A escuta sensível na interface Psicanálise-Paulo Freire

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A Psicanálise faz uso do discurso que coloca o outro da relação na posição de sujeito e o psicanalista consegue recuar da sua posição de saber e poder para escutar o outro na sua verdade. Conteúdo este, que vem de encontro com a pedagogia de Paulo Freire com essa posição discursiva, de escutar o outro em sua verdade e, assim, produzir a aprendizagem e a comunicação política. Entra-se então a importância política da escuta, em tempos de cultura do ódio e do cancelamento.

Paulo Freire usou a escuta como uma grande ferramenta em sua teoria, essa escuta freiriana na prática pode mudar relações. O autor em sua obra Pedagogia da Autonomia (2009), aborda sobre a importância de respeitar o conhecimento que o discente leva para a escola. Isso implica na troca que pode ocorrer entre professor e aluno.

Outro ponto importante a se retirar importância de lidar com o outro, é praticar essa escuta sem objetificação. A escuta política surge como uma arma potente para aqueles que querem utilizá-la. “Tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos não apenas conservam sua identidade, mas a defendem e assim crescem um com o outro” (FREIRE, 2009, p. 118).

Fonte: encurtador.com.br/htFN0

Freud em sua essência traz essa preocupação com a escuta qualificada, abordando sobre o valor dado ao autoconhecimento e consequentemente a liberdade pessoal, a partir essa escuta trabalhada, isto foi considerado como um diferencial entre a psicanálise e as demais abordagens.

A importância dessa escuta para Freud é evidenciada a partir do momento em que você começa a ler os seus textos. Para além, pode observar uma crítica ao analista:

É possível pretender que fórmulas simples permitam compreender o processo analítico? Não, analisar é hipercomplexo: escutar com atenção flutuante, representar, fantasiar, experimentar afetos, identificar-se, recordar, auto-analisar-se, conter, assinalar, interpretar e construir (2003, p. 105).

Fonte: encurtador.com.br/cFJWY

Observa-se a preocupação entre os dois autores em relação a escuta, uma vez que esta prática está interligada a compreensão de realidades concretas, do seu contexto histórico, para além disso, observa a sua inserção no mundo a partir dessa escuta.

A escuta produz a conscientização libertadora e transformadora. Conscientização esta que traz um caminho para reinvenção de novos seres, cada um com a sua subjetividade, buscando a necessidade de coerência para ação e reflexão do ser existencial.

REFERÊNCIA

HORNSTEIN, L. Intersuibjetividad Y clínica. Buenos Aires: Paidós, 2003.

SOUZA, Anna Inês. Paulo Freire: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia Autonomia: Saberes Necessários à prática da educativa. Editora Paz Terra, Rio de Janeiro. 2009. Disponível: https://nepegeo.paginas.ufsc.br/files/2018/11/Pedagogia-da-Autonomia-Paulo-Freire.pdf

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As novas formas de amor segundo Carl Rogers

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 As formas de amar contemporâneas vão contra ao que Rogers usa como base para uma boa relação, ou melhor, uma relação na qual as pessoas possam fluir suas potencialidades. Hoje podemos atribuir as formas de amar ao que o Zygmunt Bauman denomina de amor líquido, em modelos em que as pessoas se desfazem de maneira fácil, sem que haja um sentimento de partida, as pessoas e os sentimentos escorrem pelas mãos, não há mais tempo nem disposição de construírem relações duradoras.

O porquê disso tudo podemos atribuir a vários fatores, dentre eles as pessoas se desfazem de vínculos, sentimentos, apreços, e a consequência disso é uma sociedade adoecida, órfãos de um encontro existencial no qual se agregue ao invés de desagregar.

Fonte: http://zip.net/bvtLN5

No livro Novas formas de amor, Rogers relata sobre as novas configurações de casais. Dentre estes casais, existem relacionamentos a três, relacionamentos abertos, poliamor, troca de casais, e outras configurações.

Segundo Fahel (2013) a atração sexual por outras pessoas acontece durante qualquer relacionamento sólido e reprimi-la pode ocasionar estresse na relação. Os casais que estão em um relacionamento aberto vivem uma monogamia afetiva em parceria com a liberdade sexual. No entanto, relações com outros parceiros não são tidas como infidelidade, porém a mesma não deve haver envolvimento afetivo/amoroso, o envolvimento afetivo deve pertencer somente ao casal.

Fonte: http://zip.net/bqtMkQ

Segundo a autora pessoas que aderem ao relacionamento aberto, liberam o desejo, mas não o sentimento. “É importante ressaltar que o relacionamento aberto costuma funcionar melhor quando há regras bem definidas e consentidas por ambos para evitar desentendimentos.” Em seu livro Rogers realiza escuta com os casais que discorrem sobre o funcionamento de seus relacionamentos. Através destas entrevistas, foi possível observar a delicadeza de Rogers em executar a escuta, uma vez que o autor se isenta de valores morais e opiniões, demonstrando a necessidade de ouvir sem julgar.

De acordo com Prado (2014) na contemporaneidade grande parte dos indivíduos tende a não permanecer em uma relação amorosa insatisfatória, deste modo, para muitos o relacionamento aberto pode gerar maior durabilidade da relação, já que para os adeptos dessa forma de amor, um relacionamento aberto funcionaria como quebra de rotina, podendo “apimentar” a relação, se o casal conseguir lidar e conviver bem com esse formato de relação podendo até mesmo melhorar a vida a dois. Por outro lado as questões que envolvem filhos, futuro e sacramentos religiosos são uma forma de tentar evitar “cair” numa possível promiscuidade, tudo depende dos valores de cada um.

A empatia tão falada por Rogers, a congruência, as aceitações positivas estão escassas na sociedade contemporânea, nas relações contemporâneas, nas pessoas contemporâneas, por isso vemos em um contexto clinico pessoas que necessitam apenas de outro alguém que lhe entenda, ou que pelo menos se importe de maneira congruente.

Fonte: http://zip.net/bvtLN6

Nota-se nos casos descritos que os casais enfrentam desafios quanto à flexibilidade e à criatividade da dinâmica no relacionamento. Ao mesmo tempo em que a liberdade predomina, essa configuração gera dúvidas e angústias. Alguns demonstram a dificuldade em enfrentar os novos desafios que se estabelecem durante essa liberdade. Rogers coloca o casamento numa perspectiva histórica, a fim de mostrar que a mudança não ocorre só hoje, mas faz parte da história, três aspectos influenciam esta mudança: o primeiro a política racial, o segundo as leis que regem o casamento e o terceiro a história da família.

O que é possível perceber no livro “novas formas de amor” é que quando Rogers atendia casais com diversas formas de se relacionar, ele procurava compreender as pessoas através de uma escuta apurada, gostava de estar em contato com a história dos casais, dos indivíduos. Simplesmente ele encontrava um significado para isso, só dos relatos tirava ensinamentos sobre o desenvolvimento infantil, sobre as relações pai e filhos, sobre o conceito que as pessoas fazem de si mesmas, os elementos dos bons e maus relacionamentos, os fatores que explicam as mudanças pessoais, o ajustamento sexual e assim por diante.

De acordo com Vigonc (2010, s/p) “toda escuta pode ser entendida como decorrente do sistema de significados do qual faz parte a formação teórica e prática do terapeuta, assim como sua bagagem transportada de suas histórias”. A participação ativa do terapeuta pode contribuir para esclarecer os relatos, construir um sentido, compreender os significados do que foi vivido, dar coerência e sentido para as histórias vivenciadas.

Fonte: http://zip.net/bhtLwS

A escuta é realizada a fim de identificar e compreender o modo como essas relações se estabelecem, feito isso, o autor descreve a dinâmica do casal. Em uma pesquisa sobre a sexualidade dos brasileiros realizada pelo DataFolha em 2009, com uma amostra de 1888 pessoas entre 19 e 60 anos em várias regiões do Brasil, descobriu-se que 40% dos entrevistados acham que relacionamentos abertos podem dar certo. Atualmente, estas configurações são mais recorrentes, à medida que se tornaram mais conhecidas e divulgadas. Existem relatos no Youtube sobre experiências com relacionamentos abertos, poliamor, troca de casais, que comprovam a proporção dessas novas configurações na atualidade.

(…) a internet representa também uma extensão da vida cotidiana, os indivíduos estabelecem neste meio novos tipos de relação, e dão significados para esta relação por meio das características deste próprio meio de comunicação. E, além disso, ela dá as pessoas uma sedução de liberdade, por ser um espaço ilimitado de comunicação e de expressão do indivíduo. O autor afirma, ainda, que o valor supremo da pós-modernidade é o desejo por liberdade (BAUMAN, 2004 cit in FERREIRA; FIORONI, 2009).

Estas configurações contemporâneas refletem o que diz Ferreira e Fioroni (2009), que as relações atuais estabelecidas são frouxas e leves, pois, os indivíduos ao mesmo tempo em que dizem querer um relacionamento duradouro, querem acima de tudo preservar sua liberdade.

REFERÊNCIAS:

BAUMAN, Z. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

FAHEL, Fernanda. Poliamor x Relacionamento Aberto x Amor Livre x poligamia. Disponível em:<https://mundopoliamoroso.wordpress.com/2013/09/30/poliamor-x-relacionamento-aberto-x-amor-livre-x-swing-x-poligamia-x-ficar/>. Acesso em: 04 jun. 2017.

FERREIRA, Luis Henrique Moura; FIORONI, Luciana Nogueira; DA UFSCAR, Graduando. Concepções sobre relacionamentos amorosos na contemporaneidade: um estudo com universitários. Anais do XV Encontro Nacional da ABRAPSO, 2009.

Pesquisa DataFolha: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2010/02/1223647-sexualidade-dos-brasileiros.shtml

PRADO, Vanessa. Relacionamento Aberto Vale a Pena?. 2014. Disponível em: <https://atosfatoseartefatos.wordpress.com/reportagens-2/relacionamento-aberto-vale-a-pena/>. Acesso em: 04 jun. 2017.

ROGERS, Carl R.. Novas Formas do Amor. Rio de Janeiro: Livraria Jose Olympio, 1976.

VIGONCI. 2010. O casal e a comunicação em crise. Disponível em: https://terapiadefamilia.wordpress.com/2010/12/01/o-casal-e-a-comunicacao-em-crise/

 

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Vivenciando a Saúde Mental

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“Saúde mental é poder amar e trabalhar;
amar no sentido incondicional que o verbo exige
e trabalhar no sentido de criar, sendo ao mesmo tempo
útil e produtivo.”
(Freud)

A minha ideia aqui, é relatar um pouquinho o que o campo da Saúde Mental produziu em mim quando comecei a ter contato com isso, em um estágio acadêmico do 5° ano de Psicologia, realizado em um CAPS III, no interior de São Paulo.

Iniciei minhas idas ao campo no final do mês de Março de 2012, a princípio era muito difícil estar ali, pois eu ainda não me sentia integrada naquela instituição e não tinha conhecimento de seu funcionamento, da equipe em geral e dos usuários. Apesar de eu me interessar muito pela Saúde Mental e ter desejado durante tempos participar deste projeto de estágio, o novo, o inusitado, me preencheu de medos e expectativas.

A partir das sensações que vivenciei na entrada do estágio – estágio não apenas na ideia de “estagiar” em determinada instituição, mas na perspectiva de que eu estava iniciando uma nova fase, carregando algo em mãos, e deveria aprender lidar com o imprevisto – eu pude enxergar, ou melhor, sentir que tudo estava sendo diferente do que eu imaginei que poderia ser. Então, eu abri meus poros para o contato a quem necessitava de amparo, abandonei a ideia de que ali o louco poderia ser um objeto para o meu benefício de aprendizagem acadêmica e o encarei enquanto pessoa, e pensando em práticas de cuidado.

Foi me ficando claro que conviver com a Loucura é uma experiência singular, que nos capacita confrontar com as nossas próprias experiências da loucura. Se impedirmos que o outro fale sobre sua verdade, impedimos ainda que nossa escuta se exerça a partir do lugar de sujeito que somos. Sobre isto, Cruz (1992, p.19) discorre:

[…] Reconhecer que o “doente mental” é um sujeito que deseja e que “sabe” sobre a verdade de seu desejo e de seu sofrimento, saber possível numa relação de fala/escuta que possa produzir novos sentidos para sua historia, que possa criar novos caminhos em seu circuito pulsional, novos territórios existenciais, reconhecer isto é renunciar à onipotência, ainda que ilusória, do lugar do provedor, do são, daquele que sabe. Mas antes de mais nada, é se confrontar com a própria condição de sujeito cindido, de sujeito confrontado tragicamente com suas próprias experiências da loucura.

Cabe mencionar que conversar com alguém que está “dissociado” pode ser muito interessante e muito complicado, não se pode pensar que não existe sentido em frases que parecem ser sem sentido, às vezes esse sentido vem codificado, está além do campo de significados. O que me remete a uma frase de Oury em “Itinerários de formação” a qual diz que “a pessoa, mesmo dissociada, permanece uma pessoa com seu próprio nome. Temos sempre assunto para qualquer um que tem um nome”.

Conforme a frequência no estágio foi aumentando, fui conseguindo me sentir menos insegura, e sempre busquei me manter próxima dos usuários, oferecendo minha escuta, já que não era difícil de notar que essas pessoas em sofrimento psíquico apresentavam uma enorme necessidade de falar.

Será somente numa relação de fala/escuta, na relação com um outro que, ao escutar, possa servir como suporte transferencial que o sujeito – o “paciente” – poderá produzir novos sentidos para sua história e para o seu sintoma. Isto significa lançar-se, portanto, numa “aventura” sem garantias de cura, num processo de colocação em movimento de circuitos libidinais cristalizados, repetitivos, processo que implica na existência de pelo menos dois sujeitos desejantes. (CRUZ, 1992, p. 19)

Muitas vezes senti medo de me perder em minhas ações, medo de fazer alguma coisa errada e de não estar fazendo nada, pois acabei me deparando com pessoas que mexem comigo e fazem eu me identificar, acabava conversando por simples satisfação, e foi um trabalho eu me conter, não deixar que a minha escuta ficasse só na passividade, mas com cautela tentei produzir sentido. Sobre essa produção de sentido, é importante mencionar o que ensina Ribeiro (2005), que se refere à loucura não enquanto doença a ser curada, mas enquanto uma “produção de sentidos que deve ganhar no âmbito do sujeito, existência subjetiva e territorial, contorno, amarrações que viabilizam uma localização – inscrição – desse ser no mundo em que vive […] (p.37)”.

O louco enquanto um indivíduo que possui voz, capaz de dizer sobre si mesmo e de produzir obra e para tratá-lo é necessário que se crie dispositivos para que ele possa ter lugar, se territorializar/desterritorializar, e estabelecer redes para garantir ou possibilitar algo que possamos chamar de vida…”Um pouco de possível, senão eu sufoco” (Deleuze).

O contato/a relação que tive com os usuários não se restringiram apenas no ambiente CAPS, tiveram momentos em que foi possível compreender a ideia de uma “clínica ampliada” com a transferência e o setting ocorrendo em diversos lugares, por exemplo, dentro da van indo para o ginásio, caminhando, no momento de um jogo de futebol etc. Souza (1999, apud Oury,1988-89; 23) cita que é importante possibilitar que “cada sujeito possa achar uma possibilidade de enganche, de interesse, mesmo parcial, sobre qualquer coisa que não era previsível…”, e ainda, sobre esses espaços informais, refere sobre a necessidade de o terapeuta ter uma escuta voltada para o novo e o imprevisível, estando atendo às possibilidades que se abrem a cada encontro, assim, a transferência aparece “como condição de possibilidade de emergência de um dizer” (Oury, 1988-89; 33).

Fundamentalmente é preciso que se enxergue o sujeito enquanto um inteiro, dentro ou fora do CAPS, sendo com práticas restritas a um setting protegido por muros, ou em qualquer outro tipo de ação. Emerich (2006, p.3) nos ajuda esplanar esta ideia quando diz que “O usuário não tem desejo ‘dentro do CAPS’ e direitos ‘fora’. Ele é atravessado constante e intermitentemente por esses vetores, ele é inteiro em todos os momentos”.

Em suma, experienciar a convivência com essas pessoas, pensar em produzir sentido e acuidade, é quase que como se lançar a uma aventura, – associando a Pelbart (1993) – desejando ter asas! Mesmo sabendo que não é possível ser anjo, resolver de imediato e viver no lugar de, mas pode-se ter disponibilidade para ouvir, para tocar, uma presença que pode às vezes suscitar um novo começo, no percorrer de diversos caminhos.

“Há infinitos modos de voar. Não é necessário escolher o de Ícaro, nem muito menos o de Santos Dumont.” (Gregório Baremblitt)

Talvez nossa modernidade tenha reduzido esses infinitos modos de voar unicamente a esses dois. Ora estamos de um lado, quando enlouquecemos, ora de outro, por exemplo, quando tratamos. É preciso muito senso estético, político, ético, clínico, demiúrgico até, para desmontar essa disjuntiva infernal. Necessitamos de muito espírito aventureiro para ir forjando asas, tanto no interior de uma instituição como fora dela, que nos permitam — a nós e a nossos pacientes — escapar a essa violência binária, que consiste em ter que optar sempre seja por um precipício abissal, seja pelo suave paraíso asséptico de uma estranha saúde, saúde sem desejo de asas nem um devir-anjo. (PELBART, 1993, p. 19)

Referências:

CRUZ, M. A. S. O Sujeito Silenciado: Uma Crítica às Práticas em “Saúde Mental”. 1992, p. 14-21

EMERICH, B. F. CAPS no Território: Cuidado onde a Vida acontece. 2006, p.1-12

OURY, J. Itinerários de Formação. Revue Pratique n.1, 1991. Tradução: Jairo Ideal Goldberg.

PELBART, P. P. Um desejo de asas. In: A nau do tempo rei. 1992

RIBEIRO, A. M. Uma reflexão psicanalítica acerca dos CAPS: alguns aspectos éticos, técnicos e políticos. Psicol. USP [online]. 2005, vol.16, n.4

SOUZA, M. O. S. Espaços informais: uma possibilidade no tratamento institucional de pacientes graves. São Paulo, 1999.

 

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