A dinâmica da entrevista psicológica e o papel do terapeuta

Compartilhe este conteúdo:

O termo “entrevista” é bastante conhecido apesar de denotar uma atividade pouco dissertada na literatura científica (CRAIG, 1991). Convém, primeiro, analisar o significado desta palavra desde o seu sentido mais geral. O Online Etymology Dictionary registra que a palavra “entrevista” deriva do Francês entrevue, substantivo verbal de s’entrevoir, significado “ver um ao outro”, “visitar brevemente” ou “ter um vislumbre de”. A versão online do Dicionário Michaelis descreve este fenômeno como “visita ou encontro combinado” e “reunião entre duas ou mais pessoas, em local determinado, como objetivo de esclarecer assuntos pendentes, expor ideias ou obter opiniões dos presentes”.

Sendo a entrevista um instrumento muito difundido, tendo em seus variados usos uma grande variedade de objetivos, Blegger (2001) delimita o seu alcance ao focar na entrevista psicológica, conceituando-a como aquela na qual se buscam objetivos psicológicos como investigação, diagnóstico e terapia.

Para Kanfer e Seheft (1988) apud Craig (1991), uma entrevista é muito semelhante com uma interação social, tendo traços das interações duplas e grupais. Porém, numa entrevista clínica a maioria das regras sociais de etiqueta não são utilizadas, nela a conversa foca o paciente, portanto, sendo majoritariamente unidirecional. Quanto ao relacionamento, é profissional, não-íntimo, esperando-se das partes uma comunicação relevante para a tarefa em questão. Além disso, na entrevista clínica há limites de tempo, lugar e frequência da interação, impostos por ambas as partes. As declarações do terapeuta vão além do mero diálogo e há a determinação de objetivos específicos e resultados esperados dessa relação terapeuta-paciente.

Miller (2015) escreve que, durante a entrevista, o psicólogo coleta informações da história do cliente, vida social, emprego, situação financeira, experiência prévia em tratamento de saúde mental, bem como também apanha informações relevantes sobre a família do paciente. Todo e qualquer fator que possa impactar a saúde mental e bem-estar do cliente é considerada durante a entrevista psicológica, por isso, este instrumento fornece um compreensível retrato da vida da pessoa, assim ajudando na determinação do diagnóstico e curso do tratamento. Craig (1991) afirma que a maior parte dessas informações é baseada no relato do paciente e na observação do psicólogo, no entanto, não devem ser ignoradas outras fontes de informação, estas estariam nos relatos adicionais da família, em registros sobre o caso, testagens psicológicas ou entrevistas estruturadas suplementares.

Fonte: encurtador.com.br/ilyKT

Conforme García-Allen (2015), a entrevista tem diversos âmbitos de aplicação, portanto, há distintos tipos de entrevistas conforme o motivo de sua realização. De acordo com o número de participantes, a entrevista, delimitada ao campo da psicologia, pode ser distinta da seguinte forma:

  1. Entrevista individual: é o tipo de entrevista mais utilizado; um exemplo bem comum é quando um psicólogo recebe seu paciente para conhecer o motivo de seu comportamento.
  2. Entrevista em grupo: neste tipo de entrevista, há distintos entrevistados e, maioritariamente, um entrevistador. Na clínica, este tipo de entrevista recebe o nome de “entrevista familiar”.

Além do número de participantes, a entrevista também pode ser categorizada conforme seu formato, ou seja, conforme a maneira com a qual o entrevistador se comunica com o entrevistado e formula perguntas (GARCÍA-ALLEN, 2015).

  1. Entrevista estruturada: De acordo com García-Allen (2015), tal entrevista segue uma série de perguntas fixas preparadas previamente. Craig (1991) acrescenta que essas perguntas são relacionadas à áreas definidas de conteúdo. Para Surbhi S. (2016), a entrevista estruturada faz uso de uma pesquisa descritiva onde os fatores avaliados são explícitos.
  2. Entrevista não-estruturada: aqui são trabalhadas perguntas abertas, sem ordem preestabelecida, portanto, adquirindo as características de uma conversação que permite a espontaneidade. Nesta técnica são realizadas perguntas de acordo com as respostas que surgem durante a entrevista (GARCÍA-ALLEN, 2015). É o tipo mais comum nos settings clínicos; geralmente elas não têm um formato rígido, mas não deixam de ter certa estrutura porque segue uma sequência que inclui áreas-chaves de conteúdos (CRAIG, 1991). Para Surbhi S. (2016), a entrevista não-estruturada faz uso de uma pesquisa exploratória de fatores implícitos.

Há também a entrevista semiestruturada que, segundo Martin (2018), tem um formato um tanto flexível, com perguntas preparadas, mas sem seguir um programa estrito. Aqui a discussão pode desviar-se da lista de perguntas, fazendo com que novas perguntas sejam cogitadas durante a conversa. Geralmente o entrevistado desempenha um papel importante no controle do ritmo da entrevista, diferentemente do que ocorreria numa entrevista estruturada.

Fonte: encurtador.com.br/jHORY

Blegger (2001), diferencia a entrevista da consulta e anamnese

A consulta consiste na solicitação da assistência técnica ou profissional, que pode ser prestada ou satisfeita de formas diversas, uma das quais pode ser a entrevista. Consulta não é sinônimo de entrevista; esta última é apenas um dos procedimentos de que o […] psicólogo dispõe para atender a uma consulta. […] Uma anamnese […] implica uma compilação de dados preestabelecidos, de tal amplitude e detalhe, que permita obter uma síntese tanto da situação presente como da história de um indivíduo, de sua doença e de sua saúde. […] Diferentemente da consulta e da anamnese, a entrevista psicológica objetiva o estudo e a utilização de comportamento total do indivíduo em todo o curso da relação estabelecida com o técnico.

Conforme Blegger (2001), a teoria da entrevista foi muito influenciada pela psicanálise, Gestalt, topologia e behaviorismo. A psicanálise teve seu papel com o conhecimento da dimensão inconsciente do comportamento, da transferência e contratransferência, da resistência e repressão, da projeção e introjeção, etc. A Gestalt reforçou a compreensão da entrevista como um todo no qual o entrevistador está entre os integrantes, sendo que o comportamento dele é elemento da totalidade. A topologia foi fator da delineação e reconhecimento do campo psicológico. Já o behaviorismo contribuiu com a importância da observação do comportamento.

A entrevista pode ser de dois tipos básicos: aberta e fechada, como registra Blegger (2001). Na segunda as perguntas já estão previstas, assim com a ordem e a maneira de formulá-las, e o entrevistador não pode alterar nenhuma destas disposições. Na entrevista aberta, pelo contrário, o entrevistador tem ampla liberdade para as perguntas ou para suas intervenções, permitindo-se toda a flexibilidade necessária em cada caso particular. A entrevista fechada é, na realidade, um questionário que passa a ter uma relação estreia com a entrevista, na medida em que uma manipulação de certos princípios e regras facilita e possibilita a aplicação do questionário. […] A entrevista aberta possibilita uma investigação mais ampla e profunda da personalidade do entrevistado, embora a entrevista fechada permita uma melhor comparação sistemática de dados, além de outras vantagens próprias de todo método padronizado.

Blegger (2011) ainda apresenta a diferenciação das entrevistas conforme o beneficiário do resultado, distinguindo: a) a entrevista que se realiza em benefício do entrevistado; b) a entrevista cujo objetivo é a pesquisa, na qual importam os resultados científicos; c) a entrevista que se realiza para um terceiro (uma instituição). Cada uma delas implicam variáveis diferentes a serem consideradas, pois influenciam sobre o entrevistador e entrevistado, afetando tudo que a entrevista venha a englobar.

Conforme Craig (1991), a entrevista, a partir do quesito objetividade, pode ser dividida nos seguintes tipos, aqui apresentados sucintamente.

  1. Entrevista de Tomada de Dados: tem o propósito de obter informações preliminares sobre um paciente em perspectiva.
  2. Entrevista da História de Caso: tem o propósito de rever a natureza dos conflitos do paciente em sequência histórica, com o foco nos períodos críticos, antecedentes e desencadeantes.
  3. Exame do Estado Mental: visa determinar o nível de prejuízo mental associado à condição clínica investigada; avalia áreas como raciocínio, juízo, audição e percepção.
  4. Entrevistas de pré e pós-testagem: a entrevista prévia ao teste visa explicar ao paciente as razões para o teste e seus benefícios, bem como discutir aspectos administrativos, tais como local e hora. Quando a entrevista é realizada após os testes, o psicólogo geralmente já desenvolveu hipóteses como resultado da testagem, visando explorá-las melhor com o paciente.
  5. Entrevista Breve de Avaliação: aqui o terapeuta visa apenas uma área específica, não considerando outros elementos da entrevista, assim obtendo a informação desejada em curto período.
  6. Entrevista de Desligamento: o objetivo é conhecer o ponto de vista do paciente sobre os benefícios decorrentes do tratamento, examinar os planos para pós-alta ou trabalhar qualquer problema não resolvido.
  7. Entrevista de Pesquisa: este tipo de entrevista é específico para a natureza da pesquisa desenvolvida, sendo parte de um protocolo rígido, aprovado pelo comitê revisor da instituição. Realizada com a permissão do paciente que assina o um documento no qual declara seu consentimento.

O que Blegger (2011) chama de “entrevista de tomada de dados” talvez seja o mesmo que “triagem” visto que em ambos os casos há um paciente em perspectiva. Muñoz (2015?) escreve que a entrevista de triagem é um instrumento válido que facilita uma rápida classificação do paciente, contudo, baseado em observações incompletas, ou seja, a triagem permite uma visão geral do paciente mas sem ter em conta muitos dados pessoais, familiares, sociais, de patologia prévia.

Fonte: encurtador.com.br/zCPQ9

O Entrevistador ou Terapeuta

Personagem crucial no desenvolvimento da entrevista, o entrevistador deve ter consigo uma ampla bagagem teórica e metodológica que o norteará no processo entre terapeuta e paciente. Este contingente de teorias e métodos não podem, contudo, tornar a entrevista um processo puramente mecânico no qual perguntas surgem e requerem repostas num automatismo frio e inibidor. Para isto é necessário que o entrevistador entenda que é mais do que um mero formulador de perguntas, sendo, na verdade, um motivador. Neste caso, o objeto da motivação é o entrevistado que, adequadamente esforçado, tem seus bloqueios psicológicos derrubados e se abre para o terapeuta.

A terapia centrada no cliente, desenvolvida por Carl Ransom Rogers e seus colaboradores, baseia-se na habilidade de escutar. Rogers introduziu uma “técnica” conhecida como “reflexo”, com a qual o terapeuta escuta o cliente e “reflete” seus pensamentos e sentimentos significativos dizendo ao cliente o que ele ouviu dizer. Alguns terapeutas fazem isto de uma forma mecânica, o que os faz parecer papagaios com uma graduação de psicologia, contudo, não era isto o desejado por Rogers. Para este, deve haver uma autêntica comunicação de compreensão e preocupação. Hoje em dia, o reflexo é apenas uma parte da chamada “escuta ativa” (BOEREE, 2018). O trabalho do terapeuta não é tanto fazer isto ou aquilo, mas sim “estar” de certa forma para o cliente.

Conforme escreve Boeree (2018), Rogers apresenta três qualidades que o terapeuta deve ter durante as sessões de terapia:

  • Ele ou ela deve ser congruente: Basicamente, isto implica ser honesto, não ser falso, pois os clientes podem perceber quando seu terapeuta está fingindo. A congruência é necessária para gerar confiança na relação terapêutica.
  • Ele ou ela deve ser empático: O terapeuta deve ser capaz de identificar-se com o cliente, entendendo-os não tanto como psicólogo, mas como uma pessoa que também tem visto parte de seus problemas. O terapeuta deve ser capaz de mirar os olhos do cliente e ver a si mesmo.
  • Ele ou ela deve mostrar ao cliente uma consideração positiva incondicional: Não significa que o terapeuta tem que amar o paciente, mas que ele deve respeitá-lo como ser humano e não o julgar.

Rogers, ao longo de sua obra, coloca que o objetivo do terapeuta é participar da experiência imediata do seu cliente. Para isto é necessário que o terapeuta saiba escutar e observar, estar atento aos movimentos da relação e à sua interação com seu cliente […] A ideia do terapeuta “centrado na pessoa” é de compreender o sujeito falante, a sua fala e o que se passa no aqui e agora da relação. A perspectiva da terapia rogeriana se encontra com as premissas fenomenológicas no sentido de que o real aí está, o fenômeno está aí presente, oferecido à observação, bastando se estar atento para apreendê-lo sob o prisma do sujeito que vive o fenômeno (HOLANDA, 2009).

 A ótica rogeriana apresenta um conceito que rege praticamente todos os processos envolvidos tanto na clínica quanto no cotidiano de seus clientes, é o conceito de tendência atualizante, clássico e melhor descrito nas palavras do próprio idealizador.

Fonte: encurtador.com.br/lwxJZ

 Todo organismo é movido por uma tendência inerente a desenvolver todas as suas potencialidades e a desenvolvê-las de maneira a favorecer sua conservação e enriquecimento. Observemos que a tendência atualizante não visa somente […] a manutenção das condições elementares de subsistência como as necessidades de ar, de alimentação, etc. Ela preside, igualmente, atividades mais complexas e mais evoluídas tais como a diferenciação crescente dos órgãos e funções; a revalorização do ser por meio de aprendizagens de ordem intelectual, social, prática (ROGERS; KINGET, 1977, p.159-160 apud HOLANDA, 2009).

É a partir desse conceito que Rogers pensa a clínica psicoterapêutica, mostrando profunda confiança, quase uma “crença” na capacidade humana, tendo em vista um homem artífice de si próprio, como seu “próprio arquiteto”. Portanto, o cliente passa a ser considerado “sujeito” de sua própria vida, ativo e consciente. Em virtude dessa implícita concepção de homem, obrigatoriamente é pressuposta uma similar mudança na posição do terapeuta nesta relação, como explica Holanda (2009) ao escrever que

Se o sujeito da clínica é autônomo, consciente e dotado de potencialidades suficientes para se desenvolver, o papel ocupado pelo terapeuta deixa de ser o de “guia” ou de detentor de um suposto saber alheio ao cliente. Dá-se um natural emparelhamento de posições: ambos, terapeuta e cliente, são “pessoas” e sobre esta perspectiva se apoia toda a simplicidade do método rogeriano. Em um contexto como este, a figura do terapeuta é destituída de sua representação mágica e a responsabilidade do processo passa a ser do próprio sujeito do cliente – o que justifica, inclusive, a apropriação do termo “facilitador” ao invés de “terapeuta”, para Rogers –; ademais, isto se reflete igualmente na postura desse facilitador. Em outras palavras, a sua postura durante a entrevista passa por sua confiança nessa tendência atualizante. Desta feita, por considerar que o mais importante na terapia é desenvolver as potencialidades do cliente, o facilitador prescinde de usar “diretivas”, de ser o principal agente direcionador do processo de seu cliente, em uma posição de facilitar a emergência do fenômeno de seu cliente. O ponto central da ideia da “não-direção” é, em essência, uma abstenção de intervenções diretas baseadas em valores e pré-julgamentos, forçosamente orientados por um arcabouço teórico anterior ou por uma postura de suposto saber do terapeuta. É uma atitude diferenciada do terapeuta que […] passa por uma “recusa”: A não diretividade é, antes de tudo, uma atitude em face do cliente. É uma atitude pela qual o terapeuta se recusa a tender a imprimir ao cliente uma direção qualquer, em um plano qualquer, recusa-se a pensar que o cliente deve pensar, sentir ou agir de maneira determinada. […] É uma atitude pela qual o conselheiro testemunha que tem confiança na capacidade de autodireção do seu cliente. […] Assim sendo, as intervenções do terapeuta devem salvaguardar ao máximo a integridade do cliente. A atitude deve se basear na compreensão e na apreensão do mundo interno do sujeito, evitando a interpretação e a interposição de valores. Ao se interpretar, corre-se o risco de “compreender ‘sozinho’, de acreditar compreender quando de fato o que se está fazendo é projetar nossas significações sobre a situação do cliente”. Isto nos lembra a célebre epígrafe de Erwin Straus quando, ao questionar o princípio interpretativo apoiado em teorias destacadas da vivência, coloca que “na maioria das vezes, as ideias inconscientes do paciente, são as teorias conscientes de seu terapeuta”.

Por fim, é importante salientar seis imperativos da atitude do entrevistador, prerrogativas de ser um terapeuta centrado no cliente, conforme apresentado por Mucchielli (1978) apud Holanda (2009).

Fonte: encurtador.com.br/cwyIJ

(1)  Acolhida e não iniciativa: trata-se de uma atitude de receptividade, convite a ficar à vontade, diferentemente da atitude de iniciativa que obriga o outro a dar respostas ou a reagir diante da situação (embora esta seja uma atitude assaz eficiente e, de fato, “centrada no cliente”, também pode gerar certas inseguranças e incertezas). É importante estarmos atentos à cultura na qual estamos inseridos – ou o cliente em questão. É muito comum recebermos um cliente repleto de expectativas definidas sobre a situação da entrevista terapêutica; não responder a estas expectativas ou ignorá-las é uma atitude de pré-julgamento da circunstância. O mais indicado é aguardar o advento do fenômeno do cliente, mas não ignorar as suas necessidades mais prementes;

(2)  Estar centrado no que é vivido pelo sujeito e não nos fatos que ele conta: Primado da vivência que é sempre uma vivência particular, vivido do outro, nunca é de posse de uma interpretação alheia. O meu vivido é o meu vivido. Devo, pois, apreender o sentido deste vivido tal qual ele o é para esse outro sujeito. Significa dizer que os fatos objetivos são auxiliares e não determinantes na compreensão do meu outro. Todavia, convém assinalar que isto não significa dizer que devemos simplesmente “deixar de lado” os fatos ou as objetividades. Os fatos são constituintes da cultura e da realidade dos indivíduos, e devem ser entendidos como tais. São, pois, de extrema relevância. O que não podemos é nos atermos aos fatos em si, visto que, cada fato é vivido na particularidade do sujeito. Em outras palavras, trata-se de focar o “sentido” ou o “significado”;

(3)  Interessar-se pela pessoa do sujeito, não pelo problema em si mesmo: corolário do anterior. O autor coloca “renúncia” ao ponto de vista objetivo, visto o problema ser existencial. Não se trata, na realidade, de renunciarmos à objetividade, mas apenas remanejar as relevâncias. Os problemas são fatos da própria realidade, ou seja, todo mundo tem problemas e muitas vezes problemas absolutamente idênticos. As vivências destes problemas é que diferem em si, ou seja, os problemas podem ser iguais, os sentidos nunca são iguais – são particulares e da esfera da existência individual de cada um. No caso da terapia, o facilitador “tentar ver não o problema em-si, mas o problemado-ponto-de-vista-do-sujeito em questão” […]. É isto que caracteriza uma entrevista “centrada na pessoa”;

(4)  Respeitar o sujeito e manifestar-lhe uma consideração real, em lugar de tentar mostrar-lhe a perspicácia do entrevistador ou sua dominação: Isto é consequência da principal noção rogeriana, a de tendência atualizante. Significa acreditar que o cliente tem potencial para sair da situação na qual se encontra, de recobrar sua dinamicidade perdida, seu “estado de equilíbrio”. Significa respeitar esta potencialidade e respeitar a própria existência do indivíduo como algo único, real. É um respeito por sua integridade, sua maneira de ver a realidade, de sentir, de viver. É uma não interposição de conceitos: os meus conceitos ou as minhas ideias são os meus conceitos e as minhas ideias, os conceitos e as ideias do outro são os conceitos e as ideias do outro. Podemos trocar e interagir, mas não devemos impor nada, sob pena de perdermos o sentido da individualidade e nos mesclarmos num amálgama disforme. “Não é o caso de ‘fazer psicologia’, mas de escutar e de compreender”;

(5)  Facilitar a comunicação e não fazer revelações: Não se trata de enquadrar esta ou aquela fala num determinado padrão de interpretação, ou de revelar uma “verdade” apreendida ao outro (a verdade atribuída é sempre verdade projetada). A rigor, o que difere o modo de reformulação de uma interpretação clássica é a apreensão do mundo privado do sujeito como ponto de partida. A “interpretação” parte da subjetividade de quem interpreta, enquanto que na reformulação se destaca o esforço por considerar a alteridade e o ponto de partida é sempre o do sujeito da vivência. Nesta perspectiva, “trata-se de esforçar-se para manter e melhorar a capacidade de comunicar e de formular o seu problema. Permite-se ao cliente esclarecer a sua própria experiência para si, logo, possibilitando a sua solução. Uma dialética que aponta para o fato de que nos próprios problemas estão suas soluções.

Fonte: encurtador.com.br/deCEY

Sigmund Freud percebe na prática da psicoterapia uma série de particularidades humanas que aparentemente entram em conflitos, o que faz com que o entrevistador se veja em uma profissão paradoxal, afinal, em um único ser humano devem ser integradas várias características humanas aparentemente conflitantes. Assim sendo, é fortemente evocada a tensão de polaridades opostas em um ambiente onde as diferentes necessidades dos clientes impõem ao terapeuta exigências aparentemente intermináveis (HYCNER, 1995). O paradoxo primordial está representado pela óbvia tensão entre as dimensões “subjetiva” e “objetiva” na psicoterapia, onde é requerido, ou mesmo exigido, um envolvimento pessoal da parte do terapeuta, ao mesmo tempo é preciso que ele mantenha a objetividade apropriada. Torna-se crucial a resposta equilibrada do terapeuta. Assim sendo, o conhecimento objetivo precisa estar fundamentado na experiência subjetiva do cliente e na do terapeuta, o que caracteriza a tensão entre o conhecimento nomotético, ou generalizável, e o conhecimento ideográfico, ou único.

O terapeuta precisa ter uma quantidade substancial de conhecimentos sobre os seres humanos em geral; porém, precisa sempre se esforçar para apreciar profundamente a experiência única da pessoa sentada à sua frente. Ambos os aspectos são essenciais para a empatia e compreensão das experiências de outro ser humano. Ainda assim, há entre eles uma forte disputa pela dominância. Constantemente o terapeuta precisa decidir sobre que aspecto atender em um dado momento. Em cada caso existem barganhas e riscos envolvidos. Ainda assim, é o jogo inerente aos riscos que dá força e vida a esse esforço. Surge, então, para o terapeuta a necessidade de integrar as dimensões objetiva e subjetiva de forma harmoniosa. Graças a isso, o gênio pioneiro de Freud manifestou-se pela necessidade de uma “consciência plainando em equilíbrio”, isto é, uma consciência que não esteja sujeita aos extremos usualmente evocados no encontro humano. De uma forma similar, Buber sugere que o psicoterapeuta precisa desenvolver a habilidade, aparentemente contraditória, de manter uma “presença-distanciada”. O terapeuta deve estar totalmente presente e, simultaneamente, ser capaz de refletir sobre o que está sendo experienciado num dado momento.

O processo psicoterapêutico exige que ambas as dimensões da existência, a “subjetiva” e a “objetiva”, sejam habilmente mescladas (HYCNER, 1995). Nesse processo, o terapeuta deve encarar a psicoterapia como ciência ou como arte? O enfoque mais enfatizado afetará o treinamento do psicoterapeuta bem como os valores decorrentes deste treinamento, logo, é determinante na atitude com que o indivíduo aborda seu trabalho. É certo que há um corpo de conhecimentos na psicologia e teoria psicoterapêutica essencial no trabalho com pessoas. Mas, ser responsivo ao cliente implica usar “sob medida” o conhecimento científico e os fatos, para que sirvam a uma única pessoa. Este aspecto muito exigente da profissão requer que o terapeuta integre a arte à ciência da psicoterapia. A negligência de uma das duas resulta num “des-serviço” ao cliente (HYCNER, 1995).

O terapeuta, além disso, confronta-se com problemas aparentemente contraditórios em relação aos aspectos pessoal e profissional. O self do terapeuta é intrinsecamente uma parte do processo. Em que grau o terapeuta enfatiza seu self pessoal em terapia e em que grau sua persona profissional é predominante? Onde começa o profissional e cessa pessoal? A tentação maior, e à qual pode-se sucumbir mais facilmente, é enfatizar a conduta profissional de forma a encobrir as inseguranças em estado de ebulição, que podem armar uma cilada para a pessoa do terapeuta. Sem dúvida, a persona profissional é parte necessária do processo psicoterapêutico de cura – ainda assim é somente a “forma” através da qual a pessoa terapeuta emerge (HYCNER, 1995).

O terapeuta ainda é confrontado frequentemente com o não desejado. Questões às quais ele, consigo mesmo, não deseja analisar podem ser trazidas pelo próximo cliente, e isso é irreversível, pois não há evitação em terapia. O profissional, incessantemente forçado a lutar com suas fragilidades e com seus pontos cegos, pode encontrar nesse dilema a raiz de sua empatia. Como “curador ferido”, tem uma natureza profundamente sensível à vulnerabilidade alheia. Mas deve-se considerar se certa vulnerabilidade torna o terapeuta mais aberto, porque um excesso de “feridas” pode trazer à tona suas defesas e fechar as portas para a possibilidade de um encontro genuíno. De fato, o “curador ferido” cura; mas, se o ferido torna-se o principal na terapia, o foco pode vir a ser a cura do terapeuta e não a do cliente, o que não deve ocorrer. Cabe ao terapeuta promover o aparecimento de suas feridas no processo psicoterapêutico, evitando que a cura do seu próprio self seja o objetivo na relação com o cliente. Como consequência natural, o terapeuta pode sim alcançar sua cura como resultado dessa interação “entre” (HYCNER, 1995).

Cabe ressaltar outro contraste na profissão paradoxal que se dá entre a experiência subjetiva do terapeuta e suas habilidades relacionais. O terapeuta deve estar em contato com sua própria experiência individual e ao mesmo tempo manter plena a interação com seu cliente, entendendo a experiência deste. Ser introvertido o suficiente para ter uma awareness altamente desenvolvida de si mesmo, e ser capaz de se relacionar facilmente com outras pessoas. O termo inglês “awareness” não tem correspondência exata em português, mas significa “uma forma de experienciar”. Implicando um processo de estar em contato vigilante com o evento de maior importância no campo indivíduo/meio, com total suporte sensório-motor, emocional, cognitivo e energético. O terapeuta precisa estar cuidadosamente aware do que está acontecendo entre ele e o cliente. (HYCNER, 1995). Vila (2016) escreve que o terapeuta precisa de uma grande dose de awareness para seu trabalho, e que nisso reside parte da qualidade artística da terapia, ter a maior consciência possível do momento e de tudo que há no campo, a fim de responder criativa e espontaneamente na interação com o paciente.

E, nesse ambiente de paradoxos, o self do terapeuta é o “instrumento” que será utilizado na terapia. Isso implica que a orientação teórica não é tão decisiva quanto a inteira disponibilidade que promove o encontro de self com self. Nesse encontro genuíno nasce a inteireza do cliente que estava ausente antes da interação (HYCNER, 1995).

Fonte: encurtador.com.br/fsCF4

Referências

BLEGGER, José. Temas de Psicologia: Entrevistas e Grupos. Bela Vista: WMF Martins Fontes, 2001.

BOEREE, George. La terapia centrada en el cliente de Carl Rogers. Disponível em: <https://www.psicologia-online.com/la-terapia-centrada-en-el-cliente-de-carl-rogers-1275.html>. Acesso em 25 julho 2018.

CRAIG, Robert J. Entrevista Clínica e Diagnóstica. São Paulo: Artmed, 1991.

Dicionário Michaelis. Disponível em: <http://www.michaelis.uol.com.br/>. Acesso em 02 novembro 2017.

GARCÍA-ALLEN, Jonathan. Los distintos tipos de entrevista y sus características. Disponível em: <http://www.psicologiaymente.net>. Acesso em 07 novembro 2017.

HYCNER, Richard. De pessoa a pessoa: psicoterapia dialógica.

HOLANDA, Adriano Furtado. A perspectiva de Carls Rogers acerca da resposta reflexa. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S217525912009000100004>. Acesso em 04 novembro 2018.

MARTIN, Melanie J. Diferencia entre las entrevistas estructuradas y semiestructuradas. Disponível em <https://www.cuidatudinero.com/13104149/diferencia-entre-lasentrevistas-estructuradas-y-semi-estructuradas>. Acesso em 16 maio 2018.

MILLER, Ashley. The Purpose of a Clinical Interview in a Psychological Assessment. Disponível em: <http://www.chron.com/>. Acesso em 06 novembro 2017.

MUÑOZ, Eva María Ruiz. El triage psicológico: ¿Una herramienta para el psicólogo de emergencias? Disponível em: <https://psicologosemergenciasbaleares.files.wordpress.com/2014/01/numero14vol1_2015_triag e_psicologico.pdf>. Acesso em: 05 junho 2018.

VILA, David Picó. El awareness. Disponível em: <https://gestaltnet.net/documentos/elawareness>. Acesso em 29 abril 2019.

Compartilhe este conteúdo:

Psicologia e Odontologia podem e devem caminhar juntas: (En)Cena entrevista Eva Spangenberg

Compartilhe este conteúdo:

Para além das questões estéticas, a Odontologia, como prática de saúde, promove a prevenção de doenças que possam ocorrer por não cuidar da saúde do sorriso. É importante ressaltar que um profissional de odontologia bem preparado, deve demonstrar confiança aos pacientes. Pois muitas vezes, alguns nunca passaram por procedimentos odontológicos o que faz com que sintam-se receosos e inseguros, portanto ter o profissional ali, que possa acalmar, conformar e trazer informações necessárias ao paciente se faz essencial.

Além disso, sabemos que a saúde mental é muito importante e que promove qualidade de vida tanto aos pacientes, quanto aos profissionais. Que por sua vez, enfrentam jornadas de trabalho intensas, onde se exige uma atenção maior durante os procedimentos realizados e os cuidados da saúde mental devem ser realmente levados em consideração.

Na presente entrevista, conversamos com Eva Spangenberg, formada em Odontologia e que está concluindo sua segunda graduação em Psicologia pelo CEULP ULBRA. Eva oferece uma visão muito interessante, que envolve sua trajetória profissional e sua relação com ambas as áreas de conhecimento.

Fonte: Acervo da entrevistada

En(Cena) – Você poderia nos contar um pouco acerca da sua trajetória profissional? E, se possível, da sua motivação para aliar Odontologia e Psicologia.

Eva Spangenberg – Quando prestei meu primeiro vestibular aos 19 anos, prestei para odontologia e psicologia. Na época havia passado somente em psicologia, naquele momento não era o que eu realmente queria fazer. Estava decidida que queria cursar odontologia, e fiz um ano de cursinho para um novo vestibular, desta vez prestei somente para odontologia. Fiz essa graduação em princípio na USC de Bauru, sendo que 2/3 do curso concluí nessa instituição, depois me mudei para Londrina e finalizei minha graduação na Unopar de lá, foi uma experiência muito enriquecedora de aprender com visões institucionais diferentes, mas que se complementavam.

En(Cena) – Ao longo da sua formação, como se deu essa relação entre a Odontologia e a Psicologia?

Eva Spangenberg – A Odontologia trabalha todo tempo com o emocional do paciente e do cirurgião, o contato é bastante próximo, tanto no atendimento, quanto na anamnese e na evolução dos casos. Cada vez mais pude perceber a necessidade vinda do paciente de uma escuta atenta e diferenciada, procuro sempre me manter atualizada em diversos segmentos, para que possa oferecer uma consulta e um tratamento de qualidade para meus pacientes. Sendo assim, e com o gosto por aprender e adquirir novos conhecimentos, que senti a necessidade e a vontade de ingressar no curso de Psicologia. Para aperfeiçoar antigos conhecimentos, para aprender tantos outros e me socializar mais num ambiente acadêmico que aprecio muito, pois na odontologia, passamos muitas horas sozinhos em ambientes fechados, voltar a estudar foi como refrigerar a alma.

En(Cena) – Existe um discurso que ouvimos muito acerca do “Medo de ir ao Dentista”, algumas pessoas inclusive demonstram pavor. Quanto a isso tem alguma técnica ou forma de acalmar esse paciente, para realização dos procedimentos e perder esse medo?

Eva Spangenberg – Acredito que muito do medo é pela insegurança e falta de informação, por parte do profissional, dos passos seguintes que serão dados. O paciente também, na maioria das vezes, já vem sensibilizado por tratamentos anteriores mal sucedidos, por vezes também, confunde pressão com dor. Procuro estabelecer uma relação de compromisso e confiança desde o primeiro encontro, com o compromisso firmado de ambas as partes, a minha como profissional e a do paciente, durante o atendimento. Antes do procedimento ser realizado, faço uma explicação de como será cada passo, diferencio para o paciente a diferença de pressão e dor, com toques nas mãos, o paciente informado se sente seguro e se mostra bastante colaborativo durante os atendimentos, isso já o acalma também.

En(Cena) – Na sua opinião é mais fácil lidar com pacientes adultos ou com as crianças? Por quê? Isso vale também para os que sofrem dessa fobia mencionado na pergunta anterior?

Eva Spangenberg – Fiz 11anos de Odontopediatria, é uma área bastante cansativa, mas de muitas satisfações pessoais. Normalmente, alguns dos pais se mostram negligentes nos cuidados com as crianças ou excessivamente zelosos e dão mais trabalho do que as próprias crianças, sendo assim é necessária uma postura de pulso e doçura ao mesmo tempo. Os movimentos precisam ser firmes e rápidos, porque um erro, pode ferir a criança. O tempo de atendimento infantil é reduzido também, pois elas se cansam mais rapidamente e passam a não colaborar, por vezes, medidas de contenção conforme técnicas específicas, podem ser utilizadas em casos complexos para o manejo da dor e execução segura do trabalho. Tudo deve ser muito bem conversado com a criança e não devemos subestimar sua capacidade de entendimento e participação durante os atendimentos, ao final dos atendimentos é sempre interessante usar um reforço positivo, que reforça o vínculo com o profissional e a autoconfiança da criança.

En(Cena) – Já houve alguma situação no consultório na qual o paciente tenha tido alguma crise ou entrado em pânico? Se houve, como foi o desfecho?

Eva Spangenberg – Por duas vezes tive pacientes em situação de pânico, uma delas foi durante a cirurgia de um adolescente e um colega médico de um consultório ao lado me ajudou no manejo da situação com sucesso. Em uma outra, o paciente tinha verdadeiro pânico de consultórios odontológicos, gritava e escorregava pela cadeira de atendimento sem sequer ser tocado. Nesse caso, para o conforto do paciente e segurança do profissional, ele foi encaminhado para atendimento hospitalar com sedação completa para execução dos procedimentos.

En(Cena) – Estudos recentes sugerem que pacientes que sofrem de Bruxismo costumam sofrer de ansiedade, depressão e raiva. Em sua experiência, já lidou com pacientes que apresentavam bruxismo? Se sim, você teve essa percepção?

Eva Spangenberg – O bruxismo tem se mostrado a cada dia mais presente. Inclusive, em crianças de tenra idade.  Os estímulos sensoriais exacerbados e por tempo excessivo, o excesso de tarefas e afazeres diários e a falta de um tempo de qualidade e com tranquilidade para si mesmo, tem aumentado a frequência e a intensidade dos casos. Além do acompanhamento odontológico, por vezes se faz necessário o acompanhamento psicológico.  O profissional deve estar atento aos primeiros sinais a fim de evitar maiores danos e proporcionar informações e qualidade de vida para esse paciente.

En(Cena) – Dra., sabemos que o contexto atual, por conta da pandemia, tem atingido as diversas áreas de nossas vidas. Como tem sido para você e para a Odontologia lidar com essas adversidades?

Eva Spangenberg – A pandemia expôs a nossa fragilidade como profissionais que lidam com sangue e saliva, com aerossóis altamente contaminantes. Particularmente, não necessitei fazer nenhuma mudança na execução dos atendimentos, pois sempre procurei ser bastante rigorosa no quesito biossegurança, no entanto, dobramos o cuidado com a desinfecção e espaçamos as consultas para melhor atender. Os pacientes se mostraram bastante assustados com a mídia, e os profissionais bastante fragilizados emocionalmente e financeiramente. Isso nos fez refletir muito sobre a necessidade de termos fontes de renda alternativas, que não demandem necessariamente de nossa presença física para que tenhamos retornos financeiros.

En(Cena) – Atualmente você é formada em Odontologia e acadêmica de Psicologia. O que você acredita que mudou?

Eva Spangenberg – Mudou minha forma de olhar, que antes era mais embrutecida, hoje tenho mais paciência, mais diretividade, um olhar mais atento e uma capacidade resolutiva em processo de melhoramento. Procuro refinar mais as conversas com os pacientes e permitir que se sintam acolhidos, validados e comprometidos com o tratamento, minha maior satisfação é quando retornam para outras manutenções.

En(Cena) – Dra. Eva, qual a sua opinião acerca da parceria, ou até mesmo da prática integrada entre Psicologia e Odontologia? Na sua visão, quais os benefícios futuros que essa parceria poderia proporcionar aos pacientes?

Eva Spangenberg – O cirurgião dentista não é formado até os dias atuais, para o estabelecimento de parcerias, perde enormemente com isso e nesse caso, tem muito a aprender com os colegas médicos. São parcerias em materiais, em equipamentos, que apesar do grande investimento, em pouco tempo se tornam obsoletos e quando esses conhecimentos, esses materiais e equipamentos são partilhados, eles se pagam e abrem caminho para o novo.  Tem um conto, bem divulgado na odontologia, em que você entra no curso e se acha o máximo, porque agora tem uma bancada para aprender a trabalhar, de 1.50m, e um manequim de borracha. Passado um ano, você tem um paciente e chama o professor para atender não o paciente “fulano de tal “, mas o dente 46 com fratura, então, se não estivermos atentos a nós mesmos e ao nosso redor, nosso mundo se encolhe e perde significância. Vejo que a psicologia apura o olhar e a forma de atendimento do cirurgião dentista, inclusive para questões pessoais do paciente, presente durante os tratamentos. Um cirurgião dentista atento pode indicar um tratamento psicológico de qualidade aos seus pacientes, mostrando que não se trata de fraqueza, mas de coragem por parte do paciente de lidar com aspectos tão necessários na vida cotidiana. O mesmo vale para o profissional psicólogo, que deve também estar atento aos cuidados pessoais, à estética satisfatória por parte das demandas do cliente, à questões como halitose, por vezes despercebidas pelos portadores da mesma e ao autocuidado da saúde bucal, negligenciado principalmente em casos de viuvez, separações ou pacientes que vivem sozinhos. A boca faz parte na melhoria e consagração da autoestima com qualidade de vida, caso o profissional tenha a oportunidade e o interesse em aliar aos atendimentos a odontologia e a psicologia, o resultado será ainda melhor.

En(Cena) – Vale destacar aqui também o cuidado com a saúde mental dos profissionais da Odontologia, que muitas vezes se mostram com uma jornada de trabalho extensa, podendo chegar a ultrapassar o limite das 60 horas semanais permitidas por lei, quando estes trabalham como autônomos. Em sua opinião, quais riscos isso poderia trazer à saúde e quais mudanças podem ser possíveis nesse contexto entre a Psicologia e a Odontologia?

Eva Spangenberg – A abertura indiscriminada de faculdades de odontologia, que não necessariamente primam por excelência na sua formação, aliadas a políticas públicas de negligência e abandono nas áreas de saúde, a procedimentos mal remunerados e às dificuldades de progressão de carreira, têm em muito contribuído para o adoecimento, afastamento, mudança de carreira ou péssimas condições de vida e de trabalho de muitos profissionais, inclusive com imensas dificuldades para se aposentarem. Um profissional atento deve se informar sobre as diversas formas de contornar e ressignificar essas dificuldades, caso queira continuar atuando ou mesmo se aposentando com manutenção da qualidade de vida posterior, é preciso estar atento à necessidade de cuidados com sua psique, com seu corpo físico, com a qualidade de suas relações de trabalho e pessoais, pois além de trabalhar com a técnica, trabalha também com a arte e com a inspiração!

Fonte: Acervo da entrevistada
Compartilhe este conteúdo:

O educador do presente e do futuro: (En)Cena entrevista Adriana Ziemmer Gallert

Compartilhe este conteúdo:

Durante recente participação em live com os alunos do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra, a professora Dra Adriana Ziemmer Gallert, falou acerca da educação como algo que nos faz pensar muito sobre o futuro e com ele as mudanças necessárias para se adaptar às rápidas transformações. Adriana pontuou sobre a necessidade de o profissional adaptar-se ao contínuo aprimoramento como pessoa e, também, como educador. “Acredito que um professor que tenha consciência dessas questões é um grande fator positivo na vida do acadêmico”, comentou Adriana.

Dentre outros tópicos destacados na entrevista, a educadora também enfatizou que a pandemia tem gerado um enorme impacto na educação e na vida dos alunos e professores, pois mesmo aqueles que antes tinham, ou mesmo ainda têm, resistência em relação ao uso de plataformas digitais se vêm forçados à adaptação, ao aprimoramento.

Adriana trabalhou por muito tempo no Ceulp/Ulbra, voltou para o Rio Grande do Sul há cerca de 3 anos e meio, tem Mestrado e Doutorado em educação pela UNB, é professora na Ulbra do Rio Grande do Sul e coordenadora acadêmica da unidade Guaíba e, também, no Rio Grande do Sul, sendo que em Palmas atuou na direção acadêmica. Confira este e outros tópicos na entrevista que segue:

(En)Cena – Como que fica o professor nesse contexto de mudança?

Adriana Ziemmer Gallert – Falar sobre o professor para mim é sempre uma paixão, eu gosto muito de falar e fazer reflexões sobre a nossa profissão. É uma profissão que eu escolhi para mim e que me alegra muito frente a tantos desafios que nós temos, primeiro a gente precisa pensar sempre, eu penso que a nossa profissão é uma profissão de intensas mudanças, o tempo todo nós somos desafiados a repensar as nossas práticas, porque o tempo todo nós estamos inseridos no contexto social, é uma profissão diretamente relacionada com pessoas e, sendo relacionada com pessoas, nós estamos inseridos em contextos sociais, culturais, políticos, econômicos, enfim, estamos em meio a esse todo no qual nos traz muitos desafios para que nós estejamos a todo momento sendo impulsionados para mudar, só que ao mesmo tempo a nossa profissão se constitui com uma tensão constante porquê nós somos profissionais que sabem que precisamos mudar e estudar as mudanças mas realmente alguns de nós têm dificuldades e é resistente à mudanças, nós temos culturalmente, dentro da profissão, um grupo grande de profissionais que sabe das dificuldades mas que realmente não encara, não enfrenta essas mudanças. É especial falar sobre isso nesse contexto porque nós estamos agora vivendo um momento onde nós somos muito tensionados pela mudança dado o contexto que estamos de pandemia, isolamento social e a reconstrução do fazer docente.

(En)Cena – Você acredita que não vai ser possível mais, mesmo que nós queiramos, voltar a ser o que era porque, por exemplo, os alunos já estão entrando na onda de interações que não são mais aquelas interações “clássicas”, “tradicionais” e que já são mediadas por dispositivos eletrônicos para tirar dúvidas. Enfim, então a gente vai ser forçado a se reinventar, na sua opinião?

Adriana Ziemmer Gallert – De uma hora para outra nós de turmas presenciais fomos desafiados realmente a nos reinventar, a nos recriar dentro de um cenário muito novo, novo como nós conversamos na outra live que não é tão novo assim, mas novo no sentido de ser professor com ferramentas novas, com ferramentas diferentes que antes nós conhecíamos mas ainda não usávamos ou não conhecíamos realmente e precisamos aprender muito rapidamente a usar e com certeza isso traz um impacto muito grande, muito significativo nesse sentido. No momento em que nós escolhemos a nossa profissão, essa profissão tem relação com algo pessoal da nossa vida que nos leva à fazer a escolha por estarmos nessa profissão e esses motivos que nos levaram a fazer essas escolhas estão relacionados com situações da nossa história e, quando nós nos deparamos com a profissão nós vamos adentrando no universo que demanda formação e desenvolvimento de competências tanto pessoais quanto profissionais necessárias no cotidiano.

 Você mencionou os mecanismos de defesa frente às mudanças quando aquele contexto de trabalho se torna uma espécie de rotina e não provoca a transformação da mudança, não traz a necessidade de mudança e é meio natural que haja uma espécie de comodismo em relação a fazer as mesmas práticas e nesse contexto fomos desafiados a mudar nosso perfil, o nosso jeito de sermos e isso apresenta para nós uma mudança em relação à concepção do que é efetivamente exercer essa profissão, o que significa realmente sermos professores neste contexto, entender que a profissão passa por um contexto diferente de desafios e esses desafios com certeza vêm para ficar, acredito muito que a docência não será mais a mesma quando nós voltarmos ao ensino presencial.

(En)Cena – Um aspecto que você relatou na última questão que me chamou a atenção também e que de vez em quando eu até penso sobre isso, sobre a ideia de nós profissionais da educação de fato assumirmos essa área, assumirmos que essa é a nossa bandeira no caso e não reforçar alguns discursos (claro que a gente tem que lutar pela melhoria da categoria e, também, para que as coisas melhorem para que nós tenhamos cada vez mais condições de exercer a profissão).

Adriana Ziemmer Gallert – Sim, como a nossa profissão se configura dentro do contexto das escolhas que nós fazemos e no espaço que nós ocupamos, nesse momento nós temos também o cenário do valor da educação e do valor da ciência frente ao cenário da pandemia.

Fonte: Acervo pessoal da entrevistada

A necessidade que eu vejo, nós enquanto universidade, é de repensarmos muito o nosso trabalho e o nosso papel também no contexto de profissionais, professores no ensino superior que estão preparando profissionais para exercerem as suas profissões, as suas escolhas profissionais, isso tem sido um desafio muito grande nesse momento, e que tem nos levado internamente na universidade a reflexões muito ricas e muito valiosas, porque nós pensamos assim, nós estamos atuando como professores num contexto que nós não fomos preparados, ninguém foi preparado para viver a vida numa situação de pandemia, nós não fomos preparados para isso e aí nós estamos dentro da universidade nesse momento tendo o desafio e, digamos assim, um privilégio também de preparar profissionais para esse contexto, por que que eu falo do privilégio também? Os profissionais que nós na universidade preparamos, que terminaram o seu curso de graduação por exemplo no ano passado, os nosso egressos concluíram sua formação, são formados pela nossa universidade, eles estão atuando nesse contexto e no ano passado nós não preparamos eles para atuar e serem profissionais no cenário da pandemia.

Os estudantes que estão conosco hoje, estão nas nossas aulas tendo a oportunidade de refletir conosco sobre como ser um profissional nesse contexto ou então como ser um psicólogo no contexto da pandemia, como ser um engenheiro no contexto da pandemia, como ser um farmacêutico no contexto da pandemia, como ser um professor de educação básica no contexto da pandemia.

(En)Cena – E a gente não fica só na perspectiva de um cenário futuro, pois já estamos inseridos nisso, nessa problemática.

Adriana Ziemmer Gallert – Exatamente, isso passa a fazer parte do contexto da formação, inclusive hoje de manhã eu estava assistindo a webinar do representante do Conselho Nacional de Educação onde ele trazia exatamente esse desafio para nós no ensino superior, nós precisamos repensar a formação porque nós precisamos inserir dentro do nosso contexto de formação discussões e o desenvolvimento de competências profissionais necessárias para atuar em situações muito difíceis porque nós não sabemos quando de repente novas situações como essa vão acontecer, infelizmente.

A humanidade precisa se preparar para viver situações assim novamente… se uma vez aconteceu, outras vezes podem acontecer e nós precisamos ter uma estrutura organizacional para isso, e o papel da universidade é esse de preparar realmente esses profissionais para contextos diferentes, contextos desafiadores… então essa tem sido uma tônica muito forte de discussões dentro da universidade quando a gente pensa o papel do professor e a importância do professor está muito aberto a aprender, a trabalhar novas competências, tanto dele como professor nos processos de ensinar, de aprender, de avaliar quanto preparando os profissionais para atuar nas suas áreas dentro de contextos como esses que são muito difíceis.

(En)Cena – E esse professor de hoje, o professor do presente e o professor do futuro, como construir esse professor? Nós não vamos poder usar as mesmas metodologias… O que é metodologia ativa? E o que é aprendizagem ativa?

Adriana Ziemmer Gallert – Falar sobre metodologias ativas é um movimento e assunto bastante atual dentro do contexto do nosso trabalho que vem como um processo, digamos assim, tem um processo pedagógico, que enquanto princípio ele já vem há muito tempo sendo discutido, ele não é algo totalmente novo, mas enquanto conceito sim, é um movimento grande, que tenta incentivar os professores que utilizam metodologias ativas nas suas práticas e mais uma vez nós precisamos ter dentro da educação e da pedagogia um entendimento da questão dos modismos pedagógicos.

Então, às vezes o professor hoje compreende – muitas vezes sem um estudo mais aprofundado em relação ao que são as metodologias ativas – que, por exemplo, utilizar recursos digitais nas suas aulas já significa estar trabalhando com metodologias ativas e na verdade não é isso, na verdade é uma simplificação do conceito de metodologias ativas, que por sua vez tem outros princípios e outros conceitos que precisamos entender e um deles é realmente compreender que dentro desse processo, professor e alunos são ativos no ensino-aprendizagem, se o processo for presencial, se ele for a distância, se ele utilizar recursos digitais… isso passa pelo planejamento do professor. Então está muito mais relacionado a uma concepção do que é a aprendizagem efetivamente para que as metodologias sejam pensadas, para que a aprendizagem seja realmente eficaz.

Fala-se que a metodologia ativa tem como princípio uma aprendizagem ativa e quando a gente fala em aprendizagem ativa isso também traz para mim uma reflexão em relação ao aprender e o que é aprender efetivamente, quando nós nos mobilizamos para buscar algo novo para aprender e entendemos que sempre o processo de aprendizagem perpassa por algo que acontece no sujeito que está aprendendo e esse sujeito que aprende, quando ele aprende efetivamente, quando ele se apropria de algo, alguma coisa modifica nele, seja nos processos cognitivos, seja nos processos subjetivos de aprender… ou seja, há uma transformação, há uma mobilização diferente dentro desse sujeito, a aprendizagem aconteceu e ela foi ativa porquê houve uma transformação, houve uma mobilização desses processos dentro do sujeito e aí eu até questionaria dizer e associar a palavra ativo com aprendizagem, ela é sempre ativa quando ela realmente acontece independente até do método porque o processo é dentro de nós, é dentro desse sujeito que está aprendendo.

(En)Cena – É, me parece que no método tradicional isso também ocorre quando há obviamente essa volição, essa vontade por parte do acadêmico, do educando. O que diferenciaria então, nesse caso? Por que a gente teria que falar de metodologia ativa?

Adriana Ziemmer Gallert – Então, parece que a aprendizagem independe do método. Digamos assim, que no entendimento desse conceito que eu coloquei que a aprendizagem está relacionada a essa transformação de processos sim. Se nós formos pensar, o método que você aprendeu e o método que eu aprendi quando estávamos na escola, que era um método tradicional, também foi uma boa aprendizagem. Nós também aprendemos quando éramos crianças, adolescentes…

A necessidade da mudança nos métodos de ensinar é porque compreendendo a aprendizagem dentro do contexto em que nós estamos, a sociedade hoje é outra, nós estamos inseridos em um contexto cultural, no contexto social onde a interação entre as pessoas é muito intensa, em que as pessoas são protagonistas do processo de sua vida, elas querem participar, elas tem vontade de falar, de interagir, de se posicionar e tudo isso traz então para dentro do processo de trabalho do professor a necessidade realmente de um replanejamento e pensar quais então são as estratégias metodológicas mais adequadas, não para que a aprendizagem seja ativa mas para que o sujeito se sinta inteiro no processo de aprendizagem, para que ele se sinta motivado e queira participar das atividades que são propostas e aí há então a necessidade de pensar metodologias ativas.

(En)Cena – Não é possível inferir que só pelo fato de estarmos conduzindo as aulas de forma remota isso, por si só, seja de fato uma metodologia ativa, sim?

Adriana Ziemmer Gallert – Exatamente, se o entendimento do conceito de metodologias ativas fossem simples assim, ou seja, só focar em recursos digitais e utilizar e dizer que estou fazendo metodologias ativas na minha aula então automaticamente esse contexto em que nós estamos colocaria para nós que estamos todos vivendo no contexto de metodologias ativas e não é isso. Muitos professores neste cenário de pandemia não conseguiram fazer exatamente esse entendimento e esse trabalho pedagógico de retornar as suas aulas com metodologias virtuais, com tecnologias virtuais para colocar as pessoas num processo ativo… aquilo que o professor muitas vezes fazia na  aula presencial é que ele ficava um tempão falando como se a aprendizagem acontecesse somente dessa forma, só pelo ouvir e a gente sabe que não é somente assim pois é muito fazer, vivenciar, o conviver para que aquela aprendizagem se torne realmente efetiva, então muitos professores não conseguiram se adaptar…

Os professores marcam uma aula online com os alunos e eles ficam falando muito tempo e aí nós precisamos pensar nesse tipo de aula que, quando nós falamos o aluno está em casa participando da nossa aula, ele tem muitas variáveis em volta que tiram a atenção dele porque ele está dentro do contexto da casa dele, está junto com a família, está junto com o filho, com variáveis concorrentes e muitos deles não têm espaço adequado e ideal dentro da sua casa para poder participar das aulas online e aí se o professor ficar falando, falando… perdeu esse aluno, perdeu mais do que na aula presencial porque ele se distrai por conta da situação que acontece, então até na nossa aula de metodologias remotas nós precisamos pensar no planejamento do tempo dessa aula, quanto tempo é possível ficar falando e que estratégias eu tenho que usar dentro de uma aula virtual para que meu aluno saia da imagem da foto dele (Câmera Desligada) e ele se apresente, ele participe efetivamente daquele encontro e isso também é muito necessário.

E tudo isso passa então pelo planejamento, pela concepção que o professor tem do que é aprender dentro desse contexto, dentro dessa necessidade que as pessoas têm de falar, de interagir, de se posicionar, de serem questionados, de serem instigados para que os seus motivos pessoais sejam aguçados, isso é um grande desafio para os professores.

(En)Cena – Este processo de aprendizagem ativa, às vezes, parece ser algo difícil também para o aluno… qual sua dica para que haja a adesão deles?

Adriana Ziemmer Gallert – Nós precisamos mostrar para nossos estudantes, sempre, como a aprendizagem acontece de forma mais efetiva e o aluno, estudante, ele precisa entender que uma aprendizagem só de ouvir já passou… não é mais assim. Porque as informações mudam muito rápido, elas estão em muitos lugares, as informações podem ser acessadas a hora que nós precisarmos, elas estão mudando e nós temos que atualizar o tempo todo e transformar essa informação em conhecimento, aí sim a aprendizagem acontece e esse é o grande diferencial, e como que nós aprendemos a transformar informações em conhecimento sendo que nós estamos falando do ensino superior?

Trabalhar nesse sentido, de que aquele nosso estudante que ainda nos vê como uma fonte única de acesso ao conhecimento precisa compreender que não é mais assim, nós somos um dos recursos da aprendizagem em termos de conhecimento e, aí sim, nós somos um grande potencial e podemos contribuir com a vida deles em relação ao desenvolvimento das competências, que serão necessárias para a vida toda porque os conhecimentos vão mudar, outras competências profissionais também serão exigidas.

(En)Cena – O educador, neste caso, tem que ter a capacidade de atenção redobrada, já que obviamente tem muitos pontos a serem conectados, tem muitos setores ali dentro da dinâmica da sala de aula onde ele vai ter que ativar esses setores para não haver um processo de descompensação das partes, tipo uma pessoa que polarize muito o discurso… é um reinventar-se no final das contas. Enfim, mudando de assunto, especificamente em relação avaliação, teve ganhos? Teve prejuízos? Não mudou nada? Como você vê isso?

Adriana Ziemmer  Gallert – Bom, eu vejo que estamos todos aprendendo muito, primeiramente em relação a essas questões e quando a gente fala no processo das aulas, o jeito de ensinar, o jeito de trabalhar as abordagens, desenvolver as competências, propor atividades até que foi um processo menos doloroso, não tranquilo mas menos doloroso, mas quando chegou no momento das avaliações nesse período de isolamento social começamos a perceber que falar de avaliação nesse contexto é um grande desafio para nós pois eu penso que passa bastante pelo que você falou das nossas concepções, aquilo que nós acreditamos que é realmente educação.

Fonte: Acervo pessoal da entrevistada

Aquele professor que ainda está arraigado naquela concepção de que o processo é de transmissão do conhecimento, que ainda infelizmente não entendeu que esse não é mais o principal do nosso trabalho – ele continua sendo importante sim, pois o conhecimento continua sendo a base de nosso trabalho mas não é só isso, é o conhecimento a serviço de algo, do desenvolvimento de algo maior que são as competências -, esse professor que ainda está centrado só no conhecimento, para ele está sendo um sofrimento pensar nessa avaliação ou ele não está acreditando realmente.

Muitas vezes alguns deles estão vivendo no processo difícil de entender que realmente é possível utilizar as ferramentas diferentes para avaliar o desenvolvimento dos nossos estudantes, porque se eu estou centrado somente no conhecimento e para mim ainda a prova conceitual, aquela prova “o que é isso, que é aquilo?” é o que eu fazia no presencial, o processo avaliativo realmente não faz sentido dentro de um contexto onde nós estamos vivendo agora, porque o aluno tem acesso à internet, ele tem acesso aos materiais, ou seja, ele vai fazer avaliação com consulta sim e além disso eles têm grupos de WhatsApp no qual tiram dúvidas, onde o professor não participa… então quando eles têm dificuldades em alguma questão eles vão colocar lá, eles vão debater e eles vão aprender juntos.

Então para esse professor mais tradicional realmente é difícil. Eu fico imaginando, não consigo pensar exatamente qual é a solução que ele acha pra isso pois acho que não tem muita solução, mas o professor que já entendeu que o processo mudou, que o nosso trabalho é realmente potencializar o desenvolvimento de competências e para isso então nós vamos buscar os conhecimentos, nós vamos buscar as ferramentas que precisamos para desenvolver competências, para esse professor a avaliação tem outras possibilidades. Nós podemos utilizar o instrumento de prova? Podemos! Mas uma prova com questões que avaliam o desenvolvimento de competências e não uma questão onde eu encontro a resposta pesquisando no Google.

Além disso nós temos várias outras ferramentas também dentro desse universo de trabalho das plataformas, os ambientes virtuais aos quais possibilitam vários tipos de instrumentos de avaliação diferentes onde nós podemos sim criar atividades avaliativas que elas, inclusive, são mais trabalhosas, exigem mais do nosso estudante no sentido de que realmente as competências serão desafiadas no seu desenvolvimento. Então a avaliação nesse momento coloca em xeque as concepções que o professor tem, do que é aprender, do que é ensinar, do que é avaliar, o professor que já conseguiu dar um salto no seu desenvolvimento profissional, ele já consegue vislumbrar outras possibilidades, ele consegue construir outros caminhos que são sim coerentes com as estratégias que ele utilizou na própria ferramenta.

(En)Cena – O professor, hoje, não é um mero detentor de conhecimento. Ele é um mediador, um curador… mas o formato de centralização do processo educativo ainda é muito forte, sim?

Adriana Ziemmer Gallert – Eu  vejo que muitas vezes o professor está realmente centrado ainda no papel do professor como figura que detém o conhecimento, o papel daquele profissional que não pode errar, que tem que saber tudo sempre, que não consegue quando o aluno, por exemplo, faz uma pergunta em sala dizer assim: “nossa eu não sei, vou pesquisar, vamos pesquisar juntos, eu também preciso aprender, isso é novo para mim também”.

Esse professor que não consegue ter essa postura realmente tem dificuldades em aceitar que ele precisa aprender, e aceitar que ele pode sim dizer “eu não sei, eu preciso aprender”. E o professor que realmente se compreende como profissional em constante transformação é um profissional que sempre tem algo a aprender, que gosta de aprender, a gente precisa gostar de aprender, a gente precisa gostar de ver o quanto nós vamos nos tornando pessoas melhores à medida em que nós vamos aprendendo mais, conhecendo mais, nos desafiando, nos permitindo, também nos transformar e aprender algo novo, acho que isso é tanto do professor quanto do aluno, permitir-se viver situações diferentes, isso também impulsiona em nós processos de aprendizagem, e para esse professor é mais fácil, digamos assim, ver que, por exemplo, “ainda tenho mais a aprender, eu não sei tudo e nunca vou saber de tudo”…

(En)Cena – Gostaria de te agradecer pelo tempo que você dedicou para esta conversa…

Adriana Ziemmer Gallert – Eu agradeço muito o convite mais uma vez e gostaria de deixar um abraço a todos, pois é sempre muito especial estar com todos vocês.

Compartilhe este conteúdo:

Uma Nova Era e a evolução da Psicologia Organizacional em contingência a Gestão Humanizada

Compartilhe este conteúdo:

A Psicologia nas Organizações e do Trabalho vem crescendo no Brasil nos últimos 20 anos, proporcionando aos graduandos no curso de Psicologia conhecimentos com uma visão mais ampla. No mercado de trabalho dos tempos atuais, cada vez mais exigente e seletivo, a Psicologia nas Organizações vem se desenvolvendo e acompanha seus principais objetivos: o exercício profissional, a forma como lida com a articulação entre a teoria e prática, seu processo de evolução e as ideias que mudaram com a chegada de uma nova era na sociedade.

O trabalho do psicólogo na sociedade contemporânea, no dizer de Bernal (2010) “leva em conta o homem moderno, a sua subjetividade relacionada com seu trabalho, pois é por meio deste que se constitui o homem: transformando a sociedade e ao mesmo tempo é transformado por ela” (apud SANTOS, 2015, p. 2). A psicologia possui subdomínios, de acordo com Borges-Andrade e Zanelli (2004) “outra classificação do campo mais vasto de Psicologia do Trabalho e das Organizações” (apud GONDIM, 2010, p. 86). Os subdomínios se dividem em: contextos organizacionais (psicologia organizacional e comportamento organizacional); aos antecedentes e consequentes destas ações para as pessoas, os grupos e a organização e as contribuições da psicologia e de outras ciências que fornecem ferramentas conceituais e metodológicas para a Psicologia Organizacional e do Trabalho.

 Segundo Santos e Caldeira (2015) a publicação do livro Psicologia Organizacional e Trabalho no Brasil de Zanelli, Bastos e Borges-Andrade (2004), trouxe uma significativa contribuição para orientar o ensino da subárea nos cursos de graduação em psicologia.

Quanto aos desafios metodológicos para a pesquisa em Psicologia do Trabalho e das Organizações, Borges-Andrade, Bastos e Gondim (2010) observam que os pesquisadores brasileiros estão mais sensíveis a questões do trabalho, tais como saúde, qualidade de vida, bem estar, sentido, significados e subjetividade do trabalhador. Há estudos sobre aprendizagem organizacional, cultura organizacional, liderança, avaliação de desempenho e treinamento que acompanham as tendências internacionais de pesquisa na subárea.

O novo papel do Psicólogo Organizacional faz parte da atuação junto a uma equipe multidisciplinar no reconhecimento do funcionamento das estratégias da empresa e seu sistema de gestão para um resultado mais eficaz.

Para falar mais sobre o assunto, confira nossa entrevista com Márcio José Sant Angelo, Graduado em Psicologia (UNIFAE/2005), pós-graduado em Capacitação Executiva (FIA/USP/2009) e MBA em Recursos Humanos (FIA/USP/2011). Amplo conhecimento em todos os subprocessos, como: R&S / T&D, CSC, Remuneração Fixa e Variável, Benefícios, Talents e Indicadores de RH, startup em departamento de RH e reestruturação de equipe, HRBP, cuidando de subsistemas e atividades de RH. Desenvolvimento de Relatórios Gerenciais, KPI’s e remuneração variável (PPR) de funcionários e de Bônus (EVA) e de Executivos. Atuou no Centro de Expertise, Operações e CSC, cuidando de indicadores nacionais e Globais, responsável pelo HR Operations – COE do Brasil, além de atuar na estratégia de Remuneração Fixa e Variável (Meriti Bonus) da Companhia. Especialista no módulo OM SAP, usuário avançado do sistema FPW e Workday. Iniciou suas atividades em RH na área de R&S para empresas de grande porte como Eaton e International Paper. Atua na própria empresa de consultoria (MS AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA) em Avaliação Psicológica e de Recursos Humanos, atendendo clientes em todo o Brasil, em serviços de startup e montagem de departamentos de RH para empresas. A MS conta com cadastro autorizado a aplicar testes online, gera serviços, produtos, onde o candidato não precisa ir até a empresa, utiliza o tempo. Criou a bateria BOL (Bateria Online), por meio de logaritmos aplica teste da Vetor Editora, originais.

Márcio José Sant Angelo: “Por mais que a tecnologia possa avançar, as pessoas serão a diferença no futuro. O Psicólogo Organizacional trabalha com ferramentas que utilizam a inteligência artificial, hoje temos o “machine learning” que significa aprendizado da máquina, o que não tem significado sem a interação humana. As máquinas não vão substituir os seres humanos e as pessoas serão estratégicas, no entanto, elas serão muito mais cobradas no futuro. A partir do momento que excluo o ser humano da equação eu não tenho a máquina”.

(EN)Cena: Qual a diferença entre Psicologia Organizacional e a Psicologia do Trabalho?

Márcio José Sant Angelo: A Psicologia Organizacional é mais ampla, trabalha com recursos mais extensos, abrange temas que vão além de conhecimentos da própria psicologia, depara com áreas da organizacional, de recursos humanos e conhecimentos da área de administração. Desenvolve avaliações de desempenho, pesquisa de clima, cultura organizacional, treinamento e desenvolvimento. A Psicologia do Trabalho é uma área restrita às avaliações psicossoais e realiza as avaliações psicológicas de hoje que são realizadas dentro da organização. Embora configure um caráter análogo entre Psicologia do Trabalho com Psicologia Organizacional, a área de abrangência de ambas é bem distinta.

(EN)Cena: Além do recrutamento, seleção de pessoas e consultoria, quais outras atuações o psicólogo organizacional desenvolve nas organizações?

Márcio José Sant Angelo: Existem muitas atuações. O psicólogo dentro da organização pode atuar hoje como parceiro de negócio BP (Business Partners) praticar treinamentos e reuniões de feedback. Hoje o psicólogo organizacional tem condições de atuar como parceiro estratégico de negócios não apenas no recrutamento, desenvolvimentos e seleção, mas também na parte de Feedback que é muito importante. Mapeamento de competências, mapeamento de potenciais, mapeamento do desempenho e potencial das pessoas que atualmente tem como principal ferramenta Nine Box (uma matriz que se avalia entre 2 eixos X e Y), que traça os objetivos em curto, médio e longos prazos com gestão de executivos e média liderança. O psicólogo organizacional tornou-se o facilitador na organização e por meio de seus recursos da psicologia auxilia o gestor no seu dia a dia como o especialista em comportamento humano dentro da organização.

(EN)Cena: Atualmente como Psicólogo Organizacional, quais as dificuldades têm encontrado no mercado de trabalho?

Márcio José Sant Angelo: Primeira dificuldade que enfrenta seria o não reconhecimento da Psicologia Organizacional como uma área de Expertise dentro da própria área de recursos humanos. Existe uma lei do Conselho Nacional de Administração (CNA) que reivindica todo trabalho de recursos humanos para a Administração excluindo os psicólogos, tramitando desde 2008 no Senado. O Conselho de Psicologia tem debatido muito esta questão e acredito que não será aprovada esta medida. Outra dificuldade, a maior delas, é sua falta de preparação para trabalhar dentro de uma organização. Distingo que esta dificuldade iniciou com a falta de interesses aos números, os orçamentos e também por não estarem aptos “falar” a linguagem do negócio. E isto é uma leitura incompleta do gestor Business (dos executivos). Assim, o psicólogo organizacional não é visto como estratégico, ele é visto como um custo, um “Over Red”.

É importante ter em mente que o psicólogo organizacional é estratégico pelo conhecimento psicológico, conhecimento este que falta aos gestores, e esta instabilidade e a vulnerabilidade é o que os leva a tomar decisões errôneas.

(EN)Cena: Sabemos que existem Psicólogos que, mesmo tendo toda a bagagem teórica para ser Psicólogo Organizacional, não possuem o perfil para isso. O que você considera ser a característica imprescindível, além deste aporte teórico, para ser um Psicólogo Organizacional?

Márcio José Sant Angelo: Acredito que tudo tem a ver com um perfil. E não apenas na psicologia organizacional, mas existem psicólogos que não tem perfil para serem psicólogos! O requisito principal para ser psicólogo seja na organizacional ou fora dela é gostar de gente, se você não gostar de pessoas, não gostar de trabalhar com gente, você está na área errada. A característica imprescindível para estar na organização e ser um bom psicólogo organizacional é conhecer técnicas para trabalhar com pessoas. Sem dúvida cursos extracurriculares, como PGA que te agrega conhecimentos de administração, irão te auxiliar, mas não será o suficiente. É importante buscar ver Pessoas e não ver as pessoas como “Headcount”, olhar outra pessoa e ver nela um ser humano que está ali pra Organização. Trazer uma imagem mais humanizada para a Organização, por mais que a tecnologia possa avançar, as pessoas serão a diferença no futuro. Atualmente o Psicólogo Organizacional trabalha com ferramentas que utilizam a Inteligência Artificial, auxiliado pelo “machine learning” que significa “aprendizado da máquina”, que não tem significado sem a interação humana. As máquinas não vão substituir os seres humanos e as pessoas serão estratégicas, no entanto, elas serão muito mais cobradas no futuro. A partir do momento que excluo o ser humano da equação eu não tenho a máquina. O próprio Google tem os nossos “EPUBS”, ele te sugere o produto, mas você em algum momento que entrou naquela loja, você quem sinalizou, indicou aquele produto.

(EN)Cena: No cotidiano da empresa em que você atua como se dá a influência da Cultura e do Clima da empresa sobre os seus funcionários? Você acredita que essa influência possa ser mais positiva ou negativa para estes indivíduos que convivem todos os dias sobre o mesmo espaço? Você acha que sozinhos eles conseguem compreender integralmente os princípios e valores da empresa?

Márcio José Sant Angelo: Atualmente minha empresa a MS Avaliação Psicológica, é extremamente restrita, são 5 funcionários e em média 60 homologados no Brasil. Os psicólogos homologados e que fazem as avaliações psicológicas em todo território nacional conseguem entender a cultura da MS, no entanto, não conseguiriam sozinhos, depende de muitos treinamentos, é necessário, que realmente mostre a Missão, os Valores e a Visão da empresa. Todo indivíduo, ser humano, se não conseguir enxergar significados, não terá propósitos, se a pessoa não enxergar a Cultura da empresa nada fará sentido.  Entretanto, ocorre nas corporações empresariais que atendo de 3.000 a 50.000 funcionários, não se conseguir trabalhar com uma Cultura coesa. Embora, os Psicólogos Organizacionais procurem fazer um bom trabalho, a dificuldade por não ter uma cultura definida incide nos funcionários, ficam “perdidos”. Não adiantará a organização investir no setor da economia e nos treinamentos se você não sabe para onde a empresa quer ir. Nesta situação o Psicólogo Organizacional, principalmente o consultor, fica na completa dependência de que algo irá beneficiar esta situação. No cotidiano o Psicólogo se depara com situações delicadas como o diretor, ou algum outro funcionário da gestão que desconhecem a perspectiva da empresa para os próximos 3 anos, a maioria diz que “querer lucro pra ser mais feliz”, o que não representa o Valor, a Missão da empresa. A Cultura da empresa é quando você tem em mente que está contribuindo com seu trabalho para que o produto ou serviço que ela fornece, chegue muito bem feito na ponta. É perceber que o sentido vem na contribuição, do recepcionista, do auxiliar de serviços gerais, ou o diretor financeiro, é quando se consegue contribuir da melhor forma para que tudo seja bem feito. Onde este comportamento ocorrer, tenha certeza, que existirá uma Cultura muito bem desenvolvida. E posso dizer com toda certeza que apenas 10% das empresas tem uma Cultura definida hoje. E o interessante que os psicólogos organizacionais estão transpondo pontos cada vez mais estratégicos, estão mais próximos aos dirigentes das empresas. Nos dias atuais psicólogos estão atuando em altos escalões nas organizações como em cargos de diretoria, o que é apreciável saber que psicólogos estão tomando decisões dentro das Organizações.

(EN)Cena: Qual o maior desafio hoje do Psicólogo Organizacional?

Márcio José Sant Angelo: Se inserir realmente no mundo das Organizações. Interagir de todo o saber da graduação de psicologia com a atualização na linguagem dos negócios, se o Psicólogo não conseguir falar a linguagem dos negócios ele não atinge o Executivo.

(EN)Cena: De uma forma contextualizada poderia falar sobre a atuação do Psicólogo Organizacional na prática do dia a dia?

Márcio José Sant Angelo: Hoje o psicólogo deixou de ser o menino ou a menina da seleção, a menina ou o menino do RH. O Psicólogo dentro da Organização é visto como um o profissional mais encorpado e apurado realmente para agregar valores ao gestor da empresa e aos funcionários por meio de uma postura holística para atingir os resultados. O gestor com formação em outras áreas, seja na engenharia, na administração, na saúde não consegue dar um feedback e o psicólogo é habilitado a trabalhar com o ser humano, pode ensinar a gestão a dar um bom feedback, positivo ou negativo para o seu funcionário. Hoje o psicólogo é o “maestro” da organização numa arena junto ao gestor portador de conhecimento técnico e se estiver implicado na linguagem de negócios ele será sempre um influenciador.

(EN)Cena: Que tipo de ação um Psicólogo Organizacional efetuaria se a organização estivesse atravessando um processo de venda?

Márcio José Sant Angelo: No processo de venda da empresa seguir alguns passos para primeiro entender a estratégia e depois comunicar esta estratégia com a organização. Alinhar as estratégias, os passos, os prazos e no RH deixar isto esclarecido, bem clarificado na empresa. Verificar quais os planos da empresa. Irá ter um PDV (Programa de demissão voluntária)? Quem serão os elegíveis? E trazer questionamentos que o gestor desconheça, como: Vai vender a empresa, terá uma fusão, irá conseguir reter estas pessoas na nova empresa, não vai? O ideal é participar da estratégia da venda, buscar entender alguns pontos e depois portar isto aos gestores. Existem 2 processos distintos o de fusão e de venda de uma empresa, quando a empresa é vendida os funcionários que estão lá sentem uma derrota muito grande, podem até continuar no emprego, mas o fato de não saber a Cultura que vai ter é ameaçador. Assim, terão que estar muito bem treinados, bem preparados, num processo muito bem digerido e colocado de uma forma muito transparente. Compreender que lidar com venda, a probabilidade de dar errado, os planos da gestão, é muito grande.

(EN)Cena: Existe algum conflito Ético entre a Psicologia ensinada no meio acadêmico e a aplicada nas Organizações?

Márcio José Sant Angelo: Existe, porque alguns psicólogos recusam a personificação da imagem de psicólogo organizacional. Ocorre de modo particular com alguns casos em que ascendeu uma posição mais executiva e passam a postergar a psicologia organizacional com grande envolvimento na área de negócios. Ao psicólogo organizacional, embora o cargo que possa alcançar seja de um diretor, cabe a ele prezar pelo juramento ao Conselho Federal de Psicologia (CFP), ao Código de Ética, por todas as resoluções e em hipótese alguma ele pode descaracterizar a profissão dele como psicólogo, por uma função de executivo, acima de executivo ele é psicólogo, e neste sentido o conflito ético é muito grande. Tive uma experiência de um antigo colega em um cargo de alto escalão, que utilizou do CRP da psicologia para chegar lá, e que estava denegrindo a função do psicólogo. Em outros conflitos, vejo pessoas que ainda aplicam testes xerocados, consultorias utilizando instrumentos que não estão validados pelo CFP, enfim, o psicólogo em muitas das vezes não se sente culpado, devido à falta de recurso que a empresa não lhe oferece, no entanto desenvolver um trabalho da forma Ética é responsabilidade exclusiva do Profissional Psicólogo.

(EN)Cena: Visto que temos um mercado competitivo entre outras profissões como, coaching, administradores, entre outros. O que você considera ser mais desafiador como um Psicólogo Organizacional?

Márcio José Sant Angelo: Fiz uma análise dos seguidores que me acompanham uma média de 35000, percebe-se que todos se especializaram em coaching[3]! Não tenho absolutamente nada contra o profissional coaching, o profissional formado. Tenho sim contra o coaching que aproveita de uma “onda” no mercado para desenvolver um serviço que não tem habilitação para realizar adequadamente. A psicologia está, inclusive, em conflito com este comportamento. Existe um projeto no senado para criminalizar a prática de coaching ilegal. O Profissional Psicólogo se diferencia no mercado pela estrutura de sua habilitação: um profissional que é psicólogo, estudou 5 anos, fez estágios, tem o CRP, tem condições de trabalhar com comportamento humano dentro ou fora da organização. O coaching não tem esta preparação, não é em um fim de semana, e com a utilização de alguns jargões como “Myself” que o coaching utiliza que se fará sustentável. A psicologia no Brasil tem 50 anos, embora sendo nova, é uma profissão que tem todo um Conselho, tem um Código de Ética. O coaching é uma moda que já está com um ponto de emissão consumado. O que diferencia hoje é a preparação do profissional Psicólogo Organizacional, suas habilidades em Recursos Humanos, MBA em RH, entender de negócios de plano estruturado capaz de desenvolver planilhas estatísticas, dados e gráficos. Assim ele não terá competidor, esta é minha opinião hoje, o que sinto no mercado.

(EN)Cena: A que se refere este dizer ser o Psicólogo Organizacional a “Filha prostituta da Psicologia”?

Márcio José Sant Angelo: Na faculdade de psicologia, queira ou não 80 – 85% do que é ensinado independente da abordagem teórica se é psicanalítica, cognitivo-comportamental, psicodrama, ainda é voltado para a clínica, infelizmente a carga horária de psicologia nas organizações atinge 15 a 20 %, como a psicologia social. Assim sendo, pessoas indo para a área das psicométricas, avaliações psicológicas, estarão mais bem remuneradas na psicologia organizacional o que gera este preconceito leviano de que a “Psicologia Organizacional é a filha prostituta da Psicologia”.

(EN)Cena: A Comunicação tem um papel fundamental em todos os sistemas. O mesmo ocorre num sistema Organizacional?

Márcio José Sant Angelo: Hoje o principal problema dentro da Organização é a comunicação. A comunicação não é fluida, não tem um endomarketing muito bem feito, ou seja, assuntos decididos na diretoria executiva pode não chegar à gerência ou chega de uma forma alterada ou a gerência pode entender da forma diferente. Torna-se uma “Torre de Babel” corporativa. Diante deste fato, para o psicólogo organizacional conseguir que a empresa tenha resultados mais efetivos, através das pessoas, ele tem que entrar neste looping de comunicação. Primeiro precisa analisar os fatos, o psicólogo organizacional não impõe, ele verifica os fatos, o que diferencia da clínica, onde emerge e tenta interpretar os dados, na organização não dá pra interpretar os dados. O dado é ou não é. Então o psicólogo organizacional, precisa correr atrás verificar isto, clarificar, simplificar, porque nem todos conseguem entender a linguagem da maneira que chega. Atualmente 85% das empresas têm problemas na comunicação, elas não comunicam bem. Se as empresas comunicassem melhor o trabalho do Psicólogo Organizacional seria muito mais fácil. A maior dificuldade é passar as estratégias o que a empresa tem definido na sua estrutura hierarquizada. Dentro desta falha na comunicação entra a dificuldade da linguagem dos negócios. Numa ocasião de trabalho levei 4 psicólogas da MS para uma reunião na Bienal em São Paulo, o propósito era que anotassem o que não entendiam numa reunião de 1h e 15 min, as anotações foram de uma página e meia. Isto é uma prova clara e científica que o psicólogo não está entendo o mundo organizacional, não entende a linguagem organizacional. Para conversar e ter credibilidade com um diretor você precisa, realmente, entender este idioma corporativo, precisa buscar aprimorar.

(EN)Cena: Quais os principais desafios no processo de Gestão de Pessoas? E quais as principais estratégias o Psicólogo Organizacional pode desenvolver para enfrentar estes desafios?

Márcio José Sant Angelo: Acredito em um principal desafio, trabalhar multigerações. A geração X-Baby Boomer; geração-Y-Milênio e a Geração Z – que está chegando agora, como lidar com tudo isto num único ambiente. A geração Baby Boomer é mais conservadora, e os Milênios tem certo conflito de ideias com Baby Boomer e são super conectados. Já a geração Z, se define naquele jovem que não quer ganhar mais, ele quer que seu trabalho faça sentido, ganhar é um Output um ressignificado do que ele faz, pra ele se ganhar “ok”, se não ganhar ele está fazendo uma “Coisa legal”. Não quer ter patrão, ele quer seu próprio negócio, diferente do Baby Boomer que gosta do bônus variável e todo ano.  Integrar todas as gerações em prol de um único propósito é um desafio. Como principal estratégia pra esta situação, torna viável identificar a pessoa correta para o lugar correto. Hoje montar um Standup, tête-à-tête. No entanto, como conciliar estas 3 gerações… é o maior desafio.

(EN)Cena: Qual a dificuldade mais presente na Organização?

Márcio José Sant Angelo: Sobreviver. O psicólogo tem que se atentar a isto. O problema é quando está disposto a desenvolver seu trabalho e não tem recurso financeiro para isto, muitos projetos de desenvolvimento de carreira ele não consegue formar. De 2012 – 2013, as organizações tiveram uma perda muito grande de capital de mercado e o Psicólogo Organizacional teve que se adaptar. Passamos por num ponto de inflexão, acredito que 2020 ainda não vai ser o ano de boas vantagens, mas em 2021 a probabilidade é que diminua a crise nas empresas, acompanhado da dificuldade de como extrair das pessoas o melhor e colocar pessoas em um lugar certo. Confrontando neste cenário acompanha o antigo estigma de que a empresa tem que fornecer plano de carreira, promoções, e enfrentamento de ideais engessados na gestão, como por exemplo, o “achismo” sobre o engenheiro colaborador de muitos anos e muito competente no que faz é a pessoa ideal para o cargo da gerência.

(EN)Cena: Que reflexão teria sobre esta frase “Pessoas não tem defeito, podem ser melhoradas”?

Márcio José Sant Angelo: Afirmação incorreta. As pessoas têm defeitos sim, são humanas e a organização é feita por pessoas, e as pessoas tem defeitos. Sejam defeitos técnicos, de habilidades ou atitudes. Começo a me preocupar com os defeitos no caráter, ao encontrar alguma pessoa com defeito de caráter, não é desenvolvível.

Joel Dutra, professor de minha pós-graduação na área da administração, faz muitos apontamentos sobre o CHA (Competências, Habilidades e Atitudes), ele soma o VE, e o resultado a CHAVE (Competências, Habilidades, Atitudes, Valores e Expectativas). Explica que assim, consigo mudar 4 esferas, CHAE (Competências, Habilidades, Atitudes e Expectativas)… VALORES eu não consigo mudar. Considera que isto não significa que a pessoa esteja errada, porém, se o seu valor não está condizente ao valor da organização o casamento não vai dar certo. Se seus valores não estão coesos com os valores de seu companheiro, de seu esposo, ou sua esposa, não tem casamento que dará certo. As pessoas são imperfeitas, devem ser desenvolvidas, mas em suas habilidades. Não tem como você desenvolver algo em alguém que não há possibilidades, como por exemplo, não adianta pegar um eletricista e tentar fazer dele um psicólogo organizacional. O problema maior das organizações é quando tentam “comoditiezar” as pessoas, deixar as pessoas como comodities, como açucar, como café…, por exemplo, a gestão pressupõe que o funcionário é muito bom, para fazer dele um gerente, mas ele não tem capacidade para ser gerente, não tem competência, não tem habilidade, nem valor e nem expectativa. E onde o psicólogo organizacional entra nesta equação? Identificando para o gestor que este não é o profissional adequado, não é esta pessoa. Deixando claro ao gestor que se ele insistir, quiser, irá perder. Ter em mente que todo ser humano é desenvolvível pode ser… desde que ele queira.

(EN)Cena: Ao ler os comentários na sua  página MS Avaliação Psicológica e o Linkedin foram percebidos muitos elogios em relação a sua gestão humanizada! Como seria esta gestão? E que recomendação ou orientação poderia deixar para os leitores do (En)cena?

Márcio José Sant Angelo: Procuro preestabelecer meus princípios com base na minha autenticidade. Por exemplo, quando invisto 2h30m diários ao Linkedin, pra mim estou sendo Psicólogo, Humano e Empático, a relação fica mais fluida. Se mudasse meus valores adquiridos na graduação, pra mim eles não foram bem formados. Sobre a gestão mais Humanizada acredito ser a forma de reflexão sobre a minha relação com meus seguidores, sempre com muito respeito pelas pessoas, prático feedbacks, busco ser assertivo, pontual. Recomendaria olhar o outro, o ser humano e ver ele como uma pessoa íntegra, eminente. Conversar com esta pessoa, utilizar dos recursos que a psicologia nos proporciona por meio das várias teorias para reforçamentos e feedbacks assertivos.

REFERÊNCIAS:

GONDIM, Sonia Maria Guedes; BORGES-ANDRADE, Jairo Eduardo; BASTOS, Antônio Virgílio Bittencourt. Psicologia do Trabalho e das Organizações: Produção Científica e Desafios Metodológicos. Psicol. pesq.,  Juiz de Fora,  v. 4, n. 2, p. 84-99, dez.  2010. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-12472010000200002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 03  dez.  2019.

PRIBERAM. Dicionário da língua portuguesa. Disponível em: <https://dicionario.priberam.org/>. Acesso em: 10 de Dez. 2019. 23:00:00.

SANT ANGELO, Márcio José. MS Avaliação Psicológica. R TECH em AVALIAÇÃO. Única STARTUP no Brasil especializada em Avaliações (Psicológicas), Clima, Avaliação de Desempenho, entre outras soluções. MS, 2019. Disponível em: <https://msavaliacaopsicologica.com.br/>. Acesso em: 03 de Dez. 2019. 01:00:00.

SANTOS, Fernanda Cristina Oliveira; CALDEIRA, Patrícia. A Psicologia Organizacional e do Trabalho na Contemporaneidade: As Novas Atuações do Psicólogo Organizacional. Psicologia. PT. O Portal dos Psicólogos.  01 Jan. 2015. ISSN 164-6977. Disponível em:         < https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0929.pdf>. Acesso em: 03 Dez. 2019. 00:27:00.

Compartilhe este conteúdo: