Experiência com um grupo de adolescentes: ninguém é feliz sozinho

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Meu primeiro estágio em campo. O primeiro grupo que ajudei a gerir. Meu primeiro dilema ético relacionado à minha futura profissão.

No início, eu imaginei que não seria fácil lidar com pessoas entrando na adolescência e com demandas tão sérias. Até então automutilação, depressão, bullying e depressão na adolescência eram palavras. Palavras, daquelas que você escuta, lê em textos, e até usa pra dar sua opinião com base em coisas que você acredita. Era o que eu sabia sobre esses temas.

Essa é dificuldade de saber qual é a real situação pela qual uma pessoa passa, ouvir em sala de aula (o que é muito importante) não é suficiente pra te amparar na realidade. Eu não estava nervosa ao ver dezenove pessoas sentadas ao chão, contando suas necessidades, dividindo suas histórias conosco. Me senti feliz por terem confiado na gente, as palavras fluíram como se já estivéssemos acostumadas.

O primeiro choque foi também no primeiro dia, quando uma adolescente se abriu para nós em prantos. Ao final do encontro todos a abraçaram, aquilo foi especial. Durante o acolhimento, em uma sala reservada, enquanto ela falava, eu soube o que era a realidade, dessa vez com meus próprios olhos. Aquilo aconteceu muitas outras vezes.

Durante os outros encontros tive a certeza de que aquelas pessoas, todas elas, eram especiais. O grupo tinha uma energia própria antes mesmo da gente intervir, existe um termo psicológico pra isso. Porém, aqueles seres humanos para os quais devíamos oferecer ajuda nos ensinaram tantas coisas que não caberiam nesse relato. Eles transcenderam qualquer expectativa.

Fonte: https://bit.ly/2IyAOLp

Uma vez, eu estava em um fórum no qual um palestrante americano relatou uma experiência sua em grupo, onde em um momento de solidariedade todos se abraçaram e repetiram juntos:

“Miracles can happen! Miracles can happen!”

“Milagres acontecem! Milagres acontecem!”

Ele contava rindo, pois foi algo que julgou ser impossível de acontecer, até as pessoas simplesmente fazerem. O relato daquele palestrante foi a única coisa que veio à minha cabeça quando, ao final de um encontro todos aqueles jovens se abraçaram chorando e cantaram uns para os outros:

“Eu ouvi palavras ditas com carinho

De que na vida ninguém é feliz sozinho

E você é um alguém que sempre me fez bem

Me protegeu e me tirou de todo perigo

E quando eu precisei você chorou comigo

Valeu por você existir, é tão bom te ter aqui […]”

Nem eu, ou minhas colegas conseguimos conter as lágrimas. Aquele gesto daqueles adolescentes vistos como brigões, imaturos e indisciplinados me ensinou algo que nenhum professor poderia, que transcendeu qualquer aprendizado acadêmico. Dar apoio para quem precisa, estar perto, se abrir, ser honesto, agradecer uma amizade, são gestos que devemos levar para nossas vidas.

Imagem do adesivo confeccionado como lembrança e entregue aos integrantes do grupo.

Nossa vontade ao ver tanto sofrimento naqueles jovens, que até alguns dias atrás eram crianças, às vezes era de chorar com eles, às vezes era de iniciar uma revolução. Nos controlamos para não fazer nenhum dos dois. Nosso trabalho foi de “formiguinha”, pois a verdadeira revolução deve ocorrer dentro de cada um.

Depois de tudo que vivi esta frase nunca fez tanto sentido como hoje faz:

“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.

Carl Jung

Espero ter ajudado cada uma daquelas almas. Espero que essa frase faça mais sentido a cada dia.

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Diário de uma Mulher Moderna

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A reunião está no auge das discussões. Não se pode perder o foco, muito menos desaquecer as calorosas e, nem sempre amistosas, propostas para o lançamento da nova companha. A empolgação e a obstinação pela aprovação iminente de suas ideias faziam com que Laura sentisse o mais alto grau de excitação e adrenalina. Sua mente estava alinhada na órbita do SOL das Criações. Sua galáxia existencial vagava no Universo do Desafio. Meses do seu trabalho e criação estavam sendo avaliados. A obsessão pela vitória, em mais essa batalha de sua vida, não era uma vaidade, mas uma conquista  vital para sua carreira profissional. Seria como dar um passo desse planeta à Lua. E, no meio do caminho, tornar-se uma estrela.

Exatamente, nesse momento crucial e rosa do seu dia, seu celular toca. Ligação da escola de sua filha. Como estava no silencioso, ela não ouviu. O exímio tempo que lhe restava naquela reunião deveria ser consumido com avidez inteligente. Afinal, qualquer interrupção na sua linha de raciocínio teria efeitos devastadores. Naquele momento, aprovar aquela campanha era fundamental para a sua carreira. Era a conquista da sua vida.

Horas de árduas lutas argumentativas depois, a batalha fora vencida. Ela não queria coroação,champagne e nem festa. Bastava-lhe o respeito à verdade inconteste: Laura possuía competência, criatividade e inteligência ímpares. Ela assinaria a campanha do OUTUBRO ROSA. Suas ideias geniais e inovadoras para a conscientização acerca do autoexame e prevenção ao câncer de mama encantaram os investidores. Era a vitória tão duramente conquistada.

Devido o adiantar da hora, mal teve tempo para receber os apertos de mãos e abraços cordiais de congratulações. Era preciso pegar a filha na escola. Saiu correndo da sala, desculpando-se aos presentes e justificando que além de publicitária, era mãe e esposa. E, saiu tão apressadamente, que nem ouviu o comentário de uma colega de trabalho que sussurrou com suave veneno “Melhor se apressar mesmo, porque do jeito que você trabalha, vai acabar perdendo sua família.”

Chegou à escola da filha com 15 minutos de atraso. Percebeu que tudo estava previsivelmente na rotina. Observou as mesmas crianças que esperavam seus pais que também atrasavam, de vez em quando. Mas onde estava sua filha? A resposta foi imediata. O guarda da escola a informou que a menina havia passado mal. A escola havia ligado inúmeras vezes. Como ela não atendera nenhuma das ligações. Seu marido fora informado e ele havia passado na escola mais cedo e a levado. Laura agradeceu e lembrou que havia esquecido de olhar no celular no qual constavam 10 ligações da escola e 20 ligações do  marido. Sentiu um frio na barriga.

Foi correndo para casa. Abriu a porta esbaforida e deparou com o marido sentado no sofá da sala. Perguntou imediatamente “Como ela está?”

A resposta veio amarga “Se atendesse seu celular, você saberia” – disse o marido sem tirar os olhos da televisão.

Laura saiu correndo para o quarto, abriu a porta abruptamente e foi recebida pelo olhar mais carente que já vira na vida. Partiu para a cama da menina e lhe deu o abraço mais comprido que poderia dar, nação sabia ao certo se era comprido pela culpa por não ter atendido ao telefone, ou comprido pela preocupação em ver a filha doente.

– O que você tem, meu amor? – perguntou disfarçando as lágrimas nos olhos.

– Já passou, mãe. Foi só um mal estar. Acho que é por causa do calor que fazia na hora do intervalo. Senti tontura. Falei para professora. Ela ligou, mas a senhora não atendeu. Então, ligaram para o papai. Ele foi me buscar- disse a menina, em meio a um abraço tão apertado que Laura teve a sensação de que as duas eram a mesma pessoa.

– Vou deixar você descansar. A lua já está cantando lá fora. Você consegue ouvir? – perguntou com ar de doçura.

– Mãe, conta história antes de eu dormir – implorou a filha com ar de mais dengo que doença.

– Conto sim. Agora descanse – respondeu Laura em meio a um sonoro e molhado beijo no rosto da filha.

Fechou a porta devagarinho e se dirigiu à sala. Sabia que iria ser travada outra batalha no seu dia-a-dia.

O marido mais seco que nunca, simplesmente, ignora a sua presença. Ela tenta amenizar aquela situação tão constrangedora.

– Amor, vou assinar a campanha OUTUBRO ROSA. Por isso, não atendi a ligação e…. – foi interrompida com um movimento de indignação.

– Sua filha deve ser mais importante que qualquer campanha. Eu tive que sair do meu trabalho e buscar a menina. A mãe é você! Espero ainda se lembre disso. –  disse o marido enfurecido.

– Qual o problema de você ter ido buscá-la? Eu estava trabalhando. Então, eu posso interromper meu trabalho e você nunca? – perguntou com afirmação descontente.

– Você é Mãe! – limitou-se a responder o marido.

–  E você é Pai. Direitos iguais, lembra? Ou será que esses direitos só são iguais na hora de pagar as contas? – disse tão defensivamente que nem houve tempo para o arrependimento.

– Vou dormir – disse o marido com ar de descaso (Engraçado como os homens ou aumentam o volume da televisão, ou, simplesmente, dizem que vão dormir quando não tem mais argumentos para discutir)

Laura fez o jantar, serviu a mesa. Ajudou a filha nos trabalhos da escola e…

 …ainda teve forças e carisma para contar as mais lindas histórias até que a filha dormisse.

Quando entrou no seu quarto, o marido parecia dormir. Ela não quis fazer barulho e se deitou mansamente. Quando exausta parecia já começar a sonhar, foi acordada por um sussurro no ouvido “Parabéns pela campanha”. E foi invadida por uma volúpia de carinhos tão intensos que foi impossível não acordar e continuar sendo MULHER.

Mulher Moderna é assim. Boa Mãe. Boa profissional. Boa Dona de casa. Boa esposa e, no final de tudo, ainda boa de cama. Realmente, Mulheres Modernas são admiráveis.

A QUALQUER MOMENTO DEPOIS…..

Laura acorda e olha a sua volta à procura de algo. Vaga pelos cômodos e encontra sua casa, sua filha, seus projetos, seu marido, seu cachorro, o diploma de formatura, tudo assim meio bagunçado mesmo, mas…. e a sua FELICIDADE? Onde estava?

No casamento? Nos olhos da filha? Na profissão? Na casa recém-construída? Não sabia ao certo. Só precisava encontrá-la e URGENTE!

Então, começou a arrumar as malas. E resolveu levar pouca coisa: as fotos da juventude, o gosto pela liberdade, o amor ao desafio que impulsionava sua vida, aquela íntima vontade de AMAR que como já disse Drummond “lhe paralisava o trabalho”, e, claro, sua filha.

Nessa hora, o marido acorda e pergunta, de forma tão previsível, “Nenhuma MULHER consegue ser MODERNA, INDEPENDENTE, CASADA e FELIZ?”

A resposta foi imediata “MULHER MODERNA, INDEPENDENTE E FELIZ RESPEITA A SI PRÓPRIA. NÃO NOS ALIMENTAMOS DE CONVENÇÕES SOCIAIS. SEXO BEM FEITO NÃO NOS SILENCIA. NÃO TEMOS MEDO DO NOVO. QUEBRAMOS REGRAS. SENDO MÃES, FILHAS, PUTAS ou SANTAS, SOMOS MULHERES MODERNAS CAPAZES DE MUDAR O FINAL DO ENREDO DE NOSSAS HISTÓRIAS A QUALQUER HORA, TEMPO OU LUGAR. Como estou fazendo agora”

Então, reflitamos “Quem disse que sua vida não pode ter outro final?”. Esperei 24 horas para finalizar essa crônica. Fui julgada, mal interpretada, mas precisei ter autocontrole para finalizar essa série de MULHERES MODERNAS. Por quê? Para comprovar que MULHER MODERNA foge da previsibilidade. Afinal, somos muito mais inteligentes e surpreendentes do que sonha “nossa vã filosofia”.

Nós temos a sensibilidade, apuro cognitivo e decisão ímpares. Por isso somos MULHERES MODERNAS, donas de nossa história. Histórias de luta, lágrimas, vitórias, derrotas, sonhos, decepções e conquistas. Realmente, não nascemos de contos de fadas. Somos GUERREIRAS dignas de toda admiração.

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“Além do horizonte”… está a felicidade

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“Ser feliz para mim, é estar de bem comigo mesma! É também estar perto das pessoas que eu amo e sei que também me amam!”, esclarece Érika Andrade. A busca pela felicidade é algo árduo e muitas vezes perigoso para a vida, porque envolve inúmeros fatores, psicológicos e emocionais, tudo afetando o indivíduo positivo ou negativamente dependendo dos estímulos procurados e das respostas alcançadas.

A Rede Globo exibiu a novela “Além do Horizonte”, cujo enredo principal envolvia a busca pela verdadeira felicidade. A Revista Super Interessante traz uma reportagem explorando exatamente o  perigo da felicidade, o seu lado “B”. Parece brincadeira, mas a Universidade de Yale (EUA) fez uma pesquisa com 20 mil participantes, o resultado apresentou que indivíduos com o bem-estar equilibrado tem níveis moderados de sentimentos positivos e negativos, e que tendo domínio da sua positividade isso pode significar para a pessoa uma redução de sintomas de depressão e ansiedade, além do aumento da satisfação pessoal.

 

 

A sensação da felicidade sempre foi procurada pelas pessoas durante a História. Mas, qual é a sua definição? Será que é possível defini-la? A estudante de publicidade Monnalisa Coelho apresentou uma colocação, um tanto criativa e filosófica sobre o assunto. Vejamos:

“Felicidade é aquela eterna sensação de bem-estar, todavia, acredito que existem coisas que ajudem a ser mais felizes, ou seja, a felicidade é conquistada, mediante o seu esforço e vontade de ser feliz, independente das adversidades que possam existir porque sentimento são controlados por nós, pelos nossos pensamentos e pela interpretação que fazemos deles. É a nossa decisão que determina isso, porém a plena felicidade não é possível, pois sempre almejamos mais e mais coisas e bens e objetos e se não satisfazemos isso, nos sentimos infelizes. Porque somos constantemente influenciados pelos meios que nos cercam e eles a todo o tempo nos dizem que preciso disso e daquilo para ser feliz., Buscar a plena felicidade é prejudicial, pois a pessoa acredita que para ser feliz ela tem que ter a casa mais cara, o melhor caro, fazer as melhores viagens e se não tiver uma vida cheia de luxo e poder ela não será feliz, sendo que não é necessariamente assim, porque os objetos conquistados nos trazem felicidade momentânea. Sendo a felicidade um estado de espírito sim, mas, muitas pessoas a associam como bens materiais, logo, torna-se difícil ter essa felicidade todo o tempo”.

Mas há outros pensamentos sobre a felicidade. “Se fôssemos máquinas tais como os computadores, onde apagamos e reescrevemos o que queremos no momento em que queremos, talvez chegaríamos perto de uma felicidade constante”, imagina Stanley  Ribeiro, acadêmico de Engenharia Elétrica. A plena felicidade parece ser impossível.  “Não é errado buscar a plena felicidade, mas creio que quem vier a fazer isso será uma pessoa frustrada. Mas, de alguma forma ela conseguirá alguma coisa”, constata o estudante.

 

Momento de felicidade de Stanley, a decisão de seguir a Cristo representado com o seu batismo nas águas. Foto – Arquivo Pessoal

 

Por fim, podemos concluir que a felicidade é algo positivo para a vida, porém é preciso ter um controle psicológico e emocional preparado para enfrentar a diversidade na busca por essa sensação. Estando prontos para altos e baixos durante o caminho, “talvez, a maneira mais fácil de se chegar a isso, é despindo-se de tudo… Assim, a felicidade irá se apresentar a você, sem necessidade de correr atrás dela” , conclui um entrevistado.

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Enfim, o beijo gay

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Enfim saiu o tão esperado beijo gay. Não que o futuro da humanidade estivesse ligado a esse beijo, ou mesmo que ele tenha sido inédito (porque não foi). Mas a grande expectativa quanto ao dia em que a Vênus Platinada cederia e enfrentaria a sua audiência conservadora vinha dominando as discussões a cada novela que contava com um personagem gay, algo que, por sinal, tornou-se lugar comum nos últimos anos.

A grande questão não parecia estar mais no beijo gay em si. O que passou a estar em jogo era o quanto a emissora de maior audiência do país conseguiria ficar alheia à velocidade das grandes mudanças sociais dos últimos tempos. Afinal, concorde-se ou não, aceite-se ou não, entenda-se ou não, a questão da homossexualidade, ou homoafetividade, passou a constar do cardápio das conversas em todos os cantos do país, conversas essas motivadas em muitas das vezes a partir de iniciativas da própria emissora.

A temática gay vem sendo abordada nas novelas da Globo há muitos anos, algumas vezes de forma sutil como se buscasse não ofender a ninguém, outras vezes se rendendo à fácil esteriotipização  dos personagens homossexuais no claro objetivo de conseguir o aceite do público devido ao tom humorístico utilizado, mesmo que às custas, em alguns casos, da consequente redução destes personagens a um conjunto de imagens extremamente distorcidas e, por si só, capazes de aprofundar o preconceito.

Quem se atentou à programação global nos últimos meses percebeu que, vendo-se incapaz de ignorar o grande apelo popular, a Globo foi preparando os ânimos para que o beijo gay, quando ocorresse, não produzisse efeitos negativos sobre sua audiência. Neste processo contou inclusive com a ajuda involuntária de outra emissora, o SBT, que se arvora como responsável pela exibição do primeiro beijo gay da TV brasileira, com o beijo das personagens Marcela (Luciana Vendramini) e Marina (Giselle Tigre) na novela “Amor e Revolução”, de 2011.

Mas o que o grande público queria mesmo era ver se a poderosa Globo, com sua enorme audiência, teria a necessária coragem de mostrar um beijo gay entre dois homens. A expectativa tinha sido criada na novela “América”, de 2005, quando a emissora optou por não exibir o beijo gay do personagem Junior (Bruno Gagliasso) com o peão Zeca (Erom Cordeiro), que, mesmo tendo sido gravado, acabou não indo ao ar.

Pode-se destacar algumas iniciativas sutis da Globo de preparar o seu público para o momento em que o beijo gay se tornaria inevitável:

Em maio de 2013, o seriado que é inexoravelmente e redundantemente família “A Grande Família” apresentou uma prévia do que viria pela frente. O personagem Tuco (Lúcia Mauro Filho) ganha um papel em uma adaptação da peça “Um Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, e acaba por ganhar um beijo do ator Thiago Lacerda. A estratégia utilizada foi mostrar a ficção dentro da ficção: o beijo não tinha sido do ator Thiago Lacerda no Tuco e sim do personagem que eles representavam na peça, esta sim responsável pela cena de beijo gay (que, diga-se de passagem, Nelson Rodrigues insere na peça de forma estratégica e que acaba por lhe conferir um toque a mais de poesia).

Algumas semanas depois, é a vez do seriado “Pé na Cova” ter seu beijo gay de forma também enviesada. O personagem de Miguel Falabella, Ruço, tem lá seus motivos para, de forma até comovida, dar um selinho em um homem morto.  Mais uma vez, o personagem Ruço não é gay, mas tem-se um beijo acontecendo entre atores do sexo masculino.

Todos estes preparativos, entretanto, não chegam aos pés do que se obteve, a favor do beijo gay, a partir do texto da novela “Amor à Vida”, de Walcyr Carrasco aliado à grande interpretação de Mateus Solano com o personagem Félix.

Inicialmente o grande vilão da trama, Félix apresentava-se como um homossexual enrustido, ainda que desse algumas pintas e utilizasse expressões consagradas do meio gay. Com o acréscimo de outros bordões próprios do personagem, sempre relacionados a algum contexto religioso, como as referências às “contas do rosário”, o personagem acabou conquistando a simpatia do público, especialmente crianças e idosos, a despeito da crueldade de suas ações.

O personagem ia angariando mais simpatia à medida que o grande público ia percebendo e entendendo a grande distância que havia entre ele e seu pai, César (Antônio Fagundes), que não fazia o mínimo esforço para disfarçar o desprezo que nutria pelo filho.

Ainda que o texto não explicitasse, inicialmente, a razão da vilania de Félix, percebia-se que este nutria grande tristeza e rancor pela forma como era tratado pelo seu pai e transformava este sentimento em ações de desprezo e crueldade, numa clara situação que não justifica, mas explica. Tal percepção dava-se principalmente devido ao grande trabalho de interpretação de Mateus Solano e Antônio Fagundes quando dos embates entre os dois personagens, pois era nestes momentos que se notava que o desprezo do pai servia de combustível para a falta de empatia do filho. Mais uma vez cabe a ressalva: tal situação não justifica, porém explica.

Com o andar da carruagem e devido a vários acontecimentos da trama, Félix foi se humanizando e, devido à imensa torcida do público (ao que se pode acrescentar a falta de tempero do casal que se previa protagonista da novela), acabou tornando-se ponto central da trama não mais como vilão. As dificuldades enfrentadas antes e após sua saída do armário, a dor pelo desprezo do pai, a sua aparente incapacidade de amar e ser amado, foram aproximando Félix do grande público, que entendeu e se solidarizou com seu sofrimento e passou a torcer pela sua felicidade. E nesta torcida houve espaço para que as pessoas passassem, pasmem, a torcer para que Félix vivesse um grande amor.

Talvez seja necessário traduzir a situação, dado o seu ineditismo: o público passou a torcer e pedir para que fosse dada ao Félix a oportunidade de viver um grande amor ao lado de um homem, sim, um homem, que o complementasse, preenchendo-o em sua carência, entendendo-o em sua dor e apoiando-o em seu processo de humanização.

Ao aproximar Félix do personagem, Niko (Thiago Fragoso), bem resolvido em sua orientação sexual, o autor teve a oportunidade de verificar a reação das pessoas e entender que, independente de sua proposta original, um novo casal havia surgido e assumido a posição de principal relacionamento amoroso da novela.

A partir daí não havia mais nada a fazer. Não seria mais a Globo a ditar se o momento para o beijo gay era este ou não. Dada a torcida do público, a forma bonita como foi construída a relação, a simpatia do casal (mais uma vez os devidos méritos às interpretações dos atores), o beijo gay mostrava-se inevitável.

Mas o beijo sozinho já não bastava. A própria novela se propôs a explicar, implicitamente, porque, desta vez, foi tão fácil paras as pessoas aceitarem o beijo gay:

César, o pai grosseiro que desprezava seu filho, agora estava praticamente inválido. Félix, humanizado, propôs-se a cuidar de seu pai levando-o a morar junto com ele e seu companheiro. Agora preenchido pelo amor de Niko, Félix demonstrava condições de fazer ouvidos moucos às ofensas que César continuava a lhe desferir. E foi nestas condições que o casal, ao se despedir romanticamente no início de mais um dia de trabalho, trocou um carinhoso beijo. Sim, um carinhoso beijo. Não um beijo sexy, quente, sensual. Foi, sim, um singelo, porém belo, beijo carinhoso trocado entre duas pessoas que se amam.

Após o beijo, Félix vai cuidar de seu pai e leva-o para tomar um pouco de sol, com grande dificuldade dada sua fragilidade física. Sentados lado a lado e frente a um belo sol nascente Felix fala ao seu pai que o ama. Talvez nunca tenha dito isso antes, não por falta de oportunidade, mas por pura e simples incapacidade de ambos de se permitirem amar-se mutuamente como pai e filho, situação originada de um burro preconceito. E, em uma reação esperada por tratar-se de uma novela, mas não menos surpreendente, César também fala ao filho de seu amor por ele estendendo-lhe a mão para nos oferecer uma memorável cena final de novela e que se tornou ainda mais linda ao som de “Adagietto da 5ª Sinfonia de Mahler”: pai e filho de mãos dadas.

 

“Não posso pensar em nenhuma necessidade da infância tão forte como a necessidade da proteção de um pai” (Freud)

 

Talvez seja o momento de ouvir novamente “Adagietto da 5ª Sinfonia de Mahler” para apreciarmos o que este final de novela nos proporcionou: a beleza de ver uma sociedade outrora grosseira e intransigente abrir-se e estender a mão para seus filhos homossexuais protegendo-os e transmitindo-lhes o amor que nunca deveria ter faltado.

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Pro Dia Nascer Feliz: os sistemas escolares devem ser problematizados

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O documentário “Pro Dia Nascer Feliz” começa com um comentário do ano de 1962, quando o locutor diz que apenas metade dos alunos que frequentava as aulas sabia ler, e desde aquela época o jovem era visto como um problema, principalmente de rebeldia e agressividade. Fazendo um paralelo com os dias atuais, parece que tal fato não mudou muito, tanto em relação aos jovens que realmente sabem ler e escrever quanto à “rebeldia e agressividade”. Os problemas continuam os mesmos, porém a grande diferença para os dias atuais é que houve uma patologização dos problemas, fazendo assim com que a culpa seja dissipada em várias instâncias.

O documentário inicia-se em uma cena em 1962 e, depois, passa para o ano de 2002. Os autores trazem os seguintes dados: “44 anos depois, 97% das crianças entram na escola, mas muitas abandonam; sendo que 41% não concluem o ensino médio.” Segundo avaliações do MEC, metade dos estudantes não consegue ler ou escrever corretamente.

Dados de 2010 do IBGE apresentam que há um abandono escolar de 3,7% no ensino fundamental e 10% no ensino médio. Mesmo com a diminuição da porcentagem, esse é o maior índice de abandono dentre os países Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai e Venezuela (países considerados pobres e com pouco desenvolvimento). Outro dado importante é que cerca de 50% dos estudantes que tem entre 15 e 17 anos não estão no nível adequado para sua idade – boa parte ainda não terminou o primeiro grau. No norte e nordeste apenas 40% dos alunos estão no ritmo certo. O questionamento inicial se faz em torno de considerarmos o Brasil um país em desenvolvimento, com melhores condições de vida que os países citados acima. Como um país em desenvolvimento possui números tão alarmantes? Ressaltamos, ainda, que existe essa carência não somente na educação, mas também na saúde, no saneamento. “O Estado tem a obrigação de respeitar, proteger cada cidadão, promover políticas públicas de educação e saúde e prover os Direitos Humanos, garantindo alimentação, moradia adequada, educação, saúde com dignidade a pessoas, grupos e comunidades.” (Declaração Universal dos Direitos humanos, 1948).

O primeiro relato do documentário traz a história de uma garota que os colegas acham diferente, pois ela gosta de ler e de escrever poemas, mas ela era desestimulada, pois os professores não acreditavam que  os textos haviam sido realmente escritos por ela, achavam que ela havia copiado de algum local, e também a questão de que os alunos desistentes tinham a mesma nota dos alunos que frequentavam as aulas. Um dos textos lidos foi bem carregado de informações, e traz muito do que a criança tem que viver naquele local, apesar de ainda ser criança, precisa trabalhar e estudar, e acabam assumindo uma responsabilidade de adultos.

Outro fator que contribui bastante para esse estado precário da educação é a omissão por parte dos professores. Foi relatado que existe muito o problema com faltas, já que a grande maioria dos professores faz pós-graduação no mesmo dia e acaba não repondo as aulas e a escola não possui verba para contratar professores substitutos. Isso faz com que os alunos fiquem sem aulas e desestimulados.

A escola de Mandari foi reformada em 2006, trazendo melhoria para a comunidade, no entanto, será que somente uma reforma na estrutura física seria suficiente? É preciso reformar também o modo como os professores veem a escola, para que comecem a ter compromisso com seus alunos, valorizando o esforço de ir estudar, mesmo nas condições de vida exaustiva que levam. Uma alteração deve ser feita também no sistema de transporte da educação, porque os ônibus estavam sempre quebrados, o que dificultava a frequência dos alunos na escola.

Aqui, os autores trazem outro dado importante: (em 2002) existe uma média de 210 mil escolas no Brasil. Mais de 13 mil não possui banheiros. Mais de 9 mil não tem água.

Em outra escola estadual há 15 quilômetros do Rio de Janeiro, em Duque de Caxias, a realidade não é muito diferente. A escola possui um pouco mais de estrutura, porém os alunos são considerados ”desinteressados”. Existe muito stress dos professores pela própria falta de preparo em como lidar com os alunos, especialmente porque há uma grande diferença de idade entre eles. Os mais velhos, que eram os que “queriam estudar” ficavam na frente, enquanto os mais novos, que “não queriam estudar”, ficavam fazendo bagunça, jogados e excluídos da visão dos professores no fundo da sala, apenas eram notados quando a indisciplina era muito grande.

Os alunos acabam não aprendendo os conteúdos colocados como básicos, e quando vão para o conselho de classe por reprovação, os professores são orientados a não reprovar para não desestimular os alunos, assim, tem-se duas situações: ou os alunos são aprovados em todas as disciplinas, ou participam do sistema de dependência, em que continuam fazendo a disciplina reprovada no próximo ano junto com as outras. Essa prática parece não ser adequada  tendo em vista que as disciplinas tem uma continuidade, e se o aluno não passa nem por uma das etapas de uma matéria, como vai conseguir lidar com duas etapas de uma vez só? Se o real interesse fosse a aprendizagem e a preparação do aluno para o futuro, o mesmo seria reprovado. Porém o que é discutido nos conselhos de classe é: onde o aluno estará se for desmotivado pela escola, visto que seu contexto é cercado por atrativos como drogas e crimes?

Foi apresentada uma discussão do conselho de classe sobre o caso de um aluno que havia reprovado em quase metade das matérias. A justificativa para passá-lo é que ele havia evoluído muito em sala e reprová-lo iria desestimulá-lo a ir para a escola. O Conselho de Classe passou o aluno para o ensino médio, e no ano seguinte ele reprovou. Daí geram-se os dados de alunos que não sabem ler nem escrever mesmo tendo frequentado a escola. Isso porque não há interesse real em ensinar, seja pela metodologia do sistema educacional proposta pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC), seja pelo despreparo dos professores e direção das escolas.

Um fato que vale ser ressaltado é a fala de uma Coordenadora do Núcleo de Cultura durante o documentário, onde ela diz que “o aluno assume um comportamento que não é dele, assume um comportamento que é dessa droga de bairro que não vale nada”. Isso só mostra o quanto a grande maioria das pessoas do ensino público está despreparada para lidar com a realidade nua e crua. Em uma fala preconceituosa e rotuladora, a coordenadora fez um comentário infeliz a respeito do bairro onde a escola é situada, e culpa o próprio bairro pela precariedade da escola. As pessoas estão acostumadas a colocar a culpa sempre no mais fraco, no caso, é o bairro onde a escola é situada, mas esquecem de que o governo é também responsável pelo desenvolvimento do bairro.

Em outra escola estadual, localizada a 50 quilômetros de São Paulo, a escola é exposta como a “atração do bairro”, como responsabilidade do estado e da comunidade, o que faz com que ela seja muito mais atraente para as pessoas, tendo em vista que participam da construção do local, porém ainda existe o problema da omissão dos professores, que segundo a própria diretora relata: “a legislação dá o direito dos professores faltarem aulas”. Além disso, o poder público não está realmente presente na escola, e existe muita maquiagem com relação aos resultados de qualidade da escola. Um aluno de 16 anos diz que “os professores falam que os alunos não aprendem, mas os professores faltam muito, as vezes por cansaço, e aí os alunos ficam sem aula”. Além disso, os próprios funcionários da escola assumem que o modelo atual de escola é muito antigo, e que do lado de fora existe muito mais informação vista como interessante pelos alunos. O aluno tem que ver de que forma o conhecimento vai ser usado e como ele pode ser benéfico no futuro, se ele não consegue ter esse ponto de vista, a matéria será vista como “chata” ou “desinteressante”.

Enquanto isso em uma escola particular de São Paulo, os alunos não conhecem realmente a realidade, e caracterizam como “dois mundos” diferentes, o mundo dos ricos e dos pobres, com uma imagem ilusória do que realmente ocorre fora de sua realidade. A escola  poderia também ter um papel social, tendo em vista que se um profissional for formado com uma visão distorcida da realidade, muito provavelmente, quando se deparar com um contexto diferente do seu, terá dificuldade em promover ações que possam contribuir, de fato, com a sociedade. Muitos alunos dessa escola falaram do pouco apoio familiar, o que torna suas vidas um tanto caóticas. Muitos relataram que procuravam apoio com alguns professores, como a professora de filosofia. Percebe-se que até as escolas particulares, que são colocadas como estruturalmente melhores, não possuem a estrutura adequada para dar suporte aos alunos.

Em linhas gerais, o documentário mostra realidades ditas como diferentes, mas que, em alguns aspectos, são bem parecidas. A grande diferença é que o sistema das escolas particulares é bem mais rígido quanto ao aprendizado e detém como meta preparar o aluno para o futuro e não prender a atenção do mesmo como forma de proteção da drogadição e violência que ultrapassam os muros das escolas. Agrega-se a isso, o fato do professor, nas escolas particulares, ter melhores condições para o ensino. Mas, de uma forma geral, o modelo de ensino continua ultrapassado, tendo em vista  que o professor teria que se adentrar mais na realidade do aluno, e não apenas cumprir horário ou jogar conteúdos para os alunos “se virarem”. Assim, esse documentário corrobora com o fato de que há um problema educacional grave e de que é preciso iniciar um planejamento de melhoria com urgência, tendo em vista de que a educação é o pilar central de uma sociedade, e uma sociedade bem educada pode diminuir diversos problemas em outras áreas.

Para finalizar, cabe ressaltar que a gritante diferença tratada no documentário pode ser vista com clareza na divergência no discurso de duas alunas, uma de colégio público e outra de colégio particular. A primeira relata sobre o seu esforço incessante nos estudos, do amor pela leitura que a faz escrever muito bem, porém, por estar em um colégio público e viver em um contexto com dificuldades financeiras, os créditos de seus textos não aparecem, seus professores simplesmente desclassificavam-os por acreditarem que os mesmos tinham sido retirados de outras fontes que não sua própria ‘cabeça’. Já a segunda garota,  que possui boa condição financeira, devido sua grande dedicação aos estudos é inscrita em maratonas de química, competições de matemática, sem que isso, muitas vezes, seja o seu desejo, visto que ela se percebe durante o relato tão dedicada ao estudo que deixou de lado coisas que caberiam à sua idade. ‘Uns com tanto e outros com tão pouco’, cabe aqui esse comentário informal,  mas que se encaixa nas contradições não só do documentário, mas de uma realidade que tropeçamos diariamente pelas escolas do Brasil.


FICHA TÉCNICA DO FILME

PRO DIA NASCER FELIZ

Título Original: Pro Dia Nascer Feliz.
Gênero: Documentário
Origem: Brasil, 2006.
Direção: João Jardim.
Roteiro: João Jardim.
Produção: Flávio R. Tambellini e João Jardim.
Fotografia: Gustavo Hadba.
Edição: João Jardim.
Música: Dado Villa-Lobos.

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