Per Aspera ad Astra – As Fronteiras do Espaço na Esteira das Estrelas

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“Um sinal, uma porta pro infinito, o irreal
O que não pode ser dito, afinal
Ser um homem em busca de mais, de mais…
Afinal, como estrelas que brilham em paz, em paz.”

(O Silêncio das Estrelas, Lenine)

O arauto do espaço

No dia 12 de setembro de 2013 a sonda espacial Voyager-1 tornou-se o primeiro artefato terrestre criado por seres humanos a ultrapassar as fronteiras do sistema solar, a chamada região interestelar. O equipamento foi lançado em 5 de setembro de 1977 em direção à estrela  AC+79 3888 na constelação de Ophiucus localizada a 1,6 anos-luz da Terra, somando assim mais de 36 anos de uma longa e silenciosa viagem pelos confins do espaço (TEIXEIRA JÚNIOR, 1980).

Mas, muitas sondas são enviadas ao espaço pelo menos desde o período da corrida espacial da segunda metade do século XX, e neste contexto o que torna a Voyager-1 (e posteriormente sua irmã Voyager-2) especiais é a missão que carrega dentro de seus equipamentos. E neste ponto, chegamos a entrada deste breve texto, na expressão latina “per aspera ad astra” que pode ser traduzida como “rumo às estrelas pelas dificuldades” gravada no Golden Record (disco de ouro) da sonda meticulosamente elaborado e coordenado pelo astrofísico, astrobiólogo e escritor Carl Sagan (1934-1996), que possui além desta mensagem em código Morse uma infindável coletânea de imagens (espectro da luz, planetas, feto humano, família, paisagens, cenas do cotidiano humano), músicas (cantos folclóricos, Sinfonia nº5 Beethoven, Johnny B. Good – Chuk Berry, El Cascabel  – Lorenzo Barcelata, etc), sons (vulcão, trovão, pássaros, trem, beijo, sinais vitais), materiais (isótopo de urânio-238 – para calcular a idade do disco, cobre, ouro) e mensagens – estas últimas saudações em 50 idiomas.

A missão da Voyager-1, portanto, foi e ainda é ao longo destes anos registrar imageticamente as paisagens estelares vistas por suas lentes, e, mais que isto, trazer em seu interior a primeira tentativa oficial da sociedade humana de estabelecer contato com quaisquer que fossem outras formas de vida inteligente no universo que por ventura viessem a encontrar o material do disco dourado do pequeno equipamento. E, em se tratando de dimensões espaciais alcançar a região interestelar da periferia do nosso sistema solar seja algo minúsculo se comparado a imensurável grandeza dimensional do já conhecido e muito a ser descoberto espaço sideral.

Figura 2: Localização atual da sonda Voyager-1

Fonte: http://www.nasa.gov/mission_pages/voyager/index.html#.Uj4rK9KkoUA

O Silêncio das estrelas

A especialidade da mensagem da Voyager-1 se pauta em sua função e objetivo de estabelecer ou não a médio ou longo prazo (e entra logicamente a temporalidade estelar) um contato, e daí a importância da preocupação dos seus construtores com as linguagens incutidas na sonda. Perseguir o contato é em suma procurar uma maneira de, pela linguagem, expor algumas das formas pelas quais nos comunicamos, e, a partir disto, estabelecer uma ponte de troca de informações.

E neste sentido, uma especificidade do material presente no disco dourado da sonda é a preocupação com a presença de formas de linguagem que expressam a inteligibilidade da sociedade humana, como equações, músicas com uso de complexos agrupamentos tonais, o conhecimento do nosso endereço intergaláctico (especificando a localização do planeta Terra e arredores), dados biofísicos etc. Deste modo o que se coloca como prioridade é a comunicação, ou ao menos os meios pelos quais tal conversação ou diálogo poderá ser estabelecido ou desenvolvido.

E no veio desta busca pela comunicação o que se atingiu até este momento dos anos 2000, com quase quarenta anos depois do lançamento da sonda em direção aos confins do nosso ainda limitado espaço sideral realmente conhecido, foi um silêncio, profundo e vasto, mas, não em relação à dimensão do universo, mas, sobre a nossa própria pretensão técnica e feérica na concretização dos passos de um empreendimento exploratório ínfimos perante a imensidão estelar além de nossa galáxia.

E assim caminha a humanidade

A exploração por novos horizontes dentro e fora dos limites de nosso sistema solar ou galáxia é uma constante em nossa civilização desde os seus primórdios. O que mudou e continuará em processo de mutação são as maneiras pelas quais tais descobertas, viagens e empreitadas estelares são realizadas nas diferentes épocas e lugares. Pequenas células nucleares garantirão o funcionamento da Voyager-1 por mais 20 ou 30 anos, antes que seus controles se apaguem, no entanto sua função técnica e simbólica estará posta dentro deste percurso histórico do olhar para o céu, e de poder ir ou tocar o que está além das estrelas, apesar das adversidades desta caminhada.

Como diria o geógrafo Milton Santos em sua participação junto ao programa Roda Viva de 1997 em pergunta do jornalista Ulisses Capozzoli sobre a temática da exploração espacial no então esperado século XXI, este afirma que é preciso antes de buscar uma comunicação ou exploração externa, cuidar do que está ao redor, no raio proximal de nossa filiação diária, e aí se inserem em sentido estrito a casa e os entes queridos e no sentido mais amplo possível o planeta Terra, fazendo as diversas vozes deste mundo se encontrarem dentro dos seus próprios limites e além deles.

Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

(Olavo Bilac, Ouvir Estrelas)

Referências:

DAMINELI, Augusto; STEINER, João [Orgs.]. O Fascínio do Universo. São Paulo: Odysseus Editora, 2010.

GLEISER, Marcelo. A dança do universo: dos mitos de criação ao Big Bang. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

NASA. Voyager to the Outer Planets and  Into Interstellar Space. In: < http://www.jpl.nasa.gov/news/fact_sheets/voyager-fact-sheet-091213.pdf> Acesso em 20.09.2013.

TEIXEIRA JÚNIOR, Antonio de Souza. O Encontro da Voyager 1 com Saturno. São Paulo: FUNBEC, 1980.

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O Menino do Rio

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Todos os dias ela observava o menino na beira do rio. Alegre, alegre, passarinho voando solto na relva; macaco pulando de galho em galho, na euforia de viver só o momento presente, porque o seguinte não existe. Distante assim no tempo, sua alegria ecoava pelo espaço, preenchendo os vãos até estremecer seu chão. Como amava aquele pedaço de gente!

Pequenino de quase tudo, mas, de longe, percebia-se quão gigante ia ser. Sua inocência era larga, igual aquele mundaréu de água, sem fim. Explodia de cores, energia multiplicada sete vezes o número de folhas da jabuticabeira do quintal. E o amor, ah, esse, ele mesmo dizia, cabia na palma da sua mão, porque assim poderia dar a mãe ou ao pai, inteirinho; os dois tinham que dar um jeito, não podia dividir, era tudo ou nada, e era pesado e bom de carregar no peito todo aquele amor.

Havia tardes que castigavam e o menino fugia da pisa dos raios do sol caindo nas águas do rio. E cantava, cantava uma melodia diferente, só sua.

 

Roda mundo, roda, roda sem parar

Pra que se preocupar pra que se preocupar

Se onde acaba o rio

É o mesmo lugar onde inicia o mar

Cantiga sem fim.

– Onde aprendeu, menino?

– Deus me ensinou.

Simples assim, como o azul do céu. E voltava a cantar, com os peixes a fervilhar à sua volta, bebendo daquilo tudo.

Sonolento ia para a rede. Logo começava a perguntar absurdos de alguma coisa:

– As estrelas caem do céu?

– Cai não meu filho, acho que não;

– E se cair, a gente pode pregar ela no teto do mundo de novo?

– Podemos sim, meu bacuri, podemos sim;

– Queria então uma chuva de estrelas… a gente ia passar a noite no céu… – e o balançar da rede tornava realidade o que dizia.

Um dia, tudo diferente, ficou só o rio, agora água salgada das lágrimas. Triste, triste. O vazio ecoava sem fim na tristeza de quem ficou. Dor cansada de doer da saudade que acabou de começar. Menino foi embora, rápido como fastio de nuvem escura de chuva. Nem barulho fez, não deu tempo nem de falar “A benção, pai. A benção, mãe”. Foi–se junto o sol, o brilho, a vida. Só escuridão ficou. Noite longa guarda tudo, até o sentimento de ausência infinita que chega faltar o ar. Desejo do mundo que agora está lá atrás!

Observa o rio correr sem cansar. Ri sem sentir ao enxergar centenas de estrelas nele. “Quer grudar elas no teto do céu, agora, meu bacuri?”. Só o vento frio da solidão é a resposta. Logo, sem saber que sabia, canta a música do filho:

 

Roda mundo, roda, roda sem parar

Pra que se preocupar pra que se preocupar

Se onde acaba o rio

É o mesmo lugar onde inicia o mar

 

E os peixes fervilham, parecem lembrar. Suspira fundo, no oco do coração, mas sente Deus, quente, tranqüilo. Continuou a cantarolar e podia jurar que o filho acompanhava baixinho, distante, distante. Agora sabia, tinha que ser amiga do tempo, porque um dia também estaria lá longe, no fim do rio esperando o filho lhe levar para as ondas do mar.

 

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A Culpa é das Estrelas: quando o infinito é breve

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“Você me deu uma eternidade dentro dos nossos dias numerados, e sou muito grata por isso.”(Hazel)

O filme “A culpa é das estrelas”, baseado no livro homônimo de John Green, conta a história de Hazel, uma garota de dezesseis anos, diagnosticada com câncer aos treze, e seu encontro com Augustus (Gus), com quem compartilha a experiência de viver a emoção do primeiro amor mesmo diante da constatação cruel e sem artifícios da brevidade da vida.

É complexo, sob qualquer perspectiva, entender como o câncer pode afetar psicologicamente um adolescente, pois, para isso, tem-se que considerar especialmente as rápidas mudanças físicas, emocionais e sociais que acontecem nesse período.  Segundo Zebrack [1], teorias do desenvolvimento humano sugerem que, apesar de todos os pacientes com câncer experimentarem um conjunto comum de interrupções relacionadas ao seu cotidiano, essas experiências são sentidas e assimiladas de forma diferente dependendo do momento da vida que foi diagnosticada a doença.

Para a maioria dos pacientes [2], o diagnóstico e o tratamento do câncer resultam em interrupções nas atividades diárias, em uma contínua dor física, na diminuição da energia (ânimo), em alterações da aparência física, em limitações na capacidade funcional, alterações nas relações sociais e, especialmente, no confronto com a mortalidade, em reflexões relacionadas às questões existenciais universais e mudanças na percepção sobre si mesmo, sobre o futuro e o mundo.

“A depressão não é um efeito colateral do câncer, é um efeito colateral de se estar morrendo.”(Hazel)

É nesse universo de dúvida, medo e raiva latente que se encontra Hazel (Shailene Woodley), cuja força para encarar o tratamento de um câncer em estágio avançado parece ter como base o entendimento de que se deve olhar para a vida sem grandes expectativas. Hazel compreende que poderá morrer ainda jovem, além disso, pensa que assim como foi breve a sua vida, breve também serão as lembranças que os outros terão dela.

Para suportar a ideia da brevidade, tenta encarar o mundo com um certo cinismo, afinal, segundo ela, tudo tende a acabar e nada é especial, nem Aristóteles ou Cleópatra, muito menos ela. Assim, se até a nossa espécie está fadada à finitude e ao esquecimento, não será ela que tentará semear jardins fantasiosos de lembranças que, logicamente, não terão força para resistirem ao tempo.

“Eu tenho medo de ser esquecido.” (Gus)

Por isso que o encontro inusitado com Gus (Ansel Elgort) em uma sessão de terapia em grupo foi tão impactante. De certa forma, quando ele externou para o grupo seu medo (de ser esquecido) e levou-a a falar pela primeira vez (de forma espontânea) naquele ambiente que tanto a aborrecia, trouxe à tona muito da angústia que é viver constantemente tendo que considerar seu próprio fim iminente. Talvez Hazel, ao considerar o fim de todos como uma das poucas verdades que permanece constante, tenta fazer com que a ideia da morte seja assimilada de forma menos traumática, não importando se o sujeito tenha 8, 18 ou 80 anos, já que o tempo é relativo, logo complexo demais para ser mensurado.

“Tudo o que fizemos, construímos, escrevemos, pensamos e descobrimos vai ser esquecido e tudo isso aqui vai ter sido inútil.” (Hazel)

Mas entre o discurso e o pensamento há um grande abismo. É possível até que, em alguns momentos, um seja a refutação do outro, ainda que, também, funcione como uma forma de proteção. Se a terapia em grupo irrita Hazel, por não considerar o método, nem a forma como é conduzido (já que, no filme, quem faz isso é um sobrevivente frustrado), afirmar que sua existência não deve ser motivo para despertar lembranças duradouras pode ser uma forma de rebeldia, a única possível no contexto em que se encontra.

“Estou morrendo, mãe. Vou morrer e deixar você sozinha, […], e você não vai mais ser uma mãe, e eu sinto muito, mas não há nada que eu possa fazer a respeito.” (Hazel)

Mas, aos poucos Hazel começa a demonstrar toda a confusão emocional que carrega dentro de si. Oscila na forma de aceitação do “esquecimento”, algumas vezes o considera uma dádiva, já que libertará as pessoas que a ama de um grande sofrimento, e outras vezes entende que tal fato reflete uma realidade terrível, já que parece determinar que sua breve vida tenha sido em vão. Os pais ficam impotentes diante do seu sofrimento e isso traz danos psicológicos profundos para todos os envolvidos.

Segundo [3], o diagnóstico de câncer em uma criança ou adolescente muitas vezes acarreta em crise familiar. A família experimenta o choque e a tristeza ao acompanhar o dia-a-dia da criança diante de uma doença potencialmente fatal. Assim, a atenção psicossocial nesses casos deve compreender o atendimento psicológico e social de apoio à criança ou adolescente e sua família durante todo o tratamento do câncer, inclusive há uma preocupação especial para que este acompanhamento ocorra por algum tempo nas famílias que vivenciaram o luto. Só o tempo pode suavizar a dor, mas um acompanhamento adequado pode ajudar a criar mecanismos para suportar a ausência e o vazio que somente esse tipo de sofrimento tão avassalador pode provocar.

“Estou apaixonado por você, e sei que o amor é apenas um grito no vácuo, e que o esquecimento é inevitável, e que estamos todos condenados ao fim, e que haverá um dia em que tudo o que fizemos voltará ao pó, e o sei que o sol vai engolir a única Terra que podemos chamar de nossa, e eu estou apaixonado por você.” (Gus)

O diferencial desse filme, considerando tantos outros sobre essa temática (e.g. Love Story – 1970, Tudo por Amor – 1991), é a linguagem utilizada por John Green no livro e que foi tão bem conduzida e refletida no roteiro. Assim, embora tendo como base um assunto tão denso, a história de amor entre Hazel e Gus é um sopro de delicadeza e esperança.

 

Os olhos da Hazel conduzem a história. Neles são refletidas as várias camadas de emoções que são apresentadas na tela. É possível entender, por exemplo, que ao perceber a si mesma como uma “granada”, ela toma a decisão que parece ser a mais lógica, ou seja, manter-se distante. Por isso Gus é tão especial, ele consegue enxergá-la profundamente, percebe o medo em suas palavras cortantes na primeira sessão de terapia, mas também tem um vislumbre da sua sensibilidade e inteligência.

Por mais que a doença tenha lhe tirado tantas formas de alegria, tenha alterado seu cotidiano, transformado o sonho de independência que permeia a adolescência em um borrão longínquo e sem sentido, Hazel ainda consegue inebriar-se através da imaginação.

“[…] Me apaixonei do mesmo jeito que alguém cai no sono: gradativamente e de repente, de uma hora para outra.” (Hazel)

A menina que tem como melhor amigo um autor que nem a conhece, que ama os livros e vê na permanência dos seus personagens em seu coração uma forma, ainda que inconsciente, de suportar a brevidade da vida é a pessoa pela qual Gus se apaixona. E, longe desse fato dar ao filme uma conotação piegas, o amor entre os adolescentes é uma forma demasiada humana de mostrar que podemos conseguir criar novos sentidos para as inúmeras variáveis que compõem o universo de significados que carregamos conosco.

“Alguns infinitos são maiores que outros… Há dias, muitos deles, em que fico zangada com o tamanho do meu conjunto ilimitado. Eu queria mais números do que provavelmente vou ter.”(Hazel)

O título do livro/filme, “a culpa é das estrelas”, vem de um diálogo extraído da peça “Júlio César”, de Shakespeare: “A culpa, caro Brutus, não está em nossas estrelas, mas em nós mesmos, que somos subordinados”. Mas, usando outro trecho de Shakespeare, é possível criar uma dúvida na origem dessa culpa, já que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha desvendar nossa vã filosofia”. Assim, não parece ser incoerente supor que algumas dores e sofrimentos são impostas ao sujeito sem que haja qualquer explicação ou culpa, tirando-lhe qualquer autonomia ou controle. Assim, para Hazel, Gus e tantos outros que precisam conviver com diagnósticos terríveis e com um conjunto limitado de dias, fica a estranha sensação de que é preciso aprender a viver morrendo, por mais paradoxal e absurdo que isso seja.

Segundo Elisabeth Kübler-Ross [4] em seu livro “Sobre a morte e o morrer”, as emoções e sensações que são vivenciadas diante da morte iminente podem ser sistematizadas em cinco estágios: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Vimos alguns desses estágios representados no filme, mas considerando que Hazel e Gus são adolescentes, essas manifestações também ocorrem de uma maneira diferenciada.

Gus, por exemplo, mesmo tendo tido câncer e tendo a possibilidade sempre alta de um possível retorno, tem os mesmos sonhos heroicos que muitos de nós tivemos em sua idade. Há sempre um universo de possibilidades na adolescência e isso é evidenciado através de suas palavras, de suas ações, ou seja, de sua postura diante da vida.

Gus emana vida. É como se a vida nele fosse tão intensa que por isso mesmo não coubesse em seu corpo. Sua relação com Hazel permitiu que ele compartilhasse esse excesso de vida, contribuindo para que ela percebesse um aspecto que eles tinham em comum: mesmo que suas vidas fossem definidas em um pequeno intervalo de tempo, o universo de cada um ainda era infinito. Talvez alguns infinitos sejam maiores que outros, como provou o matemático russo Georg Cantor, mas isso não significa que sejam melhores ou mais intensos. As relações que são construídas no espaço de uma vida são o que tornam cada vida única e, quem sabe, infinita.

 

[1] Zebrack BJ. Psychological, social, and behavioral issues for young adults with cancer. Cancer. 2011 May 15;117(10 Suppl):2289-94.

[2] Rowland JH. Developmental stage and adaptation: adult model. In: HollandJC, RowlandJH, eds. Handbook of Psychooncology. New York, NY: Oxford University Press. 1990; Chapter 3: 25–43.

[3] Improving outcomes in children and young people with câncer. Disponível em: http://guidance.nice.org.uk/CSGCYP/Guidance/pdf/English

[4] KUBLER- Ross, E. “Sobre a morte e o morrer”: 8ª Ed., Martins Fontes. São Paulo, 1998.

 


FICHA TÉCNICA DO FILME

A CULPA É DAS ESTRELAS

Título Original: The Fault in Our Stars
Direção: Josh Boone
Roteiro: Scott Neustadter, Michael H. Weber, John Green (autor do livro)
Elenco principal: Shailene Woodley, Ansel Elgort, Nat Wolff, Laura Dern, Sam Trammell, Willem Dafoe
Ano: 2014

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A Culpa é das Estrelas

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Diferente de outras “histórias de câncer”, John Green procura abordar essa temática de uma forma mais descontraída em seu livro “A culpa é das estrelas”, que esteve por sete semanas consecutivas na lista de best-sellers do New York Times na época do seu lançamento.

O livro conta a história de uma adolescente de 16 anos diagnosticada com câncer de tireoide aos 13 anos de idade, logo após a primeira menstruação (o que é muito raro nessa faixa etária). Logo a doença fez metástase no pulmão, o que obrigou Hazel Grace a andar puxando um carrinho com um cilindro de Oxigênio e um cateter nasal, e dormir conectada a um CPAP, que ela chamava de Felipe. Os médicos não viam chances de cura, por isso o tratamento era paliativo, ou seja, apenas para impedir o crescimento dos tumores. Depois de experimentarem várias drogas, encontraram uma que conseguiu um resultado nesse sentido, o Falanxifor. O uso desse medicamento não era bem sucedido na maioria das pessoas, mas incrivelmente funcionou com Hazel. E isso era uma forma de aumentar os seus dias de vida.

Os pais de Hazel conviviam com a dura ideia de que a qualquer momento poderiam ter que se despedir de sua filha. Por isso valorizavam cada minuto ao seu lado como se fosse o último.

Hazel teve que deixar a escola antes que terminasse o ensino médio, mas conseguiu seu certificado de conclusão; ela dizia que isso era “privilégio do câncer”. Depois disso, passou a frequentar uma faculdade e um grupo de apoio, obrigada por sua mãe, pois a mãe acreditava que seria reconfortante ela conviver com pessoas que estão praticamente na mesma situação. Mas, como todo adolescente, Hazel não achava que “aquilo” a curaria ou a melhoraria em algum aspecto.

Patrick era um rapaz jovem, sobrevivente do câncer, e era quem ministrava as reuniões do grupo de apoio. Diariamente ele contava sobre sua batalha incansável contra a doença, encorajando todos que ali estavam para que não desistissem. Sempre repetia uma frase: “Viver o melhor da sua vida hoje” que era também repetida por todos como um grito de guerra. Ela achava tudo muito cansativo e utópico, pois não acreditava que uma pessoa poderia ser feliz “carregando” uma doença incurável nas costas. Ela não queria ser lembrada como uma pessoa que lutou contra um câncer, queria ser reconhecida por outros motivos.

“… o que me deixou com medo de que, quando eu morresse, eles não tivessem mais nada a dizer sobre mim exceto que lutei heroicamente, como se a única coisa que eu tivesse feito na vida fosse Ter Câncer.” Hazel Grace

No grupo de apoio, um rapaz lhe chamou a atenção por sua beleza e pelo fato de olhá-la o tempo todo. Augustus Waters tinha uma perna amputada devido a um osteossarcoma, mas estava sem evidência da doença há algum tempo.

Da troca de olhares à aproximação. Hazel nunca pôde imaginar que alguém se interessaria por uma pessoa visivelmente doente, mas Augustus conseguia enxergá-la na sua essência, jamais levando em conta sua doença exteriorizada pelo cateter de oxigênio preso em sua face. Perto dele ela percebia que a vida era mais do que o simples fato de estar doente. Trocavam experiências boas e ruins, falavam sobre hobbys, livros.  Havia um livro que ela gostava muito e que também chamou a atenção de Gus, foi o motivo de vários encontros e conversas intermináveis sobre como a história acabaria, pois o autor escrevera uma história sem fim. Ela passou um bom tempo escrevendo para o autor em busca de uma explicação, até que finalmente Augustus conseguiu marcar um encontro deles com o autor na casa do próprio autor na Holanda por meio de sua secretária. Era o maior desejo de Hazel que incrivelmente ele conseguiu realizar.

Embora não tivessem alcançado todos os seus objetivos no encontro, foi algo mágico que nem de longe ela imaginaria poder vivenciar. Hazel começa a conseguir contornar a doença permitindo-se fazer o que qualquer adolescente saudável faria (dentro de suas possibilidades é claro).  Eles passavam a maior parte do tempo juntos como se um buscasse no outro seu porto seguro.

O livro nos faz viajar pela realidade de uma pessoa que tem câncer, de como se sente em relação à doença, como pode ser estereotipada e também como o sentimento de pena das pessoas em torno do doente pode tornar seus dias ainda mais difíceis. Na maioria das vezes o paciente sofre com o fato de se tornar o centro das atenções e, por causa disso, alguns ficam depressivos. A depressão pode fazer com que a pessoa não consiga lidar com sua condição podendo até mesmo abandonar o tratamento. Eu, como uma “futura” enfermeira, acredito que o paciente não é só sua patologia e não precisa do sentimento de pena de ninguém. Quer ser reconhecido e lembrado por seus dons, seus feitos, sem aliená-lo ao seu estado de saúde.

O câncer é uma doença ainda sem muitas explicações, sabemos que as chances de cura não são as maiores e que a possibilidade de incapacitação é grande. Cremos na  velha ideia de que nascemos, envelhecemos e depois morremos.

“… o diagnóstico veio três meses depois da minha primeira menstruação. Tipo: Parabéns! Você já é uma mulher. Agora morra.” Hazel Grace

Para um jovem que recebe esse diagnóstico é como se pulasse uma etapa de sua vida, pois na maioria das vezes tem-se que abrir mão de quase tudo por não conseguir mais realizar as mesmas tarefas de antes, quando ainda estava saudável. É difícil lidar com a ideia da imprevisibilidade da vida, ou seja, um dia temos vários planos e, repentinamente, podemos ter que conviver com o fato concreto da morte. E já é complexo encarar tal fato como uma mera hipótese.

Nesse contexto, os grupos de apoio podem colaborar muito com a recuperação de um paciente, lá eles descobrem que não são os únicos que estão passando por um dado problema e encontram força na dor do outro, pois é uma forma de compartilhar seus medos de igual para igual, porque a pessoa que vai te ouvir entenderá o recado. E é muito importante a oportunidade de se socializar e dividir seu “peso” com alguém.

Apesar de o autor retratar uma doença que ainda é motivo de angústia para muitas pessoas, ele faz isso sem tanto peso, quebrando a imagem de que quem tem câncer tem que viver em função da doença. A vida está além do tempo em que permaneceremos nela, pois nós nunca saberemos o que poderá nos ocorrer e quanto tempo ela vai durar. Só devemos acreditar que mesmo que esse tempo não seja tão grande assim, ele seja aproveitado da melhor maneira possível. Não podemos simplesmente sentar na plateia da nossa vida e esperá-la passar. “Alguns infinitos são maiores que outros”.

 

Análise do filme: http://ulbra-to.br/encena/2014/06/09/A-culpa-e-das-estrelas-quando-o-infinito-e-breve

 

FICHA TÉCNICA DO LIVRO

A CULPA É DAS ESTRELAS

Título Original: The Fault in Our Stars
Autor: John Green
Editora: Intrínseca
Páginas: 288
Ano: 2012

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