMO ESTAMOS EM RELAÇÃO A OUTROS PAÍSES?
Muito se tem falado de autismo e de outros transtornos do comportamento; muitas formações, cursos, treinamentos para profissionais e pais. Mas, em minha jornada que começou há 11 anos atrás, aqui no Brasil, me deparei com profissionais ainda despreparados para atender o autista e sua família. Eram profissionais capacitados em suas áreas, mas não tinham conhecimento da síndrome em questão; não entendiam a fundo de comunicação, nem de comunicação alternativa. Hoje, isso tem mudado e melhorado bastante, mas ainda há muito que se aprender e conquistar. Acredito que a base para melhorar tudo isto está na formação acadêmica. É preciso começar na Universidade. Eu pude constatar esta diferença de profissionais preparados quando estive morando nos EUA, no Estado da Flórida (Miami), em busca de estimulação adequada. Lá eu encontrei uma infinidade deles: Fonos, Terapeutas Ocupacionais, Psicólogos, Fisioterapeutas, Musicoterapeutas, profissionais do ABA e Teacch, entre outros; que mesmo sendo jovens e recém-saídos da Universidade, já tinham conhecimentos suficientes para me atender e manejar o meu filho. Para mim, era sinônimo de conforto e segurança, já que eu estava tão longe de tudo e de todos. Mas, esta experiência significou muito na minha vida e da minha família. Foi um período extremamente desafiador e rico em todos os sentidos. Nesta época, o Enrico não interagia, estava estagnado e com alterações gastrointestinais significativas. Ele passou por médicos, multiterapeutas e terapias. Chegou a fazer 4 horas diárias de Terapia ABA e várias outras também. Realizamos o que é sonho de muitas mães, a Avaliação do Processamento Sensorial no Star Institute for Sensory Processing, que fica localizado em Denver, no Colorado. Posso dizer que o maior aprendizado desta época foi entender que as Terapias para o espectro autista, são as mesmas, independente do lugar, do país. O que muda, realmente é a quantidade de profissionais qualificados que cada país oferece e as Políticas Públicas de Inclusão. Eu não tinha vontade de voltar! Porque lá, encontrei amparo, entendimento e respeito. Em relação a outros lugares, tenho informações de famílias que vivem em países da Europa que relatam terem muitas dificuldades relacionadas a estimulação, terapias e acompanhamentos necessários.
(En)Cena: COMO ESTÁ O BRASIL NA SUA VISÃO, EM RESPEITO AO AUTISMO?
Então, muito se avançou e conquistou na última década, no que se refere à formação de pessoas, capacitação de profissionais e a políticas públicas. Nossa maior e mais importante conquista, aconteceu no ano de 2012, com a criação da Lei Berenice Piana, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos das pessoas com TEA. A partir desta lei, essa população, para todos os efeitos legais, passou a participar das leis específicas de pessoas com deficiência. Isto foi fundamental para tornar o Transtorno do Autismo mais conhecido e amparar as famílias na luta pela inclusão dos seus filhos e pelos seus direitos, em todas as áreas necessárias para o desenvolvimento humano, como Educação, Socialização e Saúde. Mas, infelizmente, o que está escrito nesta Lei, ainda está bem distante da prática atual que é necessária. A lacuna é enorme! Os autistas e suas famílias ainda passam por muitas frustrações e dificuldades, gerando muito sofrimento para algumas. Ainda falta muito!
(En)Cena: COMO PODEMOS AJUDAR?
Eu creio que cada um, seja ele profissional da saúde ou leigo, pode ajudar e fazer sua parte neste mundo tão diverso e maravilhoso! Eu penso que toda pessoa quase sempre conhece outra pessoa com transtorno de comportamento. E, que um número grande de famílias possui um membro com transtorno de comportamento. E que muitas vezes, não é preciso de Literatura para se aprender sobre algo; que apenas é necessário boa vontade, respeito, carinho e amor. O amor é natural e gratuito. O amor transforma vidas e o mundo. Dentro desta perspectiva, todos podemos ajudar.
(En)Cena: O QUE VOCÊ GOSTARIA QUE FOSSE DIFERENTE?
Muitas coisas… mas, existe algo que almejaria entre todas as pessoas: respeito pelo outro. Estamos fartos em ouvir que, não temos a obrigação de amar a todos, mas de respeitar sim. Isso, todos nós temos, falta empatia. Muitas pessoas, não conseguem sair de si mesmas, do seu próprio ponto de vista e buscar entender e enxergar o outro. Falta entendimento de que somos todos diferentes; que fazemos parte de uma Neurodiversidade e somos, cada um em sua essência, um neurodiverso. Que cada ser humano é único; com características, qualidades e defeitos peculiares que deveriam ser compreendidos e respeitados. Eu tenho um filho no Espectro Autista, não é mesmo? Me dizem desde sempre que ele é “especial” e que eu, também sou uma mãe “especial”. Mas, e os filhos não autistas, não são especiais? E suas mães, também deixam de ser especiais? Há muito que se conversar, refletir, aprender e vivenciar.
(En)Cena: QUAL MÉTODO ESCOLHEU USAR COM SEU FILHO E NO CONSULTÓRIO? POR QUÊ?
Veja bem: é quase uma práxis, os pais, ao receber o diagnóstico de autismo do filho (a), entrar num estado ansioso, doloroso e complexo. Na pressa de ajudar a criança, busca na Internet informações das melhores terapias e terapeutas. Isto, aconteceu comigo. Logo no começo, busquei implantar o SON-RISE (Metodologia de Intervenção para crianças com autismo). Em seguida, o ABA (Análise do Comportamento Aplicada) em casa, na escola, e em todos os momentos da vida do Enrico. Utilizei esta técnica por 2 anos e meio. Por 3 anos, frequentou terapeutas especialistas em Estimulação Sensorial. E há 6 anos, suas terapias e sua vida, são norteadas pelo MÉTODO TEACCH (Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Déficits relacionados com a Comunicação) de ensino e desenvolvimento. Este conjunto de técnicas me foi apresentado por profissional competente e com um atrativo que eu buscava e até então não havia encontrado: uma avaliação eficaz das habilidades que estavam em atraso e que deveriam ser trabalhadas. Outro ponto que me seduziu foi a origem do método que se deu por iniciativa de pais de crianças no espectro autista, em conjunto com o Departamento de Psiquiatria da Universidade da Carolina do Norte (EUA), há mais de 40 anos. A filosofia da Intervenção terapêutica é bem motivadora, pois promove atendimento pela vida inteira, além de parceria com a família e uma forma de ensino muito bem estruturado. É composto por um arcabouço de estratégias de ensino com o objetivo de ensinar competências e promover a independência do indivíduo, que é algo fundamental para o autismo. Com uma vivência de sucesso do método dentro de casa, a extensão para o consultório, seria inevitável.
Mini currículo:
Egídia Neves de Carvalho Paula, casada, 2 filhos, sendo um deles portador de autismo severo, hoje com 14 anos.
Psicóloga, formada PUC-Goiás, 1995. Atuou como sócia da Konsult – Assessoria em RH em Anápolis-Goiás,1995 a 1999, atendeu como psicóloga clínica em consultório particular em Gurupi-To, 2000 a 2004. Concursada Psicóloga Oficial Quadro Saúde PM – To, 2005 a 2015. Formação STRUCTURED TEACCHING, 2018. Atende na clínica PSICOEDUCAR como psicóloga clínica e sócia-proprietária desde 2019.
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A dinâmica da entrevista psicológica e o papel do terapeuta
O termo “entrevista” é bastante conhecido apesar de denotar uma atividade pouco dissertada na literatura científica (CRAIG, 1991). Convém, primeiro, analisar o significado desta palavra desde o seu sentido mais geral. O Online Etymology Dictionary registra que a palavra “entrevista” deriva do Francês entrevue, substantivo verbal de s’entrevoir, significado “ver um ao outro”, “visitar brevemente” ou “ter um vislumbre de”. A versão online do Dicionário Michaelis descreve este fenômeno como “visita ou encontro combinado” e “reunião entre duas ou mais pessoas, em local determinado, como objetivo de esclarecer assuntos pendentes, expor ideias ou obter opiniões dos presentes”.
Sendo a entrevista um instrumento muito difundido, tendo em seus variados usos uma grande variedade de objetivos, Blegger (2001) delimita o seu alcance ao focar na entrevista psicológica, conceituando-a como aquela na qual se buscam objetivos psicológicos como investigação, diagnóstico e terapia.
Para Kanfer e Seheft (1988) apud Craig (1991), uma entrevista é muito semelhante com uma interação social, tendo traços das interações duplas e grupais. Porém, numa entrevista clínica a maioria das regras sociais de etiqueta não são utilizadas, nela a conversa foca o paciente, portanto, sendo majoritariamente unidirecional. Quanto ao relacionamento, é profissional, não-íntimo, esperando-se das partes uma comunicação relevante para a tarefa em questão. Além disso, na entrevista clínica há limites de tempo, lugar e frequência da interação, impostos por ambas as partes. As declarações do terapeuta vão além do mero diálogo e há a determinação de objetivos específicos e resultados esperados dessa relação terapeuta-paciente.
Miller (2015) escreve que, durante a entrevista, o psicólogo coleta informações da história do cliente, vida social, emprego, situação financeira, experiência prévia em tratamento de saúde mental, bem como também apanha informações relevantes sobre a família do paciente. Todo e qualquer fator que possa impactar a saúde mental e bem-estar do cliente é considerada durante a entrevista psicológica, por isso, este instrumento fornece um compreensível retrato da vida da pessoa, assim ajudando na determinação do diagnóstico e curso do tratamento. Craig (1991) afirma que a maior parte dessas informações é baseada no relato do paciente e na observação do psicólogo, no entanto, não devem ser ignoradas outras fontes de informação, estas estariam nos relatos adicionais da família, em registros sobre o caso, testagens psicológicas ou entrevistas estruturadas suplementares.
Conforme García-Allen (2015), a entrevista tem diversos âmbitos de aplicação, portanto, há distintos tipos de entrevistas conforme o motivo de sua realização. De acordo com o número de participantes, a entrevista, delimitada ao campo da psicologia, pode ser distinta da seguinte forma:
Entrevista individual: é o tipo de entrevista mais utilizado; um exemplo bem comum é quando um psicólogo recebe seu paciente para conhecer o motivo de seu comportamento.
Entrevista em grupo: neste tipo de entrevista, há distintos entrevistados e, maioritariamente, um entrevistador. Na clínica, este tipo de entrevista recebe o nome de “entrevista familiar”.
Além do número de participantes, a entrevista também pode ser categorizada conforme seu formato, ou seja, conforme a maneira com a qual o entrevistador se comunica com o entrevistado e formula perguntas (GARCÍA-ALLEN, 2015).
Entrevista estruturada: De acordo com García-Allen (2015), tal entrevista segue uma série de perguntas fixas preparadas previamente. Craig (1991) acrescenta que essas perguntas são relacionadas à áreas definidas de conteúdo. Para Surbhi S. (2016), a entrevista estruturada faz uso de uma pesquisa descritiva onde os fatores avaliados são explícitos.
Entrevista não-estruturada: aqui são trabalhadas perguntas abertas, sem ordem preestabelecida, portanto, adquirindo as características de uma conversação que permite a espontaneidade. Nesta técnica são realizadas perguntas de acordo com as respostas que surgem durante a entrevista (GARCÍA-ALLEN, 2015). É o tipo mais comum nos settings clínicos; geralmente elas não têm um formato rígido, mas não deixam de ter certa estrutura porque segue uma sequência que inclui áreas-chaves de conteúdos (CRAIG, 1991). Para Surbhi S. (2016), a entrevista não-estruturada faz uso de uma pesquisa exploratória de fatores implícitos.
Há também a entrevista semiestruturada que, segundo Martin (2018), tem um formato um tanto flexível, com perguntas preparadas, mas sem seguir um programa estrito. Aqui a discussão pode desviar-se da lista de perguntas, fazendo com que novas perguntas sejam cogitadas durante a conversa. Geralmente o entrevistado desempenha um papel importante no controle do ritmo da entrevista, diferentemente do que ocorreria numa entrevista estruturada.
Blegger (2001), diferencia a entrevista da consulta e anamnese
A consulta consiste na solicitação da assistência técnica ou profissional, que pode ser prestada ou satisfeita de formas diversas, uma das quais pode ser a entrevista. Consulta não é sinônimo de entrevista; esta última é apenas um dos procedimentos de que o […] psicólogo dispõe para atender a uma consulta. […] Uma anamnese […] implica uma compilação de dados preestabelecidos, de tal amplitude e detalhe, que permita obter uma síntese tanto da situação presente como da história de um indivíduo, de sua doença e de sua saúde. […] Diferentemente da consulta e da anamnese, a entrevista psicológica objetiva o estudo e a utilização de comportamento total do indivíduo em todo o curso da relação estabelecida com o técnico.
Conforme Blegger (2001), a teoria da entrevista foi muito influenciada pela psicanálise, Gestalt, topologia e behaviorismo. A psicanálise teve seu papel com o conhecimento da dimensão inconsciente do comportamento, da transferência e contratransferência, da resistência e repressão, da projeção e introjeção, etc. A Gestalt reforçou a compreensão da entrevista como um todo no qual o entrevistador está entre os integrantes, sendo que o comportamento dele é elemento da totalidade. A topologia foi fator da delineação e reconhecimento do campo psicológico. Já o behaviorismo contribuiu com a importância da observação do comportamento.
A entrevista pode ser de dois tipos básicos: aberta e fechada, como registra Blegger (2001). Na segunda as perguntas já estão previstas, assim com a ordem e a maneira de formulá-las, e o entrevistador não pode alterar nenhuma destas disposições. Na entrevista aberta, pelo contrário, o entrevistador tem ampla liberdade para as perguntas ou para suas intervenções, permitindo-se toda a flexibilidade necessária em cada caso particular. A entrevista fechada é, na realidade, um questionário que passa a ter uma relação estreia com a entrevista, na medida em que uma manipulação de certos princípios e regras facilita e possibilita a aplicação do questionário. […] A entrevista aberta possibilita uma investigação mais ampla e profunda da personalidade do entrevistado, embora a entrevista fechada permita uma melhor comparação sistemática de dados, além de outras vantagens próprias de todo método padronizado.
Blegger (2011) ainda apresenta a diferenciação das entrevistas conforme o beneficiário do resultado, distinguindo: a) a entrevista que se realiza em benefício do entrevistado; b) a entrevista cujo objetivo é a pesquisa, na qual importam os resultados científicos; c) a entrevista que se realiza para um terceiro (uma instituição). Cada uma delas implicam variáveis diferentes a serem consideradas, pois influenciam sobre o entrevistador e entrevistado, afetando tudo que a entrevista venha a englobar.
Conforme Craig (1991), a entrevista, a partir do quesito objetividade, pode ser dividida nos seguintes tipos, aqui apresentados sucintamente.
Entrevista de Tomada de Dados: tem o propósito de obter informações preliminares sobre um paciente em perspectiva.
Entrevista da História de Caso: tem o propósito de rever a natureza dos conflitos do paciente em sequência histórica, com o foco nos períodos críticos, antecedentes e desencadeantes.
Exame do Estado Mental: visa determinar o nível de prejuízo mental associado à condição clínica investigada; avalia áreas como raciocínio, juízo, audição e percepção.
Entrevistas de pré e pós-testagem: a entrevista prévia ao teste visa explicar ao paciente as razões para o teste e seus benefícios, bem como discutir aspectos administrativos, tais como local e hora. Quando a entrevista é realizada após os testes, o psicólogo geralmente já desenvolveu hipóteses como resultado da testagem, visando explorá-las melhor com o paciente.
Entrevista Breve de Avaliação: aqui o terapeuta visa apenas uma área específica, não considerando outros elementos da entrevista, assim obtendo a informação desejada em curto período.
Entrevista de Desligamento: o objetivo é conhecer o ponto de vista do paciente sobre os benefícios decorrentes do tratamento, examinar os planos para pós-alta ou trabalhar qualquer problema não resolvido.
Entrevista de Pesquisa: este tipo de entrevista é específico para a natureza da pesquisa desenvolvida, sendo parte de um protocolo rígido, aprovado pelo comitê revisor da instituição. Realizada com a permissão do paciente que assina o um documento no qual declara seu consentimento.
O que Blegger (2011) chama de “entrevista de tomada de dados” talvez seja o mesmo que “triagem” visto que em ambos os casos há um paciente em perspectiva. Muñoz (2015?) escreve que a entrevista de triagem é um instrumento válido que facilita uma rápida classificação do paciente, contudo, baseado em observações incompletas, ou seja, a triagem permite uma visão geral do paciente mas sem ter em conta muitos dados pessoais, familiares, sociais, de patologia prévia.
Personagem crucial no desenvolvimento da entrevista, o entrevistador deve ter consigo uma ampla bagagem teórica e metodológica que o norteará no processo entre terapeuta e paciente. Este contingente de teorias e métodos não podem, contudo, tornar a entrevista um processo puramente mecânico no qual perguntas surgem e requerem repostas num automatismo frio e inibidor. Para isto é necessário que o entrevistador entenda que é mais do que um mero formulador de perguntas, sendo, na verdade, um motivador. Neste caso, o objeto da motivação é o entrevistado que, adequadamente esforçado, tem seus bloqueios psicológicos derrubados e se abre para o terapeuta.
A terapia centrada no cliente, desenvolvida por Carl Ransom Rogers e seus colaboradores, baseia-se na habilidade de escutar. Rogers introduziu uma “técnica” conhecida como “reflexo”, com a qual o terapeuta escuta o cliente e “reflete” seus pensamentos e sentimentos significativos dizendo ao cliente o que ele ouviu dizer. Alguns terapeutas fazem isto de uma forma mecânica, o que os faz parecer papagaios com uma graduação de psicologia, contudo, não era isto o desejado por Rogers. Para este, deve haver uma autêntica comunicação de compreensão e preocupação. Hoje em dia, o reflexo é apenas uma parte da chamada “escuta ativa” (BOEREE, 2018). O trabalho do terapeuta não é tanto fazer isto ou aquilo, mas sim “estar” de certa forma para o cliente.
Conforme escreve Boeree (2018), Rogers apresenta três qualidades que o terapeuta deve ter durante as sessões de terapia:
Ele ou ela deve ser congruente: Basicamente, isto implica ser honesto, não ser falso, pois os clientes podem perceber quando seu terapeuta está fingindo. A congruência é necessária para gerar confiança na relação terapêutica.
Ele ou ela deve ser empático: O terapeuta deve ser capaz de identificar-se com o cliente, entendendo-os não tanto como psicólogo, mas como uma pessoa que também tem visto parte de seus problemas. O terapeuta deve ser capaz de mirar os olhos do cliente e ver a si mesmo.
Ele ou ela deve mostrar ao cliente uma consideração positiva incondicional: Não significa que o terapeuta tem que amar o paciente, mas que ele deve respeitá-lo como ser humano e não o julgar.
Rogers, ao longo de sua obra, coloca que o objetivo do terapeuta é participar da experiência imediata do seu cliente. Para isto é necessário que o terapeuta saiba escutar e observar, estar atento aos movimentos da relação e à sua interação com seu cliente […] A ideia do terapeuta “centrado na pessoa” é de compreender o sujeito falante, a sua fala e o que se passa no aqui e agora da relação. A perspectiva da terapia rogeriana se encontra com as premissas fenomenológicas no sentido de que o real aí está, o fenômeno está aí presente, oferecido à observação, bastando se estar atento para apreendê-lo sob o prisma do sujeito que vive o fenômeno (HOLANDA, 2009).
A ótica rogeriana apresenta um conceito que rege praticamente todos os processos envolvidos tanto na clínica quanto no cotidiano de seus clientes, é o conceito de tendência atualizante, clássico e melhor descrito nas palavras do próprio idealizador.
Todo organismo é movido por uma tendência inerente a desenvolver todas as suas potencialidades e a desenvolvê-las de maneira a favorecer sua conservação e enriquecimento. Observemos que a tendência atualizante não visa somente […] a manutenção das condições elementares de subsistência como as necessidades de ar, de alimentação, etc. Ela preside, igualmente, atividades mais complexas e mais evoluídas tais como a diferenciação crescente dos órgãos e funções; a revalorização do ser por meio de aprendizagens de ordem intelectual, social, prática (ROGERS; KINGET, 1977, p.159-160 apud HOLANDA, 2009).
É a partir desse conceito que Rogers pensa a clínica psicoterapêutica, mostrando profunda confiança, quase uma “crença” na capacidade humana, tendo em vista um homem artífice de si próprio, como seu “próprio arquiteto”. Portanto, o cliente passa a ser considerado “sujeito” de sua própria vida, ativo e consciente. Em virtude dessa implícita concepção de homem, obrigatoriamente é pressuposta uma similar mudança na posição do terapeuta nesta relação, como explica Holanda (2009) ao escrever que
Se o sujeito da clínica é autônomo, consciente e dotado de potencialidades suficientes para se desenvolver, o papel ocupado pelo terapeuta deixa de ser o de “guia” ou de detentor de um suposto saber alheio ao cliente. Dá-se um natural emparelhamento de posições: ambos, terapeuta e cliente, são “pessoas” e sobre esta perspectiva se apoia toda a simplicidade do método rogeriano. Em um contexto como este, a figura do terapeuta é destituída de sua representação mágica e a responsabilidade do processo passa a ser do próprio sujeito do cliente – o que justifica, inclusive, a apropriação do termo “facilitador” ao invés de “terapeuta”, para Rogers –; ademais, isto se reflete igualmente na postura desse facilitador. Em outras palavras, a sua postura durante a entrevista passa por sua confiança nessa tendência atualizante. Desta feita, por considerar que o mais importante na terapia é desenvolver as potencialidades do cliente, o facilitador prescinde de usar “diretivas”, de ser o principal agente direcionador do processo de seu cliente, em uma posição de facilitar a emergência do fenômeno de seu cliente. O ponto central da ideia da “não-direção” é, em essência, uma abstenção de intervenções diretas baseadas em valores e pré-julgamentos, forçosamente orientados por um arcabouço teórico anterior ou por uma postura de suposto saber do terapeuta. É uma atitude diferenciada do terapeuta que […] passa por uma “recusa”: A não diretividade é, antes de tudo, uma atitude em face do cliente. É uma atitude pela qual o terapeuta se recusa a tender a imprimir ao cliente uma direção qualquer, em um plano qualquer, recusa-se a pensar que o cliente deve pensar, sentir ou agir de maneira determinada. […] É uma atitude pela qual o conselheiro testemunha que tem confiança na capacidade de autodireção do seu cliente. […] Assim sendo, as intervenções do terapeuta devem salvaguardar ao máximo a integridade do cliente. A atitude deve se basear na compreensão e na apreensão do mundo interno do sujeito, evitando a interpretação e a interposição de valores. Ao se interpretar, corre-se o risco de “compreender ‘sozinho’, de acreditar compreender quando de fato o que se está fazendo é projetar nossas significações sobre a situação do cliente”. Isto nos lembra a célebre epígrafe de Erwin Straus quando, ao questionar o princípio interpretativo apoiado em teorias destacadas da vivência, coloca que “na maioria das vezes, as ideias inconscientes do paciente, são as teorias conscientes de seu terapeuta”.
Por fim, é importante salientar seis imperativos da atitude do entrevistador, prerrogativas de ser um terapeuta centrado no cliente, conforme apresentado por Mucchielli (1978) apud Holanda (2009).
(1) Acolhida e não iniciativa: trata-se de uma atitude de receptividade, convite a ficar à vontade, diferentemente da atitude de iniciativa que obriga o outro a dar respostas ou a reagir diante da situação (embora esta seja uma atitude assaz eficiente e, de fato, “centrada no cliente”, também pode gerar certas inseguranças e incertezas). É importante estarmos atentos à cultura na qual estamos inseridos – ou o cliente em questão. É muito comum recebermos um cliente repleto de expectativas definidas sobre a situação da entrevista terapêutica; não responder a estas expectativas ou ignorá-las é uma atitude de pré-julgamento da circunstância. O mais indicado é aguardar o advento do fenômeno do cliente, mas não ignorar as suas necessidades mais prementes;
(2) Estar centrado no que é vivido pelo sujeito e não nos fatos que ele conta: Primado da vivência que é sempre uma vivência particular, vivido do outro, nunca é de posse de uma interpretação alheia. O meu vivido é o meu vivido. Devo, pois, apreender o sentido deste vivido tal qual ele o é para esse outro sujeito. Significa dizer que os fatos objetivos são auxiliares e não determinantes na compreensão do meu outro. Todavia, convém assinalar que isto não significa dizer que devemos simplesmente “deixar de lado” os fatos ou as objetividades. Os fatos são constituintes da cultura e da realidade dos indivíduos, e devem ser entendidos como tais. São, pois, de extrema relevância. O que não podemos é nos atermos aos fatos em si, visto que, cada fato é vivido na particularidade do sujeito. Em outras palavras, trata-se de focar o “sentido” ou o “significado”;
(3) Interessar-se pela pessoa do sujeito, não pelo problema em si mesmo: corolário do anterior. O autor coloca “renúncia” ao ponto de vista objetivo, visto o problema ser existencial. Não se trata, na realidade, de renunciarmos à objetividade, mas apenas remanejar as relevâncias. Os problemas são fatos da própria realidade, ou seja, todo mundo tem problemas e muitas vezes problemas absolutamente idênticos. As vivências destes problemas é que diferem em si, ou seja, os problemas podem ser iguais, os sentidos nunca são iguais – são particulares e da esfera da existência individual de cada um. No caso da terapia, o facilitador “tentar ver não o problema em-si, mas o problemado-ponto-de-vista-do-sujeito em questão” […]. É isto que caracteriza uma entrevista “centrada na pessoa”;
(4) Respeitar o sujeito e manifestar-lhe uma consideração real, em lugar de tentar mostrar-lhe a perspicácia do entrevistador ou sua dominação: Isto é consequência da principal noção rogeriana, a de tendência atualizante. Significa acreditar que o cliente tem potencial para sair da situação na qual se encontra, de recobrar sua dinamicidade perdida, seu “estado de equilíbrio”. Significa respeitar esta potencialidade e respeitar a própria existência do indivíduo como algo único, real. É um respeito por sua integridade, sua maneira de ver a realidade, de sentir, de viver. É uma não interposição de conceitos: os meus conceitos ou as minhas ideias são os meus conceitos e as minhas ideias, os conceitos e as ideias do outro são os conceitos e as ideias do outro. Podemos trocar e interagir, mas não devemos impor nada, sob pena de perdermos o sentido da individualidade e nos mesclarmos num amálgama disforme. “Não é o caso de ‘fazer psicologia’, mas de escutar e de compreender”;
(5) Facilitar a comunicação e não fazer revelações: Não se trata de enquadrar esta ou aquela fala num determinado padrão de interpretação, ou de revelar uma “verdade” apreendida ao outro (a verdade atribuída é sempre verdade projetada). A rigor, o que difere o modo de reformulação de uma interpretação clássica é a apreensão do mundo privado do sujeito como ponto de partida. A “interpretação” parte da subjetividade de quem interpreta, enquanto que na reformulação se destaca o esforço por considerar a alteridade e o ponto de partida é sempre o do sujeito da vivência. Nesta perspectiva, “trata-se de esforçar-se para manter e melhorar a capacidade de comunicar e de formular o seu problema. Permite-se ao cliente esclarecer a sua própria experiência para si, logo, possibilitando a sua solução. Uma dialética que aponta para o fato de que nos próprios problemas estão suas soluções.
Sigmund Freud percebe na prática da psicoterapia uma série de particularidades humanas que aparentemente entram em conflitos, o que faz com que o entrevistador se veja em uma profissão paradoxal, afinal, em um único ser humano devem ser integradas várias características humanas aparentemente conflitantes. Assim sendo, é fortemente evocada a tensão de polaridades opostas em um ambiente onde as diferentes necessidades dos clientes impõem ao terapeuta exigências aparentemente intermináveis (HYCNER, 1995). O paradoxo primordial está representado pela óbvia tensão entre as dimensões “subjetiva” e “objetiva” na psicoterapia, onde é requerido, ou mesmo exigido, um envolvimento pessoal da parte do terapeuta, ao mesmo tempo é preciso que ele mantenha a objetividade apropriada. Torna-se crucial a resposta equilibrada do terapeuta. Assim sendo, o conhecimento objetivo precisa estar fundamentado na experiência subjetiva do cliente e na do terapeuta, o que caracteriza a tensão entre o conhecimento nomotético, ou generalizável, e o conhecimento ideográfico, ou único.
O terapeuta precisa ter uma quantidade substancial de conhecimentos sobre os seres humanos em geral; porém, precisa sempre se esforçar para apreciar profundamente a experiência única da pessoa sentada à sua frente. Ambos os aspectos são essenciais para a empatia e compreensão das experiências de outro ser humano. Ainda assim, há entre eles uma forte disputa pela dominância. Constantemente o terapeuta precisa decidir sobre que aspecto atender em um dado momento. Em cada caso existem barganhas e riscos envolvidos. Ainda assim, é o jogo inerente aos riscos que dá força e vida a esse esforço. Surge, então, para o terapeuta a necessidade de integrar as dimensões objetiva e subjetiva de forma harmoniosa. Graças a isso, o gênio pioneiro de Freud manifestou-se pela necessidade de uma “consciência plainando em equilíbrio”, isto é, uma consciência que não esteja sujeita aos extremos usualmente evocados no encontro humano. De uma forma similar, Buber sugere que o psicoterapeuta precisa desenvolver a habilidade, aparentemente contraditória, de manter uma “presença-distanciada”. O terapeuta deve estar totalmente presente e, simultaneamente, ser capaz de refletir sobre o que está sendo experienciado num dado momento.
O processo psicoterapêutico exige que ambas as dimensões da existência, a “subjetiva” e a “objetiva”, sejam habilmente mescladas (HYCNER, 1995). Nesse processo, o terapeuta deve encarar a psicoterapia como ciência ou como arte? O enfoque mais enfatizado afetará o treinamento do psicoterapeuta bem como os valores decorrentes deste treinamento, logo, é determinante na atitude com que o indivíduo aborda seu trabalho. É certo que há um corpo de conhecimentos na psicologia e teoria psicoterapêutica essencial no trabalho com pessoas. Mas, ser responsivo ao cliente implica usar “sob medida” o conhecimento científico e os fatos, para que sirvam a uma única pessoa. Este aspecto muito exigente da profissão requer que o terapeuta integre a arte à ciência da psicoterapia. A negligência de uma das duas resulta num “des-serviço” ao cliente (HYCNER, 1995).
O terapeuta, além disso, confronta-se com problemas aparentemente contraditórios em relação aos aspectos pessoal e profissional. O self do terapeuta é intrinsecamente uma parte do processo. Em que grau o terapeuta enfatiza seu self pessoal em terapia e em que grau sua persona profissional é predominante? Onde começa o profissional e cessa pessoal? A tentação maior, e à qual pode-se sucumbir mais facilmente, é enfatizar a conduta profissional de forma a encobrir as inseguranças em estado de ebulição, que podem armar uma cilada para a pessoa do terapeuta. Sem dúvida, a persona profissional é parte necessária do processo psicoterapêutico de cura – ainda assim é somente a “forma” através da qual a pessoa terapeuta emerge (HYCNER, 1995).
O terapeuta ainda é confrontado frequentemente com o não desejado. Questões às quais ele, consigo mesmo, não deseja analisar podem ser trazidas pelo próximo cliente, e isso é irreversível, pois não há evitação em terapia. O profissional, incessantemente forçado a lutar com suas fragilidades e com seus pontos cegos, pode encontrar nesse dilema a raiz de sua empatia. Como “curador ferido”, tem uma natureza profundamente sensível à vulnerabilidade alheia. Mas deve-se considerar se certa vulnerabilidade torna o terapeuta mais aberto, porque um excesso de “feridas” pode trazer à tona suas defesas e fechar as portas para a possibilidade de um encontro genuíno. De fato, o “curador ferido” cura; mas, se o ferido torna-se o principal na terapia, o foco pode vir a ser a cura do terapeuta e não a do cliente, o que não deve ocorrer. Cabe ao terapeuta promover o aparecimento de suas feridas no processo psicoterapêutico, evitando que a cura do seu próprio self seja o objetivo na relação com o cliente. Como consequência natural, o terapeuta pode sim alcançar sua cura como resultado dessa interação “entre” (HYCNER, 1995).
Cabe ressaltar outro contraste na profissão paradoxal que se dá entre a experiência subjetiva do terapeuta e suas habilidades relacionais. O terapeuta deve estar em contato com sua própria experiência individual e ao mesmo tempo manter plena a interação com seu cliente, entendendo a experiência deste. Ser introvertido o suficiente para ter uma awareness altamente desenvolvida de si mesmo, e ser capaz de se relacionar facilmente com outras pessoas. O termo inglês “awareness” não tem correspondência exata em português, mas significa “uma forma de experienciar”. Implicando um processo de estar em contato vigilante com o evento de maior importância no campo indivíduo/meio, com total suporte sensório-motor, emocional, cognitivo e energético. O terapeuta precisa estar cuidadosamente aware do que está acontecendo entre ele e o cliente. (HYCNER, 1995). Vila (2016) escreve que o terapeuta precisa de uma grande dose de awareness para seu trabalho, e que nisso reside parte da qualidade artística da terapia, ter a maior consciência possível do momento e de tudo que há no campo, a fim de responder criativa e espontaneamente na interação com o paciente.
E, nesse ambiente de paradoxos, o self do terapeuta é o “instrumento” que será utilizado na terapia. Isso implica que a orientação teórica não é tão decisiva quanto a inteira disponibilidade que promove o encontro de self com self. Nesse encontro genuíno nasce a inteireza do cliente que estava ausente antes da interação (HYCNER, 1995).
BLEGGER, José. Temas de Psicologia: Entrevistas e Grupos. Bela Vista: WMF Martins Fontes, 2001.
BOEREE, George. La terapia centrada en el cliente de Carl Rogers. Disponível em: <https://www.psicologia-online.com/la-terapia-centrada-en-el-cliente-de-carl-rogers-1275.html>. Acesso em 25 julho 2018.
CRAIG, Robert J. Entrevista Clínica e Diagnóstica. São Paulo: Artmed, 1991.
Dicionário Michaelis. Disponível em: <http://www.michaelis.uol.com.br/>. Acesso em 02 novembro 2017.
GARCÍA-ALLEN, Jonathan. Los distintos tipos de entrevista y sus características. Disponível em: <http://www.psicologiaymente.net>. Acesso em 07 novembro 2017.
HYCNER, Richard. De pessoa a pessoa: psicoterapia dialógica.
HOLANDA, Adriano Furtado. A perspectiva de Carls Rogers acerca da resposta reflexa. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S217525912009000100004>. Acesso em 04 novembro 2018.
MARTIN, Melanie J. Diferencia entre las entrevistas estructuradas y semiestructuradas. Disponível em <https://www.cuidatudinero.com/13104149/diferencia-entre-lasentrevistas-estructuradas-y-semi-estructuradas>. Acesso em 16 maio 2018.
MILLER, Ashley. The Purpose of a Clinical Interview in a Psychological Assessment. Disponível em: <http://www.chron.com/>. Acesso em 06 novembro 2017.
MUÑOZ, Eva María Ruiz. El triage psicológico: ¿Una herramienta para el psicólogo de emergencias? Disponível em: <https://psicologosemergenciasbaleares.files.wordpress.com/2014/01/numero14vol1_2015_triag e_psicologico.pdf>. Acesso em: 05 junho 2018.
VILA, David Picó. El awareness. Disponível em: <https://gestaltnet.net/documentos/elawareness>. Acesso em 29 abril 2019.
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Psicologia e Odontologia podem e devem caminhar juntas: (En)Cena entrevista Eva Spangenberg
Para além das questões estéticas, a Odontologia, como prática de saúde, promove a prevenção de doenças que possam ocorrer por não cuidar da saúde do sorriso. É importante ressaltar que um profissional de odontologia bem preparado, deve demonstrar confiança aos pacientes. Pois muitas vezes, alguns nunca passaram por procedimentos odontológicos o que faz com que sintam-se receosos e inseguros, portanto ter o profissional ali, que possa acalmar, conformar e trazer informações necessárias ao paciente se faz essencial.
Além disso, sabemos que a saúde mental é muito importante e que promove qualidade de vida tanto aos pacientes, quanto aos profissionais. Que por sua vez, enfrentam jornadas de trabalho intensas, onde se exige uma atenção maior durante os procedimentos realizados e os cuidados da saúde mental devem ser realmente levados em consideração.
Na presente entrevista, conversamos com Eva Spangenberg, formada em Odontologia e que está concluindo sua segunda graduação em Psicologia pelo CEULP ULBRA. Eva oferece uma visão muito interessante, que envolve sua trajetória profissional e sua relação com ambas as áreas de conhecimento.
Fonte: Acervo da entrevistada
En(Cena) – Você poderia nos contar um pouco acerca da sua trajetória profissional? E, se possível, da sua motivação para aliar Odontologia e Psicologia.
Eva Spangenberg – Quando prestei meu primeiro vestibular aos 19 anos, prestei para odontologia e psicologia. Na época havia passado somente em psicologia, naquele momento não era o que eu realmente queria fazer. Estava decidida que queria cursar odontologia, e fiz um ano de cursinho para um novo vestibular, desta vez prestei somente para odontologia. Fiz essa graduação em princípio na USC de Bauru, sendo que 2/3 do curso concluí nessa instituição, depois me mudei para Londrina e finalizei minha graduação na Unopar de lá, foi uma experiência muito enriquecedora de aprender com visões institucionais diferentes, mas que se complementavam.
En(Cena) – Ao longo da sua formação, como se deu essa relação entre a Odontologia e a Psicologia?
Eva Spangenberg – A Odontologia trabalha todo tempo com o emocional do paciente e do cirurgião, o contato é bastante próximo, tanto no atendimento, quanto na anamnese e na evolução dos casos. Cada vez mais pude perceber a necessidade vinda do paciente de uma escuta atenta e diferenciada, procuro sempre me manter atualizada em diversos segmentos, para que possa oferecer uma consulta e um tratamento de qualidade para meus pacientes. Sendo assim, e com o gosto por aprender e adquirir novos conhecimentos, que senti a necessidade e a vontade de ingressar no curso de Psicologia. Para aperfeiçoar antigos conhecimentos, para aprender tantos outros e me socializar mais num ambiente acadêmico que aprecio muito, pois na odontologia, passamos muitas horas sozinhos em ambientes fechados, voltar a estudar foi como refrigerar a alma.
En(Cena) – Existe um discurso que ouvimos muito acerca do “Medo de ir ao Dentista”, algumas pessoas inclusive demonstram pavor. Quanto a isso tem alguma técnica ou forma de acalmar esse paciente, para realização dos procedimentos e perder esse medo?
Eva Spangenberg – Acredito que muito do medo é pela insegurança e falta de informação, por parte do profissional, dos passos seguintes que serão dados. O paciente também, na maioria das vezes, já vem sensibilizado por tratamentos anteriores mal sucedidos, por vezes também, confunde pressão com dor. Procuro estabelecer uma relação de compromisso e confiança desde o primeiro encontro, com o compromisso firmado de ambas as partes, a minha como profissional e a do paciente, durante o atendimento. Antes do procedimento ser realizado, faço uma explicação de como será cada passo, diferencio para o paciente a diferença de pressão e dor, com toques nas mãos, o paciente informado se sente seguro e se mostra bastante colaborativo durante os atendimentos, isso já o acalma também.
En(Cena) – Na sua opinião é mais fácil lidar com pacientes adultos ou com as crianças? Por quê? Isso vale também para os que sofrem dessa fobia mencionado na pergunta anterior?
Eva Spangenberg – Fiz 11anos de Odontopediatria, é uma área bastante cansativa, mas de muitas satisfações pessoais. Normalmente, alguns dos pais se mostram negligentes nos cuidados com as crianças ou excessivamente zelosos e dão mais trabalho do que as próprias crianças, sendo assim é necessária uma postura de pulso e doçura ao mesmo tempo. Os movimentos precisam ser firmes e rápidos, porque um erro, pode ferir a criança. O tempo de atendimento infantil é reduzido também, pois elas se cansam mais rapidamente e passam a não colaborar, por vezes, medidas de contenção conforme técnicas específicas, podem ser utilizadas em casos complexos para o manejo da dor e execução segura do trabalho. Tudo deve ser muito bem conversado com a criança e não devemos subestimar sua capacidade de entendimento e participação durante os atendimentos, ao final dos atendimentos é sempre interessante usar um reforço positivo, que reforça o vínculo com o profissional e a autoconfiança da criança.
En(Cena) – Já houve alguma situação no consultório na qual o paciente tenha tido alguma crise ou entrado em pânico? Se houve, como foi o desfecho?
Eva Spangenberg – Por duas vezes tive pacientes em situação de pânico, uma delas foi durante a cirurgia de um adolescente e um colega médico de um consultório ao lado me ajudou no manejo da situação com sucesso. Em uma outra, o paciente tinha verdadeiro pânico de consultórios odontológicos, gritava e escorregava pela cadeira de atendimento sem sequer ser tocado. Nesse caso, para o conforto do paciente e segurança do profissional, ele foi encaminhado para atendimento hospitalar com sedação completa para execução dos procedimentos.
En(Cena) – Estudos recentes sugerem que pacientes que sofrem de Bruxismo costumam sofrer de ansiedade, depressão e raiva. Em sua experiência, já lidou com pacientes que apresentavam bruxismo? Se sim, você teve essa percepção?
Eva Spangenberg – O bruxismo tem se mostrado a cada dia mais presente. Inclusive, em crianças de tenra idade. Os estímulos sensoriais exacerbados e por tempo excessivo, o excesso de tarefas e afazeres diários e a falta de um tempo de qualidade e com tranquilidade para si mesmo, tem aumentado a frequência e a intensidade dos casos. Além do acompanhamento odontológico, por vezes se faz necessário o acompanhamento psicológico. O profissional deve estar atento aos primeiros sinais a fim de evitar maiores danos e proporcionar informações e qualidade de vida para esse paciente.
En(Cena) – Dra., sabemos que o contexto atual, por conta da pandemia, tem atingido as diversas áreas de nossas vidas. Como tem sido para você e para a Odontologia lidar com essas adversidades?
Eva Spangenberg – A pandemia expôs a nossa fragilidade como profissionais que lidam com sangue e saliva, com aerossóis altamente contaminantes. Particularmente, não necessitei fazer nenhuma mudança na execução dos atendimentos, pois sempre procurei ser bastante rigorosa no quesito biossegurança, no entanto, dobramos o cuidado com a desinfecção e espaçamos as consultas para melhor atender. Os pacientes se mostraram bastante assustados com a mídia, e os profissionais bastante fragilizados emocionalmente e financeiramente. Isso nos fez refletir muito sobre a necessidade de termos fontes de renda alternativas, que não demandem necessariamente de nossa presença física para que tenhamos retornos financeiros.
En(Cena) – Atualmente você é formada em Odontologia e acadêmica de Psicologia. O que você acredita que mudou?
Eva Spangenberg – Mudou minha forma de olhar, que antes era mais embrutecida, hoje tenho mais paciência, mais diretividade, um olhar mais atento e uma capacidade resolutiva em processo de melhoramento. Procuro refinar mais as conversas com os pacientes e permitir que se sintam acolhidos, validados e comprometidos com o tratamento, minha maior satisfação é quando retornam para outras manutenções.
En(Cena) –Dra. Eva, qual a sua opinião acerca da parceria, ou até mesmo da prática integrada entre Psicologia e Odontologia? Na sua visão, quais os benefícios futuros que essa parceria poderia proporcionar aos pacientes?
Eva Spangenberg – O cirurgião dentista não é formado até os dias atuais, para o estabelecimento de parcerias, perde enormemente com isso e nesse caso, tem muito a aprender com os colegas médicos. São parcerias em materiais, em equipamentos, que apesar do grande investimento, em pouco tempo se tornam obsoletos e quando esses conhecimentos, esses materiais e equipamentos são partilhados, eles se pagam e abrem caminho para o novo. Tem um conto, bem divulgado na odontologia, em que você entra no curso e se acha o máximo, porque agora tem uma bancada para aprender a trabalhar, de 1.50m, e um manequim de borracha. Passado um ano, você tem um paciente e chama o professor para atender não o paciente “fulano de tal “, mas o dente 46 com fratura, então, se não estivermos atentos a nós mesmos e ao nosso redor, nosso mundo se encolhe e perde significância. Vejo que a psicologia apura o olhar e a forma de atendimento do cirurgião dentista, inclusive para questões pessoais do paciente, presente durante os tratamentos. Um cirurgião dentista atento pode indicar um tratamento psicológico de qualidade aos seus pacientes, mostrando que não se trata de fraqueza, mas de coragem por parte do paciente de lidar com aspectos tão necessários na vida cotidiana. O mesmo vale para o profissional psicólogo, que deve também estar atento aos cuidados pessoais, à estética satisfatória por parte das demandas do cliente, à questões como halitose, por vezes despercebidas pelos portadores da mesma e ao autocuidado da saúde bucal, negligenciado principalmente em casos de viuvez, separações ou pacientes que vivem sozinhos. A boca faz parte na melhoria e consagração da autoestima com qualidade de vida, caso o profissional tenha a oportunidade e o interesse em aliar aos atendimentos a odontologia e a psicologia, o resultado será ainda melhor.
En(Cena) – Vale destacar aqui também o cuidado com a saúde mental dos profissionais da Odontologia, que muitas vezes se mostram com uma jornada de trabalho extensa, podendo chegar a ultrapassar o limite das 60 horas semanais permitidas por lei, quando estes trabalham como autônomos. Em sua opinião, quais riscos isso poderia trazer à saúde e quais mudanças podem ser possíveis nesse contexto entre a Psicologia e a Odontologia?
Eva Spangenberg – A abertura indiscriminada de faculdades de odontologia, que não necessariamente primam por excelência na sua formação, aliadas a políticas públicas de negligência e abandono nas áreas de saúde, a procedimentos mal remunerados e às dificuldades de progressão de carreira, têm em muito contribuído para o adoecimento, afastamento, mudança de carreira ou péssimas condições de vida e de trabalho de muitos profissionais, inclusive com imensas dificuldades para se aposentarem. Um profissional atento deve se informar sobre as diversas formas de contornar e ressignificar essas dificuldades, caso queira continuar atuando ou mesmo se aposentando com manutenção da qualidade de vida posterior, é preciso estar atento à necessidade de cuidados com sua psique, com seu corpo físico, com a qualidade de suas relações de trabalho e pessoais, pois além de trabalhar com a técnica, trabalha também com a arte e com a inspiração!
Fonte: Acervo da entrevistada
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Psicologia Política e Democrática: desafios e práticas
No dia 15 de novembro é comemorado o dia da Democracia, e por isso o En(Cena) convidou duas psicólogas atuantes na cidade de Palmas, para um debate sobre questões pertinentes sobre psicologia política e democracia, para compreendermos mais sobre a temática.
Ana Carolina Peixoto do Nascimento possui graduação pelo Centro Universitário Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA, Mestrado em Ensino em Ciência e Saúde, pela Universidade Federal do Tocantins, sócia fundadora do Devir Espaço Terapêutico, onde atua como psicóloga clínica no atendimento de crianças e adolescentes.
Ana Carolina Peixoto, Psicóloga, CRP 23/1253
Ester Maria Cabral, possui graduação em serviço social pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC-GO (1982), graduação em Psicologia pelo Centro Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA, especialização em Saúde Mental pela Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ.
Ester Maria Cabral, Psicóloga, Assistente Social, CRP 23/1766
As convidadas abordaram características e contribuições que a psicologia traz para a colaboração da garantia e empenho dos direitos à democracia e suas práticas.
En(Cena) –Como vocês avaliam a relação de políticas públicas e psicologia?
Ana Carolina – Durante muitos anos, a Psicologia esteve recolhida às quatro paredes dos consultórios particulares, restringindo-se a uma pequena parcela da população, aquela que
tinha condições de pagar. Com a inserção da Psicologia nas políticas de saúde, assistência social, justiça e educação, a Psicologia caminha para um processo de democratização do acesso aos serviços psicológicos, em consonância ao nosso Código de Ética Profissional, buscando reduzir as desigualdades, promovendo a inserção social, saúde e qualidade de vida, e buscando eliminar quaisquer formas de violência e negligência.
Ester Cabral – As políticas públicas no Brasil começam a ser pensadas a partir de movimentos de sistematização e mobilização de caráter científico nas décadas de 1930 a 1960, com ênfase na implantação do Estado Nacional Desenvolvimentista com o grande desafio de modernização de uma sociedade fortemente dependente de países mais avançados tecnologicamente.
A Psicologia desde os seus primórdios sempre esteve ligada a setores importantes da sociedade e o início de sua profissionalização se deu com a contribuição de duas grandes áreas do conhecimento: a educação e a saúde. No entanto, era vista como elitista e de difícil alcance da população de modo geral.
A partir da constituição de 1988, nossa constituição cidadã, percebe-se um avanço na implementação das políticas públicas no país especialmente as voltadas à Seguridade Social e neste campo a psicologia tem alcançado um espaço maior de atuação, em especial nas áreas de Assistência Social e Saúde.
É evidente que o alcance da psicologia enquanto profissão é muito maior e cabe em todos os espaços políticos, no entanto este lugar de atuação tem se restringido, apesar de vários movimentos para sua expansão, em especial na área da educação onde o profissional psicólogo ainda não tem seu espaço garantido.
As políticas de saúde pública e de assistência social já contemplam a presença do profissional psicólogo em seus dispositivos de atuação tais como: CRAS, CREAS na Assistência Social e Hospitais, Ambulatórios de Especialidades, CAPS, NASF na Saúde, porém esta atuação ainda é bastante insipiente e percebe-se que a atuação deste profissional é requerida, em sua grande maioria, para os atendimentos clínicos.
Sabe-se que há espaço para a atuação do profissional psicólogo na gestão das políticas públicas, porém nem sempre a psicologia é contemplada para estes fins a não ser nas áreas de Recursos Humanos.
Muito se tem a fazer no sentido de estabelecer uma maior interlocução da profissão com as áreas públicas e a Psicologia Social é a que mais se destaca nesta vertente, buscando discutir com a sociedade seu papel primordial na mudança de visão que a população tem da nossa profissão, antes vista como elitista, para uma visão mais próxima dos anseios da população, especialmente a população carente.
En(Cena) – Ana Carolina, o que te levou a escolher trabalhar com a psicologia e especificamente a área de álcool e outras drogas?
Ana Carolina: Acredito que o meu encanto com a Psicologia sempre foi a nossa capacidade de transformação de realidades, mundos, jeitos de ser e de viver (nossos, profissionais Psi, e das pessoas que entram em contato com o nosso trabalho).
Durante a faculdade de Psicologia, tive a oportunidade de experimentar diversas vivências (em projetos de pesquisa, extensão, monitorias, estágios extracurriculares e curriculares) e, dentre elas, a inserção na Política de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. Foi durante a participação no projeto de pesquisa PET-Saúde (Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde) que me inseri, pela primeira vez, no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPS AD III). A princípio, foi uma experiência desafiadora, pois a primeira emoção que senti ali foi de medo (enormemente influenciada pelas reportagens e notícias veiculadas nos meios de comunicação, que desumanizam o usuário de drogas, e o representam como um “monstro”). Imaginem o meu choque, de entrar no CAPS AD esperando encontrar “zumbis” (vide referência das novelas que ousam retratá-los assim), e encontrar pessoas normais?! Essa experiência do PET-Saúde despertou o meu interesse para conhecer mais a Política, e foi quando decidi escrever o meu Trabalho de Conclusão de Curso com essa temática. Após concluir a graduação, trabalhei durante dois anos neste mesmo CAPS AD III, como psicóloga da equipe multidisciplinar, e dei continuidade aos meus estudos e pesquisas nessa área com a minha dissertação de Mestrado. E pretendo continuar no Doutorado…
En(Cena) – Ester, o que te levou a escolher trabalhar com a assistência social e posteriormente a psicologia?
Ester Cabral: Sempre gostei de políticas públicas e o Serviço Social me oportunizou o trabalho na área da Saúde Pública, atendendo a uma população em vulnerabilidades sociais graves. Como Assistente Social, trabalhei na gestão da saúde em Policlínica, depois em Serviços de Saúde Mental (NAPS e CAPS) e em hospital, na assistência à saúde. .
Ao tempo em que atuava na gestão destes serviços, também tive a oportunidade e o privilégio de acompanhar o nascimento do SUS e do SUAS, participando de suas instâncias de controle social nos Conselhos Municipais de Saúde e de Assistência Social, o que enriqueceu minha atuação como Assistente Social à época.
Este contato com a Saúde Mental me trouxe para a psicologia e na gestão de serviços de CAPS pude perceber a riqueza da conexão entre Serviço Social e Psicologia especialmente tendo uma visão sistêmica da realidade das pessoas em sofrimento psíquico e suas famílias. A partir desta vivência, pude concluir minha segunda graduação, mesmo que agora não mais esteja atuando na área pública.
En(Cena) – Em suas atuações profissionais, quais são os maiores embates no desenvolvimento da psicologia política e garantia da democracia?
Ana Carolina – Acredito que não existe Psicologia sem Política, porque a Psicologia é, em essência, um convite a pensar na problemática social, e o social não está “fora”, mas acontece no meio, entre as relações que estabelecemos. A Psicologia é política a partir do momento que fornece os meios para romper com o massacre das subjetividades, e integra o sofrimento do sujeito ao contexto político-histórico-social.
E me parece que a Psicologia que permanece fechada em suas quatro paredes (e isso não acontece somente nos consultórios particulares, mas também podemos constatar na atuação nas Políticas Públicas) ainda carece desse debate, dessa crítica social. A constituição da Psicologia como ética-estética-política busca romper com a padronização das formas de cuidado, para criar intervenções singulares para sujeitos singulares.
Ester Cabral – Entendo que os maiores embates no desenvolvimento da psicologia política na garantia da democracia estão especialmente na luta de seus profissionais pela manutenção da garantia de direitos dos cidadãos, alcançados por meio de nossa Constituição Federal. Estes direitos já garantidos estão sendo negociados de forma nefasta por parte dos “altos poderes nacionais”, colocando em risco nossa tão frágil democracia.
Em tempos de divisões ideológicas e de um país altamente polarizado, há que se pensar nos valores que a Constituição de 1988 prega e cada profissional engajado politicamente deve se posicionar no sentido de que os espaços de diálogo da população no seio das políticas públicas já concretizados sejam preservados e que através da conversação e da construção possamos efetivar nossa democracia tão atacada ultimamente.
En(Cena) –Ana, partir dos seus estudos e experiências, por quais motivos a população está tendo, cada vez mais cedo, o consumo de álcool e drogas?
Ana Carolina – compreensão que temos das drogas se modifica a depender do contexto histórico-político-social-cultural que vivemos. Desse modo, podemos dizer que as pessoas sempre usaram drogas para diversos fins, sejam eles religiosos, políticos, recreativos, medicinais.
Quando falamos em uso de drogas, estamos falando de substâncias lícitas e ilícitas (do ponto de vista legal), ou, utilizando a definição da Organização Mundial de Saúde “qualquer substância capaz de produzir alterações no funcionamento do nosso organismo”, a isso incluem-se os medicamentos, o álcool, o tabaco, a maconha, o crack, cocaína, açúcar, café etc.. No entanto, o contexto que conhecemos hoje, de “Guerra às Drogas” tem seu princípio na proibição do álcool nos Estados Unidos, em 1970, e tem raízes racistas e morais, proibindo certas substâncias e liberando outras, como falado anteriormente, a depender do sistema de valores sociais.
Desse modo, as pesquisas recentes apontam para um crescimento significativo do uso de medicamentos (em especial os opióides e anfetaminas, como a morfina, tramadol, metilfenidato – Ritalina), com 57 e 27 milhões de pessoas em todo o mundo, respectivamente, segundo dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC, 2020). A mesma pesquisa apontou que cerca de 19 milhões de pessoas fizeram uso de cocaína ou crack. Além disso, a Organização Mundial de Saúde publicou, em 2018, uma pesquisa apontando mais de 2 bilhões de pessoas que faziam uso de álcool, sendo mais de 280 milhões de pessoas com transtornos relacionados ao uso de álcool no mundo (OMS, 2018). Mas, por que é importante entendermos esses dados (e aqui estou trazendo somente um recorte)? Porque quando fala-se em “epidemia de drogas” e “Guerra às Drogas”, não está se falando do álcool e dos medicamentos, mas das substâncias ilícitas, em especial aquelas consumidas pelos estratos da população mais vulneráveis, o que evidencia a retórica falaciosa dessa Guerra, que nunca foi às drogas, mas as pessoas que usam “determinadas” drogas, em “determinados” espaços e contextos sociais. E isso é fundamental para entendermos o recorte sócio histórico em que vivemos, em que os jovens têm fácil acesso ao álcool e tabaco, em que a vida (e suas vicissitudes) é medicalizada, e o cenário proibicionista e racista encarcera e mata jovens pretos e periféricos.
En(Cena) – Ester, diante de suas experiências na assistência social e psicologia, os direitos democráticos e políticas públicas estão sendo aplicados na área da saúde mental?
Infelizmente, tudo o que se construiu e se estruturou em termos de saúde mental no país a partir da Reforma Psiquiátrica Brasileira da década de 1970 até 2015, está sendo desconstruído de forma descabida baseada em lobes políticos de instituições, que por anos usurparam o direito do cidadão com transtornos mentais de se tratar em liberdade.
É com muita tristeza que vemos o desmonte da Rede de Atenção Psicossocial, começando pela falta de financiamento, pelo estrangulamento dos serviços de CAPS, pela desconfiguração da RAPS e pela introdução de serviços privados de caráter contrário aos princípios da Reforma Psiquiátrica e do tratamento em liberdade em especial ao cuidado das pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, como as Comunidades Terapêuticas.
O desmonte da estrutura da RAPS a partir da Atenção Básica como ordenadora do cuidado, a implantação de serviços ambulatoriais para a saúde mental, deslegitimando o trabalho do NASF e dos CAPS no território são intervenções danosas aos direitos democráticos adquiridos pela população no cuidado à Saúde Mental no país.
En(Cena) – A população de Palmas tem conhecimento sobre os recursos e assistência oferecidos no combate e tratamento de álcool e outras drogas no município?
Ana Carolina – Sim, acredito que a população tenha acesso a informação e divulgação dos serviços que compõem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no cuidado em Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. No entanto, falta investimento do setor público, tanto nos serviços já existentes buscando qualificar e aprimorar as equipes, estrutura física e condições de trabalho, quanto na implantação de novos serviços necessários para o bom funcionamento da Rede.
Nesse sentido, a falta de investimento público vem acontecendo nos diversos níveis (nacional, estadual e municipal), ocasionando um desmonte de programas e serviços. Vale citar a Nota Técnica N° 11/2019 da Coordenação-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, vinculada ao Ministério da Saúde; a Lei N°13.840/2019; o Decreto N° 9761/2019; a Lei Estadual N° 3.528/2019 (revogada pelo Superior Tribunal Federal por ser inconstitucional) e outras publicações que traduzem esse atraso.
Ester Cabral – Creio que a população sabe que existem recursos de saúde e assistência social no município, no entanto, não têm conhecimento do que é oferecido nos dispositivos existentes. Infelizmente não há uma divulgação efetiva dos serviços e recursos oferecidos à população e grande parte da população sabe que esses recursos existentes não são suficientemente ofertados para o atendimento da demanda.
En(Cena) – Quais meios de acesso você considera eficaz para que a população possa ter maiores informações a respeito de democracia e garantia da mesma?
Ester Cabral – A mídia e as redes sociais são, hoje, potentes meios de acesso e comunicação para que a população seja informada de seus direitos. No entanto, entendo que estas informações só conseguem chegar de forma mais contundente à população, em época de campanhas políticas quando os aspirantes aos cargos fazem questão de mostrar o que a sociedade tem e o que não tem.
Vejo que a sociedade organizada também é um excelente veículo de informação e de meio de acesso à estas informações exercendo seu papel de controle social participando dos conselhos municipais e estaduais das mais diversas políticas. Foi assim que construímos o SUS e o SUAS, com a efetiva participação da sociedade e é através destes mecanismos que manteremos nossa democracia em pé.
Ana Carolina – Garantir que as pessoas tenham acesso aos seus direitos. Uma casa para morar, alimentação de qualidade, acesso aos seus documentos e aos serviços de saúde, assistência social, justiça, educação, acesso a atividades de lazer, esporte, cultura e arte. Acredito que isso é o básico, e mesmo assim existem várias pessoas que não têm nem isso. Além disso, o acesso da população aos mecanismos de controle social, como os Conselhos, é fundamental para a construção de Políticas e Programas. Penso que garantir o acesso das pessoas aos direitos previstos na Constituição Federal é o principal para se pensar democracia.
En(Cena) – Ester, quais contribuições acadêmicas você considera relevantes para a contribuição e formação de profissionais capacitados para colaborarem com a luta pela democracia?
Ester Cabral – A vida acadêmica é extremamente rica, dinâmica e potente na luta pela democracia. Se olharmos para a nossa história, vemos os estudantes nas ruas lutando por liberdade, pelas “diretas já”, por ações efetivas do poder público, por pautas importantes para nossa sociedade na defesa dos direitos das minorias, dentre outras.
Percebe-se que por um tempo, houve um hiato de participação social da comunidade acadêmica na vida política de nosso país, no entanto, vemos que os estudantes estão se interessando mais pelas políticas públicas e pela participação social, conseguindo alcançar espaços de luta e de poder.
As pautas de luta política estão cada vez mais sendo ampliadas a medida que os direitos estão sendo cerceados e é a comunidade acadêmica quem mais se vincula à essas pautas, pois tem conhecimento científico à sua disposição e garra pela participação efetiva nesses espaços, seja na rua ou nas tribunas livres.
En(Cena) –Estamos em um período eleitoral que nos faz avaliar quais serão nossos representantes políticos. Como você avalia, de um modo geral, xs candidatxs para representação e luta na garantia dos direitos democráticos e políticas públicas?
Ana Carolina – Estamos vivenciando um momento de intensa disputa política que, por vezes, foge do debate democrático. Vemos isso na veiculação massiva de fake news, na supervalorização de pautas morais do âmbito da individualidade dos sujeitos, no negacionismo da ciência e no retrocesso das políticas públicas. É como se estivéssemos vivendo uma distopia como Admirável Mundo Novo ou 1984, um momento de pós-verdade.
Ester Cabral – Este é um período em que devemos avaliar cada candidato, não pelo que ele diz fazer no futuro, mas pelo que ele traz de visão de mundo, de valores sociais, sua história de vida e seu engajamento nas questões sociais e de políticas públicas.
Não se pode olhar para o candidato apenas ao que ele promete fazer pelo bairro, mas pelo que ele pode fazer pela comunidade como um todo, especialmente para a manutenção da garantia de direitos já adquiridos.
En(Cena): Quais dicas e orientações você considera importantes ressaltar para os acadêmicos de psicologia a fim de contribuírem nesta luta?
Ester Cabral – Os acadêmicos de psicologia, como cidadãos de direito precisam entender a sociedade em que vivemos e suas necessidades, percebendo o que já está construído e lutar pela melhoria de vida de nossa comunidade.
Devem conhecer as políticas públicas existentes, seus mecanismos de funcionamento, sua história e como atuar na consolidação das mesmas de forma justa e ética.
A participação popular através das Conferências e outros espaços de participação é imprescindível para promover mudanças significativas nas políticas públicas existentes e para criar novas políticas que fortaleçam nossa democracia e sustentem o direito dos cidadãos e da comunidade em geral.
Ana Carolina – Embasamento teórico consistente, Código de Ética Profissional dx Psicólogx, conhecimento aprofundado das políticas públicas existentes e sua evolução sócio-histórica, conhecimento das referências técnicas do Conselho Federal de Psicologia acerca da atuação dx psicólogx nas Políticas Públicas (o CFP tem várias publicações em seu site), supervisão contínua (principalmente para xs psicólogxs recém-formadxs).