Como mães feministas têm criado/educado seus filhos?

O curso de Psicologia conta, em sua grade curricular, com o Estágio Específico em Processos institucionais e de Saúde, contexto em que o portal (EN)Cena é um dos cenários de prática. Durante o estágio foi percebido o quanto questões culturais afetam a saúde mental das pessoas, e com intuito de estudar e aprofundar esses aspectos no que tange principalmente a saúde mental da mulher, propusemos essa roda de conversa com a intenção de conhecer e entender como mães feministas têm criado/educado seus filhos (meninos).

O bate papo foi mediado pelas estagiárias, Bárbara Fronza e Mayara Bezerra e pela supervisora de campo Mayelle Batista da Silva. As participantes do bate papo foram escolhidas e convidadas a partir de indicações das estagiárias, sendo A. mãe de dois meninos de idades 6 e 9, M. mãe de dois meninos com idade 6 e 8, e R. mãe de dois meninos com idades de 2 e 7 anos.

O bate papo ocorreu virtualmente na plataforma Google Meet, o formato foi diretivo, porém livre para assuntos e temas fora das questões estruturadas, que apesar de não atuarem diretamente no tema proposto, acabam por entrar no cotidiano das mães, suas famílias e rotinas. 

Foram apresentadas algumas questões disparadoras para promover as discussões, conforme apresentado a seguir:

(En)Cena: Como vocês se descobriram feministas?

  1. sic [quando eu descobri que o meu segundo menino era menino, eu falei graças a Deus, eu já entrei nessa loucura, vamos endoidar de vez, a casa vai ser barulhenta e pendurada, do jeito que já era o primeiro. Não que a menina não pudesse né, mas que eu já estava acostumada naquele ritmo e eu sempre falei tenho medo de ter filha mulher porque eu não sou delicada e não sei ser delicada, fui criada em um meio muito conservador, então naquele momento da minha vida tudo isso representava uma quebra muito grande da imagem que a gente tem de que uma menina tem que ser assim].
  2. sic [sempre fui muito contestadora, meus pais sempre foram muito machistas, criaram eu e minha irmã de forma muito machista, do tipo ‘tem que casar virgem meninas são pra casar’, mas eu só queria saber de estudar. Me assumir feminista foi um processo natural, eu já era feminista antes de ser mãe, ser mãe de menino só reforçou minha preocupação, a partir do momento que fiquei grávida e vi que era um menino, pensei “e agora, como vou criar esse menino diferente dos homens que eu conheço?”, “como vou fazer isso em mundo extremamente machista?”, a gente tá cercado o tempo todo de atitudes machistas e muitas vezes as pessoas nem se dão conta que alguns comportamentos são comportamentos machistas].
  3. sic [eu sempre fui a ovelha negra da família, tenho quatro irmãos, tem a minha irmã, ela é mais velha e temos a diferença de 10 anos e no meio de nós tem três homens então praticamente fui criada com eles, sempre vivi no meio de homens, meus pais não eram preconceituosos,  mas também não entendiam, não incentivavam, tinham atitudes diferentes, era o que é sociedade achava e colocava como normal para eles né então tem muitas coisas do tipo de dormir na casa de amiga, viajar sozinha escolher que faculdade queria fazer, colocavam barreiras, não eram explícito o que eu não poderia fazer mas eles também não gostavam e não incentivaram, mas enfim, eu sempre quis fazer minhas coisas].

Durante o bate papo as convidadas trouxeram assuntos que são relevantes, mas que na prática acontecem diferentemente de como são abordados na teoria tipo: inclusão social, sentimentos, tarefas domésticas e divisão de afazeres, machismo e diversidade de gêneros.

(En)Cena:  Qual é a maior dificuldade em educar meninos sendo uma mãe feminista?

  1. sic [os meninos são ensinados a não chorar, aqui em casa fazemos diferente, os meninos choram, demonstram fragilidade, mas a minha maior dificuldade é ensinar eles a expressarem sentimentos e ao mesmo tempo serem fortes.]

O assunto “expressão de sentimentos” foi muito explorado durante o bate papo, e elas trouxeram questões sobre o quanto abordar esse assunto é relevante, tal como uma das convidadas aponta:

  1. sic [tratar de sentimentos é muito importante, principalmente porque hoje existe muito o fato de inclusão social e meu filho estuda com um colega especial (autista) por isso tento explicar que existe uma diferença, mas as vezes fico em dúvida se é bom falar mesmo sobre essa diferença ou não, por causa de brincadeiras que podem não ser interpretadas da mesma forma, mas eu tento explicar.]

Do mesmo modo, elas trouxeram a questão da diversidade em várias perspectivas, incluindo assuntos sobre gênero e família:

  1. sic [existem diversos formatos de família e fazer ele entender isso com naturalidade é a melhor coisa, achamos que não vamos dar conta, mas sendo mãe a gente dá. É responder apenas o que é perguntado e eles vão entendendo de forma natural e sem preconceitos.]
  2. sic [como não convivemos com nenhum casal homoafetivo, fico pensando que se eles não conviveram não vão entender, e por isso tenho exposto eles a conteúdos que tratam sobre esse assunto, para que eles aprendam de forma natural sem que eu tenha que sentar e conversar sobre esse assunto.] 

(En)Cena: Sobre a afirmação “ser mãe é sinônimo de culpa!”, vocês sentem esse sentimento?

  1. sic [a culpa é uma coisa que me acompanha em todos os aspectos da minha vida, com os meus filhos ela é terrível, então assim, se não tá comendo a quantidade de vegetais que eu queria, é minha culpa e aí eu me sinto mal por causa disso, eu me culpo e acho que a culpa acaba atrapalhando a gente de prosseguir, não é uma definição ou uma estratégia ela só é um peso, não é nada que ajuda em muita coisa mas eu me sinto culpada em tudo e em todos os aspectos da vida deles.]
  2. sic [nunca tive, sempre quis ser mãe, desde pequena essa foi a única decisão que tive e não mudei ao longo da vida, que quando veio para mim foi muito resolvido, outra questão que sempre tive é que eu teria uma profissão e iria exercer essa profissão, que eu não renunciaria a ela por nada e nem por ninguém.]
  3. sic [essa questão de mãe que abre mão é algo que queria fazer se tivesse disponibilidade financeira, mas não, também nunca tive aspiração de ser só dona de casa, a maioria das mulheres que conheço e que fizeram isso, hoje são mulheres de meia idade e são frustradas, pois deixaram de viver a vida delas para viver a da família.] 
  4. sic [sou bem resolvida nessa questão da minha vida, graças a Deus cheguei nela pelos caminhos que foram me levando, trazendo onde estou, tanto é que tive filho mais velha, fiz minhas coisas, quando chegou a maternidade eu estava mais madura, então a maternidade veio realmente para somar no meu relacionamento e na minha vida, então em relação a ter tido essa escolha de ficar em casa e cuidar dos meninos foi uma escolha minha mesmo, sempre tive uma rede de apoio muito boa, de mãe, sogra, pai, irmãos e condições financeiras também, mas comigo já foi o contrário quando eu estava no meu trabalho eu não estava completa eu ficava só pensando no meu filho, então quando resolvi sair do emprego e fui para dentro de casa cuidar 24 horas, ficar por conta  de ensinar e participar e está ali junto isso me completou  e me deixou bastante feliz.]

Além desses assuntos, foram abordadas outras temáticas relevantes associadas ao modo de como a cultura influencia na educação e no modo de como essas mães se posicionam em relação ao ambiente e a cultura que elas estão inseridas, mas isso será assunto de outra produção, considerando a relevância que esses temas têm para a sociedade em geral, bem como em relação a saúde mental da mulher.

As mães participaram de forma muito ativa e descontraída, trazendo relatos e experiências pessoais e familiares, com exemplos de como ensinam os seus filhos assuntos como: divisão de papéis, tolerância à frustração e como naturalizam isso, instruindo eles a demonstrarem sentimentos e ao mesmo tempo se defenderem, respeitando as diversidades mesmo quando essas não são do convívio deles, tornando assim, esses assuntos mais naturais construindo novos repertórios comportamentais numa direção muito mais diversa e de aceitação.

Embora as convidadas tenham relatado sobre essas experiências, ainda assim, estas são passivas de generalidade, considerando que são muitos os fatores que influenciam na realidade social e cultural de cada indivíduo e família.