Crescendo com sabedoria: diretrizes para a formação de homens de bem

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“Quando os pais elogiam e reforçam as atitudes de solidariedade dos filhos,
atitudes de amizade, de respeito pelos animais, de honestidade,
estão valorizando o seu lado humano”.

Anabela Sabino

A escritora Anabela Sabino – Foto: Arquivo Pessoal

Cuidar do desenvolvimento infanto-juvenil  vai além de suprir necessidades físicas ou materiais, envolve dedicação, empenho, persistência, amor e acima de tudo respeito. O novo livro de Anabela Sabino, “Crescendo com Sabedoria”,  trata de temas como:  (da descoberta do)  o amor, a amizade e a família.

Segunda filha de quatro irmãos, Anabela foi criada pelos pais e a avó paterna. Teve muito espaço para brincar, amigos de vizinhança, boa saúde e uma família estruturada, aspectos importantes no desenvolvimento de qualquer criança. Já na adolescência fez magistério e com quinze anos estagiava em uma pré- escola. De professora à psicóloga, foi uma transição natural.

Atualmente trabalha como psicóloga na “Casa de Joana D´Arc,” uma das unidades do Lar Fabiano de Cristo, que tem sede no Rio de Janeiro, atividade semelhante ao que exercia na Alvorecer Ação Social e Educacional, onde trabalhou por quatorze anos, em contato direto com crianças, adolescentes e pais,  mediando conflitos familiares.

(En)Cena – No livro Crescendo com sabedoria você aborda temas como amor, amizade, comportamento, família entre outros. Conte-nos um pouco mais sobre o livro e o que te motivou a escrevê-lo?

Anabela Sabino – Sempre gostei de crianças e estou sempre envolvida em algo que diz respeito a elas.   Em “Gestação à Luz do Afeto”, meu primeiro livro, trabalho o vínculo afetivo entre mãe gestante e o bebê, fortalecendo a relação de amor entre eles. Embora o livro seja dirigido às mães, meu foco é a criança que está para nascer.

Comecei a escrever para crianças depois da encomenda de um livro, que seria usado em uma campanha, com crianças, visando a paz. Assim, surgiu “Brincando de Ajudar”, e a constatação de que, através do faz de conta, eu poderia valorizar ideias positivas através de outros livros.

Geralmente, nos livros infantis um tema é tratado de cada vez. Em “Ero´ Baloc”, por exemplo, um dos meus livros infantis,  falo sobre a colaboração. Vi em “Crescendo com SABEDORIA” a oportunidade de levar às crianças e jovens muitos conceitos valorosos para as suas vidas em um único livro.

São duzentas e vinte pequenas mensagens para a autoeducação infanto-juvenil,  onde são abordados assuntos como:   limites impostos pelos pais, crianças com necessidades especiais, bullyng, tolerância, diferenças e igualdades entre as pessoas, direitos e deveres, separação dos pais, adoção, nascimento de irmão, mudanças , sobre os avós, a falta de controle, saúde, doenças, morte, o certo e o errado, escolhas, otimismo, gratidão, o exemplo, novos hábitos, força de vontade, acreditar em si mesmo, oportunidades, valor da vida, autonomia, valor da família, fazer escolhas, modismos,  honestidade, o valor de ser, consciência ecológica, respeito, ansiedade, tristeza, solidão, resignação, amor dos pais, esperança, buscar solução para os conflitos, assédio, assertividade, raiva, inspiração, Deus, Jesus, valor da oração, fraternidade, saber escutar, ciúmes, vícios, perdão, lazer e outros.

Espero que não somente os jovens o leiam, mas os pais, também, pois, a leitura, pode levá-los  reflexões úteis sobre a formação do “ser”. Todos nós desejamos um mundo melhor para se viver, e isso só acontecerá quando as pessoas forem  da paz e do bem. A família é o maior laboratório para  se aprender a amar.

(En)Cena – O dia das crianças foi criado para incentivar o consumo e com as intervenções midiáticas esse incentivo tem sido cada vez mais agressivo, como mostrar para as crianças que ser é mais importante que ter?

Anabela Sabino – Os pais passam seus valores aos filhos muito mais nas pequenas coisas do dia a dia do que contendo o consumo nas grandes datas comemorativas. Quando os pais elogiam e reforçam as atitudes de solidariedade dos filhos, atitudes de amizade, de respeito pelos animais, de honestidade, estão valorizando o seu lado humano. Quando os pais enaltecem as atitudes de honestidade ou de trabalho voluntário,  noticiadas na televisão, também estão mostrando para a criança o que realmente é importante. A criança pequena só se torna um consumidor voraz e insaciável porque os pais permitiram, ela cresce, e continua a exigir dos pais, mais e mais. Há um grande vazio nesta relação familiar que é preenchido com coisas.

(En)Cena – Você escreve para o publico infanto-juvenil, o que mais te chama a atenção nesse publico?

Anabela Sabino – As crianças de qualquer classe social desejam a mesma coisa, têm a mesma necessidade básica: serem amadas,respeitadas  e aceitas por serem exatamente como são. Quem é amado incondicionalmente, tem o ponto de partida seguro para seguir seu caminho.

(En)Cena – Você é espírita e através de seus livros busca passar aos leitores algumas máximas da sua doutrina, você acredita que a religião pode ajudar na formação dessas crianças e jovens?

Anabela Sabino – O livro “Crescendo com SABEDORIA” pode ser lido por crianças de todas as religiões cristãs, pois tem suas bases nos princípios cristão universais. Valores como o respeito, a honestidade, família, o amor, sinceridade, empatia, tolerância, simplicidade, caridade e tantos outros que norteiam o homem de bem. Falo de Deus como sendo o pai de toda a humanidade,  de Jesus como sendo o nosso irmão mais velho,   o mestre que aconselha e que deixou o seu exemplo de amor ao próximo.  Cito a oração e a meditação como forma de buscar inspiração.  E, principalmente, sentir a si mesmo como essência espiritual, imortal em processo  evolutivo constante.

Entendo que uma boa educação deve fortalecer o vínculo com o divino.  A ligação do jovem a uma força universal maior  traz sentido e significado à vida,  e pode ser fator importante  de prevenção aos estados depressivos, da fuga através das drogas, banalização da vida, rebeldia e outros comportamentos perigosos ao equilíbrio emocional do jovem.

(En)Cena – A falta de tempo dos pais tem sido umas das maiores dificuldades na criação dos filhos, como driblar essa dificuldade e dar as diretrizes necessárias para a formação dessas crianças e jovens? 

Anabela Sabino – A falta de tempo dos pais é um problema,  mas não é o maior deles. O maior problema é a indiferença quanto a sua missão perante os filhos: formar o homem de bem.

(En)Cena – Como psicóloga quais dificuldades você aponta na relação de pais filhos na atualidade?

Anabela Sabino – Acredito que a maior dificuldade na relação entre pais e filhos está na comunicação.  Nas gerações passadas, o autoritarismo dos pais a dispensava. Embora a dinâmica das relações entre eles tenha mudado, a comunicação continua ineficiente. Muitos problemas poderiam ser resolvidos através de uma comunicação assertiva. Por trás desta falha no relacionamento, estão envolvidos sentimentos de difícil  lida, como: ciúmes, posse, egoísmo, orgulho, medo de perder o amor, rejeição, culpa, raiva etc.

Que mensagem você gostaria de  deixar aos leitores do (En)Cena?

Anabela Sabino – Sou profundamente grata por ter sido inspirada a desenvolver este trabalho, espero que possa influenciar, positivamente, os jovens leitores a buscarem caminhos mais felizes para as suas vidas.

 

Para saber mais sobre o trabalho de Anabela Sabino acesse: www.anabelasabino.com.br

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FICHA TÉCNICA DO LIVRO

CRESCENDO COM SABEDORIA

Autora: Anabela Sabino
Editora: BOA NOVA
Meditações – 240 págs.

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Comunidade e Execução Penal – O Projeto Remição pela Leitura

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Você já parou para pensar qual o papel da sociedade frente ao sistema de execução penal em nosso país? Somos isentos a esse regime, ou somos, de outro modo, (co)responsáveis por ele?

Partindo dessas reflexões, foi implantado, no município de Palmas/TO, o Conselho da Comunidade para Execução Penal (CCEP), um espaço de atuação e de movimentação da sociedade, instituído para trabalhar nessas articulações com a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento das penas, por parte dos sentenciados/apenados, nos diversos regimes.

Para entender melhor o processo de implantação e função do CCEP em Palmas/TO, e do Projeto de Remição de Pena pela Leitura, o (En)Cena entrevistou a Analista Técnica do Tribunal de Justiça e Assistente Social, Márcia Mesquita Vieira, com atuação sócio jurídica,  desde as questões da criança e do adolescente, medidas protetivas, sócio educativas, ao sistema prisional como um todo. Ela é professora e Coordenadora do Curso de Serviço Social no Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) e membro do CCEP.

Márcia Mesquita Vieira – Foto: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Quando o CCEP foi criado?

Márcia Vieira – O CCEP já é previsto na LEP – Lei de Execuções Penais. Só que, falando em termos de Brasil, não conseguiu ainda a implantação em todos os estados. Aqui em Palmas/TO, o nosso conselho foi criado em setembro de 2008.

(En)Cena – Quais os desafios da implantação do conselho?

Márcia Vieira – Por mais que seja uma Sociedade Civil Organizada, as vezes a gente não consegue se organizar tanto assim, por problemas internos como falta de recursos financeiros, ou pelos desafios que o próprio sistema oferece. Brigar com o sistema não é tarefa fácil. Nosso desafio é mobilizar a luta frente à dignidade e aos direitos humanos dos presos, mesmo que esta seja uma bandeira perene. Mas, podemos dizer que hoje estamos revitalizando o conselho da comunidade.

(En)Cena – Então o CCEP funciona em rede?

Márcia Vieira – Ele é um organismo da Sociedade Civil Organizada e trabalha com essas articulações em rede. Todas as instituições que de alguma forma desenvolvem algum trabalho ou estejam articuladas com o Sistema Prisional compõe a rede do CCEP. Nós trabalhamos com Vara de Execuções Penais, com o Ministério Público (MP), a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com o próprio Sistema Prisional, além das unidades as instituições religiosas que tambémdesenvolvem trabalho lá dentro: a Pastoral Carcerária, um grupo da igreja evangélica que faz um trabalho com os presos. Toda instituição/órgão que, a seu modo e com seus objetivos, desenvolve alguma atividade ligada a temática do Sistema Prisional, nós consideramos como parte da nossa rede.

(En)Cena – Quem são os membros do Conselho? Como ele está organizado?

Márcia Vieira – Hoje, temos vários filiados entre acadêmicos voluntários dos cursos de Serviço Social, Direito, Psicologia, Pedagogia; militantes da sociedade civil e do Centro de Direitos Humanos de Palmas/TO (CDH);  profissionais da educação, da pedagogia e área psicossocial, que trabalham com questão das Escolas no Presídio; e equipes da Saúde. O CCEP é um organismo aberto, qualquer pessoa pode fazer parte, então se uma pessoa nos procurar dizendo: “Eu quero desenvolver uma atividade com vocês…”, ela será aconselhada a ir ao Conselho, filiar-se e então pode começar a desenvolver sua atividade proposta, ou, até mesmo, se engajar em uma das que já acontecem. Em contrapartida, o CCEP trabalha com a finalidade de viabilizar o espaço, materiais etc. O Conselho não é um órgão fechado e restrito. Exemplo disso, é que temos algumas representações como a OAB, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Palmas/TO (CDL), o CDH, o Conselho Regional de Serviço Social (CRSS) etc.

(En)Cena – Quem é o Presidente de CCEP atualmente?

Márcia Vieira – É um advogado, professor no curso de Direito do CELP/ULBRA, Prof. Geraldo Cabral. Atualmente é ele quem está à frente do conselho da comunidade.

(En)Cena – Como o conselho se articula com a justiça?

Márcia Vieira – Temos um diálogo aberto com a justiça. Hoje, a sala do Conselho funciona num espaço cedido pelo Fórum de Palmas/TO. É uma sala bem equipada, com recursos que necessitamos: móveis, computadores etc. O Conselho não tem fins lucrativos, logo, não temos fonte financiadora de recursos. Trabalhamos com projetos de captação de recursos para a execução de nossas atividades. Temos uma boa comunicação com a Vara de Execuções Penais – uma grande parceira – que é quem nos dá acessos de todo o panorama da realidade e funcionamento do Sistema Prisional de Palmas/TO.

(En)Cena – Como é que o CESEP ele se articula com a LEP?

Márcia Vieira – Nos inserimos no Sistema Prisional articulando atividades que nos possibilitam compreender os sujeitos que estão dentro desse contexto, bem como os fenômenos que acontecem nesse contexto. Trabalhamos com os apenados (reeducados) no sentido de tencionar essa rede, contra o controle social, com a finalidade de melhorar o nosso Sistema Prisional.

(En)Cena – Quais as ações que o Conselho desenvolve?

Márcia Vieira – Estamos na fase de planejamento de um dos maiores projetos que o Conselho da Comunidade pretende executar a partir desse ano, o Projeto de Remição pela Leitura. É um projeto grande, que vai abranger praticamente todo o Sistema Prisional do estado do Tocantins atualmente. Além disso, desenvolvemos atividades de potencialização e de geração de renda, por meio de artesanato, além de atividades interativas dentro das unidades, como o yoga por exemplo.

(En)Cena – Do que se trata o Projeto de Remição pela Leitura?

Márcia – Atualmente, no Brasil, um preso, quando ele está dentro do Sistema de Privação de Liberdade, para cumprir a sentença que lhe foi atribuída, pode minimizar ou diminuir esse tempo ao qual ele foi sentenciado, seja pelo trabalho, ou pela escolarização. Agora temos uma novidade: que é a remição pela leitura. A questão do trabalho e da escola tem um impacto pequeno no universo do Sistema Prisional brasileiro. Por exemplo, se nós temos 500 presos, somente 10 estão frequentando a escola, porque a escola das penitenciárias não tem estrutura, ou os profissionais não tem capacidade de fazer um acompanhamento de mais pessoas que este número. No geral, a infraestrutura das unidades prisionais é precária, e não acomoda uma escola com condições onde todos possam ter um ensino-aprendizagem de qualidade. Logo, os apenados nem sempre podem fazer remição pela escola.

A questão do trabalho é igual, pois esbarra nas questões de segurança e afins. Vou dar um exemplo de um projeto que o CCEP executa: o artesanato com boneca. Para fazer biscuit as reeducadas precisam de estilete e tesoura para confeccionar as bonecas. Como você pode fazer um trabalho artesanato sem esses equipamentos? Isso esbarra em todo um problema de segurança que as unidades – que também são precárias – não conseguem sustentar. A chegada dessa possibilidade da remição pela leitura está sendo vista por nós como uma alternativa a todo esse processo, porque a infraestrutura necessária para que o reeducando leia um livro é mínima, se comparado a estruturação de uma escola, ou de um local de trabalho.

(En)Cena – Quais os benefícios do Projeto de Remição pela Leitura para o Sistema Prisional?

Márcia Vieira – Acreditamos que o projeto vai potencializar o nível de acesso à informação, da alfabetização e da própria escolarização dos detentos. A leitura tem a possibilidade de “abrir os horizontes” das pessoas. A pessoa que lê mais, escreve melhor, fala melhor,amplia seu vocabulário. O projeto vai contribuir para os reeducandos na garantia e asseguração da cidadania, mostrando um novo panorama, ampliando suas perspectivas e dando novas possibilidades. Não como um apenado em dívida com o sistema, mas de um reeducando, que ainda tem muito com o que contribuir para com a sociedade.

(En)Cena – Como o projeto conseguirá mensurar os benefícios da leitura para os reeducandos?

Márcia Vieira – A infraestrutura para a implantação desse projeto ela é mínima, em relação as outras formas de remição de pena. Precisa-se garantir apenas que os reeducandos recebam um livro por mês, que eles leiam esse livro, e que construam o relatório de leitura, que exigirá destes conhecimentos de leitura e escrita. Ao final do mês, eles demonstrarão qual foi a interpretação deles daquela leitura. A cada livro/mês ele tem o direito a remição de quatro dias na sua pena, sendo que a) não pode ser o mesmo livro, e b) só será validado um livro a cada mês, resultando em 4 dias a menos de pena por mês.

(En)Cena – Quais os principais desafios do CCEP hoje?

Márcia Vieira – O CCEP tem alguns desafios, como a questão financeira. É difícil financiar tantas atividades, porém, estamos focando na questão da captação dos recursos. Como a entidade sem fins lucrativos isso é um problema, o Conselho precisa ser uma instituição que funcionasse de porta abertas 24h, afins de melhor receber as demandas… Temos um problema de falta pessoal, porque todos os que estão no conselho da comunidade são voluntários, logo, não temos pessoas para cumprir expediente no conselho. É um desafio, encontrar pessoas que possam trabalhar no conselho, porque não temos condições de remunerá-los.

(En)Cena – Como é a inserção do Conselho dentro das unidade prisionais?

Márcia Vieira – Não é muito fácil. Considerando as questões da segurança do preso, do presídio e de nós mesmos. Há uma cultura dentro dos presídios que diz: “o preso tem que estar preso”, ou que “bandido bom é bandido morto” etc. Nosso desafio é defender e assegurar os direitos civis dos reeducandos. Mas essas pessoas não têm aprovação da sociedade, tampouco podem exercer sua cidadania. Esse também é um grande desafio. Nem sempre é fácil a gente propor uma atividade. Temos um grande número de reeducandos prontos para partirem para o regime semiaberto, mas não há emprego para essas pessoas. Quem quer oferecer emprego pra uma pessoa que tem uma ficha criminal? A sociedade se isenta de sua (co)responsabilidade.

(En)Cena – Você acredita que uma Lei como a que obriga as empresas a contratarem deficientes, forçando os empresários a contratarem reeducandos do Sistema Prisional pode ser uma solução?

Márcia Vieira – Acredito que não. Atualmente, há um excedente número de empresas que descumprem essa regra trabalhista, por um motivo ou outro. Alegando desqualificação etc. Há outra dificuldade, que não é mais da inserção, mas da permanência dessas pessoas dentro das instituições. Penso que essas medidas impostas, são questionáveis. Por exemplo, assim conseguiríamos inserir os reeducandos, mas como a sociedade vai receber essa pessoa? Chegar num local de trabalho e ser visto como diferente, como perigoso, é complicado. Isso está para além das obrigações formais, e o formalismo não funciona quanto a gente fala de relações pessoais.

(En)Cena – Quais os resultados positivos do Conselho?

Márcia Vieira – Muitos. O maior saldo positivo que eu considero de todas as ações do Conselho, é o resultado de nossa inserção dentro das unidades prisionais, mudando o modo como os reeducandos eram tratados e vistos pelos próprios funcionários das unidades. O conselho deu visibilidade a esse grupo até então sem representatividade, mostrando outro panorama, o de que a sociedade também precisa se envolver nesse processo. Ela precisa se sentir pertencente, se abrir para novos debates. Entrar nas discussões. Em contrapartida, eu também não acredito que meia dúzia de gente vai transformar o mundo. Isso é ditadura. Revolução é outra coisa! É um grande número de pessoas modificando suas ideias, seus costumes, seu modo de enfrentar o problema. Isso sim é mudança social.

(En)Cena – Márcia, para encerrar. Caso tenha alguma instituição, empresa, pessoa ou organização interessada em colaborara com o  CCEP, como pode obter mais informações sobre o Conselho?

Márcia Vieira – O conselho funciona no prédio do Fórum de Palmas/TO. Atualmente, funcionamos apenas no período da tarde, das 14h às 18h.

 


Transcrição: Ruam Pedro Francisco de Assim Pimentel

Edição: Hudson Eygo

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“Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela terra”

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BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

No livro Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela terra, o autor Leonardo Boff que é professor de teologia, filosofia, espiritualidade e de ecologia e autor de inúmeras obras, busca detalhar o cuidado em suas várias concretizações: cuidado com a Terra, com a sociedade sustentável com o corpo, com o espírito, com a grande travessia da morte. A ótica do cuidado funda uma nova ética, compreensível a todos e capaz de inspirar valores e atitudes fundamentais para a fase planetária da humanidade.

Boff inicia o livro retratando a relação de cuidado que remontamos a um chaveirinho eletrônico chamado tamagochi, uma invenção japonesa de 1997, de um bichinho virtual que precisava de cuidado (ser alimentado, de carinho, de dormir, entre outras necessidades) para que não morresse. A partir daí o autor começa a analisar que tipos de relações se constroem na atualidade, nas quais investimos tempo e cuidado a seres virtuais para superar a solidão.

Dentre os 11 capítulos que compõem o livro, retrata-se o descuido com o ser humano e de que forma ocorre em nossa civilização atual, descreve sobre a historicidade dos mitos e fábulas na sociedade, discorre sobre as dimensões, natureza, concretizações e patologias do cuidado, e por último exemplifica modelos de vivências acerca deste ato de cuidar.

A fábula-mito do cuidado faz uso de várias figuras mitológicas (Júpiter, Terra, Saturno), para nos mostrar que o cuidado é antes de tudo uma atitude, como nos fala o autor:

“Cuidar é mais que um ato, é uma atitude. […] Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e envolvimento afetivo com o outro.” (BOFF, 1999, p.33)

Enfim, o ser humano como ser social e histórico, é fruto de suas relações entre seus pares e também com a natureza em geral, essa troca de afeto, de experiências de vida, é fundamental para o movimento de construção e desconstrução de nossa identidade.

Para você leitor que se preocupa com a construção de suas relações afetivo-sociais, e os efeitos que elas acarretam não somente para sua vida, mas para todo o Universo, recomenda-se a leitura deste livro que propõe uma nova visão, acerca do cuidado com o sujeito homem e seu meio ambiente.

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Possibilidades de relações num determinado espaço e tempo

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Numa tarde de segunda-feira, chegou a um determinado serviço de saúde mental, uma pessoa, aos prantos, dizendo que não conseguia se desligar de um antigo relacionamento amoroso. Era recorrente esse sofrimento e a tática de acolhida: eu ou minhas colegas da psicologia, entrávamos, com ela, numa sala fechada, ofertando uma escuta, supostamente qualificada. Mas, nessa tarde, a assistente social, de forma singela, espontânea, disse, abertamente e em bom tom: “não se preocupe, dor de amor passa”. O silêncio imperou por alguns segundos quando a pessoa chorosa, abriu um sorriso, o clima se descontraiu. O curioso é que a recorrência do choro e do tema, extingue-se, no passar do tempo, como se a pessoa tivesse virado a página desse problema, leu-o de uma outra maneira e lhe produziu sentido, abrindo-se a outras páginas, a outras leituras, a outras relações.

A questão que trago é que a intervenção da assistente social foi, teoricamente falando, fora do setting, despreocupada com uma técnica específica. Contudo, foi tão resolutiva e tão acolhedora; tenho-a como um exemplo de um ato congruente com a ambiência. No campo da saúde, a ambiência se refere às possibilidades de relações num determinado espaço e tempo, normalmente um serviço de saúde, a dependerem, as possibilidades, dentre várias outras coisas, da estrutura física do espaço, de sua estética, das pessoas e seus vínculos e dos anseios de cada uma dessas pessoas, configurando-se, pois, como um espaço e um tempo marcado pela diversidade. Por essa característica, falar de ambiência, pressupõe extrapolar os muros dos referidos serviços e as travas de relações socialmente construídas e longamente reproduzidas; como já está claro, a “ambiência” é uma expressão que tece uma forma de o homem se relacionar com o seu meio, daí sua direta ligação com o Sistema Ecológico, o qual perpassa todos os campos da atividades humana. Isso já justifica a criação de espaços, como o blog (http://scdemello.blogspot.com/2010/12/tudo-comeca-por-um-ponto.html?spref=fb), feito para essa discussão específica.

Ressalta-se que a ambiência tece uma determinada forma relacional, pois é propositiva, não está apenas interessada em dizer sobre a relação do homem com o meio, afinal, a degradação do meio é uma relação, não só possível, mas cotidiana e pode ser, inclusive, poeticamente referida. A ambiência diz, pois, de uma ética das relações, pautada no coletivo, no democrático, no auto-sustentável, na diversidade; uma ética da importância do disruptivo, de linhas de fuga que nos reaproxima dos detalhes das expressões, dos sentimentos, do respeito, da leveza nas relações.

Voltando à primeira tese, de que a ambiência diz respeito às possibilidades de relações, deixo uma pergunta para suscitar o debate: o que facilita as possibilidades do surgimento ou da manutenção do democrático, do auto-sustentável, da diversidade, da solidariedade?

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