No quintal do CAPSi: devir-criança e os cuidados na atenção psicossocial

Compartilhe este conteúdo:

O trabalho relata a experiência de um CAPS infantil em São Paulo, versando sobre a importância dada ao brincar, ao ser-criança-além-do-diagnóstico, seja ele médico ou de outras especialidades. Como meios de ação, contamos com diferentes dispositivos da Atenção Psicossocial para evitar o fechamento de um modo de existência em um parâmetro de (a)normalidade.

Estes dispositivos podem ser investidos visando certa “resolutividade dos conflitos” ou “eliminação dos sintomas”. No entanto, destacamos a aposta em algo que escapa aos saberes e técnicas: o ato de “criançar”.

A aposta se funda na ideia do “lá em casa”, do “aconchego”, do “tem lugar pra isso também”, ou seja, em algo para além da Psiquiatria Reformada (que sairia do atendimento individualizante medicamentoso e passaria a atuar de maneira análoga), passando para a Reforma Psiquiátrica em seu viés contemporâneo que tem como um dos principais alvos de enfrentamento os manicômios mentais que cotidianamente questiona “é normal uma criança fazer isso?”.

timthumb

Como exemplo, apontamos os cuidados oferecidos às crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista. Para eles, geralmente, oferece-se grupos de estimulação, linguagem, atividades de habilitação para a vida cotidiana, atendimentos do usuário e família, medicamentos, parcerias com a Rede e com as escolas.

Todas estas modalidades de atendimento são importantes e produzem efeitos. Apontamos, porém, outra dimensão da nossa aposta ética: o criançar, que consiste em proporcionar experiências da infância dita “normal” àqueles que apresentam limitações singulares e que, muitas vezes, são privados do brincar, do correr, do se lambuzar, do Serestar-Criança.

A estas experiências, oferecemos um espaço de cuidado (com a presença de técnicos e familiares), para que cada experimento potencialize o devir-criança, que neste caso, é a criança que brinca, cria, pergunta, aprende, (que se) descobre, que (se) afeta.

Nestas experiências, trazemos à cena, o quintal de casa, o banho de mangueira, o futebol de sabão. Experiências singulares e corriqueiras da vida que garantem o seu desenvolvimento e o seu convívio com as diversidades. Coerente com esta lógica, o espaço é compartilhado por crianças ou adolescentes e não por sujeitos que se representam pelas suas hipóteses diagnósticas.

Esta lógica aponta para a superação de um paradigma normalizador que proclama uma infância asséptica, protegida dos riscos e das possibilidades que a vida oferece.

Compartilhe este conteúdo:

Gestos e Palavras: o reconhecimento do sentimento do paciente no estágio em enfermagem

Compartilhe este conteúdo:

Nos estágios de enfermagem você aprende a importância de cada gesto e palavra dita.

Tive uma paciente da oncologia de aproximadamente 36 anos que, apesar de sua condição de saúde, era independente. Frequentava as reuniões religiosas do hospital, ia ao banheiro sem precisar de ajuda, enfim conseguia realizar suas atividades diárias sem muita dificuldade. Muitas vezes passava no posto de enfermagem para nos chamar e tirar algumas dúvidas. Aparentemente a família era bastante presente, o marido ficava o tempo todo ao seu lado e os familiares iam visitá-la com frequência.

Foi esclarecido a ela que seu caso era fora de possibilidade terapêutica. Depois disso, ela repentinamente descompensou até chegar ao coma. Na semana seguinte, fiquei assustada ao observar que a mesma mulher firme que vi na semana anterior estava restrita ao leito, sedada por medicações fortes para aplacar as dores em seu final de vida.

Chegou a hora de dividirmos os pacientes e, para minha surpresa, a professora me indicou para cuidar dela. Confesso que quis desistir por medo, me perguntava o tempo todo: Será que ela morrerá em minhas mãos? E será que vou saber colocar em prática o que aprendi diante disso? Então, eu falei do meu medo para minha professora e ela disse que estaria comigo e não precisava eu me preocupar.

Comecei a realizar o exame físico completamente muda e quase sem reação, pois de fato a paciente não se movimentava de maneira alguma e nem respondia a nenhum tipo de estímulo. Foi quando a professora me questionou: por que você não conversa com ela? Ela te ouve.

Eu tenho um medo pessoal de me deparar com a morte. Entendo que é inevitável, que talvez mais do que algumas profissões, eu terei que conviver com ela. Só que por mais que os professores digam que não podemos nos apegar aos pacientes para não sofrermos, o apego acaba acontecendo. Nós nos colocamos no lugar deles, dos familiares e acabamos sofrendo junto. A verdade é que apesar de compreender que em alguns casos a morte é algo que não se pode retardar, nunca espero que aconteça de fato. Tenho medo de como nos tornamos impotentes diante disso, ou seja, querer diminuir a dor do outro e ter poucas possibilidades para fazer isso.

No fim do dia, eu conseguia entrar no quarto e ver que a mulher que conheci antes ainda estava ali, só que agora precisava mais de mim. Não era só quando ela estava conversando, andando, que ela merecia minha atenção.  Aos poucos fui “quebrando o gelo”, consegui conversar com ela, perguntar como estava, pedir licença ao tocá-la, segurava sua mão por alguns instantes para que ela se sentisse segura. Eu percebia que com esses pequenos gestos a família ficava mais satisfeita, pois via que dávamos importância para seus sentimentos.

Reconhecer os sentimentos do doente é fundamental para o enfermeiro, pois é através dessa compreensão que ele percebe as necessidades reais do paciente e pode realizar um plano de cuidados sistematizado, considerando a pessoa como um todo, e desenvolvendo uma postura empática. (SILVA MJP, 2001; 41(4):14- 20).

Vale ressaltar a importância da comunicação com o paciente estando consciente ou não, o ato de pedir licença ao realizar qualquer procedimento, pois o corpo é algo que resguardamos e devemos nos preocupar com a privacidade do paciente. Portanto, devemos procurar não expor o corpo do paciente de maneira desnecessária ao prestar-lhe qualquer tipo de assistência, principalmente quando o mesmo não tem condições de decidir por si e, especialmente, é sempre bom segurar sua mão para que ele sinta que tem onde encontrar forças.

Estudos com pacientes internados em unidades de terapia intensiva mostram que o toque de familiares, enfermeiros e médicos pode alterar o ritmo cardíaco do paciente, o qual chega a diminuir, quando os enfermeiros seguram suas mãos (Lynch JJ, 1978, apud SILVA MJP; ZINN GR; TELLES SCR, 2003, 11(3):326-32).

Partindo desse pressuposto, pude observar como pequenos gestos de carinho podem contribuir de forma positiva com os pacientes. Aprendi que o melhor final de vida é aquele que estamos rodeados por quem realmente se importa conosco, e mesmo ela estando inconsciente, continua sendo um ser humano sensível, que precisa de apoio emocional acima de tudo.

 

Referência:

ZINN GR, SILVA MJP, TELLES SCR. Comunicar-se com paciente sedado: vivência de quem cuida. Revista Latino – Americana de Enfermagem. Enfermagem USP, Ribeirão Preto – SP, 2003 maio-junho; 11(3):326-32. Disponível em: www.scielo.br/pdf/rlae/v11n3/16542.pdf. Acesso em: 24 de outubro de 2013.

Compartilhe este conteúdo:

“Demorei muito pra te encontrar”: surpresas no caminho do estágio

Compartilhe este conteúdo:

Há algum tempo atrás, enquanto fazia mais uma das longas viagens rumo ao meu estágio em campo, dividi o espaço com um senhor de pouco mais que quarenta anos de sorrisos e lágrimas. Vestido com roupas coloridas, calçado com uma bota de cowboy, portando uma mochila que parecia guardar todos os segredos do mundo.

Aproximei-me dele, pedi que se afastasse um pouco, porque viagens longas requerem repouso. Ele se afastou num passo rápido e protegeu sua mochila, olhou para frente depois voltou a olhar em minha direção. Por um instante cheguei a pensar que ele falaria algo ou responderia o meu sorriso de agradecimento, mas fez o contrário, olhou para moça que estava em pé, alheia a ele, voltou a proteger seu mundo, olhou outra vez em minha direção e soltou: “Demorei muito pra te encontrar, agora quero só você”. Confesso que meu estômago dava gargalhadas, minhas bochechas tremiam, mas fiquei na dúvida se ele se sentiria ofendido ou se sorriria junto com meu sorriso. Ao contrário da moça que sentava na poltrona da frente que sorria largamente e dava um ar de “coitada dessa menina”, eu continuava com um sorriso meia boca.

– Tu me acha doido, né? – Indagou ele.

Confesso outro crime: por dentro me rendia ao senso comum, aquela mania nossa de que tudo que não faz parte da nossa “realidade” não é “normal”, mas, como se fosse um reflexo, respondi a pergunta com uma outra pergunta.

– Por quê? Tu se acha doido?

– Minha filha, no meu mundo eu sou o rei. (pausa). Demorei muito pra te encontrar, agora eu quero só você.

Confesso, mais uma vez, que ganhei um mundo de experiências. Reforcei alguns conceitos e renovei outros. Fotografei mais um universo de belezas. Naquela mochila, provavelmente, exista as leis daquele homem. A felicidade do seu mundo.  Nesse mundo ninguém é ninguém. Bonito mesmo é o nosso “segundo” mundo, aquele outro mundo que ninguém conhece, a não ser nós mesmos.

Desculpem, mas no mundo que criei recebi a serenata de um rei.

Compartilhe este conteúdo:

Mais que empatia, um ato de amor

Compartilhe este conteúdo:

 “As coisas não têm significação: têm existência.”
Fernando Pessoa

A data? Agosto de 2010, O local? Ala geriátrica do Hospital Regional de Porto Nacional – TO. Nunca me esqueço daquela manhã…

Eu acabara de concluir a primeira fase do curso técnico em enfermagem, um total de 14 meses de estudo entre sala de aula – parte teórica – e um estágio em uma Unidade de Saúde da Família (USF). E agora, nosso grupo havia sido encaminhado para a próxima etapa da parte prática de nossa formação, o estágio no hospital geral de minha cidade, nessa primeira etapa, a ala geriátrica.

A ansiedade dominava a cena, todos estavam lá, nervosos, instantes antes da chegada da nova professora designada para orientar o estágio. A tensão não era por conta da parte teórica, quanto a isso todos estavam seguros, a apreensão era porque, pela primeira vez, iriamos aplicar todo aquele conhecimento aprendido, e não havia garantia nenhuma de sucesso. Todos esperavam por aquele momento, mas ninguém tinha percebido, até então, a responsabilidade por trás dessa opção. Eu, sempre muito seguro, confesso que nesta ocasião era um dos menos nervosos.

Foi quando chegou à professora. Ela se apresentou, disse algumas palavras, mais regras para decorar… Protocolo por trás de protocolo, isso era moleza, pelo menos para mim que sempre tive boa memória. Então, munidos de nossos equipamentos e jalecos, entramos no hospital. No peito um crachá com a descrição: estagiário. Eu estava cheio de mim, até começarmos entrar nos e conhecer os pacientes. Eu pude ver em cada olhar, toda a admiração de quem, em meio ao sofrimento, esperava em nós, auxílio para um alívio em seu sofrimento.

Confesso que até então eu não havia percebido o real significado por trás daquela roupa branca. Até aquele momento eu não havia percebido o poder do qual é investido um profissional do campo da saúde. A coisa toda tomou um novo significado, e sob uma nova ótica comecei a entender o cenário. Fiquei maravilhado com cada detalhe. À medida que a professora nos apresentava o hospital (campo de estágio) e a funcionamento do local, eu ficava cada vez mais fascinado com a organização e a rotina de trabalho.

Era uma verdadeira sinfonia a forma como cada área se complementava; fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicólogos, médicos, enfermeiros, farmacêuticos, técnicos de enfermagem, dentistas, auxiliares de serviços gerais, nutricionistas e assistentes sociais, todos juntos, dentro da sua ciência, em prol do mesmo objetivo: proporcionar certo alívio ao sofrimento daqueles pacientes. Era assim a ala geriátrica.

Fomos de quarto em quarto da ala geriátrica, conhecendo cada paciente, em cada leito. A maior parte daqueles idosos havia sido abandonada por suas respectivas famílias outros, já em fase terminal, recebiam o cuidado e assistência multiprofissional enquanto esperavam chegar sua hora, e em meio a estes estava seu Francisco1. Sua saúde debilitada chamou a atenção de todos, e de tanto nos interessarmos pelo caso, e nos foi delegado o seu cuidado.

Era um desafio, sua saúde exigia cuidado intenso e atenção dobrada. Logo nos inteiramos mais de sua situação, e descobrimos que ele era paciente de um asilo de idosos e que estava ali, em fase terminal, recebendo cuidados enquanto esperava sua morte, o prognóstico não era dos melhores.

Tínhamos outros clientes para também prestar cuidado, mas seu Francisco tinha cativado a todos nós, a empatia fora instantânea para com todos do grupo, e nos empenhamos ao máximo, dando a ele tudo o que podíamos: nossa técnica, atenção, carinho. Logo as outras turmas de estagiários também abraçaram a causa, e todos nos empenhamos em dar a seu Francisco muito mais que cuidado ou sua dieta – que era por meio de uma sonda – demos a ele amor. Genuíno, puro e fraternal.

Nosso trabalho naquele setor durou duas semanas. Na semana seguinte, ao sermos relocados para o estágio no centro cirúrgico perdemos contato com Seu Francisco, mas tínhamos deixado à orientação para que a equipe seguinte seguisse com o mesmo cuidado. Eles haviam aceitado de bom grado a proposta, e se comprometido, afinal, o carisma daquele senhor cativava a todos, instantaneamente.

Outra semana se passara, e quando voltamos para visitar Seu Francisco, a surpresa, o paciente que era terminal, havia recebido alta, devido ao rápido avanço e sua melhora. A alegria era visível nos olhos de todos, e em mim, a satisfação da sensação de dever cumprido. Fiquei alegre, não simplesmente pela eficácia de nosso trabalho, ou por sua melhora, mas por ter ajudado uma vida.

Algum tempo depois descobri que Seu Francisco faleceu 3 meses após esse acontecido. A notícia não foi recebida com pesar nem com tristeza, mas com a certeza, de que ele tinha vivido uma vida plena e de que, certamente, tinha recebido com bom grado seu momento.

Aquele primeiro caso mudou minha vida, e meu modo de ver muitas coisas. Seu Francisco nem sabe, mas pude aprender mais com ele do que com a maioria dos livros com os quais passei horas agarrado lendo e tentado entender sobre como curar pessoas. Ele me fez perceber que maior e mais poderosa que qualquer palavra, é um ato de amor.

Nota:

Nome fictício, utilizado para preservar a identidade do paciente.

Compartilhe este conteúdo:
caps

Olhares de submissão nos olhares de autonomia

Compartilhe este conteúdo:

Durante o meu estágio em Psicologia e Processos de Promoção de Saúde, no CAPS II de Palmas, co-coordenei um grupo de leitura, no qual utilizei a metodologia da auto-gestão. Este dispositivo foi desenvolvido pela Análise Institucional, onde de maneira bem simplista, os próprios participantes resolvem as suas questões. Acredito que esta metodologia possibilite a autonomia, pois o próprio grupo se gerencia. Neste contexto, Rocha entende que a autonomia “é um exercício permanente de análise e compreensão das condições em que se realiza a ação e, neste sentido, dos seus limites e possibilidades” (ROCHA, 2006, p.171).

No decorrer do grupo fomos proporcionando aos sujeitos envolvidos no mesmo, incluindo eu, situações em que pudessem opinar no movimento grupal, escolhendo os temas, trazendo materiais para a realização deste. Tensionar este movimento foi desafiador, pois além de modificar o movimento do grupo, era preciso desenvolver isto também na instituição, uma vez que os profissionais agiam no grupo de maneira que proporcionava uma dependência, práticas de poder e divisão de subgrupos (os profissionais e os usuários). Diante da idéia de, juntamente com usuários que participavam do grupo, decidirmos sobre o modo de funcionamento bem como fazer acordos e compromissos, alguns profissionais acreditavam que os usuários do serviço poderiam esquecer o compromisso e, por isso, deixavam a prática da auto-gestão em troca de uma prática direcionada que, mais pela configuração técnica do que por intencionalidades profissionais, caracterizavam-se como prescritivas. De fato, as pessoas podem esquecer de compromissos, mas isso não justifica relações burocráticas.

Os CAPS’s surgiram e ainda surgem com o objetivo de mudar as relações em torno de quem possui um intenso sofrimento mental. Relacionar-se com as pessoas, criando situações em que todas elas, independente da categoria em que são classificadas (profissionais, usuários, familiares), possam apropriar-se, mesmo que poucamente, da gestão das próprias relações, da própria existência é uma maneira coerente de produção de cuidado, condizente com os princípios da Reforma Psiquiátrica e com as reflexões da Psicologia.

Todavia, e ao mesmo tempo, não se tecem aqui nessas linhas, desconsiderações acerca da dificuldade que profissionais que trabalham nos serviços substitutivos possuem no cotidiano de trabalho. Esse relato serve apenas para compartilhar experiências e refletir sobre o campo da saúde mental. Ações em grupo com característica prescritiva colocam o profissional como o detentor do saber e menosprezam o conhecimento dos usuários. Isto é justificado com os diplomas de graduações que o legitimam como especialista do saber de uma determinada área, no caso da saúde mental.

Logo, apenas os profissionais sabem como “curar os transtornos mentais”. Este pensamento vigora no discurso dominante que não necessariamente seja o correto ou incorreto, somente um discurso que entende os usuários como não- responsáveis e não- comprometidos, retirando-lhes oportunidades de significarem suas próprias existências.

No início do estágio, nos encontros do referido grupo, os usuários participantes deveriam chegar no horário a fim de participar do grupo e conversar sobre os temas propostos pelos profissionais. Esta configuração propõe ao usuário papeis pré- determinados e submissões às normas estabelecidas no grupo, sem muita possibilidade de serem ativos no processo.

No entanto, um dia utilizei do poder dado pela minha supervisora de campo de coordenar o grupo e, para sair do movimento instituído, combinei com o grupo que um determinado membro (usuário do CAPS, que aqui chamarei de Afonso) seria o responsável para trazer um texto a respeito do tema escolhido para o próximo encontro, ou seja, no encontro de uma semana depois. Afonso chegou com o texto, porém atrasado. Pediu desculpas e assim foi quebrado o estigma que os circundavam.

Diante desse encontro iniciei um processo de, em três encontros consecutivos do grupo, sentir raiva e também a sensação de que não estava desempenhando a minha função de coordenar o grupo. O método que utilizamos era ler o texto e discuti-lo. No espaço de fala de todos, eu me pegava várias vezes abrindo a boca com a finalidade de enunciar algum conteúdo, mas era interrompida com a intervenção de outro usuário. Comecei a sentir que eu perdia a função de coordenadora. Então, percebi que os usuários estavam participando mais do grupo e eles mesmos estavam se resolvendo, pensando em seus conflitos, significando a existência que ali mesmo ocorria, no encontro de corpos, na troca de afetos. Mas mesmo assim, ficava me questionando sobre o que estava fazendo naquele grupo: será que precisavam da minha presença como estagiária de psicologia. Enfim, havia perdido um dos meus instrumentos de trabalho: a palavra.

De repente me dei conta que, na verdade, a vida gerada pela troca dialógica entre as pessoas, que num momento frustrou-me, era, na verdade, resultado do meu trabalho em conjunto com os outros participantes do grupo. A perda da fala era decorrente do ganho de uma possível autonomia, de todos, inclusive a minha. As pessoas do grupo auto-gerenciavam as relações ali estabelecidas. Enfim, sofria por algo sobre o qual eu era diretamente responsável e que era meu objetivo. Às vezes, o desejo vem transvestido e não o percebemos tão próximo da gente. Ainda bem que pude enxergar antes de propor uma nova mudança no movimento grupal.

Além disto, pude notar que a submissão que observava em seus olhares e gestos era apenas uma das multiplicidades que poderia enxergar naqueles sujeitos, mas existia possibilidades autonomia, felicidade e tantos outros.

Referência

ROCHA, Marisa Lopes da. Psicologia e as Práticas Institucionais: A Pesquisa- Intervenção em Movimento. Psico. v. 37, n° 2. Rio de Janeiro: Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2006. p. 169-174.


Nota: O texto foi produzido sob a orientação do Prof. Victor Melo no Estágio em Prevenção e Promoção a Saúde no curso de Psicologia do CEULP/ULBRA.

Compartilhe este conteúdo: