Homoafetividade e Cristianismo: um tabu que precisa ser revisto

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Falar sobre homoafetividade dentro do cristianismo ainda é um desafio. Isso porque, historicamente, esse tema virou um dos maiores tabus sexuais da fé cristã tradicional. E boa parte dessa rejeição se baseia em interpretações literais da Bíblia — que nem sempre consideram o contexto em que os textos foram escritos.

Os versículos mais usados para condenar a homossexualidade são os clássicos de Levítico 18:22 (“Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; é abominação”) e Romanos 1:26-27, onde Paulo fala sobre pessoas que trocaram relações “naturais” por “vergonhosas”. Mas será que esses textos realmente falam sobre a homoafetividade como a conhecemos hoje?

A questão do contexto

Muitos estudiosos e teólogos progressistas têm mostrado que essas passagens estão ligadas a práticas muito específicas da época — como cultos pagãos com prostituição sagrada, abuso e relações de poder. Ou seja, nada parecido com relações amorosas e consensuais entre pessoas do mesmo sexo.

A leitura tradicional, no entanto, transformou esses trechos em argumentos para sustentar uma moral heteronormativa rígida. Resultado? Um discurso que ainda hoje é usado para marginalizar pessoas LGBTQIAPN+, gerando dor, exclusão e até problemas sérios de saúde mental.

Fé ou opressão?

Dentro da teologia conservadora, a Bíblia é vista como um texto imutável e divinamente inspirado. Isso faz com que qualquer comportamento fora da heterossexualidade seja tratado como desvio moral — e, em muitos casos, como pecado. Não é raro encontrar igrejas que ainda defendem a chamada “cura gay” ou “reorientação sexual”, mesmo com todas as críticas da comunidade científica e dos órgãos de saúde.

Essa postura acaba criando ambientes religiosos que mais ferem do que acolhem. Jovens LGBTQIAPN+ que crescem ouvindo que são um erro ou uma abominação muitas vezes carregam culpa, medo e vergonha — sentimentos que podem levar à ansiedade, depressão e, em casos mais extremos, ao suicídio.

Existe outra forma de olhar

A boa notícia é que outros caminhos estão surgindo. Teólogos inclusivos vêm trabalhando novas leituras da Bíblia, que colocam o amor, o respeito e a dignidade humana no centro da fé cristã. A ideia é simples: o texto sagrado não condena quem ama, mas sim práticas de violência, dominação e exploração.

Essas interpretações mais acolhedoras já ganharam força em várias igrejas inclusivas ao redor do mundo. E elas se baseiam em estudos sérios, que revisitam os textos bíblicos originais em hebraico e grego — mostrando que muita coisa foi traduzida de forma equivocada ao longo dos séculos.

Além disso, a própria história do cristianismo mostra que a teologia sempre evoluiu. A Igreja já usou a Bíblia para justificar a escravidão, o machismo e até a proibição do divórcio. Com o tempo, tudo isso foi sendo revisto. Por que, então, não repensar também o que foi dito sobre sexualidade?

Fé e diversidade podem caminhar juntas

Ficar preso a interpretações antigas e excludentes não faz sentido num mundo que busca mais justiça e empatia. A espiritualidade precisa ser um espaço de libertação, não de opressão. E garantir que pessoas LGBTQIAPN+ possam viver sua fé sem precisar negar quem são é, sim, um passo essencial nessa direção.

O debate continua — e precisa continuar. Porque, no fim das contas, o que está em jogo não é só uma leitura bíblica, mas o direito de existir, amar e ter fé sem medo.

Referências

ALTHAUS-REID, Marcella. Teología indecente: perversiones teológicas en sexo, género y política. Barcelona: Editorial Icaria, 2003.

BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. São Paulo: Editora UFMG, 2017.

GROSS, Martine. “A religião como lugar de exclusão e reconstrução das identidades LGBT”. In: VENTURA, Deivison (Org.). Diversidade sexual e saúde. Rio de Janeiro: ABIA, 2008.

RODRIGUES, Silas Guerriero. “Espiritualidades em tempos líquidos: rupturas e construções”. Revista Debates do NER, v. 1, n. 26, 2014.

WAGNER, Adriane R. “Famílias contemporâneas e o lugar da sexualidade”. In: Psicologia & Sociedade, v. 22, n. 1, 2010, p. 91-99.

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