É preciso estar atento e forte: a educação como ferramenta no combate ao trabalho escravo

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“É preciso estar atento e forte”, ecoava a voz de Gal Costa em tempos de repressão durante a ditadura militar, expressando a urgência de uma postura vigilante e corajosa diante daquele contexto. O refrão de Divino Maravilhoso permanece relevante, especialmente quando pensamos na condição de trabalhadores que, por “precisão”, acabam submetidos a situações de trabalho análogas à escravidão. O documentário Precisão, lançado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), retrata essa realidade brutal que persiste no Brasil.

Produzido no contexto de um projeto para a promoção dos princípios e direitos fundamentais do trabalho, o documentário narra a vida de seis trabalhadores que foram resgatados dessas condições análogas à escravidão, revelando uma realidade estrutural, na qual a “precisão” — uma palavra usada pelo povo maranhense para definir a extrema necessidade de sobrevivência — é um motor que empurra brasileiros e brasileiras para a exploração.

A expectativa de uma rotina de trabalho “normal” — 8 horas diárias, salário justo, e descanso nos domingos e feriados — esconde uma realidade perversa. Como bem aponta Siqueira (2010), a escravidão contemporânea está enraizada de forma profunda e estrutural na sociedade, de maneira que permanece invisível aos olhos da maioria, tal como uma raiz que se esconde abaixo do solo.

O chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE), Maurício Fagundes, enfatizou a importância de ouvir diretamente as vozes dos trabalhadores: “O filme pegou seis histórias de vida, mas que retratam a história de milhares de brasileiros”. As experiências contadas no documentário são um lembrete doloroso, mas necessário, de que o trabalho análogo à escravidão não foi erradicado, mas persiste e deve ser combatido (CSB, 2020).

A educação e a escolarização surgem, então, como formas de romper esse ciclo. A relação entre baixa escolaridade e vulnerabilidade ao trabalho escravo é evidente. Segundo Elisabeth Flores, da instituição De Olho Aberto para Não Virar Escravo: “…as pessoas com baixa ou nenhuma formação escolar estão mais vulneráveis aos aliciadores”, (Flores, 2012). Isso demonstra que a falta de acesso à educação formal facilita a manipulação desses trabalhadores, expondo-os a condições de exploração extrema. Como observa Faria (2013), as organizações utilizam recursos dissimulados para mascarar as violações de direitos, tornando o trabalhador mais suscetível ao abuso.

Fonte: Organização Internacional do Trabalho.

A relação entre trabalho infantil e trabalho escravo também foi abordada. Márcio Honaiser, secretário de Desenvolvimento Social do Governo do Maranhão, destacou: “Se evitarmos o trabalho infantil, vamos ajudar a minimizar o trabalho escravo contemporâneo.” Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD – 2015) indicam que 2,7 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos estão trabalhando no Brasil, muitas delas em situações que as tornam suscetíveis a futuras explorações (CSB, 2020).

Nessa lógica de exploração, os “gatos” — intermediários que recrutam trabalhadores, geralmente em áreas rurais, para serviços temporários em condições precárias e degradantes — e patrões assumem o papel de sequestradores da subjetividade. Eles não apenas retiram dos trabalhadores sua dignidade, mas também sua humanidade. Os tratamentos desumanos, as condições precárias e o ambiente cruel são a prova viva de um sistema que desconsidera o valor da vida humana (Siqueira, 2010). Nesse cenário, as palavras de Gal Costa ganham um novo sentido, reforçando a necessidade de vigilância e resistência: “É preciso estar atento e forte.”

A aplicação desse refrão à realidade da precisão não poderia ser mais pertinente. A educação e a conscientização são ferramentas essenciais para evitar que novas gerações caiam nas armadilhas do trabalho escravo. Como defende Flores (2012), por meio da escolarização é que as crianças poderão desenvolver um senso crítico capaz de romper com esse ciclo de exploração. O conhecimento é a arma mais poderosa contra a manipulação e a opressão. Portanto, é preciso estar atento e forte, educar e conscientizar, para que não se tenha mais tempo de temer a morte — seja ela física ou simbólica, causada pela perda da dignidade e dos direitos fundamentais.

“Precisão precisa agora que cada pessoa que viu, que ouviu, que esteve aqui ou que esteve acompanhando de outro lugar, espalhe esse documentário, somente assim vamos fazer chegar ao maior número de pessoas. Dessa forma as pessoas podem se conscientizar que a precisão está aí, nos dias de hoje, e precisa ser combatida para que outras pessoas não sejam vítimas desse tipo de exploração.”. (CSB,2020).

 

Referências:

CENTRAL DOS SINDICATOS BRASILEIROS. Produzido pela OIT e pelo MPT, filme “Precisão” emociona plateia no Maranhão. CSB. 2020. Disponível em <link>. Acesso em: 16 out. 2024.

COSTA, G. Divino Maravilhoso. Universal Music Ltda, 1969. YouTube, 2019. Disponível em: <link>. Acesso em: 01 out. 2024.

FARIA, J. H. Dissimulações discursivas, violência no trabalho e resistência coletiva. In: Merlo, A. R. C., Mendes, A. M., & Dutra, R. M. (Orgs.). O sujeito no trabalho: entre a saúde e a patologia. Curitiba: Juruá, 2013. Disponível em: <link>. Acesso em: 06 out. 2024.

FLORES, E. Baixa escolaridade torna trabalhadores mais vulneráveis à escravidão. Educação e Território, 2012. Disponível em: <link>. Acesso em: 06 out. 2024.

INTERNAIONAL LABOUR ORGANIATION. Documentário Precisão  – Versão Longa Duração. Direção de Juliano Bacelar. Produção de Human Rigths Contents. São Paulo: OIT, 2019. YouTube, 2019. Disponível em: <link>. Acesso em: 16 out. 2024.

SIQUEIRA, T. O trabalho escravo perdura no Brasil do século XXI. Universidade Salgado de Oliveira, 2010. Disponível em: <link>. Acesso em: 01 out. 2024.

 

 

 

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“Anjos do Sol” – o retrato da exploração sexual infantojuvenil no Brasil

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Um crime contra a vida, contra pessoas e contra corpos fragilizados

O filme “Anjos do Sol” retrata a história da pobreza e miséria enfrentada por famílias que residem no sertão nordestino. Essas famílias, em condições precárias, acabam entregando suas filhas a aliciadores em troca de pagamento, sem o intuito explícito de abordar a questão do trabalho infantil. No entanto, o filme destaca a exploração sexual de crianças como uma das formas mais cruéis de trabalho infantil na sociedade contemporânea.

A obra de Lagemann em “Anjos do Sol” não se limita à realidade específica do Nordeste, mas evidencia que essa triste realidade está presente em diversos contextos sociais, desde a pobreza do sertão e garimpos até fazendas, rodovias e no coração das grandes cidades. A exploração sexual, muitas vezes erroneamente percebida pela sociedade como prostituição infantil, é destacada no filme como um problema grave, desmistificando a noção equivocada de que as crianças e adolescentes envolvidos envelhecem de forma voluntária e deliberada.

O filme “Anjos do Sol” aborda de maneira impactante a realidade de muitas famílias no interior do Brasil, que enfrentam condições de extrema pobreza e são relegadas à invisibilidade social. Essas comunidades são frequentemente esquecidas e desconhecidas pela sociedade em geral, vivendo à margem dos direitos mínimos essenciais. Diante das condições precárias de existência digna, os valores morais muitas vezes se tornam inexistentes, deixando às pessoas vulneráveis ​​qualquer tipo de exploração que possa proporcionar algum benefício em meio à adversidade.

Nesse contexto, o filme retrata de maneira dolorosa a mercantilização de meninas, que se torna, muitas vezes, o único recurso oferecido por uma sociedade que negligencia essas comunidades. A história de “Maria”, uma menina de 12 anos, é um exemplo trágico dessa realidade. Ela é vendida por seu próprio pai a um aliciador, sendo tratada como uma mercadoria que é transportada ilegalmente em um caminhão de transporte de frutas junto com outras meninas, todas escondidas como se fossem produtos ilegais.

O início abrupto do filme destaca a triste realidade em que famílias desesperadas vendem suas filhas menores, muitas vezes para conhecidas na capital, na esperança de proporcionar a elas uma educação básica e a chance de “ser alguém na vida”, como expressa a mãe ao explicar à filha: “vai arrumar uma casa boa pra você trabalhar, minha filha”. Esse ato é motivado pela busca desesperada por uma solução em meio a um ambiente miserável e hostil, no qual qualquer possibilidade de desenvolvimento socioeconômico parece inatingível. O filme retrata vividamente a dura realidade de inúmeras famílias brasileiras, seja nas áreas ribeirinhas, nos subúrbios das grandes cidades, nas margens das estradas ou nas remotas zonas rurais do Brasil. É uma realidade marcada pela miséria, com crianças e pais analfabetos, tornando essas famílias ainda mais vulneráveis ​​à manipulação de aliciadores e proxenetas (Da Silva, Leli, 2014).

A esperança de um emprego doméstico na capital é apresentada como uma solução para as meninas, em meio a um contexto onde a falta de oportunidades é esmagadora. A ironia é destacada quando a própria proxeneta, chamada Saraiva, comenta: “Prostituta alfabetizada é ruim para os negócios. A única que sabe ler e escrever é a que dá mais trabalho, fica inventando contas”. Isso evidencia como a perpetuação da ignorância serve aos interesses dos exploradores, revelando a triste realidade na qual as vítimas são mantidas em um ciclo de exploração, sem as ferramentas básicas para se libertarem. O filme lança luz sobre essas questões sociais complexas, destacando a urgência de abordar as raízes profundas da pobreza e a falta de acesso à educação (Da Silva, Leli, 2014).

O aliciador, conhecido como “Tadeu”, destaca a desumanização ao referir-se às vítimas como “mercadoria de primeira” ao vender-las, incluindo Maria, a uma cafetina chamada Nazaré. Esta última se posicionou como envolvida, lucrando com o cruel mercado de venda de seres humanos. Sob a fachada de ajuda, Nazaré anuncia que as meninas que recebem roupas novas e, em breve, “uns senhores” virão adotá-las, tornando-se seus “padrinhos e protetores” (Da Silva, Leli, 2014).

No entanto, a suposta ajuda de Nazaré revela-se uma farsa, pois ela está envolvida num leilão de menores virgens destinado a “poderosas” figuras políticas e fazendeiros abastados. A cafetina explora a inocência e a vulnerabilidade dessas crianças, transformando a tragédia da exploração infantil em uma transação lucrativa. No contexto perverso apresentado pelo filme, a juventude e a inexperiência das meninas tornam-se mais vantagens nesse mercado desumano.Esta narrativa expõe de maneira contundente a exploração sistemática e desumana que ocorre nesse submundo, destacando como a ganância e a falta de escrúpulos de alguns indivíduos perpetuam o sofrimento dessas vítimas (Da Silva, Leli, 2014).

O filme destaca de maneira impactante a exploração sexual como uma das formas mais cruéis do trabalho infantil. Em uma cena perturbadora, um fazendeiro chamado Lorenço adquire Maria e Inês em um leilão, planejando apresentar seu filho no aniversário de 15 anos dele, utilizando meninas como parte de uma iniciação sexual para o jovem. A brutalidade dessa situação é evidente na forma como o ato sexual é transformado em uma transação monetária, despojando completamente a intimidação humana: “Experimente seu presente. Faça o que quiser, você tem todo o direito do mundo.” Enquanto Maria enfrentava o desespero diante da violência iminente, o fazendeiro instruiu seu filho: “Bate que ela te obedece”, revelando a terrível dinâmica de poder que coloca o “senhor” acima da dignidade da “mulher”, tratando-a como um objeto de prazer (Da Silva, Leli 2014).

                                                                                        Fonte: https://www.omelete.com.br

 A casa 24 horas, 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil

A crueldade infligida a Maria, uma criança vendida pelos próprios pais em busca do sustento da família, destaca a vulnerabilidade extrema das crianças nesse contexto. Isso ressalta a negação flagrante de sua dignidade diante dos interesses econômicos dos exploradores e das famílias que, de maneira desesperada, se submetem à exploração para garantir sua sobrevivência. Essa cena angustiante ilustra a complexidade desse ciclo de exploração, sublinhando as conexões entre pobreza, falta de oportunidades e a desumanização decorrente dessas práticas (Da Silva, Leli, 2014).

Após a “mercadoria ter sido usada”, isto é, depois de terem cometido diversos abusos físicos e sexuais, a dignidade veio a ser destruída e difamada. Seu “dono” decide por exportar as duas meninas para a aldeia dos Garimpeiros na Amazônia, acreditando que elas “não servem para nada”. Quando diz: “Mande elas pro Garimpo, pra ver se a Saraiva dá um jeito e serventia pra elas”. Retratando como são vistas apenas objetos e mercadorias (Da Silva, Leli, 2014).

Uma vez mais, as jovens são transportadas como se fossem mercadorias, desta vez em um avião de carga que as leva ao coração da floresta amazônica. Este cenário exuberante, repleto de beleza e riqueza natural, torna-se palco para a desumanização, evidenciando que, mesmo em meio a tanta grandiosidade, o ser humano é reduzido a uma commodity, um mero objeto de troca para o benefício ou prazer do outro. Ao chegarem ao seu novo destino, ou talvez seja mais apropriado dizer ‘inferno’, as garotas são anunciadas na rua principal como ‘carne fresca’, com um preço estabelecido em 3 gramas de ouro por programa. (Da Silva, Leli, 2014).

Em sua nova “casa”, chamada de “Casa Vermelha” no filme, as meninas são recebidas por Saraiva, “novo dono e padrinho”. O diretor com clareza expõe como os proxenetas se autodenominam como protetores das jovens, mostrando como exploradores fazem questão de ocupar um lugar de alguém especial ou salvador para as vítimas, no intuito que se compadeça com o tal e sejam compreensíveis com tudo que está acontecendo (Da Silva, Leli, 2014).

A condição de vida das crianças e mulheres, conforme retratada no filme “Anjos do Sol”, é caracterizada por uma superexploração que abrange tanto a força de trabalho em condições desumanas quanto a supressão total de direitos, visando exclusivamente à busca pela mais-valia. O filme habilmente traduz a infância roubada de meninas em todo o país, resultado de interesses econômicos e da satisfação dos desejos mais sórdidos do homem. Baseado em uma história real, a obra expõe com maestria a dura realidade que a sociedade e o Estado precisam enfrentar (Da Silva, Leli, 2014).

REFERÊNCIAS

DA SILVA, Waldimeiry Corrêa; LELI, Acácia Gardênia Santos. Casa Vermelha: A Antitese entre a pureza da infância e a exploração sexual no Filme Anjos do Sol. Derecho y Cambio Social, v. 11, n. 35, p. 42, 2014. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5472813> Acesso em: 16 de novem. 2023.

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As Veias Abertas da América Latina: uma história de exploração

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“As Veias Abertas da América Latina” (1971) de Eduardo Galeano é uma obra literária e histórica que mergulha nas entranhas da história latino-americana, revelando um panorama de exploração, opressão e resistência ao longo de séculos. Publicado em 1971, o livro se tornou um clássico da literatura política e social, provocando debates e reflexões profundas sobre o destino da América Latina. O título, “As Veias Abertas da América Latina”, evoca uma imagem poderosa da região como uma vítima sangrando, vítima da exploração sistemática e do saqueio de seus recursos naturais e humanos. Galeano utiliza essa metáfora para transmitir sua crítica contundente aos processos coloniais e neocoloniais que moldaram a América Latina desde os primeiros contatos com os conquistadores europeus até o século XX.·.

O livro se inicia com uma frase que retrata o cerne da teoria da dependência. Ela afirma que a maneira como o trabalho é distribuído internacionalmente implica como alguns países se especializaram em prosperar, enquanto outros se especializaram em enfrentar perdas. Ao longo de nossa história, a região que conhecemos como América Latina tem uma tradição de especialização na experiência de perdas destes tempos remotos. Esta breve declaração oferece uma representação densa e altamente elucidativa da dinâmica da dependência, sendo frequentemente citada para descrever o status histórico desta região.

            Antes de tudo, para melhor entendermos a magnitude da obra que hora nos referimos, é necessário conhecer um pouco sobre a história do autor que tanto problematizou a exploração sobre a América Latina. Eduardo Galeano (1940-2015) foi um renomado escritor, jornalista e pensador uruguaio, amplamente reconhecido por sua obra literária e sua perspicaz análise social e política. Ele é mais conhecido por suas obras de não-ficção que exploram a história e a cultura da América Latina, frequentemente abordando temas de injustiça social, desigualdade e exploração. Nascido em Montevidéu, Uruguai, em 1940, Galeano cresceu em uma família de classe média e desde jovem demonstrou interesse pelo jornalismo e pela escrita. Envolveu-se com movimentos políticos progressistas na América Latina e, em 1973, durante o golpe militar no Uruguai, foi preso e posteriormente exilado na Argentina e na Espanha. Seu exílio influenciou sua visão crítica da política e da sociedade. Galeano era conhecido por seu estilo de escrita poético e lírico, que misturava história, mito e análise crítica. Galeano era um defensor dos direitos humanos, da justiça social e da igualdade. Seus escritos frequentemente destacavam as lutas dos oprimidos e marginalizados na América Latina. Eduardo Galeano faleceu em abril de 2015, mas sua voz e suas palavras continuam a ressoar como um lembrete constante das questões sociais e políticas enfrentadas pela América Latina e pelo mundo como um todo.

            Galeano utiliza-se de uma metáfora, comparando a América Latina a uma “vaca leiteira” que tem suas veias abertas para o benefício das potências coloniais europeias. Esta metáfora visualmente impactante dá nome ao livro e estabelece o tom crítico que permeia toda a obra. O autor argumenta que a América Latina tem sido historicamente explorada e espoliada de seus recursos naturais em benefício de nações estrangeiras, resultando em subdesenvolvimento e pobreza persistentes.

Galeano também examina os impactos do capitalismo e da industrialização na região, argumentando que muitas vezes esses processos foram conduzidos de maneira a beneficiar elites locais e estrangeiras, em detrimento das populações mais amplas. Ele aborda temas como a dívida externa, o papel das multinacionais e o papel dos Estados Unidos na América Latina. Um dos aspectos mais marcantes do livro é a paixão e a indignação com que Galeano aborda seu tema. Sua escrita é repleta de imagens vívidas e linguagem poética, o que torna a leitura ao mesmo tempo envolvente e emocional. Ele não apenas apresenta uma análise crítica dos eventos históricos, mas também expressa sua simpatia e solidariedade com os povos latino-americanos que sofreram as consequências desses eventos.

O livro é estruturado em capítulos que abrangem diferentes períodos e temas históricos, permitindo ao autor traçar uma narrativa cronológica das experiências latino-americanas. Galeano aborda as complexidades e nuances da história da região, destacando não apenas a exploração econômica, mas também questões sociais, culturais e políticas que moldaram o destino dos povos latino-americanos. Uma das principais contribuições do livro é sua capacidade de revelar o lado humano da história. Em vez de simplesmente apresentar dados e fatos, Galeano preenche suas páginas com histórias pessoais, anedotas e narrativas individuais que ilustram a impactante realidade da exploração e da resistência na América Latina. Essa abordagem torna a leitura envolvente e emocional, conectando o leitor de maneira profunda com as pessoas comuns que viveram e lutaram nesta região.

 

 

                                                              Fonte: memorial.org.br

Escultura “Mão”, de Oscar Niemeyer, localizada no centro da Praça Cívica do Memorial da América Latina

A estrutura do livro não segue um formato de capítulos tradicionais, mas sim uma narrativa contínua que aborda diversos aspectos da história da região. No entanto, você pode identificar diferentes seções e temas ao longo do livro. Na introdução relata sobre a tese central do livro: a exploração e o saqueio dos recursos da América Latina pelas potências estrangeiras. Também discute sobre a contextualização da situação atual da América Latina no momento da escrita (início do século XX). Em seguida discute sobre a colonização e o saqueio inicial, abordando sobre a exploração dos primeiros contatos com os europeus e descreve sobre as práticas de colonização e exploração de recursos naturais, como metais preciosos e terras. Seguindo, discute sobre o impacto do colonialismo abordando discussão sobre as consequências sociais, econômicas e culturais do domínio colonial, dando ênfase na extração de riquezas em detrimento das populações indígenas e locais.

As lutas pela independência são abordadas através da análise dos movimentos de independência na América Latina e a exploração dos desafios enfrentados pelos líderes independentistas e as lutas contra o domínio estrangeiro. O neocolonialismo e o imperialismo são discutidos pelo exame das relações econômicas desiguais entre a América Latina e as potências estrangeiras, especialmente os Estados Unidos. E discussão sobre a exploração de recursos naturais, como petróleo e minerais. Faz, também, uma análise das ditaduras militares e regimes autoritários na América Latina. A exploração das violações de direitos humanos e a repressão política também estão contidas. Dá destaque para os movimentos de resistência, sindicatos, movimentos sociais e a busca por justiça social. Discute o futuro da América Latina através de considerações sobre as perspectivas e desafios enfrentados pela região no futuro. Concluindo com reflexões sobre a necessidade de mudança e justiça na América Latina.

Ao longo de sua obra, Galeano critica fortemente a influência das potências estrangeiras, principalmente europeias e mais tarde os Estados Unidos, nas políticas e economias latino-americanas. Ele explora como os interesses externos frequentemente sobrepujavam o bem-estar das populações locais, levando a ciclos de exploração, dívida e subdesenvolvimento.

O autor também enfatiza o papel das elites locais na perpetuação desses sistemas opressivos, muitas vezes colaborando com interesses estrangeiros em detrimento das massas empobrecidas. Ele destaca a concentração de terras, a exploração de recursos naturais e a marginalização das comunidades indígenas e afro-americanas como elementos centrais dessa dinâmica. Galeano não se contenta em apenas apontar os problemas; ele também se envolve em análises políticas e sociais profundas, questionando as estruturas de poder e propondo alternativas para a América Latina. Ele expressa uma esperança persistente de que a região possa se libertar da opressão e do subdesenvolvimento, embora reconheça os desafios significativos que enfrenta.

O livro descreve a exploração sistemática e a extração de recursos naturais da América Latina por poderes estrangeiros, em especial, países europeus e os Estados Unidos. O autor argumenta que essa exploração econômica teve consequências devastadoras para a região, incluindo a degradação do meio ambiente, a exploração de mão de obra, a criação de desigualdades econômicas e a perpetuação do subdesenvolvimento.

“As Veias Abertas da América Latina” é uma obra que busca despertar a consciência sobre as injustiças históricas enfrentadas pela América Latina, oferecendo uma crítica contundente ao neocolonialismo, ao imperialismo e às desigualdades econômicas. O livro teve um impacto duradouro e continua a ser uma referência importante para aqueles que buscam entender a história e os desafios da América Latina.

            Galeano representava estes princípios de forma pessoal e também cativou aos seus leitores. Ele irradiava entusiasmo, autenticidade e firmeza em suas palavras. Suas declarações inspiravam as pessoas a se unirem na busca de um futuro caracterizado pela solidariedade e equidade, e a melhor maneira de homenagear sua obra é renovar esse compromisso.

Embora bastante aclamado, a obra “As Veias Abertas da América Latina” também foi alvo de críticas. Alguns argumentam que o livro tende a simplificar demais questões complexas e que não apresenta soluções práticas para os problemas que descreve. Além disso, alguns críticos afirmam que o livro necessita de equilíbrio e não leva em consideração as nuances das políticas e eventos históricos.

Apesar das críticas, “As Veias Abertas da América Latina” se propõe justamente a uma obra provocativa que nos desafia a repensar a história e a realidade da América Latina. Galeano fornece uma crítica emotiva da exploração econômica e política que a região sofreu ao longo dos séculos. Embora o livro tenha sido alvo de críticas, sua influência duradoura na discussão sobre a América Latina é inegável, tornando-o uma leitura valiosa para aqueles interessados na história e na política da região.

Referência:

GALEANO, E. As Veias Abertas da América Latina. Tradução de Galeano de Freitas. Paz e Terra. Rio de Janeiro, RJ. 1992.

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18 de maio: Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual

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O dia 18 de maio nos traz inúmeros aspectos positivos acerca da sua efetivação em âmbito nacional mediante a temática do abuso e exploração sexual na infância e adolescência, efetivamente possibilitando ocasionar uma maior discussão sobre a questão, promovendo maior enfoque quanto à participação profissional e social, peças que se fazem fundamentais na área social ao se falar na garantia dos direitos e promoção de melhorias à vida humana.

O dia alusivo desencadeia expressamente contextuar os perigos e dificuldades enfrentadas no cotidiano de crianças e adolescentes abusadas sexualmente, intencionando alertar tanto a sociedade, quanto os demais atores sociais, para a gravidade da questão e as diversas formas de violência que se faz presente na vida de crianças e adolescentes, atentando-se para o importante trabalho de prevenção que o psicólogo desenvolve neste contexto.

Fonte: encurtador.com.br/fEGK9

Torna-se plausível destacar ainda a possibilidade de evidenciar o fato de que, o abuso sexual de crianças e adolescentes se caracterizam uma importante expressão da questão social da qual necessita ser tratada primeiramente em sua base familiar, local onde ocorre a maior parte desses abusos, tendo este como um motivo fundamental para elevar a importância da atuação profissional e social dentro desta esfera, mostrando este fator como uma grande barreira que necessita com urgência e cautela ser rompida.

Abuso sexual infantil é o envolvimento de uma criança em atividade sexual que ele ou ela não compreende completamente, é incapaz de consentir, ou para a qual, em função de seu desenvolvimento, a criança não está preparada e não pode consentir, ou que viole as leis ou tabus da sociedade. O abuso sexual infantil é evidenciado por estas atividades entre uma criança e um adulto ou outra criança, que, em razão da idade ou do desenvolvimento, está em uma relação de responsabilidade, confiança ou poder (World Health Organization – WHO -, 1999, p. 7).

A discussão gerada mostra-se como uma ferramenta a mais no intuito de promover e divulgar a temática, sendo o contexto enriquecido com a participação de outros autores, os quais também abordam discursões envolvendo a problemática, imprescindivelmente fazer notar o quanto se faz fundamental e necessário à divulgação e o debate de questões como da atuação social no combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes, na intenção de se ocasionar melhorarias no contexto familiar e consequentemente social, e possivelmente reduzir esse tipo de problema social que acomete crianças e adolescentes.

Referência:

World Health Organization (WHO). (1999). WHO Consultation on Child Abuse Prevention. Geneva: WHO.

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Ecovilas: alternativa a estruturação Capitalista da Sociedade

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José Paulo Netto (2012) afirma que duas inferências são inquestionáveis em relação as mudanças proporcionadas pelo Capitalismo nos últimos anos, que nenhuma das transformações modificou a exploração e dominação inerente a forma atual de estruturação da sociedade e que o capital esgotou a sua capacidade civilizatória.

Segundo o filósofo Herbert Marcuse, membro da primeira geração do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, a sociedade atual é caracterizada pelo pensamento unidimensional, implementação de uma única forma de pensamento que leva o homem a perceber apenas um horizonte possível de existência, dando-lhes uma aparente liberdade de escolha e um ilusório estado de bem-estar, exigindo em troca submissão a lógica capitalista. Segundo ele a Sociedade Unidimensional oscila entre duas possibilidades históricas, a saber: “1) a de que a sociedade industrial desenvolvida seja capaz de sustar a transformação qualitativa durante o futuro previsível; 2) a de que existem forças e tendências que podem romper essa contenção e fazer explodir a sociedade” (MARCUSE, 1978, p. 14).

A necessidade de uma transformação qualitativa da sociedade visando o estabelecimento de uma ordem fundada na possibilidade de suavizar a vida de todos os seus membros é necessária porque quando o arranjo social estabelecido é comparado com outras maneiras possíveis de ordenamento fica escancarada a sua irracionalidade.

Não existe organização social que não apresente possibilidade de felicidade. A felicidade e a liberdade oferecida pela sociedade capitalista visam à manutenção da ordem social para o progresso e elevação do capital.

Fonte: https://goo.gl/GZhVZ8

Segundo Aldous Huxley, no prefácio ao livro “Admirável mundo novo”, publicado em 1934, a dominação só pôde ser estabelecida mediante uma grande transformação na mentalidade e nos corpos dos indivíduos. Parece que foi exatamente esta transformação que o capitalismo possibilitou. Os homens abdicaram de uma liberdade de construção da própria vida por uma ilusória promessa de bem-estar permanente. A racionalidade da sociedade capitalista é irracional porque ao mesmo tempo em que cria abundância produz escassez, miséria e destruição da natureza.

Como apontou Herbert Marcuse existem na sociedade projetos alternativos que nos levam a perceber um outro modo de organizar a vida individual e coletiva, dentre essas tendências os modelos sustentáveis de vida, conhecidos como ECOVILAS, são excelentes exemplos que estão se consolidando como opções concretas.

As ECOVILAS, são assentamentos humanos sustentáveis, que estruturam um novo modo de vida fundamentado na preservação das riquezas naturais e na economia solidária.

Segundo Marcio Bontempo (2011) “Ecovilas são comunidades organizadas, preferencialmente rurais, compostas por pessoas que se identificam em ideais ou princípios, que procuram viverem em harmonia com as leis naturais, através de um estilo de vida ambiental, econômica e socialmente sustentável. No escopo das ecovilas estão itens como a produção orgânica dos alimentos, a geração de energia limpa, o destino adequado dos resíduos sólidos e líquidos, a reciclagem e o reuso, a economia solidária e de troca, a recuperação de áreas degradadas e a conservação das florestas e mananciais de água”.

A proposta de organização social sustentável já está presente em todos os continentes como forma de vida alternativa que vem se firmando como uma maior capacidade civilizatória. O documentário intitulado ECOVILAS BRASIL – Caminhando para a Sustentabilidade do Ser, “ visitou 10 lugares para entender quais aspectos e valores as Ecovilas estão trazendo para a humanidade e como estes podem colaborar para uma mudança de paradigma do nosso modelo civilizatório”. Vale a pena assistir o documentário, as Ecovilas são formas de percebermos que sempre existiram formas distintas de organizar a vida, elas nos fazem lembrar que inúmeras possibilidades estão abertas. Na sociedade coexistem forças opostas, o capitalismo que busca harmonia e coesão social e, ao mesmo tempo, existe uma força capaz de romper essa ideologia de coesão.

No site do Movimento Brasileiro de Ecovilas é possível encontrar uma lista com informações sobre Ecovilas instaladas no Brasil.

Fonte: https://goo.gl/a3Vqhp

REFERÊNCIAS:

BOMTEMPO, Marcio. Ecovilas, Sustentabilidade e Consciência Planetária. 2011. Disponível em: https://mbecovilas.wordpress.com/2011/11/30/ecovilas-sustentabilidade-e-consciencia-planetaria/.

HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. Tradução de Lino Vallandro e Vidal Serrano. São Paulo: Globo, 2009.

NETTO, José Paulo. Crise do capital e consequências societárias. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 111, p. 413-429, jul./set. 2012.

MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial. Trad. Giasone Rebuá. 6° Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978

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