O Protagonismo Feminino em Game of Thrones através da Personagem de Arya Stark

Compartilhe este conteúdo:

 

Giselle Carolina Thron: giselle.thron@ceulp.edu.br

A icônica série televisiva Game of Thrones estreou em 2011 e se tornou um fenômeno mundial. Adaptada dos livros de George R.R. Martin, Crônicas de Gelo e Fogo, a saga épica apresenta um mundo repleto de intriga política, batalhas sangrentas e personagens complexos. A série se passa em um mundo fictício, com inspiração medieval, tendo como local o continente de Westeros e Essos e a luta pelo Trono de Ferro. Westeros é um continente dividido em Sete Reinos, cada um governado por uma família nobre. As principais famílias envolvidas são os Stark, Lannister, Targaryen e Baratheon, cada uma com suas próprias motivações, interesses, intrigas e rivalidades.

A série explora as complexidades do poder político, mostrando as estratégias, alianças e traições entre as diferentes casas nobres. Os personagens estão constantemente tentando obter vantagens políticas, seja através de casamentos, negociações diplomáticas ou manipulação, o que gerou durante sua narrativa várias guerras e batalhas sendo estas de inspiração nas guerras e conflitos ocorridos no período medieval. Além disso, conta, também, com vários elementos de fantasia, tais como dragões, lobos gigantes, zumbis, os caminhantes brancos e antigas formas de magia.

Cada personagem tem sua própria motivação, história e arco narrativo. Ao longo da série, acompanhamos as jornadas individuais dos personagens, que são confrontados com escolhas difíceis e consequências impactantes. Ao pensarmos na gama de personagens interessantes da série, e sobretudo, o que se trata o texto, o universo feminino, as quais desempenham papéis importantes na trama da série, desafiando estereótipos de gênero e demonstrando força, coragem e inteligência nos lembramos inicialmente da poderosa Daenerys Targaryen ou a ardilosa Cersei Lannister, mas, no contexto do texto que hora desenvolvemos o destaque será dado à personagem Arya Stark.

Arya Stark é a filha mais nova da Casa Stark, e se desenvolveu como uma notável determinação e habilidades de combate. Ao longo da série, ela passa por uma jornada de autodescoberta e se torna uma assassina treinada e destemida. Arya desafia os papéis tradicionais de gênero e se torna uma figura de resiliência e vingança. Uma personagem corajosa, teimosa e determinada desde o início da história. Ela se destaca por não se encaixar nos papéis tradicionais esperados das mulheres em Westeros. Diferente de sua irmã Sansa, Arya não se interessa por atividades femininas, como costura e etiqueta. Em vez disso, ela prefere lutas de espadas, arco e flecha, e se envolve em atividades consideradas mais “masculinas”.

                                                                   Fonte:HBO Entertainment

Poster de divulgação de Game Of Thrones personagem Arya Stark

Percebe-se a quebra de estereótipos que a personagem representará logo quando ela é apresentada na primeira temporada da série. Uma menina de 11 anos de idade que rejeita as tarefas tipicamente femininas como bordado e costura e é apresentada treinando esgrima vestindo camisa, calça e botas tipicamente masculinas. Os gostos pessoais da menina se apresentam como fonte de preocupação para seus pais que, assim como idealizaram um bom casamento para a irmã mais velha, sonhavam com um casamento para ela. Em um diálogo entre pai e filha Arya deixa claro que as aspirações que seus pais sonhavam para ela não era o que a própria menina queria:

                                                                 Arya: – Eu posso ser Senhora de um castelo?

                                                                                        Ned: – Você se casará com um Senhor e governará o                   castelo dele. Seus filhos serão cavaleiros, princesas, senhores.

                                                         Arya: – Não. Essa não sou eu. (T01E04).

Logo no início da série e as conspirações pelo poder levaram Arya a se separar de sua família. Primeiro, ela precisa se disfarçar de menino para não ser reconhecida e se une a um grupo de recrutas com o intuito de fugir da cidade onde as conspirações levaram à execução de seu pai. Sozinha, em um ambiente totalmente hostil, a menina consegue se defender de todos os perigos que a cercam enquanto planeja sua vingança a todos e todas que conspiraram para a morte de Ned Stark, seu pai. Logo após, Arya se une à outro personagem da série, Clegane, personagem rude conhecido como Cão de Caça, o qual representa uma espécie de anti-herói no contexto da história. O encontro dos dois é também marcado por interesse, pois ele leva a menina como refém na esperança de ganhar uma boa recompensa. O desenrolar do relacionamento dos dois leva a crer, inicialmente, que ele assumiria um papel de figura paterna/protetiva, no entanto, Arya se aproveita dos dotes de guerreiro de seu sequestrador para se aperfeiçoar na esgrima e autodefesa.

Finalmente, conseguimos observar uma relação construída entre os dois conferindo um ar de hostilidade mas também compreensão mútua e até mesmo respeito, uma vez que os dois estavam em busca de vingança. Por fim, os dois se separam quando ele, ferido, é deixado por ela que segue seu caminho e se torna aprendiz de uma comunidade conhecida como Sem Rosto, uma organização de assassinos e adoradores do Deus de Muitas Faces em Braavos, sendo uma das habilidades mais notáveis desta comunidade a transmutação de rostos, ao que Arya se aproveita para aprimorar suas habilidades de combate e disfarce. Neste ponto da trama, ela enfrenta desafios mentais e físicos, incluindo enfrentar seu próprio passado e abandonar sua identidade. No entanto, ela também questiona o objetivo e os métodos daquela comunidade, especialmente quando eles lhe pedem para renunciar à sua identidade e matar indiscriminadamente. Eventualmente, ela recupera sua independência e se recusa a completar uma missão de assassinato, optando por seguir seu caminho. Embora ela tenha deixado os Sem Rosto, Arya ainda mantém as habilidades que aprendeu lá e a usa ao longo da história para se vingar daqueles que prejudicaram sua família.

Ao deixar a comunidade dos Sem Rosto, Arya se mantém no desejo de vingar a morte de seu pai e agora outros membros de sua família, que também foram assassinados devido a conspirações. Sua mãe e seu irmão mais velho foram assassinados em um momento de grande drama da série, o Casamento Vermelho. Assim, Arya, utilizando-se da habilidade de transmutar o rosto, consegue se infiltrar no castelo dos assassinos, envenena toda a linhagem da casa e oferece a carne de seus descendentes para o lorde da casa comer o assassinando em seguida. Outro marco importante para a personagem Arya Stark foi a morte do Rei da Noite um dos grandes vilões da história, o líder dos Caminhantes Brancos, espécie de zumbis, o Rei da Noite marchava para o ataque e possível eliminação da região de Winterfell e foi morto justamente por Arya que o apunhalou com uma adaga especial.

            A morte do Rei da Noite, um dos grandes antagonistas da série, pelas mãos da personagem Arya é um evento significativo no desenrolar da história. A forma como ele é derrotado por ela possui pontos de relevância, o primeiro deles é a subversão das expectativas, pois ao longo da história somos levados a acreditar que Jon Snow, o protagonista e herói em muitos aspectos, seria aquele que finalmente derrotaria o Rei da Noite. No entanto, a escolha de Arya Stark para realizar o ato subverte as expectativas tirando da sempre figura heroica masculina a cartada final para exterminar o grande vilão. A morte do Rei da Noite também é entendida como o ápice do arco de desenvolvimento de Arya a qual passou por um treinamento rigoroso com ao longo de sua jornada, adquirindo habilidades de combate e assassinato. Sua jornada de vingança pessoal, combinada com seu treinamento, a transforma em uma assassina altamente habilidosa e determinada, tornando-a capaz de enfrentar aquela que se apresenta como a grande ameaça sobrenatural.

Ao analisarmos a trajetória da personagem Arya Stark podemos extrair vários elementos importantes: ela desenvolve um forte senso de justiça e busca vingança contra aqueles que causaram mal a ela e sua família. Arya Stark é admirada por sua determinação, habilidades de sobrevivência e força de vontade. Ela desafia as expectativas de gênero em um mundo dominado pelos homens e é uma figura que representa resiliência e independência, uma das principais características de Arya é sua determinação inabalável. Desde o início, ela se destaca por sua personalidade independente e sua recusa em se conformar com os papéis tradicionais de gênero desafiando as expectativas familiares e sociais e se esforça para encontrar seu lugar em um mundo brutal e complexo. Arya passa por uma série de experiências traumáticas e perdas ao longo da história, o que a obriga a se adaptar e sobreviver em circunstâncias adversas, aprende a lutar, a esconder sua verdadeira identidade e a confiar apenas em si mesma. Essas experiências moldam sua mentalidade e a tornam uma personagem resiliente e corajosa. Além de sua força física e habilidades de luta, Arya também possui uma inteligência aguçada e uma habilidade única de observar e aprender com as pessoas ao seu redor. Torna-se uma mestra na arte do disfarce e da manipulação, usando essas habilidades para sobreviver e se vingar daqueles que causaram mal a ela e sua família.

Arya também é uma personagem complexa, com uma mistura de raiva, tristeza e desejo de justiça, enfrenta dilemas morais ao longo de sua jornada, e sua busca por vingança a leva a questionar suas próprias noções de justiça e até onde está disposta a ir para alcançar seus objetivos. Uma das partes mais fascinantes da personagem de Arya é seu relacionamento com a identidade e a conexão com sua família carregando o nome e a honra da Casa Stark, mas também adota várias identidades falsas ao longo da série. Ela luta para equilibrar seu desejo de vingança e sua necessidade de preservar sua verdadeira identidade. Arya Stark é frequentemente analisada de uma perspectiva feminista devido à sua representação de uma personagem feminina forte, independente e desafiadora dos papéis de gênero tradicionais. Sua jornada e características específicas são frequentemente consideradas empoderadoras e inspiradoras para os que acompanham a história.

Aqui estão alguns aspectos da personagem que podem ser analisados ​​sob uma lente feminista: Desafio aos estereótipos de gênero rejeitando as expectativas tradicionais de comportamento feminino em uma sociedade patriarcal. Ela demonstra interesse em atividades consideradas “masculinas”, como lutas de espada e arco e flecha, em vez de se envolver com as tarefas e habilidades femininas esperadas. Essa quebra de estereótipos reforça a mensagem de que as mulheres têm o direito de seguir seus próprios interesses e paixões, independentemente das normas de gênero impostas.

A sua busca constante por autonomia e independência fizeram-se presentes durante todo o seu percurso. Arya busca constantemente sua própria independência, navegando por um mundo perigoso por conta própria. Ela desafia as expectativas sociais e reivindica sua própria agência, buscando seu caminho e tomando suas próprias decisões. Sua busca por vingança e justiça é um exemplo de sua determinação em moldar seu próprio destino, em vez de ser uma figura passiva. Ela é resiliente e adapta-se às circunstâncias adversas, aprendendo com suas experiências e fortalecendo-se. Essa resiliência é um aspecto inspirador da personagem, mostrando que as mulheres podem enfrentar desafios e se recuperar com força e determinação.

Outro ponto a ser destacado é a quebra de padrões de beleza convencionais, pois ela não se preocupa com a aparência ou em se enquadrar nos padrões de beleza estabelecidos pela sociedade. Ela se recusa a se conformar com as expectativas de feminilidade e valoriza suas habilidades, inteligência e força interior em vez de sua aparência externa. Isso envia uma mensagem de que a autoestima e o valor pessoal não devem depender de aparência física. Assim como as noções de camaradagem e sororidade uma vez que Arya desenvolve relacionamentos fortes com outras personagens femininas ao longo da série. Ela compartilha momentos de camaradagem e apoio mútuo com personagens como Brienne de Tarth e Yara Greyjoy, mostrando a importância das conexões e do apoio entre mulheres em um mundo onde são frequentemente subestimadas.

O final de Arya Stark é sobremaneira sugestivo, enquanto sua irmã mais velha assume o trono de sua casa, ela se recusando a permanecer na casa de sua família e indo em busca de seus sonhos infantis de conhecer o mundo, a sua última cena é a bordo de um navio rumo à outros continentes e o desconhecido.

Referências:

GAUDENZI, Mariana Vargas. BICCA, Angela Dillmann Nunes. Aprendendo sobre Feminilidades com Arya e Sansa Stark da Série Game Of Thrones. Vol 08, N. 03 – Jul – Set. 2022. ISSN 2525-6904. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/cadgendiv/article/view/39101/27731 . Acesso em: 11/08/2023

PEIXOTO, Beatriz Viana Barboza. Representação do Feminino na Mídia: Um Estudo de Caso da Oitava Temporada de Game of Thrones. (Monografia) Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ. 2021. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/14725/1/BPeixoto.pdf. Acesso em: 11/08/2023

RANGEL, Izabela Pereira. VIEIRA, Vanrochris Helbert. Arya Stark: Representação Feminina em Game of Thrones. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba – PR – 04 a 09/09/2017. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-0714-1.pdf . Acesso em: 18/08/2023

SOUSA, Fernanda Cristina Cobo de. Game of Thrones e sensibilidade pós-feminista: uma análise da trajetória das mulheres de Westeros e Essos. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Belo Horizonte – MG – 7 a 9/6/2018. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.portalintercom.org.br/anais/sudeste2018/resumos/R63-0133-1.pdf. Acesso em: 18/08/2023

TOLEDO, Ludmila Soares. Representações Femininas na Literatura de Fantasia. (Monografia) Universidade de Brasília. Brasilia, DF. 2014. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://bdm.unb.br/bitstream/10483/9428/1/2014_LudmilaSoaresToledo.pdf. Acesso em: 18/08/2023

 

 

 

 

Compartilhe este conteúdo:

O grito de liberdade: respeitem o meu desejo

Compartilhe este conteúdo:

Breve contexto da mulher social. No período paleolítico, a mulher era figura centralizada, ser celestial, uma deusa, o sagrado, uma divindade, pois, essa figura era capaz do fantástico, trazer ao mundo um outro ser, o que o homem não era capaz. As relações entre homens e mulheres eram espontâneas, não existia o fator transmissão de heranças, poder e disputas de territórios. 

Sua objetivação, à agente da passiva social, se construiu a partir da consciência do homem em sua participação no processo reprodutivo. A partir daí, inicia-se o processo de estratificação social e sexual, a idealização de casamento, herança e propriedade. 

Após essa consciência do homem, a figura feminina é tratada de forma desconstruída e inferiorizada. Na filosofia temos a fala de filósofos como:  Aristóteles- “Portanto, as mulheres são mais compassivas e prontas a chorar, mais invejosas e mais sentimentais e mais contenciosas. A fêmea também está mais sujeita à depressão do espírito e ao desespero do que os homens. Ela é também mais desavergonhada e falsa, mais prontamente enganada, e mais atenta às injúrias, mais ociosa e, em geral, menos excitável que o macho. Pelo contrário, o macho está mais disposto a ajudar e, como já foi dito, mais valente do que a fêmea.” Para Platão, “Mulheres e homens têm a mesma natureza em relação à tutela do Estado, salvo na medida em que um é mais fraco e o outro é mais forte”. 

Sai da filosofia e cai na escritura sagrada, são 31 versículos Bíblicos que citam as mulheres estéreis, se não gesta, é estéril, bem como, àquelas que perderam a sua capacidade fim, a reprodução, mesmo uma vez parido, a falta dessa capacidade, dava ao marido o direito em substituí-la por mulheres mais jovens e férteis. São exemplos clássicos de imagens impactantes de inferiorização e desconstrução da figura feminina e de sua capacidade de ser sujeito de sua vida.  

Em tempos de maior escuridão para a mulher, esta já nascia predestinada a casar, ter filhos, seu destino para a finalidade reprodutiva já estava prescrito, nascer, crescer e reproduzir. Ela não tinha voz para contradizer. Tanto que quando Freud, iniciou seus estudos com as mulheres histéricas, concluiu que os sintomas das histerias estavam relacionados a problemas de ordem sexual. A mulher não possuía capacidade para os atos civis, primeiramente estava sob a guarda paterna, depois, era repassada ao marido. Onde estaria esse amor materno sublimado? Será que a histeria já não era um indicativo de negação à maternidade?  

Sendo a figura feminina por tudo e todos inferiorizada, trataram de seduzi-la com uma proposta compensatória, a maternidade, pois bem, assim, ela poderia ser “quase igual ao homem”.  Emerge então, a figura da mãe, o verniz social e enquadramento dessa mulher, para que ela seja o símbolo do amor supremo, isso, caso seja ela possuidora da capacidade em ser mãe, não esqueçam que nas escrituras bíblicas, não ser mãe é comparada à árvore sem frutos. Impondo a ela uma responsabilidade e peso social sem limites.  

A obra Pietá, do mestre Michelangelo data de 1499

E o canto da sereia sussurra ao vento, em uma sedução quase “irresistível. A maternidade para a mulher aparece como Macunaíma, já nasceu grande, transformada no mito do amor perfeito, da benevolência, piedade, renúncia, da capacidade de cuidar, zelar, sofrer por amar e amar incondicionalmente. 

Registrado em maior ênfase nas obras sacras, pinturas e literatura, onde a figura feminina está sempre representada de forma mais avolumada, seus mantos são grandes para causar o impacto visual, como é grande o seu poder de amar, bem como, a figura permanente de crianças em seu colo ou ladeando-a, demonstração da grandeza e das delícias da maternidade. Porém, com um olhar mais próximo, percebe uma certa angustia nas faces dessas mulheres. Neste sentido, temos o dito popular: “ser mãe é padecer no paraíso”.

Fonte: Pixabay

Apesar desse encantamento para conduzir a fêmea humana, tratando a todas de forma igual, como sendo esse o desejo de toda mulher, esse sentimento está a cada dia tornando -se distante. Na verdade, essa “vontade” está sendo rompida, a figura feminina, escolhe como, quando e se quer ser mãe. A ciência tem colaborado com essa ruptura. 

Com o advento da liberdade feminina, principalmente quando da escolha de seu parceiro e os métodos contraceptivos, esta ideia está se desfazendo como nuvens, a mulher não está preocupada com os olhares de reprovação social.

Arquivo pessoal da autora

Hoje a mulher dirige sua vida, desejos e vontades, não se preocupando se árvore produtiva ou seca e inóspita, árvore sem frutos possuem outros atrativos, ela sabe do seu real valor. Suas avós eram mães de grandes proles, 12, 15 filhos, suas mães por volta de 10 ou 8; sendo que esse número vem decaindo consideravelmente, base nas informações dos Cartórios de Registro Civil no Estado de São Paulo mostra que o número médio de filhos, entre 2000 e 2020, passou de 2.08 filhos por mulher para 1,56, significando redução de 25%.

A nova ordem mundial, já evidencia que a tendência será da mulher dizer não, não estou propensa à maternidade.  Essa redução é mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU), baseada em dados de 2009, divulgou os seguintes resultados de fecundidade: Europa (1,52), Canadá e Estados Unidos da América (2,02), América Latina (2,17), Ásia (2,3), Oceania (2,42), África (4,45). No Brasil, a taxa de fecundidade é de 1,94 filho por mulher.

Essa mudança inicia quando mulher, rompe com a estrutura patriarcal do casamento “arranjado”, e se define na escolha de seu parceiro para figurar como esposo e pai de seus filhos. Aí sim pode-se dizer que a maternidade começa a (re)desenhar uma nova geografia do sentimento amor materno e se alonga, rompendo também com a ideação que a mulher foi feita para parir. Ela também quer ter o poder de escolha, decisão e opinar sobre a sua sexualidade, libido e prazer. Ter prazer por prazer além da maternidade. Distanciando, cada vez mais, dos moldes dos séculos passados.  

A queda do muro da maternidade parece ainda estar na 1ª fase do desenvolvimento humano. Quando, genuíno manifesto da mulher, que fala que seu desejo não é compatível com a maternidade, logo surge alguém para corromper o desejo dessa mulher. Tratam- a como estéril, não somente na capacidade de gerar filhos, mas também, estéril por ser fria, egoísta, calculista, que não gosta de crianças. Onde já se viu rejeitar o Sagrado? 

Arquivo pessoal da autora

Essa liberdade é criticada e está tornando-se vilã e pouco agrada aos olhos dos conservadores por determinar e não acreditar, ainda ou fingir que não acredita, que a mulher possa desenvolver o papel ativo, por que esse princípio é do macho alfa.  

De todas as formas, a espécie feminina é alvo de críticas sociais, se mãe solo é criticada por ser tratada muitas vezes, como sendo uma libertina e irresponsável sexual, se casa e depois divorcia, é a incapaz, não teve a capacidade em preservar o marido e a família. Se ela se define que não quer ser mãe, é criticada mais uma vez, por ser tratada como fria, calculista e egoísta. Dirão: Como pode, o sagrado deu a ela a oportunidade de ser mãe e ela repudia?

Essa ideia machista é real e presente na nossa sociedade, representada nos crescentes feminicídios em razão da recusa da mulher não querer prolongar um relacionamento. Para o sexo masculino, essa postura feminina está invertendo a ordem social, quem manda é o macho e quem obedecesse é a mulher, o sexo frágil.

As formas ortodoxas de poder já não são aceitas pela classe feminina. Em tempos contemporâneos, ela tece sua vida, onde cria os novelos familiares, amorosos e laborais em uma perspectiva ilimitada no que aspira e deseja para sua vida. Foi-se o tempo em que sua voz, era meros sussurros inaudíveis, que se perdiam ao ecoarem ao vento.

Nesse sentido, a maternidade tida como natural, sagrada e necessária, está sendo transformada gradativamente para ajustar à nova realidade feminina, hoje ela possui a seu favor a alternativa de retardar a gravidez para momento em que considerar oportuno ou dizer abertamente que não aspira a maternidade. Os métodos de planejamento familiar e a ciência propiciam que mulheres possam optar em que fase da vida desejam ser ou não ser mães. Os fatores socioeconômico e cultural de cada mulher possuem impacto e definem suas escolhas.

Ser mãe ou não ser, eis a questão.  Por um lado, se for uma escolha planejada e responsável a maternidade apresentará um estreito vínculo emocional entre mãe e filho, por outro lado, se a opção for pela ‘não ser mãe’, provoca a indignação dos instintos mais primitivos da natureza humana. A mulher não é uma ameba em coma, ela é capaz de tomar decisões sobre seu corpo, sua vida e assumir posturas se for a ela apresentadas e oferecidas de igual forma e oportunidades que são ofertadas para os homens. 

Em fim, já que estamos em um momento de extrema religiosidade, deus pátria e família, eis um recado para os desavisados, a mulher contemporânea e progressista, também têm seu desejo estampado no texto Bíblico: Lucas 23h29min: “Porque eis que hão- de vir dias em que dirão: Bem-aventuradas as estéreis, e os ventres que não geraram, e os peitos que não amamentaram”!

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES- Obras Completas – História dos animais- 1ª Edição -2014- Editora- WMF Martins Fontes.

Matos, Samuel- Bíblia Comentada por versículos. 

Nunes, S. A. (2011). Afinal, o que querem as mulheres? Maternidade e mal-estar. Psic. Clin., Rio de Janeiro, 23(2),101-115

Organização das Nações Unidas (ONU).

Platão- A República- 1ª edição- editora Lafonte- 2020.

Compartilhe este conteúdo:

As Meninas Superpoderosas como referências da figura feminina

Compartilhe este conteúdo:

Os efeitos do trio Meninas Superpoderosas como uma influência da geração, três personagens com personalidades completamente diferentes se tornando referências do que é ser mulher sem ser princesa.
Giovanna Gomes

O ano é 2004. As crianças ligam a TV logo de manhã cedo para ver desenho, e as meninas ficam focadas em um desenho de super-heroínas. De cores verde, azul, e rosa, pequenas meninas batem em bandidos e defendem a cidade de vilões malignos.

Essa geração cresce, influenciadas pelas figuras femininas delicadas e pequenas que é possível ser heroínas. Não é necessário ser princesas delicadas para serem importantes, surge um desprincesamento em uma geração.

As Meninas Superpoderosas, com nome original de Powerpuff Girls, é uma série de animação que foi exibida no Brasil entre os anos de 1998 até 2005 pela Cartoon Network e SBT. Criada por Craig McCracken, o desenho possui três personagens femininas principais, um cientista tomando o lugar de figura paterna, e diversos vilões (alguns deles até mesmo quebrando normas de gênero, como o personagem Ele).

Lindinha, Florzinha e Docinho são As Meninas Superpoderosas. As três meninas, cada uma com uma cor representativa (Lindinha azul, Florzinha rosa, e Docinho verde), são meninas pequenas, com braços e pés com pontas arredondadas, cabeça um pouco grande para o corpo, e no geral um design inclinado para a fofura. Os episódios contam as façanhas dessas três meninas, na cidade de Townsville As meninas foram geradas a partir de uma experiência genética realizada pelo professor Utônio, cientista de um centro de pesquisa e a referência paterna das crianças.

Tal geração é contada em todos os episódios na abertura, e é muito possível encontrar pessoas que saibam de cor as falas usadas para explicar a origem das personagens heróicas.

“Açúcar, tempero e tudo que há de bom
Estes foram os ingredientes escolhidos para criar as garotinhas perfeitas
Mas o professor Utônio, acidentalmente, acrescentou um ingrediente extra na mistura
O elemento X!
E assim nasceram as meninas Superpoderosas, usando seus ultra-super poderes
Florzinha, Lindinha e Docinho, têm dedicado suas vidas
Combatendo o crime, e as forças do mal!”

Um spoiler que não é contado na abertura, é que na verdade quem derruba o Elemento X não se trata do professor, e sim de seu assistente, um macaco. Tal macaco cresce, se desenvolve, e por ter sua atenção ‘roubada’ das meninas se torna o principal vilão da série, denominado Macaco Louco.

Cada menina superpoderosa tem sua característica e personalidade marcante. Cada uma delas influenciou milhares de meninas, que anos depois se tornaram mulheres, a serem diferentes. Novamente não é preciso ser princesa para ser (algo que a Disney na época não concordava muito visto que as princesas eram exaltadas como o auge da feminilidade). Porém, em diversos momentos a animação mostra reforços do estereótipo de menino/menina, Mas em contraponto elas frequentemente quebram o local de figura passível que aguarda ser salva por um homem.

Vamos começar pela Lindinha. Com sua estética em azul, Lindinha é a personagem loira que usa chiquinhas, de vestido e olhos azuis. Visivelmente mais delicada e sensível do que as outras meninas, Lindinha é a que mais se encaixa no papel de bebê do grupo (tanto é que em muitos momentos ela é chamada de “bebê” pela própria Docinho).

Fonte: https://bityli.com/9qhBVLL

Cheia de contradição, a personagem Lindinha faz o possível para demonstrar que além da sua personalidade e seu exterior, ela consegue ser durona. Isso é um questionamento, uma quebra de imagem, que diversas mulheres passam. Há uma identificação por parte de diversas meninas que são consideradas ‘delicadas demais’, ‘fofas demais’, ‘pequenininha’, e não desejam ter apenas esse rótulo. Em Lindinha as meninas encontraram uma personagem que está em contato com a sua leveza mas que nem sempre quer que esse seja o resumo do seu exterior.

Depois partimos para Florzinha. Marcada pela cor rosa (que muitas vezes aparece como vermelho). Com um laço vermelho grande na cabeça, cabelos ruivos, vestido e olhos cor de rosa, Florzinha é dada como ‘perfeitinha’. Vaidosa, geralmente quem toma a frente no comando das meninas, inteligente e perfeccionista, é difícil ver meninas que tinham a personagem Florzinha como sua favorita.

Fonte: https://bityli.com/9qhBVLL

O histórico que a maior parte das mulheres têm em relação a Florzinha remete muito ao processo de competitividade feminina. A mídia constantemente incentiva mulheres a competir entre si: competir por um cargo, competir por um homem, competir até mesmo por um vestido. As mulheres da mídia que são retratadas como a inimiga da protagonista tendem a ser como Florzinha: perfeitas em quase todos os aspectos.

A última personagem a ser retratada é a Docinho. Com olhos e vestido verde, Docinho tem os cabelos curtos e expressão forte. É ela quem desafia a figura de delicadeza feminina de forma mais acentuada entre as três.

Fonte: https://bityli.com/9qhBVLL

Docinho é retratada o tempo todo como impulsiva, de humor explosivo, com uma agressividade maior do que as outras. Dentre as três, é ela quem mais desafia a figura de que meninas, mulheres, têm que ser princesas. É a partir de Docinho que se ergue o maior fator de desprincesamento proposto pelas personagens principais. Em Docinho, as meninas encontraram uma figura a quem se inspiraram quando precisavam ser fortes. Quando precisavam brigar por algo que queriam, quando viam alguma injustiça, ou simplesmente quando não queriam ser princesas.

  Todas as três personagens trazem aspectos diferentes da figura feminina das quais as meninas puderam se espelhar. Em diversos personagens, é possível ver as protagonistas brigando contra estereótipos de gênero atribuídos ao gênero feminino ao mesmo tempo em que não se perdem da sua essência. Um exemplo disso é a relação entre Lindinha e Docinho. Lindinha, por mais que queira ser durona, está feliz e confortável com a sua personalidade e seu exterior mais amável, enquanto Docinho não tem vergonha ou medo de ser durona. Em diversos momentos é possível ver a troca entre essas personagens em relação às suas personalidades, mas em momento algum elas se tornam figuras descaracterizadas de si mesmas.

REFERÊNCIAS:

ALVES, Caroline Francielle; OLIVEIRA, Maria Regina de Lima. “Não me chama de princesa”: o mito da fragilidade feminina e o desprincesamento em “As meninas super poderosas”. II SEJA – Gênero e Sexualidade no Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás (UEG), 2017, Junho. V. 2. Pag. 36-49.

SALGADO, Raquel Gonçalves. Da menina meiga à heroína superpoderosa: infância, gênero e poder nas cenas da ficção e da vida. Cad. Cedes, Campinas, 2012. Jan-Abr. Vol. 32, n. 86, p. 117-136.

Tema inicial – Powerpuff Girls (Meninas Super-Poderosas). Disponível em: <https://www.letras.mus.br/powerpuff-girls-musicas/1102948/>. Acesso em 17 de Nov. de 2021.

Compartilhe este conteúdo: