“É preciso estar atento e forte”, ecoava a voz de Gal Costa em tempos de repressão durante a ditadura militar, expressando a urgência de uma postura vigilante e corajosa diante daquele contexto. O refrão de Divino Maravilhoso permanece relevante, especialmente quando pensamos na condição de trabalhadores que, por “precisão”, acabam submetidos a situações de trabalho análogas à escravidão. O documentário Precisão, lançado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), retrata essa realidade brutal que persiste no Brasil.
Produzido no contexto de um projeto para a promoção dos princípios e direitos fundamentais do trabalho, o documentário narra a vida de seis trabalhadores que foram resgatados dessas condições análogas à escravidão, revelando uma realidade estrutural, na qual a “precisão” — uma palavra usada pelo povo maranhense para definir a extrema necessidade de sobrevivência — é um motor que empurra brasileiros e brasileiras para a exploração.
A expectativa de uma rotina de trabalho “normal” — 8 horas diárias, salário justo, e descanso nos domingos e feriados — esconde uma realidade perversa. Como bem aponta Siqueira (2010), a escravidão contemporânea está enraizada de forma profunda e estrutural na sociedade, de maneira que permanece invisível aos olhos da maioria, tal como uma raiz que se esconde abaixo do solo.
O chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE), Maurício Fagundes, enfatizou a importância de ouvir diretamente as vozes dos trabalhadores: “O filme pegou seis histórias de vida, mas que retratam a história de milhares de brasileiros”. As experiências contadas no documentário são um lembrete doloroso, mas necessário, de que o trabalho análogo à escravidão não foi erradicado, mas persiste e deve ser combatido (CSB, 2020).
A educação e a escolarização surgem, então, como formas de romper esse ciclo. A relação entre baixa escolaridade e vulnerabilidade ao trabalho escravo é evidente. Segundo Elisabeth Flores, da instituição De Olho Aberto para Não Virar Escravo: “…as pessoas com baixa ou nenhuma formação escolar estão mais vulneráveis aos aliciadores”, (Flores, 2012). Isso demonstra que a falta de acesso à educação formal facilita a manipulação desses trabalhadores, expondo-os a condições de exploração extrema. Como observa Faria (2013), as organizações utilizam recursos dissimulados para mascarar as violações de direitos, tornando o trabalhador mais suscetível ao abuso.

A relação entre trabalho infantil e trabalho escravo também foi abordada. Márcio Honaiser, secretário de Desenvolvimento Social do Governo do Maranhão, destacou: “Se evitarmos o trabalho infantil, vamos ajudar a minimizar o trabalho escravo contemporâneo.” Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD – 2015) indicam que 2,7 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos estão trabalhando no Brasil, muitas delas em situações que as tornam suscetíveis a futuras explorações (CSB, 2020).
Nessa lógica de exploração, os “gatos” — intermediários que recrutam trabalhadores, geralmente em áreas rurais, para serviços temporários em condições precárias e degradantes — e patrões assumem o papel de sequestradores da subjetividade. Eles não apenas retiram dos trabalhadores sua dignidade, mas também sua humanidade. Os tratamentos desumanos, as condições precárias e o ambiente cruel são a prova viva de um sistema que desconsidera o valor da vida humana (Siqueira, 2010). Nesse cenário, as palavras de Gal Costa ganham um novo sentido, reforçando a necessidade de vigilância e resistência: “É preciso estar atento e forte.”
A aplicação desse refrão à realidade da precisão não poderia ser mais pertinente. A educação e a conscientização são ferramentas essenciais para evitar que novas gerações caiam nas armadilhas do trabalho escravo. Como defende Flores (2012), por meio da escolarização é que as crianças poderão desenvolver um senso crítico capaz de romper com esse ciclo de exploração. O conhecimento é a arma mais poderosa contra a manipulação e a opressão. Portanto, é preciso estar atento e forte, educar e conscientizar, para que não se tenha mais tempo de temer a morte — seja ela física ou simbólica, causada pela perda da dignidade e dos direitos fundamentais.
“Precisão precisa agora que cada pessoa que viu, que ouviu, que esteve aqui ou que esteve acompanhando de outro lugar, espalhe esse documentário, somente assim vamos fazer chegar ao maior número de pessoas. Dessa forma as pessoas podem se conscientizar que a precisão está aí, nos dias de hoje, e precisa ser combatida para que outras pessoas não sejam vítimas desse tipo de exploração.”. (CSB,2020).
Referências:
CENTRAL DOS SINDICATOS BRASILEIROS. Produzido pela OIT e pelo MPT, filme “Precisão” emociona plateia no Maranhão. CSB. 2020. Disponível em <link>. Acesso em: 16 out. 2024.
COSTA, G. Divino Maravilhoso. Universal Music Ltda, 1969. YouTube, 2019. Disponível em: <link>. Acesso em: 01 out. 2024.
FARIA, J. H. Dissimulações discursivas, violência no trabalho e resistência coletiva. In: Merlo, A. R. C., Mendes, A. M., & Dutra, R. M. (Orgs.). O sujeito no trabalho: entre a saúde e a patologia. Curitiba: Juruá, 2013. Disponível em: <link>. Acesso em: 06 out. 2024.
FLORES, E. Baixa escolaridade torna trabalhadores mais vulneráveis à escravidão. Educação e Território, 2012. Disponível em: <link>. Acesso em: 06 out. 2024.
SIQUEIRA, T. O trabalho escravo perdura no Brasil do século XXI. Universidade Salgado de Oliveira, 2010. Disponível em: <link>. Acesso em: 01 out. 2024.